Livro fala sobre clima e vida fora da Terra: ‘O planeta não é só um mundo dentre tantos outros’


Marcelo Gleiser lança ‘O Despertar do Universo Consciente: Um Manifesto para o Futuro da Humanidade’, propondo soluções para o aquecimento global

Por Roberta Jansen
Atualização:

Desde que o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) demonstrou que a Terra não é o centro do Universo, o planeta se tornou, cada vez mais, um insignificante pontinho azul em meio à imensidão do espaço. Quanto mais aprendemos sobre o Cosmos, mais irrelevantes nos tornamos, habitantes ocasionais de mais um astro rochoso, em meio a bilhões e bilhões de outros.

O físico e astrônomo Marcelo Gleiser, professor da Universidade de Dartmouth (EUA), propõe repensarmos toda essa insignificância em O Despertar do Universo Consciente: Um manifesto para o futuro da humanidade (Ed. Record), seu mais novo livro, que acaba de ser lançado. Segundo ele, se quisermos salvar o nosso projeto de civilização, precisamos rever essa história.

Examinando a trajetória da existência na Terra e as perspectivas de vida em outros planetas, o astrônomo argumenta que temos usado o paradigma errado em relação ao lugar que ocupamos.

Deveríamos, segundo ele, abraçar uma perspectiva biocêntrica – que tenha a vida como centro, que reconheça a raridade do nosso planeta e da nossa existência, em meio a um Universo hostil. Só assim, diz ele, poderemos nos unir para salvar a Terra do colapso climático iminente.

O astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser lança novo livro em que volta atenção ao planeta Terra e à iminência de um apocalipse climático Foto: Eli Burakian/Dartmouth College/Reuters

“O planeta não é apenas um mundo dentre outros tantos”, afirma Gleiser. “Ele é muito especial, tem vida, uma vida que surgiu e se mantém há 3,5 bilhões de anos. Isso é algo muito raro no Universo.”

A revolução científica que se seguiu a Copérnico, nos séculos 16 e 17, trouxe inúmeros avanços e descobertas cruciais para a vida no planeta. Mas, na análise de Gleiser, também separou a vida humana da vida do planeta, matando a noção de que a natureza é sagrada.

“Com as populações crescendo, inventamos métodos cada vez mais eficientes para explorar os recursos naturais necessários para sustentar nosso apetite”, escreve, em seu novo livro, o cientista, primeiro latino-americano a receber o Prêmio Templeton, ‘o Nobel da espiritualidade’, em 2019.

“A Terra perdeu o seu encantamento. Foi dessacralizada e objetificada, povoada por seres pecadores e bestas selvagens. O que antes era sagrado passou a ser alvo de exploração e de abuso, existindo apenas para suprir nossas necessidades”, diz.

Por isso, ele propõe recontar a história do Universo, mostrando o quão raro é este planeta. “Precisamos ressacralizar nossa relação com a Terra.”

Leia os principais da entrevista:

Nos tirar do centro do universo, em principio, foi algo positivo, não? Nos tirou de uma posição de soberba e nos deu uma lição de humildade, digamos assim.... Em que momento isso se voltou contra nós mesmos?

Essa nossa ‘saída’ do centro do Universo, que se deu no século 16 e 17 com a Revolução Copernicana e com a Revolução Científica, está correta. Não estamos no centro de universo nenhum, vivemos num planeta comum e não há nada de muito especial sobre quem somos. Essa revolução foi completada pelo (naturalista inglês e pai da teoria da Evolução, Charles) Darwin, que falou sobre a nossa descendência dos primatas, deixando Deus de lado.

De fato, vamos até mais além, somos descendentes de primatas e temos um ancestral comum à toda a vida na Terra, que é uma bactéria. Nossa ‘Eva’ é um ser unicelular que viveu há 3,5 bilhões de anos. Com tudo isso, o planeta passou por uma trajetória de descentralização, de objetificação. Ele deixa de ter valor espiritual, teológico. Com isso, e com o desenvolvimento das tecnologias, o homem passa a explorar o planeta para suprir suas demandas de crescimento econômico e populacional. No século 21, essa narrativa levou a um crescimento excepcional, mas também a riscos sem precedentes. Estamos numa encruzilhada.

O livro é uma forma de reescrever essa história....

O livro é uma tentativa de reposicionar essa narrativa de forma que o ser humano passe não a ocupar uma posição central no Universo, mas a valorizar ou ressacralizar nossa relação com o planeta Terra. O planeta Terra não é apenas um mundo dentre outros tantos. Ele é muito especial, tem vida, uma vida que surgiu há 3,5 bilhões de anos. Isso é algo muito raro no Universo. Precisamos mudar essa narrativa de que não somos tão especiais e recontar a história de quem nós somos, da importância do nosso planeta e da raridade da vida, reposicionando o ser humano como sendo a voz do Universo.

Aliás, como digo logo na primeira frase do livro, o Universo só tem uma história porque estamos aqui para contá-la. Temos diversas narrativas distópicas e catastróficas sobre o fim do mundo; não há como minimizar o que acontece climaticamente e economicamente no planeta. Mas estou cansado de só levantar bandeiras vermelhas sem apresentar propostas de solução; isso não leva a nada. Vamos recontar a história do Universo, mostrar a raridade que é o planeta Terra, valorizar o mundo que temos, e usar os recursos para salvar nosso projeto de civilização.

O argumento de que haveria vida em outros planetas é baseado na vastidão do Universo e no tão pouco que ainda conhecemos sobre ele. Já há indícios suficientes para dizer que não há vida em outros planetas? Que a vida na Terra é algo tão raro assim?

Que não há vida em outros planetas é impossível determinar. O problema é que estimar o número de civilizações extraterrestres é basicamente um jogo de adivinhação. O pensamento indutivo diz que as leis da Física e da Química são as mesmas, se há tantos mundos e se vida na Terra, deve haver vida em outros planetas. O problema é que não temos a menor ideia sobre como estimar que tem vida.

Ah, o planeta tem um tamanho similar ao da Terra, uma estrela parecida com o Sol. Mas ter um planeta do tamanho da Terra girando em torno de uma estrela parecida com o Sol não torna possível estimar a probabilidade de vida porque só temos um ponto de referência, um dado, um planeta, que é o nosso.

E há muitas variáveis. Por exemplo a Terra tem uma Lua muito grande, que ajuda a estabilizar o clima no planeta, tem um campo magnético que a protege de radiações cósmicas, tem uma atmosfera relativamente densa que também serve como uma espécie de cobertor. Marte não tem nada disso.

Outra coisa: não há evidência de que fomos visitados ou de que exista qualquer outra civilização no Universo. Não temos ideia até hoje de como a vida surgiu na Terra. Então, a despeito das especulações, a vida é rara e a Terra, especial.

Se não há vida em outros mundos, não temos um lugar para onde escapar, digamos assim, ou, pelo menos, não sem grande dificuldade e obstáculos. Quer dizer, precisamos viver da melhor maneira possível neste planeta. Entretanto, parece mais fácil planejar uma fuga interplanetária do que a preservar do lugar onde vivemos. Por quê?

Isso é uma coisa muito triste. É muito mais difícil, infinitamente mais difícil, planejar uma fuga interplanetária do que cuidar do nosso planeta. E a história que certos bilionários contam, sobre como podemos construir foguetes e estabelecer uma base na Lua ou em Marte, é quase criminosa. Mas, ok, vamos supor que a gente construa uma base na Lua ou em Marte, uma grande bolha, com o ar que a gente respira, o calor que nos aquece, as comidas que comemos. Quantas pessoas vão caber lá? Mil? Cem mil? Um milhão? Que solução é essa?

É absolutamente elitista e não inclusiva. Quem vai decidir quem fica por aqui para morrer? É totalmente absurdo achar que isso é uma solução. Os bilhões e bilhões que (o dono da empresa espacial Blue Origin, Jeff) Bezos e (o dono da empresa SpaceX, Elon) Musk vem investindo com esse discurso romântico de que o destino da humanidade é se espallhar pelo espaço..... Isso pode ser muito legal, mas depois de tomarmos conta do nosso planeta, a ordem está totalmente errada.

Problemas climáticos e econômicos têm estopim muito curto. Estão explodindo aqui e agora, enquanto o horizonte dessas aventuras espaciais é muito mais distante. Espalhar a humanidade pelo Universo, transformando planetas em novas terras, é um sonho absurdo. Para irmos até a estrela mais próxima do Sol, a Alfa Centauro, que fica aqui do lado em termos astronômicos, nas velocidades mais rápidas que temos hoje, levaríamos cem mil anos para alcançá-la.

Se descobrirmos uma tecnologia que nos permita viajar a um décimo da velocidade da luz, ainda assim, levaríamos 45 anos para chegar lá. Como pensar que essa é a solução para o futuro da humanidade quando a realidade é tão completamente contra isso?

No livro, você propõe alguns princípios por meio dos quais os cidadãos comuns podem contribuir, como consumir menos energia e menos água, produzir menos lixo, comer menos carne; ser mais consciente sobre o consumo, entre outras coisas. Mas como é possível propor tais mudanças numa sociedade de consumo e acumulação sem romper com a estrutura do capitalismo? Essa não é a própria base do capitalismo?

Sim, essa é uma excelente pergunta. É uma barreira gigantesca, mas não infinita. Pode ser contornada e está começando a ser contornada. Temos três maneiras de abordar isso. Uma é relacionada ao consumidor; outra, à educação, e uma terceira ao futuro da liderança corporativa.

Poderia detalhar melhor?

Obviamente não estou falando de quem não pode, mas de quem tem poder econômico para fazer escolhas. O consumidor pode escolher de que empresas comprar. Acredito no poder econômico da pressão do consumidor que força a empresa a mudar sua mentalidade para não quebrar. O consumidor tem escolhas. Ele pode comer menos carne, por exemplo.

Não precisa virar vegano, mas se cortar o consumo em 50% é ótimo. A segunda parte é uma reforma educacional. As escolas precisam contar a história do Universo, da natureza, da fragilidade dos ecossistemas, do ar que a gente respira, da água que a gente bebe.

É tão óbvio, mas a gente não para para pensar nisso. A educação tem papel importante, não só nas escolas, mas também nas famílias, comunidades, igrejas. O terceiro lado é empresarial. Já existem certificações de corporações que tenham postura alinhada com a sustentabilidade e crescimento inteligente e justo.

Não é possível ter uma ideologia de crescimento infinito num planeta finito. Quando a nossa geladeira está vazia, não dá para começar a comer prato e copo. Precisamos de um crescimento de acordo com os limites de recursos do planeta, um reposicionamento moral das empresas, que está começando a acontecer.

Mas esse reposicionamento não é muito lento pro tamanho da emergência?

Talvez, mas se não tentarmos nada, estaremos perdidos mesmo. O mundo se divide entre otimistas e pessimistas. Grandes mudanças no pensamento humano começaram com poucas pessoas. Quando falamos ao coração e à carteira das pessoas, transformações acontecem.

Espero que esse manifesto fale um pouco com os dois. Temos de sensibilizar as pessoas sobre o que está acontecendo no mundo para que virem agentes de transformação. Faço 65 anos nesta terça. O mínimo que a minha geração pode fazer é deixar um mundo melhor para as próximas; ajudar outras pessoas a seguir nesse caminho.

Desde que o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) demonstrou que a Terra não é o centro do Universo, o planeta se tornou, cada vez mais, um insignificante pontinho azul em meio à imensidão do espaço. Quanto mais aprendemos sobre o Cosmos, mais irrelevantes nos tornamos, habitantes ocasionais de mais um astro rochoso, em meio a bilhões e bilhões de outros.

O físico e astrônomo Marcelo Gleiser, professor da Universidade de Dartmouth (EUA), propõe repensarmos toda essa insignificância em O Despertar do Universo Consciente: Um manifesto para o futuro da humanidade (Ed. Record), seu mais novo livro, que acaba de ser lançado. Segundo ele, se quisermos salvar o nosso projeto de civilização, precisamos rever essa história.

Examinando a trajetória da existência na Terra e as perspectivas de vida em outros planetas, o astrônomo argumenta que temos usado o paradigma errado em relação ao lugar que ocupamos.

Deveríamos, segundo ele, abraçar uma perspectiva biocêntrica – que tenha a vida como centro, que reconheça a raridade do nosso planeta e da nossa existência, em meio a um Universo hostil. Só assim, diz ele, poderemos nos unir para salvar a Terra do colapso climático iminente.

O astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser lança novo livro em que volta atenção ao planeta Terra e à iminência de um apocalipse climático Foto: Eli Burakian/Dartmouth College/Reuters

“O planeta não é apenas um mundo dentre outros tantos”, afirma Gleiser. “Ele é muito especial, tem vida, uma vida que surgiu e se mantém há 3,5 bilhões de anos. Isso é algo muito raro no Universo.”

A revolução científica que se seguiu a Copérnico, nos séculos 16 e 17, trouxe inúmeros avanços e descobertas cruciais para a vida no planeta. Mas, na análise de Gleiser, também separou a vida humana da vida do planeta, matando a noção de que a natureza é sagrada.

“Com as populações crescendo, inventamos métodos cada vez mais eficientes para explorar os recursos naturais necessários para sustentar nosso apetite”, escreve, em seu novo livro, o cientista, primeiro latino-americano a receber o Prêmio Templeton, ‘o Nobel da espiritualidade’, em 2019.

“A Terra perdeu o seu encantamento. Foi dessacralizada e objetificada, povoada por seres pecadores e bestas selvagens. O que antes era sagrado passou a ser alvo de exploração e de abuso, existindo apenas para suprir nossas necessidades”, diz.

Por isso, ele propõe recontar a história do Universo, mostrando o quão raro é este planeta. “Precisamos ressacralizar nossa relação com a Terra.”

Leia os principais da entrevista:

Nos tirar do centro do universo, em principio, foi algo positivo, não? Nos tirou de uma posição de soberba e nos deu uma lição de humildade, digamos assim.... Em que momento isso se voltou contra nós mesmos?

Essa nossa ‘saída’ do centro do Universo, que se deu no século 16 e 17 com a Revolução Copernicana e com a Revolução Científica, está correta. Não estamos no centro de universo nenhum, vivemos num planeta comum e não há nada de muito especial sobre quem somos. Essa revolução foi completada pelo (naturalista inglês e pai da teoria da Evolução, Charles) Darwin, que falou sobre a nossa descendência dos primatas, deixando Deus de lado.

De fato, vamos até mais além, somos descendentes de primatas e temos um ancestral comum à toda a vida na Terra, que é uma bactéria. Nossa ‘Eva’ é um ser unicelular que viveu há 3,5 bilhões de anos. Com tudo isso, o planeta passou por uma trajetória de descentralização, de objetificação. Ele deixa de ter valor espiritual, teológico. Com isso, e com o desenvolvimento das tecnologias, o homem passa a explorar o planeta para suprir suas demandas de crescimento econômico e populacional. No século 21, essa narrativa levou a um crescimento excepcional, mas também a riscos sem precedentes. Estamos numa encruzilhada.

O livro é uma forma de reescrever essa história....

O livro é uma tentativa de reposicionar essa narrativa de forma que o ser humano passe não a ocupar uma posição central no Universo, mas a valorizar ou ressacralizar nossa relação com o planeta Terra. O planeta Terra não é apenas um mundo dentre outros tantos. Ele é muito especial, tem vida, uma vida que surgiu há 3,5 bilhões de anos. Isso é algo muito raro no Universo. Precisamos mudar essa narrativa de que não somos tão especiais e recontar a história de quem nós somos, da importância do nosso planeta e da raridade da vida, reposicionando o ser humano como sendo a voz do Universo.

Aliás, como digo logo na primeira frase do livro, o Universo só tem uma história porque estamos aqui para contá-la. Temos diversas narrativas distópicas e catastróficas sobre o fim do mundo; não há como minimizar o que acontece climaticamente e economicamente no planeta. Mas estou cansado de só levantar bandeiras vermelhas sem apresentar propostas de solução; isso não leva a nada. Vamos recontar a história do Universo, mostrar a raridade que é o planeta Terra, valorizar o mundo que temos, e usar os recursos para salvar nosso projeto de civilização.

O argumento de que haveria vida em outros planetas é baseado na vastidão do Universo e no tão pouco que ainda conhecemos sobre ele. Já há indícios suficientes para dizer que não há vida em outros planetas? Que a vida na Terra é algo tão raro assim?

Que não há vida em outros planetas é impossível determinar. O problema é que estimar o número de civilizações extraterrestres é basicamente um jogo de adivinhação. O pensamento indutivo diz que as leis da Física e da Química são as mesmas, se há tantos mundos e se vida na Terra, deve haver vida em outros planetas. O problema é que não temos a menor ideia sobre como estimar que tem vida.

Ah, o planeta tem um tamanho similar ao da Terra, uma estrela parecida com o Sol. Mas ter um planeta do tamanho da Terra girando em torno de uma estrela parecida com o Sol não torna possível estimar a probabilidade de vida porque só temos um ponto de referência, um dado, um planeta, que é o nosso.

E há muitas variáveis. Por exemplo a Terra tem uma Lua muito grande, que ajuda a estabilizar o clima no planeta, tem um campo magnético que a protege de radiações cósmicas, tem uma atmosfera relativamente densa que também serve como uma espécie de cobertor. Marte não tem nada disso.

Outra coisa: não há evidência de que fomos visitados ou de que exista qualquer outra civilização no Universo. Não temos ideia até hoje de como a vida surgiu na Terra. Então, a despeito das especulações, a vida é rara e a Terra, especial.

Se não há vida em outros mundos, não temos um lugar para onde escapar, digamos assim, ou, pelo menos, não sem grande dificuldade e obstáculos. Quer dizer, precisamos viver da melhor maneira possível neste planeta. Entretanto, parece mais fácil planejar uma fuga interplanetária do que a preservar do lugar onde vivemos. Por quê?

Isso é uma coisa muito triste. É muito mais difícil, infinitamente mais difícil, planejar uma fuga interplanetária do que cuidar do nosso planeta. E a história que certos bilionários contam, sobre como podemos construir foguetes e estabelecer uma base na Lua ou em Marte, é quase criminosa. Mas, ok, vamos supor que a gente construa uma base na Lua ou em Marte, uma grande bolha, com o ar que a gente respira, o calor que nos aquece, as comidas que comemos. Quantas pessoas vão caber lá? Mil? Cem mil? Um milhão? Que solução é essa?

É absolutamente elitista e não inclusiva. Quem vai decidir quem fica por aqui para morrer? É totalmente absurdo achar que isso é uma solução. Os bilhões e bilhões que (o dono da empresa espacial Blue Origin, Jeff) Bezos e (o dono da empresa SpaceX, Elon) Musk vem investindo com esse discurso romântico de que o destino da humanidade é se espallhar pelo espaço..... Isso pode ser muito legal, mas depois de tomarmos conta do nosso planeta, a ordem está totalmente errada.

Problemas climáticos e econômicos têm estopim muito curto. Estão explodindo aqui e agora, enquanto o horizonte dessas aventuras espaciais é muito mais distante. Espalhar a humanidade pelo Universo, transformando planetas em novas terras, é um sonho absurdo. Para irmos até a estrela mais próxima do Sol, a Alfa Centauro, que fica aqui do lado em termos astronômicos, nas velocidades mais rápidas que temos hoje, levaríamos cem mil anos para alcançá-la.

Se descobrirmos uma tecnologia que nos permita viajar a um décimo da velocidade da luz, ainda assim, levaríamos 45 anos para chegar lá. Como pensar que essa é a solução para o futuro da humanidade quando a realidade é tão completamente contra isso?

No livro, você propõe alguns princípios por meio dos quais os cidadãos comuns podem contribuir, como consumir menos energia e menos água, produzir menos lixo, comer menos carne; ser mais consciente sobre o consumo, entre outras coisas. Mas como é possível propor tais mudanças numa sociedade de consumo e acumulação sem romper com a estrutura do capitalismo? Essa não é a própria base do capitalismo?

Sim, essa é uma excelente pergunta. É uma barreira gigantesca, mas não infinita. Pode ser contornada e está começando a ser contornada. Temos três maneiras de abordar isso. Uma é relacionada ao consumidor; outra, à educação, e uma terceira ao futuro da liderança corporativa.

Poderia detalhar melhor?

Obviamente não estou falando de quem não pode, mas de quem tem poder econômico para fazer escolhas. O consumidor pode escolher de que empresas comprar. Acredito no poder econômico da pressão do consumidor que força a empresa a mudar sua mentalidade para não quebrar. O consumidor tem escolhas. Ele pode comer menos carne, por exemplo.

Não precisa virar vegano, mas se cortar o consumo em 50% é ótimo. A segunda parte é uma reforma educacional. As escolas precisam contar a história do Universo, da natureza, da fragilidade dos ecossistemas, do ar que a gente respira, da água que a gente bebe.

É tão óbvio, mas a gente não para para pensar nisso. A educação tem papel importante, não só nas escolas, mas também nas famílias, comunidades, igrejas. O terceiro lado é empresarial. Já existem certificações de corporações que tenham postura alinhada com a sustentabilidade e crescimento inteligente e justo.

Não é possível ter uma ideologia de crescimento infinito num planeta finito. Quando a nossa geladeira está vazia, não dá para começar a comer prato e copo. Precisamos de um crescimento de acordo com os limites de recursos do planeta, um reposicionamento moral das empresas, que está começando a acontecer.

Mas esse reposicionamento não é muito lento pro tamanho da emergência?

Talvez, mas se não tentarmos nada, estaremos perdidos mesmo. O mundo se divide entre otimistas e pessimistas. Grandes mudanças no pensamento humano começaram com poucas pessoas. Quando falamos ao coração e à carteira das pessoas, transformações acontecem.

Espero que esse manifesto fale um pouco com os dois. Temos de sensibilizar as pessoas sobre o que está acontecendo no mundo para que virem agentes de transformação. Faço 65 anos nesta terça. O mínimo que a minha geração pode fazer é deixar um mundo melhor para as próximas; ajudar outras pessoas a seguir nesse caminho.

Desde que o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) demonstrou que a Terra não é o centro do Universo, o planeta se tornou, cada vez mais, um insignificante pontinho azul em meio à imensidão do espaço. Quanto mais aprendemos sobre o Cosmos, mais irrelevantes nos tornamos, habitantes ocasionais de mais um astro rochoso, em meio a bilhões e bilhões de outros.

O físico e astrônomo Marcelo Gleiser, professor da Universidade de Dartmouth (EUA), propõe repensarmos toda essa insignificância em O Despertar do Universo Consciente: Um manifesto para o futuro da humanidade (Ed. Record), seu mais novo livro, que acaba de ser lançado. Segundo ele, se quisermos salvar o nosso projeto de civilização, precisamos rever essa história.

Examinando a trajetória da existência na Terra e as perspectivas de vida em outros planetas, o astrônomo argumenta que temos usado o paradigma errado em relação ao lugar que ocupamos.

Deveríamos, segundo ele, abraçar uma perspectiva biocêntrica – que tenha a vida como centro, que reconheça a raridade do nosso planeta e da nossa existência, em meio a um Universo hostil. Só assim, diz ele, poderemos nos unir para salvar a Terra do colapso climático iminente.

O astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser lança novo livro em que volta atenção ao planeta Terra e à iminência de um apocalipse climático Foto: Eli Burakian/Dartmouth College/Reuters

“O planeta não é apenas um mundo dentre outros tantos”, afirma Gleiser. “Ele é muito especial, tem vida, uma vida que surgiu e se mantém há 3,5 bilhões de anos. Isso é algo muito raro no Universo.”

A revolução científica que se seguiu a Copérnico, nos séculos 16 e 17, trouxe inúmeros avanços e descobertas cruciais para a vida no planeta. Mas, na análise de Gleiser, também separou a vida humana da vida do planeta, matando a noção de que a natureza é sagrada.

“Com as populações crescendo, inventamos métodos cada vez mais eficientes para explorar os recursos naturais necessários para sustentar nosso apetite”, escreve, em seu novo livro, o cientista, primeiro latino-americano a receber o Prêmio Templeton, ‘o Nobel da espiritualidade’, em 2019.

“A Terra perdeu o seu encantamento. Foi dessacralizada e objetificada, povoada por seres pecadores e bestas selvagens. O que antes era sagrado passou a ser alvo de exploração e de abuso, existindo apenas para suprir nossas necessidades”, diz.

Por isso, ele propõe recontar a história do Universo, mostrando o quão raro é este planeta. “Precisamos ressacralizar nossa relação com a Terra.”

Leia os principais da entrevista:

Nos tirar do centro do universo, em principio, foi algo positivo, não? Nos tirou de uma posição de soberba e nos deu uma lição de humildade, digamos assim.... Em que momento isso se voltou contra nós mesmos?

Essa nossa ‘saída’ do centro do Universo, que se deu no século 16 e 17 com a Revolução Copernicana e com a Revolução Científica, está correta. Não estamos no centro de universo nenhum, vivemos num planeta comum e não há nada de muito especial sobre quem somos. Essa revolução foi completada pelo (naturalista inglês e pai da teoria da Evolução, Charles) Darwin, que falou sobre a nossa descendência dos primatas, deixando Deus de lado.

De fato, vamos até mais além, somos descendentes de primatas e temos um ancestral comum à toda a vida na Terra, que é uma bactéria. Nossa ‘Eva’ é um ser unicelular que viveu há 3,5 bilhões de anos. Com tudo isso, o planeta passou por uma trajetória de descentralização, de objetificação. Ele deixa de ter valor espiritual, teológico. Com isso, e com o desenvolvimento das tecnologias, o homem passa a explorar o planeta para suprir suas demandas de crescimento econômico e populacional. No século 21, essa narrativa levou a um crescimento excepcional, mas também a riscos sem precedentes. Estamos numa encruzilhada.

O livro é uma forma de reescrever essa história....

O livro é uma tentativa de reposicionar essa narrativa de forma que o ser humano passe não a ocupar uma posição central no Universo, mas a valorizar ou ressacralizar nossa relação com o planeta Terra. O planeta Terra não é apenas um mundo dentre outros tantos. Ele é muito especial, tem vida, uma vida que surgiu há 3,5 bilhões de anos. Isso é algo muito raro no Universo. Precisamos mudar essa narrativa de que não somos tão especiais e recontar a história de quem nós somos, da importância do nosso planeta e da raridade da vida, reposicionando o ser humano como sendo a voz do Universo.

Aliás, como digo logo na primeira frase do livro, o Universo só tem uma história porque estamos aqui para contá-la. Temos diversas narrativas distópicas e catastróficas sobre o fim do mundo; não há como minimizar o que acontece climaticamente e economicamente no planeta. Mas estou cansado de só levantar bandeiras vermelhas sem apresentar propostas de solução; isso não leva a nada. Vamos recontar a história do Universo, mostrar a raridade que é o planeta Terra, valorizar o mundo que temos, e usar os recursos para salvar nosso projeto de civilização.

O argumento de que haveria vida em outros planetas é baseado na vastidão do Universo e no tão pouco que ainda conhecemos sobre ele. Já há indícios suficientes para dizer que não há vida em outros planetas? Que a vida na Terra é algo tão raro assim?

Que não há vida em outros planetas é impossível determinar. O problema é que estimar o número de civilizações extraterrestres é basicamente um jogo de adivinhação. O pensamento indutivo diz que as leis da Física e da Química são as mesmas, se há tantos mundos e se vida na Terra, deve haver vida em outros planetas. O problema é que não temos a menor ideia sobre como estimar que tem vida.

Ah, o planeta tem um tamanho similar ao da Terra, uma estrela parecida com o Sol. Mas ter um planeta do tamanho da Terra girando em torno de uma estrela parecida com o Sol não torna possível estimar a probabilidade de vida porque só temos um ponto de referência, um dado, um planeta, que é o nosso.

E há muitas variáveis. Por exemplo a Terra tem uma Lua muito grande, que ajuda a estabilizar o clima no planeta, tem um campo magnético que a protege de radiações cósmicas, tem uma atmosfera relativamente densa que também serve como uma espécie de cobertor. Marte não tem nada disso.

Outra coisa: não há evidência de que fomos visitados ou de que exista qualquer outra civilização no Universo. Não temos ideia até hoje de como a vida surgiu na Terra. Então, a despeito das especulações, a vida é rara e a Terra, especial.

Se não há vida em outros mundos, não temos um lugar para onde escapar, digamos assim, ou, pelo menos, não sem grande dificuldade e obstáculos. Quer dizer, precisamos viver da melhor maneira possível neste planeta. Entretanto, parece mais fácil planejar uma fuga interplanetária do que a preservar do lugar onde vivemos. Por quê?

Isso é uma coisa muito triste. É muito mais difícil, infinitamente mais difícil, planejar uma fuga interplanetária do que cuidar do nosso planeta. E a história que certos bilionários contam, sobre como podemos construir foguetes e estabelecer uma base na Lua ou em Marte, é quase criminosa. Mas, ok, vamos supor que a gente construa uma base na Lua ou em Marte, uma grande bolha, com o ar que a gente respira, o calor que nos aquece, as comidas que comemos. Quantas pessoas vão caber lá? Mil? Cem mil? Um milhão? Que solução é essa?

É absolutamente elitista e não inclusiva. Quem vai decidir quem fica por aqui para morrer? É totalmente absurdo achar que isso é uma solução. Os bilhões e bilhões que (o dono da empresa espacial Blue Origin, Jeff) Bezos e (o dono da empresa SpaceX, Elon) Musk vem investindo com esse discurso romântico de que o destino da humanidade é se espallhar pelo espaço..... Isso pode ser muito legal, mas depois de tomarmos conta do nosso planeta, a ordem está totalmente errada.

Problemas climáticos e econômicos têm estopim muito curto. Estão explodindo aqui e agora, enquanto o horizonte dessas aventuras espaciais é muito mais distante. Espalhar a humanidade pelo Universo, transformando planetas em novas terras, é um sonho absurdo. Para irmos até a estrela mais próxima do Sol, a Alfa Centauro, que fica aqui do lado em termos astronômicos, nas velocidades mais rápidas que temos hoje, levaríamos cem mil anos para alcançá-la.

Se descobrirmos uma tecnologia que nos permita viajar a um décimo da velocidade da luz, ainda assim, levaríamos 45 anos para chegar lá. Como pensar que essa é a solução para o futuro da humanidade quando a realidade é tão completamente contra isso?

No livro, você propõe alguns princípios por meio dos quais os cidadãos comuns podem contribuir, como consumir menos energia e menos água, produzir menos lixo, comer menos carne; ser mais consciente sobre o consumo, entre outras coisas. Mas como é possível propor tais mudanças numa sociedade de consumo e acumulação sem romper com a estrutura do capitalismo? Essa não é a própria base do capitalismo?

Sim, essa é uma excelente pergunta. É uma barreira gigantesca, mas não infinita. Pode ser contornada e está começando a ser contornada. Temos três maneiras de abordar isso. Uma é relacionada ao consumidor; outra, à educação, e uma terceira ao futuro da liderança corporativa.

Poderia detalhar melhor?

Obviamente não estou falando de quem não pode, mas de quem tem poder econômico para fazer escolhas. O consumidor pode escolher de que empresas comprar. Acredito no poder econômico da pressão do consumidor que força a empresa a mudar sua mentalidade para não quebrar. O consumidor tem escolhas. Ele pode comer menos carne, por exemplo.

Não precisa virar vegano, mas se cortar o consumo em 50% é ótimo. A segunda parte é uma reforma educacional. As escolas precisam contar a história do Universo, da natureza, da fragilidade dos ecossistemas, do ar que a gente respira, da água que a gente bebe.

É tão óbvio, mas a gente não para para pensar nisso. A educação tem papel importante, não só nas escolas, mas também nas famílias, comunidades, igrejas. O terceiro lado é empresarial. Já existem certificações de corporações que tenham postura alinhada com a sustentabilidade e crescimento inteligente e justo.

Não é possível ter uma ideologia de crescimento infinito num planeta finito. Quando a nossa geladeira está vazia, não dá para começar a comer prato e copo. Precisamos de um crescimento de acordo com os limites de recursos do planeta, um reposicionamento moral das empresas, que está começando a acontecer.

Mas esse reposicionamento não é muito lento pro tamanho da emergência?

Talvez, mas se não tentarmos nada, estaremos perdidos mesmo. O mundo se divide entre otimistas e pessimistas. Grandes mudanças no pensamento humano começaram com poucas pessoas. Quando falamos ao coração e à carteira das pessoas, transformações acontecem.

Espero que esse manifesto fale um pouco com os dois. Temos de sensibilizar as pessoas sobre o que está acontecendo no mundo para que virem agentes de transformação. Faço 65 anos nesta terça. O mínimo que a minha geração pode fazer é deixar um mundo melhor para as próximas; ajudar outras pessoas a seguir nesse caminho.

Desde que o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) demonstrou que a Terra não é o centro do Universo, o planeta se tornou, cada vez mais, um insignificante pontinho azul em meio à imensidão do espaço. Quanto mais aprendemos sobre o Cosmos, mais irrelevantes nos tornamos, habitantes ocasionais de mais um astro rochoso, em meio a bilhões e bilhões de outros.

O físico e astrônomo Marcelo Gleiser, professor da Universidade de Dartmouth (EUA), propõe repensarmos toda essa insignificância em O Despertar do Universo Consciente: Um manifesto para o futuro da humanidade (Ed. Record), seu mais novo livro, que acaba de ser lançado. Segundo ele, se quisermos salvar o nosso projeto de civilização, precisamos rever essa história.

Examinando a trajetória da existência na Terra e as perspectivas de vida em outros planetas, o astrônomo argumenta que temos usado o paradigma errado em relação ao lugar que ocupamos.

Deveríamos, segundo ele, abraçar uma perspectiva biocêntrica – que tenha a vida como centro, que reconheça a raridade do nosso planeta e da nossa existência, em meio a um Universo hostil. Só assim, diz ele, poderemos nos unir para salvar a Terra do colapso climático iminente.

O astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser lança novo livro em que volta atenção ao planeta Terra e à iminência de um apocalipse climático Foto: Eli Burakian/Dartmouth College/Reuters

“O planeta não é apenas um mundo dentre outros tantos”, afirma Gleiser. “Ele é muito especial, tem vida, uma vida que surgiu e se mantém há 3,5 bilhões de anos. Isso é algo muito raro no Universo.”

A revolução científica que se seguiu a Copérnico, nos séculos 16 e 17, trouxe inúmeros avanços e descobertas cruciais para a vida no planeta. Mas, na análise de Gleiser, também separou a vida humana da vida do planeta, matando a noção de que a natureza é sagrada.

“Com as populações crescendo, inventamos métodos cada vez mais eficientes para explorar os recursos naturais necessários para sustentar nosso apetite”, escreve, em seu novo livro, o cientista, primeiro latino-americano a receber o Prêmio Templeton, ‘o Nobel da espiritualidade’, em 2019.

“A Terra perdeu o seu encantamento. Foi dessacralizada e objetificada, povoada por seres pecadores e bestas selvagens. O que antes era sagrado passou a ser alvo de exploração e de abuso, existindo apenas para suprir nossas necessidades”, diz.

Por isso, ele propõe recontar a história do Universo, mostrando o quão raro é este planeta. “Precisamos ressacralizar nossa relação com a Terra.”

Leia os principais da entrevista:

Nos tirar do centro do universo, em principio, foi algo positivo, não? Nos tirou de uma posição de soberba e nos deu uma lição de humildade, digamos assim.... Em que momento isso se voltou contra nós mesmos?

Essa nossa ‘saída’ do centro do Universo, que se deu no século 16 e 17 com a Revolução Copernicana e com a Revolução Científica, está correta. Não estamos no centro de universo nenhum, vivemos num planeta comum e não há nada de muito especial sobre quem somos. Essa revolução foi completada pelo (naturalista inglês e pai da teoria da Evolução, Charles) Darwin, que falou sobre a nossa descendência dos primatas, deixando Deus de lado.

De fato, vamos até mais além, somos descendentes de primatas e temos um ancestral comum à toda a vida na Terra, que é uma bactéria. Nossa ‘Eva’ é um ser unicelular que viveu há 3,5 bilhões de anos. Com tudo isso, o planeta passou por uma trajetória de descentralização, de objetificação. Ele deixa de ter valor espiritual, teológico. Com isso, e com o desenvolvimento das tecnologias, o homem passa a explorar o planeta para suprir suas demandas de crescimento econômico e populacional. No século 21, essa narrativa levou a um crescimento excepcional, mas também a riscos sem precedentes. Estamos numa encruzilhada.

O livro é uma forma de reescrever essa história....

O livro é uma tentativa de reposicionar essa narrativa de forma que o ser humano passe não a ocupar uma posição central no Universo, mas a valorizar ou ressacralizar nossa relação com o planeta Terra. O planeta Terra não é apenas um mundo dentre outros tantos. Ele é muito especial, tem vida, uma vida que surgiu há 3,5 bilhões de anos. Isso é algo muito raro no Universo. Precisamos mudar essa narrativa de que não somos tão especiais e recontar a história de quem nós somos, da importância do nosso planeta e da raridade da vida, reposicionando o ser humano como sendo a voz do Universo.

Aliás, como digo logo na primeira frase do livro, o Universo só tem uma história porque estamos aqui para contá-la. Temos diversas narrativas distópicas e catastróficas sobre o fim do mundo; não há como minimizar o que acontece climaticamente e economicamente no planeta. Mas estou cansado de só levantar bandeiras vermelhas sem apresentar propostas de solução; isso não leva a nada. Vamos recontar a história do Universo, mostrar a raridade que é o planeta Terra, valorizar o mundo que temos, e usar os recursos para salvar nosso projeto de civilização.

O argumento de que haveria vida em outros planetas é baseado na vastidão do Universo e no tão pouco que ainda conhecemos sobre ele. Já há indícios suficientes para dizer que não há vida em outros planetas? Que a vida na Terra é algo tão raro assim?

Que não há vida em outros planetas é impossível determinar. O problema é que estimar o número de civilizações extraterrestres é basicamente um jogo de adivinhação. O pensamento indutivo diz que as leis da Física e da Química são as mesmas, se há tantos mundos e se vida na Terra, deve haver vida em outros planetas. O problema é que não temos a menor ideia sobre como estimar que tem vida.

Ah, o planeta tem um tamanho similar ao da Terra, uma estrela parecida com o Sol. Mas ter um planeta do tamanho da Terra girando em torno de uma estrela parecida com o Sol não torna possível estimar a probabilidade de vida porque só temos um ponto de referência, um dado, um planeta, que é o nosso.

E há muitas variáveis. Por exemplo a Terra tem uma Lua muito grande, que ajuda a estabilizar o clima no planeta, tem um campo magnético que a protege de radiações cósmicas, tem uma atmosfera relativamente densa que também serve como uma espécie de cobertor. Marte não tem nada disso.

Outra coisa: não há evidência de que fomos visitados ou de que exista qualquer outra civilização no Universo. Não temos ideia até hoje de como a vida surgiu na Terra. Então, a despeito das especulações, a vida é rara e a Terra, especial.

Se não há vida em outros mundos, não temos um lugar para onde escapar, digamos assim, ou, pelo menos, não sem grande dificuldade e obstáculos. Quer dizer, precisamos viver da melhor maneira possível neste planeta. Entretanto, parece mais fácil planejar uma fuga interplanetária do que a preservar do lugar onde vivemos. Por quê?

Isso é uma coisa muito triste. É muito mais difícil, infinitamente mais difícil, planejar uma fuga interplanetária do que cuidar do nosso planeta. E a história que certos bilionários contam, sobre como podemos construir foguetes e estabelecer uma base na Lua ou em Marte, é quase criminosa. Mas, ok, vamos supor que a gente construa uma base na Lua ou em Marte, uma grande bolha, com o ar que a gente respira, o calor que nos aquece, as comidas que comemos. Quantas pessoas vão caber lá? Mil? Cem mil? Um milhão? Que solução é essa?

É absolutamente elitista e não inclusiva. Quem vai decidir quem fica por aqui para morrer? É totalmente absurdo achar que isso é uma solução. Os bilhões e bilhões que (o dono da empresa espacial Blue Origin, Jeff) Bezos e (o dono da empresa SpaceX, Elon) Musk vem investindo com esse discurso romântico de que o destino da humanidade é se espallhar pelo espaço..... Isso pode ser muito legal, mas depois de tomarmos conta do nosso planeta, a ordem está totalmente errada.

Problemas climáticos e econômicos têm estopim muito curto. Estão explodindo aqui e agora, enquanto o horizonte dessas aventuras espaciais é muito mais distante. Espalhar a humanidade pelo Universo, transformando planetas em novas terras, é um sonho absurdo. Para irmos até a estrela mais próxima do Sol, a Alfa Centauro, que fica aqui do lado em termos astronômicos, nas velocidades mais rápidas que temos hoje, levaríamos cem mil anos para alcançá-la.

Se descobrirmos uma tecnologia que nos permita viajar a um décimo da velocidade da luz, ainda assim, levaríamos 45 anos para chegar lá. Como pensar que essa é a solução para o futuro da humanidade quando a realidade é tão completamente contra isso?

No livro, você propõe alguns princípios por meio dos quais os cidadãos comuns podem contribuir, como consumir menos energia e menos água, produzir menos lixo, comer menos carne; ser mais consciente sobre o consumo, entre outras coisas. Mas como é possível propor tais mudanças numa sociedade de consumo e acumulação sem romper com a estrutura do capitalismo? Essa não é a própria base do capitalismo?

Sim, essa é uma excelente pergunta. É uma barreira gigantesca, mas não infinita. Pode ser contornada e está começando a ser contornada. Temos três maneiras de abordar isso. Uma é relacionada ao consumidor; outra, à educação, e uma terceira ao futuro da liderança corporativa.

Poderia detalhar melhor?

Obviamente não estou falando de quem não pode, mas de quem tem poder econômico para fazer escolhas. O consumidor pode escolher de que empresas comprar. Acredito no poder econômico da pressão do consumidor que força a empresa a mudar sua mentalidade para não quebrar. O consumidor tem escolhas. Ele pode comer menos carne, por exemplo.

Não precisa virar vegano, mas se cortar o consumo em 50% é ótimo. A segunda parte é uma reforma educacional. As escolas precisam contar a história do Universo, da natureza, da fragilidade dos ecossistemas, do ar que a gente respira, da água que a gente bebe.

É tão óbvio, mas a gente não para para pensar nisso. A educação tem papel importante, não só nas escolas, mas também nas famílias, comunidades, igrejas. O terceiro lado é empresarial. Já existem certificações de corporações que tenham postura alinhada com a sustentabilidade e crescimento inteligente e justo.

Não é possível ter uma ideologia de crescimento infinito num planeta finito. Quando a nossa geladeira está vazia, não dá para começar a comer prato e copo. Precisamos de um crescimento de acordo com os limites de recursos do planeta, um reposicionamento moral das empresas, que está começando a acontecer.

Mas esse reposicionamento não é muito lento pro tamanho da emergência?

Talvez, mas se não tentarmos nada, estaremos perdidos mesmo. O mundo se divide entre otimistas e pessimistas. Grandes mudanças no pensamento humano começaram com poucas pessoas. Quando falamos ao coração e à carteira das pessoas, transformações acontecem.

Espero que esse manifesto fale um pouco com os dois. Temos de sensibilizar as pessoas sobre o que está acontecendo no mundo para que virem agentes de transformação. Faço 65 anos nesta terça. O mínimo que a minha geração pode fazer é deixar um mundo melhor para as próximas; ajudar outras pessoas a seguir nesse caminho.

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