Ratos com a cara prensada no que parecem ser garrafas de leite. Ali não há a possibilidade de se mover ou fugir. Esses ratos estão presos a um aparelho que força a inalação constante de fumaça de cigarro. Nesta técnica, apenas o nariz do animal é exposto a fumaça. E há também aqueles animais submetidos a um constante fluxo de fumaça por horas, correspondendo a uma taxa de 10 cigarros por hora, sem intervalo: é a técnica de exposição do corpo inteiro.
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Algo semelhante é feito com cães, que são imobilizados e seus focinhos amarrados a máscaras, e apenas seus olhos podem ser vistos na parte de cima da máscara. E o que dizer de camundongos que tem o pelo raspado e o alcatrão do cigarro esfregado na pele? E que tal tabaco destilado esfregado na pele do coelho? E o que dizer de animais que são forçados a ingerir os mais do que conhecidos compostos tóxicos associados com doenças causadas pelo fumo, até que desenvolvam tumores de esôfago? Essas abordagens foram usadas para investigar os efeitos nocivos do cigarro e algumas ainda são utilizadas até hoje.
Os experimentos utilizando derivados do cigarro, onde os animais eram expostos de diferentes formas ao alcatrão e aos compostos tóxicos, foram realizados por muitos anos desde os idos de 1930, com o objetivo de se descobrir se o cigarro teria efeitos nocivos a saúde.
Enquanto alguns pesquisadores trabalhavam com camundongos, que não desenvolviam câncer nas condições utilizadas, outros trabalhavam com outros modelos que desenvolviam os efeitos nocivos do tabaco. O mais revelador dessa história, que pode ser utilizada como um bom exemplo do que de fato acontece com a prática de se utilizar modelos animais na pesquisa biomédica, é que cada estudo feito com uma espécies e sob circunstâncias diferentes produziam resultados particulares que não se complementavam, muito pelo contrário. Os resultados de pesquisas utilizando modelos animais são na maioria das vezes excludentes e não fazem qualquer sentido quando observados em conjunto. No caso dos estudos sobre o males do fumo, o que assistimos foi que os fabricantes de cigarro utilizaram os resultados das pesquisas que lhes eram convenientes para demonstrar que se os camundongos não desenvolviam câncer então o fumo não podia ser tão ruim assim.
Como sabemos, fumar de fato faz muito mal a saúde! Entre os fumantes, aproximadamente 90% irão desenvolver Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC). DPOC é um doença pulmonar progressiva que consiste de bronquite obstrutiva, enfisema e produção de muco, causando obstrução das vias aéreas, destruição do tecido pulmonar e perda da elasticidade celular, o que em conjunto leva as dificuldades de respirar. Há muitos tipos celulares e mecanismos envolvidos no aparecimento de DPOC, que vai desde o estágio zero (pessoas com risco de desenvolver DPOC) até o estágio 4, que é bem severo.
Diferenças fundamentais na anatomia dos animais, assim como na forma como os animais respiram, nos faz questionar como o uso de animais poderia ter de alguma forma nos elucidado quanto aos males do cigarro e as doenças do pulmão causados pelo fumo. DPOC é uma doença extremamente complexa e mais do que isso, é uma doença humana. Isso significa que nenhum modelo animal poderá de fato trazer maiores esclarecimentos sobre o que ocorre ou como reverter o tratar o processo. Pesquisadores trabalhando sobre o assunto pegam resultados obtidos em estudo diferentes, juntam a resultados obtidos em outros estudos e feitos com outros modelos, na tentativa de obter informações adicionais e um melhor entendimento da doença. Mas a consequência real desta prática é que os estudos clínicos com pacientes, realizados a partir de conhecimentos obtidos através de experimentos com modelos animais, não tem produzido nenhum avanço em nosso conhecimento ou no desenvolvimento de novas terapias ou medicamentos para tratar DPOC. Por exemplo, inibidores enzimáticos que geraram bons resultados em camundongos, quando foram testados em seres humanos não tiveram qualquer efeito significativo. Outros compostos desenvolvidos para reduzir inflamação pulmonar resultou em efeitos colaterais (dor de cabeça e náusea) e não causou qualquer melhora na função pulmonar. Ao longo de muitos anos, o que temos visto é que medicamentos que se mostram promissores quando testados em animais não mostram os mesmos efeitos quando utilizados em seres humanos. E muitas vezes mostram até efeitos adversos. Se não considerarmos a questão ética e moral que muitos acreditam haver ao utilizarmos animais como nossas cobaias, somente o dinheiro e o tempo que se perde com os uso de modelos animais já seriam argumentos suficientes para justificar o fim da prática.
A verdade é que milhares de animais e seres humanos já morreram e nós não avançamos nada em relação ao tratamento de DPOC. Em torno de 75% dos estudos clínicos realizados com pacientes que tem DPOC estão focados em tratamentos que visam mudança de comportamento ou de hábitos alimentares, basicamente, não havendo de fato nenhuma nova intervenção que tenha surgido graças aos estudos feitos em cães, camundongos e coelhos.
Mas há esperanças! Um artigo recente publicado na renomada revista Cell apresenta uma nova abordagem para tratar a perda pulmonar típica de DPOC. Esta nova abordagem é muito promissora e não utiliza animais. Através da bioengenharia e da prática de cultura de células , pesquisadores criaram um sistema que imita o pulmão humano, podendo ser até capaz de respirar. O modelo foi desenvolvido utilizando-se células humanas de pulmão que cresceram em um pequeno chip de cilício e que são capazes até de tragar o cigarro de forma semelhante aos fumantes. Os primeiros resultados obtidos com este novo microchip revelam que pulmões sadios respondem ao trago do cigarro e a fumaça inalada como era de se esperar: há sinais de inflamação e há danos perceptíveis após a exposição a fumaça. Mas o mais interessante é que o mesmo microchip construído com células sadias poderá ser construído com células de pulmão de pacientes com DPOC. Este sim será o melhor modelo para testarmos novos compostos que poderão de fato ter efeito sobre DPOC. Com este modelo, e novas versões que serão cada vez mais aprimoradas, não há mais qualquer justificativa para ainda se usar animais para este tipo de pesquisa.
No Brasil, é possível que a gente escute o argumento de que sim, a nova tecnologia de microchip é ótima mas é muito cara e indisponível no país e por isso os animais ainda são necessários. Percebem o absurdo desta justificativa, tanto do ponto de vista ético como econômico e até científico? Precisamos pensar porque essas situações ainda se perpetua em nosso país...