Na COP-30, Brasil não pode deixar interesses de países ricos dominarem negociação, diz especialista


Diretora-executiva do Centro Soberania e Clima, Mariana Plum defende postura firme para garantir soberania e integração entre Forças Armadas e agências civis para defender a Amazônia

Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:
Foto: Alice Lira/Divulgação
Entrevista comMariana PlumDiretora-executiva do Centro Soberania e Clima

De olho nas intersecções entre as agendas de combate à mudança do clima, soberania e segurança nacional, pesquisadores brasileiros começaram a promover, na pandemia, encontros virtuais entre representantes do governo, das Forças Armadas e da sociedade civil atuantes nessas áreas.

A ideia era estreitar o diálogo entre setores estratégicos na proteção do território e da população em relação à crise climática. Nascia o Centro Soberania e Clima, que tem promovido seminários, levado o tema a órgãos militares e colaborado com a revisão de documentos oficiais como o Livro Verde, que trata das ações do setor de defesa para o ambiente.

“A preservação ambiental é um interesse nacional e é também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população”, disse ao Estadão a diretora-executiva Mariana Plum.

Segundo ela, Estados Unidos, Reino Unido e outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “têm olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes de segurança e defesa, de uma forma que a gente não tem feito aqui”.

Para fomentar esse olhar, o centro lançou também uma escola e um primeiro curso, intitulado “Mudança do Clima e as Agendas de Segurança e Defesa”, que está com inscrições abertas e tem início nesta terça-feira, 20. A formação é online e vai até novembro, com duração total de 18 horas em 15 aulas e custo de R$25, valor da inscrição.

Na entrevista, a pesquisadora também analisa a posição do Brasil nas negociações climáticas internacionais, como na Cúpula do Clima de 2025, a COP-30, que terá Belém como sede. Para ela, o Brasil deve usar a posição de anfitrião para “pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras”.

Leia os principais trechos da entrevista:

O que as mudanças climáticas têm a ver com soberania e segurança nacional?

Quando se fala em soberania, interesse nacional e segurança nacional, há uma ideia de que isso seria assunto exclusivo de setores de defesa e segurança, quando na verdade deve envolver diferentes instâncias do Estado, governo e sociedade.

Soberania é a capacidade do Estado de assegurar, financiar, fomentar as suas atividades centrais, garantindo os fundamentos da nossa Constituição, como desenvolvimento, dignidade, cidadania e redução da desigualdade.

A preservação ambiental é um interesse nacional e também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas não apenas coloca em risco nosso papel estratégico no equilíbrio climático global, mas também afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população.

As Forças Armadas desempenham papel crucial, tanto na proteção e no monitoramento de áreas estratégicas e vulneráveis, como a Amazônia, mas também na resposta a desastres naturais, como a gente viu agora no Rio Grande do Sul.

Esse tema já é uma prioridade das áreas de segurança e defesa em outros países?

Outros países têm tratado dessa temática com bastante prioridade. Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Alemanha, França tratam de mudança do clima dentro das suas estratégias nacionais de segurança. A Otan, como um todo, tem olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes, de uma forma que não temos feito aqui, incorporando as estratégias de resiliência e adaptação nas políticas de defesa.

A mudança do clima é um problema comum a todos os Estados. O que vai fazer a diferença é a capacidade que cada um tem de reagir ao problema.

Quais as principais ameaças ao território da Amazônia brasileira hoje?

São as diferentes ilicitudes que acontecem no território amazônico. O avanço do narcotráfico, o crime organizado, garimpo ilegal, pesca predatória, biopirataria, que não só destroem o meio ambiente, mas também vão minar a nossa soberania.

Embarcação navega no Rio Negro, a 60 quilômetros de Manaus Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 10/5/2022

Em muitas regiões da Amazônia, a grande presença do Estado são as Forças Armadas. Precisamos reforçar essa presença não apenas por meio de forças de segurança e de defesa, mas também de políticas públicas que levem prosperidade, oportunidades econômicas para um espaço com o menor índice de desenvolvimento humano do País.

Isso passa por prover infraestrutura física, digital, escola, saúde, transporte, estrada. E tudo isso tem de ser feito de acordo com critérios de sustentabilidade. É por meio de desenvolvimento e de segurança que conseguiremos resolver determinados problemas na Amazônia. Pessoas que lutam para ter condições mínimas de vida ficam vulneráveis à criminalidade.

Como avalia a posição do Brasil hoje no cenário das negociações climáticas globais?

Por conta da nossa presidência no G-20 e também como futuro anfitrião da COP-30 no ano que vem, temos a oportunidade de liderar o cenário global de negociações climáticas em direção a uma transição energética justa e inclusiva. Podemos demonstrar para o mundo como conciliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade.

Será crucial aproveitar essa posição nos dois fóruns para pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras, para garantir que essa transição energética global seja equitativa e também que os países tenham suas soberanias e escolhas respeitadas.

A diminuição do desmatamento na Amazônia nos coloca em posição mais favorável para as negociações, com o Brasil fazendo parte do dever de casa.

O importante é que chegarmos com uma agenda proativa, focada nos temas importantes para nós, como justiça climática, transição energética justa, garantindo que as negociações não sejam dominadas pelos interesses e pela pauta dos outros países.

Adotar uma postura firme nas negociações internacionais e pensar em alianças estratégicas com outros países em desenvolvimento também é uma forma de fortalecer a nossa soberania como um país afetado por problemas que, em grande parte, não foram causados por nós em uma agenda que deve ser pautada pela cooperação e não pela imposição.

As nações do norte vão frequentemente focar em metas de mitigação que servirão aos seus interesses econômicos e tecnológicos, enquanto os países do Sul Global, como o Brasil, que historicamente contribuíram menos para a crise climática e enfrentam os impactos mais severos, precisam enfatizar a importância de uma transição que leve em consideração as desigualdades e as necessidades de desenvolvimento sustentável.

As Forças Armadas têm histórico de presença na Amazônia e sua visão sobre esse território, sobretudo na ditadura, já foi questionada. Como a soberania e a proteção desse território podem ser garantidas com base nos novos paradigmas econômicos e de defesa?

Nos últimos anos, o debate em torno do desenvolvimento na Amazônia tem sido focado na questão da bioeconomia, em encontrar modelos de desenvolvimento que gerem prosperidade para a região, mas que estejam aliados com práticas sustentáveis.

Não é papel do Ministério da Defesa ou das Forças Armadas exclusivamente pensar em estratégias de desenvolvimento para a Amazônia. O que precisa é de política de Estado, uma estratégia que pense a região como um local que precisa de prosperidade.

Isso não se dará, como não se deu até agora, apenas com a presença do Ministério da Defesa e das Forças Armadas. É preciso que o Estado brasileiro, com as suas diferentes agências, pense um plano estratégico para a região, ampliando a presença de outros órgãos ali.

Para que consiga combater a criminalidade e a degradação do bioma amazônico, é essencial integração de órgãos como Ibama, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Forças Armadas. Os problemas relacionados à insegurança na região estão diretamente relacionados com as causas de desmatamento, o principal causador das emissões de carbono do Brasil.

Há adesão das Forças Armadas à pauta climática?

Temos visto adesão e abertura bastante relevantes. O Ministério da Defesa nos chamou para contribuir com a revisão do Livro Branco e do Livro Verde, que é um documento norteador que fala de defesa e meio ambiente. Eles também têm participado dos eventos que organizamos, têm escrito textos para as nossas publicações e colocado as nossas publicações como referência nas bibliografias dos centros de estudos estratégicos e dos seus programas de pós-graduação nas diferentes escolas.

O grupo de professores que compõem a Escola Superior de Defesa propôs um projeto de pesquisa para justamente falar sobre mudança do clima, segurança e defesa e a Escola de Comando Estado Maior ofereceu uma disciplina sobre o tema.

O que pode ser aprimorado no apoio prestado pelas Forças Armadas na resposta aos desastres climáticos e outras pautas ambientais?

O principal aprimoramento para a atuação das Forças Armadas e do Ministério da Defesa em relação à questão climática é tornar mais robusta a integração com outras agências civis.

A defesa tem uma função de apoio nos desastres climáticos, não é a função principal. Mas com eventos extremos cada vez mais frequentes, é preciso que se pense num plano de longo prazo, deixando de tratar o problema de forma episódica e emergencial para que as próprias Forças Armadas consigam prever dentro dos seus planejamentos, inclusive orçamentários, a destinação para essa atividade.

No momento em que se desloca um grande esforço do Ministério da Defesa para atuar em apoio ao desastre no Rio Grande do Sul, se está deixando de atuar em outros setores. Então é preciso que esses esforços façam parte do plano do próprio Ministério da Defesa e do Estado brasileiro.

Temos uma estratégia nacional de defesa, mas não uma estratégia nacional de segurança, que ficaria acima das estratégias setoriais, como um entendimento nacional de quais as ameaças e riscos ao Estado e aos indivíduos, para ter uma política interministerial que estabeleça prioridades, distribua responsabilidades entre os diferentes agentes e garanta distribuição de recursos e de esforço de acordo com essas prioridades. Outros países já trabalham com esse tipo de documento norteador, e isso contribuiria para a coordenação e interação das diferentes agências.

O Ministério da Defesa apresenta ao Congresso a cada quatro anos a sua política nacional de defesa e a sua estratégia nacional de defesa. A última versão, entregue em 2020, praticamente não falava de mudança do clima. Aparentemente, as novas versões enviadas para a apreciação do Congresso em julho de 2024 terão uma evolução em relação a essa temática.

O Congresso não tem sido muito ativo na revisão desses documentos da Defesa. Espera-se que essas versões novas que forem entregues sejam tratadas com um pouco mais de prioridade pelo Congresso, e que inclusive olhem essas questões de mudança do clima no contexto de defesa.

De olho nas intersecções entre as agendas de combate à mudança do clima, soberania e segurança nacional, pesquisadores brasileiros começaram a promover, na pandemia, encontros virtuais entre representantes do governo, das Forças Armadas e da sociedade civil atuantes nessas áreas.

A ideia era estreitar o diálogo entre setores estratégicos na proteção do território e da população em relação à crise climática. Nascia o Centro Soberania e Clima, que tem promovido seminários, levado o tema a órgãos militares e colaborado com a revisão de documentos oficiais como o Livro Verde, que trata das ações do setor de defesa para o ambiente.

“A preservação ambiental é um interesse nacional e é também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população”, disse ao Estadão a diretora-executiva Mariana Plum.

Segundo ela, Estados Unidos, Reino Unido e outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “têm olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes de segurança e defesa, de uma forma que a gente não tem feito aqui”.

Para fomentar esse olhar, o centro lançou também uma escola e um primeiro curso, intitulado “Mudança do Clima e as Agendas de Segurança e Defesa”, que está com inscrições abertas e tem início nesta terça-feira, 20. A formação é online e vai até novembro, com duração total de 18 horas em 15 aulas e custo de R$25, valor da inscrição.

Na entrevista, a pesquisadora também analisa a posição do Brasil nas negociações climáticas internacionais, como na Cúpula do Clima de 2025, a COP-30, que terá Belém como sede. Para ela, o Brasil deve usar a posição de anfitrião para “pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras”.

Leia os principais trechos da entrevista:

O que as mudanças climáticas têm a ver com soberania e segurança nacional?

Quando se fala em soberania, interesse nacional e segurança nacional, há uma ideia de que isso seria assunto exclusivo de setores de defesa e segurança, quando na verdade deve envolver diferentes instâncias do Estado, governo e sociedade.

Soberania é a capacidade do Estado de assegurar, financiar, fomentar as suas atividades centrais, garantindo os fundamentos da nossa Constituição, como desenvolvimento, dignidade, cidadania e redução da desigualdade.

A preservação ambiental é um interesse nacional e também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas não apenas coloca em risco nosso papel estratégico no equilíbrio climático global, mas também afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população.

As Forças Armadas desempenham papel crucial, tanto na proteção e no monitoramento de áreas estratégicas e vulneráveis, como a Amazônia, mas também na resposta a desastres naturais, como a gente viu agora no Rio Grande do Sul.

Esse tema já é uma prioridade das áreas de segurança e defesa em outros países?

Outros países têm tratado dessa temática com bastante prioridade. Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Alemanha, França tratam de mudança do clima dentro das suas estratégias nacionais de segurança. A Otan, como um todo, tem olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes, de uma forma que não temos feito aqui, incorporando as estratégias de resiliência e adaptação nas políticas de defesa.

A mudança do clima é um problema comum a todos os Estados. O que vai fazer a diferença é a capacidade que cada um tem de reagir ao problema.

Quais as principais ameaças ao território da Amazônia brasileira hoje?

São as diferentes ilicitudes que acontecem no território amazônico. O avanço do narcotráfico, o crime organizado, garimpo ilegal, pesca predatória, biopirataria, que não só destroem o meio ambiente, mas também vão minar a nossa soberania.

Embarcação navega no Rio Negro, a 60 quilômetros de Manaus Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 10/5/2022

Em muitas regiões da Amazônia, a grande presença do Estado são as Forças Armadas. Precisamos reforçar essa presença não apenas por meio de forças de segurança e de defesa, mas também de políticas públicas que levem prosperidade, oportunidades econômicas para um espaço com o menor índice de desenvolvimento humano do País.

Isso passa por prover infraestrutura física, digital, escola, saúde, transporte, estrada. E tudo isso tem de ser feito de acordo com critérios de sustentabilidade. É por meio de desenvolvimento e de segurança que conseguiremos resolver determinados problemas na Amazônia. Pessoas que lutam para ter condições mínimas de vida ficam vulneráveis à criminalidade.

Como avalia a posição do Brasil hoje no cenário das negociações climáticas globais?

Por conta da nossa presidência no G-20 e também como futuro anfitrião da COP-30 no ano que vem, temos a oportunidade de liderar o cenário global de negociações climáticas em direção a uma transição energética justa e inclusiva. Podemos demonstrar para o mundo como conciliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade.

Será crucial aproveitar essa posição nos dois fóruns para pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras, para garantir que essa transição energética global seja equitativa e também que os países tenham suas soberanias e escolhas respeitadas.

A diminuição do desmatamento na Amazônia nos coloca em posição mais favorável para as negociações, com o Brasil fazendo parte do dever de casa.

O importante é que chegarmos com uma agenda proativa, focada nos temas importantes para nós, como justiça climática, transição energética justa, garantindo que as negociações não sejam dominadas pelos interesses e pela pauta dos outros países.

Adotar uma postura firme nas negociações internacionais e pensar em alianças estratégicas com outros países em desenvolvimento também é uma forma de fortalecer a nossa soberania como um país afetado por problemas que, em grande parte, não foram causados por nós em uma agenda que deve ser pautada pela cooperação e não pela imposição.

As nações do norte vão frequentemente focar em metas de mitigação que servirão aos seus interesses econômicos e tecnológicos, enquanto os países do Sul Global, como o Brasil, que historicamente contribuíram menos para a crise climática e enfrentam os impactos mais severos, precisam enfatizar a importância de uma transição que leve em consideração as desigualdades e as necessidades de desenvolvimento sustentável.

As Forças Armadas têm histórico de presença na Amazônia e sua visão sobre esse território, sobretudo na ditadura, já foi questionada. Como a soberania e a proteção desse território podem ser garantidas com base nos novos paradigmas econômicos e de defesa?

Nos últimos anos, o debate em torno do desenvolvimento na Amazônia tem sido focado na questão da bioeconomia, em encontrar modelos de desenvolvimento que gerem prosperidade para a região, mas que estejam aliados com práticas sustentáveis.

Não é papel do Ministério da Defesa ou das Forças Armadas exclusivamente pensar em estratégias de desenvolvimento para a Amazônia. O que precisa é de política de Estado, uma estratégia que pense a região como um local que precisa de prosperidade.

Isso não se dará, como não se deu até agora, apenas com a presença do Ministério da Defesa e das Forças Armadas. É preciso que o Estado brasileiro, com as suas diferentes agências, pense um plano estratégico para a região, ampliando a presença de outros órgãos ali.

Para que consiga combater a criminalidade e a degradação do bioma amazônico, é essencial integração de órgãos como Ibama, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Forças Armadas. Os problemas relacionados à insegurança na região estão diretamente relacionados com as causas de desmatamento, o principal causador das emissões de carbono do Brasil.

Há adesão das Forças Armadas à pauta climática?

Temos visto adesão e abertura bastante relevantes. O Ministério da Defesa nos chamou para contribuir com a revisão do Livro Branco e do Livro Verde, que é um documento norteador que fala de defesa e meio ambiente. Eles também têm participado dos eventos que organizamos, têm escrito textos para as nossas publicações e colocado as nossas publicações como referência nas bibliografias dos centros de estudos estratégicos e dos seus programas de pós-graduação nas diferentes escolas.

O grupo de professores que compõem a Escola Superior de Defesa propôs um projeto de pesquisa para justamente falar sobre mudança do clima, segurança e defesa e a Escola de Comando Estado Maior ofereceu uma disciplina sobre o tema.

O que pode ser aprimorado no apoio prestado pelas Forças Armadas na resposta aos desastres climáticos e outras pautas ambientais?

O principal aprimoramento para a atuação das Forças Armadas e do Ministério da Defesa em relação à questão climática é tornar mais robusta a integração com outras agências civis.

A defesa tem uma função de apoio nos desastres climáticos, não é a função principal. Mas com eventos extremos cada vez mais frequentes, é preciso que se pense num plano de longo prazo, deixando de tratar o problema de forma episódica e emergencial para que as próprias Forças Armadas consigam prever dentro dos seus planejamentos, inclusive orçamentários, a destinação para essa atividade.

No momento em que se desloca um grande esforço do Ministério da Defesa para atuar em apoio ao desastre no Rio Grande do Sul, se está deixando de atuar em outros setores. Então é preciso que esses esforços façam parte do plano do próprio Ministério da Defesa e do Estado brasileiro.

Temos uma estratégia nacional de defesa, mas não uma estratégia nacional de segurança, que ficaria acima das estratégias setoriais, como um entendimento nacional de quais as ameaças e riscos ao Estado e aos indivíduos, para ter uma política interministerial que estabeleça prioridades, distribua responsabilidades entre os diferentes agentes e garanta distribuição de recursos e de esforço de acordo com essas prioridades. Outros países já trabalham com esse tipo de documento norteador, e isso contribuiria para a coordenação e interação das diferentes agências.

O Ministério da Defesa apresenta ao Congresso a cada quatro anos a sua política nacional de defesa e a sua estratégia nacional de defesa. A última versão, entregue em 2020, praticamente não falava de mudança do clima. Aparentemente, as novas versões enviadas para a apreciação do Congresso em julho de 2024 terão uma evolução em relação a essa temática.

O Congresso não tem sido muito ativo na revisão desses documentos da Defesa. Espera-se que essas versões novas que forem entregues sejam tratadas com um pouco mais de prioridade pelo Congresso, e que inclusive olhem essas questões de mudança do clima no contexto de defesa.

De olho nas intersecções entre as agendas de combate à mudança do clima, soberania e segurança nacional, pesquisadores brasileiros começaram a promover, na pandemia, encontros virtuais entre representantes do governo, das Forças Armadas e da sociedade civil atuantes nessas áreas.

A ideia era estreitar o diálogo entre setores estratégicos na proteção do território e da população em relação à crise climática. Nascia o Centro Soberania e Clima, que tem promovido seminários, levado o tema a órgãos militares e colaborado com a revisão de documentos oficiais como o Livro Verde, que trata das ações do setor de defesa para o ambiente.

“A preservação ambiental é um interesse nacional e é também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população”, disse ao Estadão a diretora-executiva Mariana Plum.

Segundo ela, Estados Unidos, Reino Unido e outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “têm olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes de segurança e defesa, de uma forma que a gente não tem feito aqui”.

Para fomentar esse olhar, o centro lançou também uma escola e um primeiro curso, intitulado “Mudança do Clima e as Agendas de Segurança e Defesa”, que está com inscrições abertas e tem início nesta terça-feira, 20. A formação é online e vai até novembro, com duração total de 18 horas em 15 aulas e custo de R$25, valor da inscrição.

Na entrevista, a pesquisadora também analisa a posição do Brasil nas negociações climáticas internacionais, como na Cúpula do Clima de 2025, a COP-30, que terá Belém como sede. Para ela, o Brasil deve usar a posição de anfitrião para “pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras”.

Leia os principais trechos da entrevista:

O que as mudanças climáticas têm a ver com soberania e segurança nacional?

Quando se fala em soberania, interesse nacional e segurança nacional, há uma ideia de que isso seria assunto exclusivo de setores de defesa e segurança, quando na verdade deve envolver diferentes instâncias do Estado, governo e sociedade.

Soberania é a capacidade do Estado de assegurar, financiar, fomentar as suas atividades centrais, garantindo os fundamentos da nossa Constituição, como desenvolvimento, dignidade, cidadania e redução da desigualdade.

A preservação ambiental é um interesse nacional e também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas não apenas coloca em risco nosso papel estratégico no equilíbrio climático global, mas também afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população.

As Forças Armadas desempenham papel crucial, tanto na proteção e no monitoramento de áreas estratégicas e vulneráveis, como a Amazônia, mas também na resposta a desastres naturais, como a gente viu agora no Rio Grande do Sul.

Esse tema já é uma prioridade das áreas de segurança e defesa em outros países?

Outros países têm tratado dessa temática com bastante prioridade. Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Alemanha, França tratam de mudança do clima dentro das suas estratégias nacionais de segurança. A Otan, como um todo, tem olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes, de uma forma que não temos feito aqui, incorporando as estratégias de resiliência e adaptação nas políticas de defesa.

A mudança do clima é um problema comum a todos os Estados. O que vai fazer a diferença é a capacidade que cada um tem de reagir ao problema.

Quais as principais ameaças ao território da Amazônia brasileira hoje?

São as diferentes ilicitudes que acontecem no território amazônico. O avanço do narcotráfico, o crime organizado, garimpo ilegal, pesca predatória, biopirataria, que não só destroem o meio ambiente, mas também vão minar a nossa soberania.

Embarcação navega no Rio Negro, a 60 quilômetros de Manaus Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 10/5/2022

Em muitas regiões da Amazônia, a grande presença do Estado são as Forças Armadas. Precisamos reforçar essa presença não apenas por meio de forças de segurança e de defesa, mas também de políticas públicas que levem prosperidade, oportunidades econômicas para um espaço com o menor índice de desenvolvimento humano do País.

Isso passa por prover infraestrutura física, digital, escola, saúde, transporte, estrada. E tudo isso tem de ser feito de acordo com critérios de sustentabilidade. É por meio de desenvolvimento e de segurança que conseguiremos resolver determinados problemas na Amazônia. Pessoas que lutam para ter condições mínimas de vida ficam vulneráveis à criminalidade.

Como avalia a posição do Brasil hoje no cenário das negociações climáticas globais?

Por conta da nossa presidência no G-20 e também como futuro anfitrião da COP-30 no ano que vem, temos a oportunidade de liderar o cenário global de negociações climáticas em direção a uma transição energética justa e inclusiva. Podemos demonstrar para o mundo como conciliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade.

Será crucial aproveitar essa posição nos dois fóruns para pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras, para garantir que essa transição energética global seja equitativa e também que os países tenham suas soberanias e escolhas respeitadas.

A diminuição do desmatamento na Amazônia nos coloca em posição mais favorável para as negociações, com o Brasil fazendo parte do dever de casa.

O importante é que chegarmos com uma agenda proativa, focada nos temas importantes para nós, como justiça climática, transição energética justa, garantindo que as negociações não sejam dominadas pelos interesses e pela pauta dos outros países.

Adotar uma postura firme nas negociações internacionais e pensar em alianças estratégicas com outros países em desenvolvimento também é uma forma de fortalecer a nossa soberania como um país afetado por problemas que, em grande parte, não foram causados por nós em uma agenda que deve ser pautada pela cooperação e não pela imposição.

As nações do norte vão frequentemente focar em metas de mitigação que servirão aos seus interesses econômicos e tecnológicos, enquanto os países do Sul Global, como o Brasil, que historicamente contribuíram menos para a crise climática e enfrentam os impactos mais severos, precisam enfatizar a importância de uma transição que leve em consideração as desigualdades e as necessidades de desenvolvimento sustentável.

As Forças Armadas têm histórico de presença na Amazônia e sua visão sobre esse território, sobretudo na ditadura, já foi questionada. Como a soberania e a proteção desse território podem ser garantidas com base nos novos paradigmas econômicos e de defesa?

Nos últimos anos, o debate em torno do desenvolvimento na Amazônia tem sido focado na questão da bioeconomia, em encontrar modelos de desenvolvimento que gerem prosperidade para a região, mas que estejam aliados com práticas sustentáveis.

Não é papel do Ministério da Defesa ou das Forças Armadas exclusivamente pensar em estratégias de desenvolvimento para a Amazônia. O que precisa é de política de Estado, uma estratégia que pense a região como um local que precisa de prosperidade.

Isso não se dará, como não se deu até agora, apenas com a presença do Ministério da Defesa e das Forças Armadas. É preciso que o Estado brasileiro, com as suas diferentes agências, pense um plano estratégico para a região, ampliando a presença de outros órgãos ali.

Para que consiga combater a criminalidade e a degradação do bioma amazônico, é essencial integração de órgãos como Ibama, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Forças Armadas. Os problemas relacionados à insegurança na região estão diretamente relacionados com as causas de desmatamento, o principal causador das emissões de carbono do Brasil.

Há adesão das Forças Armadas à pauta climática?

Temos visto adesão e abertura bastante relevantes. O Ministério da Defesa nos chamou para contribuir com a revisão do Livro Branco e do Livro Verde, que é um documento norteador que fala de defesa e meio ambiente. Eles também têm participado dos eventos que organizamos, têm escrito textos para as nossas publicações e colocado as nossas publicações como referência nas bibliografias dos centros de estudos estratégicos e dos seus programas de pós-graduação nas diferentes escolas.

O grupo de professores que compõem a Escola Superior de Defesa propôs um projeto de pesquisa para justamente falar sobre mudança do clima, segurança e defesa e a Escola de Comando Estado Maior ofereceu uma disciplina sobre o tema.

O que pode ser aprimorado no apoio prestado pelas Forças Armadas na resposta aos desastres climáticos e outras pautas ambientais?

O principal aprimoramento para a atuação das Forças Armadas e do Ministério da Defesa em relação à questão climática é tornar mais robusta a integração com outras agências civis.

A defesa tem uma função de apoio nos desastres climáticos, não é a função principal. Mas com eventos extremos cada vez mais frequentes, é preciso que se pense num plano de longo prazo, deixando de tratar o problema de forma episódica e emergencial para que as próprias Forças Armadas consigam prever dentro dos seus planejamentos, inclusive orçamentários, a destinação para essa atividade.

No momento em que se desloca um grande esforço do Ministério da Defesa para atuar em apoio ao desastre no Rio Grande do Sul, se está deixando de atuar em outros setores. Então é preciso que esses esforços façam parte do plano do próprio Ministério da Defesa e do Estado brasileiro.

Temos uma estratégia nacional de defesa, mas não uma estratégia nacional de segurança, que ficaria acima das estratégias setoriais, como um entendimento nacional de quais as ameaças e riscos ao Estado e aos indivíduos, para ter uma política interministerial que estabeleça prioridades, distribua responsabilidades entre os diferentes agentes e garanta distribuição de recursos e de esforço de acordo com essas prioridades. Outros países já trabalham com esse tipo de documento norteador, e isso contribuiria para a coordenação e interação das diferentes agências.

O Ministério da Defesa apresenta ao Congresso a cada quatro anos a sua política nacional de defesa e a sua estratégia nacional de defesa. A última versão, entregue em 2020, praticamente não falava de mudança do clima. Aparentemente, as novas versões enviadas para a apreciação do Congresso em julho de 2024 terão uma evolução em relação a essa temática.

O Congresso não tem sido muito ativo na revisão desses documentos da Defesa. Espera-se que essas versões novas que forem entregues sejam tratadas com um pouco mais de prioridade pelo Congresso, e que inclusive olhem essas questões de mudança do clima no contexto de defesa.

De olho nas intersecções entre as agendas de combate à mudança do clima, soberania e segurança nacional, pesquisadores brasileiros começaram a promover, na pandemia, encontros virtuais entre representantes do governo, das Forças Armadas e da sociedade civil atuantes nessas áreas.

A ideia era estreitar o diálogo entre setores estratégicos na proteção do território e da população em relação à crise climática. Nascia o Centro Soberania e Clima, que tem promovido seminários, levado o tema a órgãos militares e colaborado com a revisão de documentos oficiais como o Livro Verde, que trata das ações do setor de defesa para o ambiente.

“A preservação ambiental é um interesse nacional e é também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população”, disse ao Estadão a diretora-executiva Mariana Plum.

Segundo ela, Estados Unidos, Reino Unido e outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “têm olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes de segurança e defesa, de uma forma que a gente não tem feito aqui”.

Para fomentar esse olhar, o centro lançou também uma escola e um primeiro curso, intitulado “Mudança do Clima e as Agendas de Segurança e Defesa”, que está com inscrições abertas e tem início nesta terça-feira, 20. A formação é online e vai até novembro, com duração total de 18 horas em 15 aulas e custo de R$25, valor da inscrição.

Na entrevista, a pesquisadora também analisa a posição do Brasil nas negociações climáticas internacionais, como na Cúpula do Clima de 2025, a COP-30, que terá Belém como sede. Para ela, o Brasil deve usar a posição de anfitrião para “pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras”.

Leia os principais trechos da entrevista:

O que as mudanças climáticas têm a ver com soberania e segurança nacional?

Quando se fala em soberania, interesse nacional e segurança nacional, há uma ideia de que isso seria assunto exclusivo de setores de defesa e segurança, quando na verdade deve envolver diferentes instâncias do Estado, governo e sociedade.

Soberania é a capacidade do Estado de assegurar, financiar, fomentar as suas atividades centrais, garantindo os fundamentos da nossa Constituição, como desenvolvimento, dignidade, cidadania e redução da desigualdade.

A preservação ambiental é um interesse nacional e também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas não apenas coloca em risco nosso papel estratégico no equilíbrio climático global, mas também afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população.

As Forças Armadas desempenham papel crucial, tanto na proteção e no monitoramento de áreas estratégicas e vulneráveis, como a Amazônia, mas também na resposta a desastres naturais, como a gente viu agora no Rio Grande do Sul.

Esse tema já é uma prioridade das áreas de segurança e defesa em outros países?

Outros países têm tratado dessa temática com bastante prioridade. Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Alemanha, França tratam de mudança do clima dentro das suas estratégias nacionais de segurança. A Otan, como um todo, tem olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes, de uma forma que não temos feito aqui, incorporando as estratégias de resiliência e adaptação nas políticas de defesa.

A mudança do clima é um problema comum a todos os Estados. O que vai fazer a diferença é a capacidade que cada um tem de reagir ao problema.

Quais as principais ameaças ao território da Amazônia brasileira hoje?

São as diferentes ilicitudes que acontecem no território amazônico. O avanço do narcotráfico, o crime organizado, garimpo ilegal, pesca predatória, biopirataria, que não só destroem o meio ambiente, mas também vão minar a nossa soberania.

Embarcação navega no Rio Negro, a 60 quilômetros de Manaus Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 10/5/2022

Em muitas regiões da Amazônia, a grande presença do Estado são as Forças Armadas. Precisamos reforçar essa presença não apenas por meio de forças de segurança e de defesa, mas também de políticas públicas que levem prosperidade, oportunidades econômicas para um espaço com o menor índice de desenvolvimento humano do País.

Isso passa por prover infraestrutura física, digital, escola, saúde, transporte, estrada. E tudo isso tem de ser feito de acordo com critérios de sustentabilidade. É por meio de desenvolvimento e de segurança que conseguiremos resolver determinados problemas na Amazônia. Pessoas que lutam para ter condições mínimas de vida ficam vulneráveis à criminalidade.

Como avalia a posição do Brasil hoje no cenário das negociações climáticas globais?

Por conta da nossa presidência no G-20 e também como futuro anfitrião da COP-30 no ano que vem, temos a oportunidade de liderar o cenário global de negociações climáticas em direção a uma transição energética justa e inclusiva. Podemos demonstrar para o mundo como conciliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade.

Será crucial aproveitar essa posição nos dois fóruns para pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras, para garantir que essa transição energética global seja equitativa e também que os países tenham suas soberanias e escolhas respeitadas.

A diminuição do desmatamento na Amazônia nos coloca em posição mais favorável para as negociações, com o Brasil fazendo parte do dever de casa.

O importante é que chegarmos com uma agenda proativa, focada nos temas importantes para nós, como justiça climática, transição energética justa, garantindo que as negociações não sejam dominadas pelos interesses e pela pauta dos outros países.

Adotar uma postura firme nas negociações internacionais e pensar em alianças estratégicas com outros países em desenvolvimento também é uma forma de fortalecer a nossa soberania como um país afetado por problemas que, em grande parte, não foram causados por nós em uma agenda que deve ser pautada pela cooperação e não pela imposição.

As nações do norte vão frequentemente focar em metas de mitigação que servirão aos seus interesses econômicos e tecnológicos, enquanto os países do Sul Global, como o Brasil, que historicamente contribuíram menos para a crise climática e enfrentam os impactos mais severos, precisam enfatizar a importância de uma transição que leve em consideração as desigualdades e as necessidades de desenvolvimento sustentável.

As Forças Armadas têm histórico de presença na Amazônia e sua visão sobre esse território, sobretudo na ditadura, já foi questionada. Como a soberania e a proteção desse território podem ser garantidas com base nos novos paradigmas econômicos e de defesa?

Nos últimos anos, o debate em torno do desenvolvimento na Amazônia tem sido focado na questão da bioeconomia, em encontrar modelos de desenvolvimento que gerem prosperidade para a região, mas que estejam aliados com práticas sustentáveis.

Não é papel do Ministério da Defesa ou das Forças Armadas exclusivamente pensar em estratégias de desenvolvimento para a Amazônia. O que precisa é de política de Estado, uma estratégia que pense a região como um local que precisa de prosperidade.

Isso não se dará, como não se deu até agora, apenas com a presença do Ministério da Defesa e das Forças Armadas. É preciso que o Estado brasileiro, com as suas diferentes agências, pense um plano estratégico para a região, ampliando a presença de outros órgãos ali.

Para que consiga combater a criminalidade e a degradação do bioma amazônico, é essencial integração de órgãos como Ibama, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Forças Armadas. Os problemas relacionados à insegurança na região estão diretamente relacionados com as causas de desmatamento, o principal causador das emissões de carbono do Brasil.

Há adesão das Forças Armadas à pauta climática?

Temos visto adesão e abertura bastante relevantes. O Ministério da Defesa nos chamou para contribuir com a revisão do Livro Branco e do Livro Verde, que é um documento norteador que fala de defesa e meio ambiente. Eles também têm participado dos eventos que organizamos, têm escrito textos para as nossas publicações e colocado as nossas publicações como referência nas bibliografias dos centros de estudos estratégicos e dos seus programas de pós-graduação nas diferentes escolas.

O grupo de professores que compõem a Escola Superior de Defesa propôs um projeto de pesquisa para justamente falar sobre mudança do clima, segurança e defesa e a Escola de Comando Estado Maior ofereceu uma disciplina sobre o tema.

O que pode ser aprimorado no apoio prestado pelas Forças Armadas na resposta aos desastres climáticos e outras pautas ambientais?

O principal aprimoramento para a atuação das Forças Armadas e do Ministério da Defesa em relação à questão climática é tornar mais robusta a integração com outras agências civis.

A defesa tem uma função de apoio nos desastres climáticos, não é a função principal. Mas com eventos extremos cada vez mais frequentes, é preciso que se pense num plano de longo prazo, deixando de tratar o problema de forma episódica e emergencial para que as próprias Forças Armadas consigam prever dentro dos seus planejamentos, inclusive orçamentários, a destinação para essa atividade.

No momento em que se desloca um grande esforço do Ministério da Defesa para atuar em apoio ao desastre no Rio Grande do Sul, se está deixando de atuar em outros setores. Então é preciso que esses esforços façam parte do plano do próprio Ministério da Defesa e do Estado brasileiro.

Temos uma estratégia nacional de defesa, mas não uma estratégia nacional de segurança, que ficaria acima das estratégias setoriais, como um entendimento nacional de quais as ameaças e riscos ao Estado e aos indivíduos, para ter uma política interministerial que estabeleça prioridades, distribua responsabilidades entre os diferentes agentes e garanta distribuição de recursos e de esforço de acordo com essas prioridades. Outros países já trabalham com esse tipo de documento norteador, e isso contribuiria para a coordenação e interação das diferentes agências.

O Ministério da Defesa apresenta ao Congresso a cada quatro anos a sua política nacional de defesa e a sua estratégia nacional de defesa. A última versão, entregue em 2020, praticamente não falava de mudança do clima. Aparentemente, as novas versões enviadas para a apreciação do Congresso em julho de 2024 terão uma evolução em relação a essa temática.

O Congresso não tem sido muito ativo na revisão desses documentos da Defesa. Espera-se que essas versões novas que forem entregues sejam tratadas com um pouco mais de prioridade pelo Congresso, e que inclusive olhem essas questões de mudança do clima no contexto de defesa.

De olho nas intersecções entre as agendas de combate à mudança do clima, soberania e segurança nacional, pesquisadores brasileiros começaram a promover, na pandemia, encontros virtuais entre representantes do governo, das Forças Armadas e da sociedade civil atuantes nessas áreas.

A ideia era estreitar o diálogo entre setores estratégicos na proteção do território e da população em relação à crise climática. Nascia o Centro Soberania e Clima, que tem promovido seminários, levado o tema a órgãos militares e colaborado com a revisão de documentos oficiais como o Livro Verde, que trata das ações do setor de defesa para o ambiente.

“A preservação ambiental é um interesse nacional e é também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população”, disse ao Estadão a diretora-executiva Mariana Plum.

Segundo ela, Estados Unidos, Reino Unido e outros países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) “têm olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes de segurança e defesa, de uma forma que a gente não tem feito aqui”.

Para fomentar esse olhar, o centro lançou também uma escola e um primeiro curso, intitulado “Mudança do Clima e as Agendas de Segurança e Defesa”, que está com inscrições abertas e tem início nesta terça-feira, 20. A formação é online e vai até novembro, com duração total de 18 horas em 15 aulas e custo de R$25, valor da inscrição.

Na entrevista, a pesquisadora também analisa a posição do Brasil nas negociações climáticas internacionais, como na Cúpula do Clima de 2025, a COP-30, que terá Belém como sede. Para ela, o Brasil deve usar a posição de anfitrião para “pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras”.

Leia os principais trechos da entrevista:

O que as mudanças climáticas têm a ver com soberania e segurança nacional?

Quando se fala em soberania, interesse nacional e segurança nacional, há uma ideia de que isso seria assunto exclusivo de setores de defesa e segurança, quando na verdade deve envolver diferentes instâncias do Estado, governo e sociedade.

Soberania é a capacidade do Estado de assegurar, financiar, fomentar as suas atividades centrais, garantindo os fundamentos da nossa Constituição, como desenvolvimento, dignidade, cidadania e redução da desigualdade.

A preservação ambiental é um interesse nacional e também uma questão de soberania para o Brasil, já que a degradação de biomas não apenas coloca em risco nosso papel estratégico no equilíbrio climático global, mas também afeta nossa capacidade de proteger e defender o nosso território e a nossa população.

As Forças Armadas desempenham papel crucial, tanto na proteção e no monitoramento de áreas estratégicas e vulneráveis, como a Amazônia, mas também na resposta a desastres naturais, como a gente viu agora no Rio Grande do Sul.

Esse tema já é uma prioridade das áreas de segurança e defesa em outros países?

Outros países têm tratado dessa temática com bastante prioridade. Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Alemanha, França tratam de mudança do clima dentro das suas estratégias nacionais de segurança. A Otan, como um todo, tem olhado para a questão da mudança do clima com essas lentes, de uma forma que não temos feito aqui, incorporando as estratégias de resiliência e adaptação nas políticas de defesa.

A mudança do clima é um problema comum a todos os Estados. O que vai fazer a diferença é a capacidade que cada um tem de reagir ao problema.

Quais as principais ameaças ao território da Amazônia brasileira hoje?

São as diferentes ilicitudes que acontecem no território amazônico. O avanço do narcotráfico, o crime organizado, garimpo ilegal, pesca predatória, biopirataria, que não só destroem o meio ambiente, mas também vão minar a nossa soberania.

Embarcação navega no Rio Negro, a 60 quilômetros de Manaus Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 10/5/2022

Em muitas regiões da Amazônia, a grande presença do Estado são as Forças Armadas. Precisamos reforçar essa presença não apenas por meio de forças de segurança e de defesa, mas também de políticas públicas que levem prosperidade, oportunidades econômicas para um espaço com o menor índice de desenvolvimento humano do País.

Isso passa por prover infraestrutura física, digital, escola, saúde, transporte, estrada. E tudo isso tem de ser feito de acordo com critérios de sustentabilidade. É por meio de desenvolvimento e de segurança que conseguiremos resolver determinados problemas na Amazônia. Pessoas que lutam para ter condições mínimas de vida ficam vulneráveis à criminalidade.

Como avalia a posição do Brasil hoje no cenário das negociações climáticas globais?

Por conta da nossa presidência no G-20 e também como futuro anfitrião da COP-30 no ano que vem, temos a oportunidade de liderar o cenário global de negociações climáticas em direção a uma transição energética justa e inclusiva. Podemos demonstrar para o mundo como conciliar desenvolvimento econômico com sustentabilidade.

Será crucial aproveitar essa posição nos dois fóruns para pressionar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas financeiras, para garantir que essa transição energética global seja equitativa e também que os países tenham suas soberanias e escolhas respeitadas.

A diminuição do desmatamento na Amazônia nos coloca em posição mais favorável para as negociações, com o Brasil fazendo parte do dever de casa.

O importante é que chegarmos com uma agenda proativa, focada nos temas importantes para nós, como justiça climática, transição energética justa, garantindo que as negociações não sejam dominadas pelos interesses e pela pauta dos outros países.

Adotar uma postura firme nas negociações internacionais e pensar em alianças estratégicas com outros países em desenvolvimento também é uma forma de fortalecer a nossa soberania como um país afetado por problemas que, em grande parte, não foram causados por nós em uma agenda que deve ser pautada pela cooperação e não pela imposição.

As nações do norte vão frequentemente focar em metas de mitigação que servirão aos seus interesses econômicos e tecnológicos, enquanto os países do Sul Global, como o Brasil, que historicamente contribuíram menos para a crise climática e enfrentam os impactos mais severos, precisam enfatizar a importância de uma transição que leve em consideração as desigualdades e as necessidades de desenvolvimento sustentável.

As Forças Armadas têm histórico de presença na Amazônia e sua visão sobre esse território, sobretudo na ditadura, já foi questionada. Como a soberania e a proteção desse território podem ser garantidas com base nos novos paradigmas econômicos e de defesa?

Nos últimos anos, o debate em torno do desenvolvimento na Amazônia tem sido focado na questão da bioeconomia, em encontrar modelos de desenvolvimento que gerem prosperidade para a região, mas que estejam aliados com práticas sustentáveis.

Não é papel do Ministério da Defesa ou das Forças Armadas exclusivamente pensar em estratégias de desenvolvimento para a Amazônia. O que precisa é de política de Estado, uma estratégia que pense a região como um local que precisa de prosperidade.

Isso não se dará, como não se deu até agora, apenas com a presença do Ministério da Defesa e das Forças Armadas. É preciso que o Estado brasileiro, com as suas diferentes agências, pense um plano estratégico para a região, ampliando a presença de outros órgãos ali.

Para que consiga combater a criminalidade e a degradação do bioma amazônico, é essencial integração de órgãos como Ibama, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Forças Armadas. Os problemas relacionados à insegurança na região estão diretamente relacionados com as causas de desmatamento, o principal causador das emissões de carbono do Brasil.

Há adesão das Forças Armadas à pauta climática?

Temos visto adesão e abertura bastante relevantes. O Ministério da Defesa nos chamou para contribuir com a revisão do Livro Branco e do Livro Verde, que é um documento norteador que fala de defesa e meio ambiente. Eles também têm participado dos eventos que organizamos, têm escrito textos para as nossas publicações e colocado as nossas publicações como referência nas bibliografias dos centros de estudos estratégicos e dos seus programas de pós-graduação nas diferentes escolas.

O grupo de professores que compõem a Escola Superior de Defesa propôs um projeto de pesquisa para justamente falar sobre mudança do clima, segurança e defesa e a Escola de Comando Estado Maior ofereceu uma disciplina sobre o tema.

O que pode ser aprimorado no apoio prestado pelas Forças Armadas na resposta aos desastres climáticos e outras pautas ambientais?

O principal aprimoramento para a atuação das Forças Armadas e do Ministério da Defesa em relação à questão climática é tornar mais robusta a integração com outras agências civis.

A defesa tem uma função de apoio nos desastres climáticos, não é a função principal. Mas com eventos extremos cada vez mais frequentes, é preciso que se pense num plano de longo prazo, deixando de tratar o problema de forma episódica e emergencial para que as próprias Forças Armadas consigam prever dentro dos seus planejamentos, inclusive orçamentários, a destinação para essa atividade.

No momento em que se desloca um grande esforço do Ministério da Defesa para atuar em apoio ao desastre no Rio Grande do Sul, se está deixando de atuar em outros setores. Então é preciso que esses esforços façam parte do plano do próprio Ministério da Defesa e do Estado brasileiro.

Temos uma estratégia nacional de defesa, mas não uma estratégia nacional de segurança, que ficaria acima das estratégias setoriais, como um entendimento nacional de quais as ameaças e riscos ao Estado e aos indivíduos, para ter uma política interministerial que estabeleça prioridades, distribua responsabilidades entre os diferentes agentes e garanta distribuição de recursos e de esforço de acordo com essas prioridades. Outros países já trabalham com esse tipo de documento norteador, e isso contribuiria para a coordenação e interação das diferentes agências.

O Ministério da Defesa apresenta ao Congresso a cada quatro anos a sua política nacional de defesa e a sua estratégia nacional de defesa. A última versão, entregue em 2020, praticamente não falava de mudança do clima. Aparentemente, as novas versões enviadas para a apreciação do Congresso em julho de 2024 terão uma evolução em relação a essa temática.

O Congresso não tem sido muito ativo na revisão desses documentos da Defesa. Espera-se que essas versões novas que forem entregues sejam tratadas com um pouco mais de prioridade pelo Congresso, e que inclusive olhem essas questões de mudança do clima no contexto de defesa.

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