O tal arvoredo citado por Pero Vaz de Caminha na famosa carta de 1500 já não é mais tão exuberante. As estimativas indicam que entre 1500 e 1872, quando Portugal exerceu monopólio estatal sobre as reservas de pau-brasil, 70 milhões de árvores foram retiradas. Os índios levavam três horas para derrubar um pau-brasil. Já os europeus, com seus machados de pedra, faziam o mesmo em 15 minutos.
Toda a destruição colonial – que só cresceu no Império e na República – tem como palco a Mata Atlântica, que ocupa 17 Estados, principalmente no litoral. Há apenas 12,4% de cobertura original do bioma, considerando áreas acima de três hectare.
Segundo publicação da ONG SOS Mata Atlântica de maio, houve perda de 21.642 hectares (mais de 20 mil campos de futebol) de florestas nativas entre 2020 e 2021. A alta é de 66% ante 2019-2020 (13.053 hectares). Os especialistas afirmam que a receita de bolo para evitar que a Mata Atlântica seja morta de vez envolve, principalmente, estratégias de preservação e restauração.
No caso específico de recuperação das matas existem muitas perguntas que precisam ser respondidas, antes da efetiva mão na massa, afirma Pedro Brancalion, professor de silvicultura tropical da Universidade de São Paulo (USP) e entusiasta do binômio preservação e restauração, considerado chave para a sobrevivência do ecossistema. “A verdadeira restauração florestal é um desafio que requer planejamento cuidadoso: tanto manutenção como investimentos de longo prazo”, afirma.
O pesquisador brasileiro demonstra preocupação. Para ele, o plantio desenfreado de árvores poder deixar as melhores práticas de restauração de lado. “Em quase nenhuma outra atividade humana se investe tantos recursos sem um mínimo de controle sobre a eficiência dos investimentos para se atingir os resultados esperados”, afirma. “Mais do que uma moda passageira, os plantios de árvores precisam ser eficientes e duradouros, que compensem os investimentos”, afirma.
Pedro Brancalion, Professor da USP
Ao lado da colega pesquisadora Karen Holl, da Universidade da Califórnia (EUA), Brancalion fez um check list para que todos os potenciais financiadores de atividades de restauração possam seguir, antes da tomada de decisão final. Grosso modo, é importante saber se o projeto está voltado para o longo prazo e, também, se os grupos locais estão realmente envolvidos com a ideia.
Plantar árvores nos lugares errados, segundo os pesquisadores, pode reduzir o suprimento de água e destruir outros tipos de ecossistemas biodiversos, como campos nativos e savanas. E iniciar projetos sem o devido envolvimento e adesão das comunidades locais pode levar a conflitos sociais, perda de renda e deslocamento de pessoas. E provocar até desmatamento em outras regiões.
“Adicionar árvores em um local ao mesmo tempo que se perde árvores em outro, seja pelo desmatamento como por incêndios, não resolve nossos problemas ambientais. A conservação e o uso sustentável dos recursos naturais têm de ser pré-requisito da restauração”, avalia Brancalion. O sucesso científico de um projeto de restauração também precisa ser monitorado por uma ou duas décadas, mostram as pesquisas sobre o tema.
Apesar de toda a dificuldade e de um projeto de restauração ser bastante complexo – nem sempre a biodiversidade vai voltar como era antes – não significa que não exista bons exemplos para serem apresentados, afirma Brancalion. Um dos casos, por exemplo, está no Pontal do Paranapanema, no interior do Estado de São Paulo, uma das áreas em que a Mata Atlântica, desde os anos 1990 pelo menos, está sob forte pressão.
O chamado Mapa dos Sonhos é um projeto desenvolvido pelo pesquisador Laury Cullen, sob organização da ONG IPÊ. Os dados do programa mostram a restauração de 2 mil hectares de floresta e o plantio de 4 milhões de árvores, além da geração de aproximadamente R$ 10 milhões para a economia local. Em contraste com outras regiões onde o desmate persiste, a expansão da renovação florestal também está ajudando a combater as mudanças climáticas, armazenando 800 mil toneladas de carbono todos os anos.
No Pontal, vivem aproximadamente 6 mil famílias de assentados, os grandes protagonistas da iniciativa. Os primeiros 12 viveiros de espécies nativas da Mata Atlântica, feitos de forma comunitária, foram montados e, hoje, produzem mudas de mais de 100 tipos de espécies de árvores endêmicas.
"Os projetos de restauração são importantes para a gente correr atrás do déficit florestal (das reservas legais) que temos a partir do Código Florestal”, afirma David Lapola, ecólogo da Unicamp. O pesquisador lembra também que os projetos que visam a recuperação das matas, apesar de importantes, são caros e dificilmente vão conseguir reavivar toda a exuberância de um ecossistema. “Esses projetos precisam de cuidados especiais também nos primeiros três a cinco anos. Para que as mudas efetivamente vinguem”, explica o cientista.
Uma modelagem feita há dois anos para o Estado de São Paulo com apoio do Programa Biota-Fapesp deu a dimensão do problema. A análise da malha fundiária paulista indicou que, das 340,6 mil propriedades rurais no Estado de São Paulo, 237,1 mil possuem déficits de área de preservação permanente que totalizam 768,7 mil hectares, sendo 656,7 mil hectares na Mata Atlântica e quase 112 mil hectares em áreas do Cerrado.