O plantio de árvores está crescendo, mas projetos mal feitos podem até prejudicar o planeta


No ano passado, bilhões de árvores foram plantadas em dezenas de países, mas, quando mal feitos, projetos podem piorar os problemas que deveriam resolver, como a biodiversidade

Por Catrin Einhorn
Atualização:

Uma árvore plantada a cada camiseta vendida. A cada garrafa de vinho. A cada compra com cartão de crédito. São árvores plantadas por países que querem cumprir compromissos globais e por empresas que tentam reforçar seus números de sustentabilidade.

À medida que a crise climática se aprofunda, empresas e consumidores estão se unindo a governos e grupos sem fins lucrativos em um boom global de plantio de árvores. No ano passado, bilhões de árvores foram plantadas em dezenas de países do mundo todo. Esses esforços podem ser uma vitória tripla, fornecendo meios de subsistência, absorvendo e bloqueando o dióxido de carbono que aquece o planeta e melhorando a saúde dos ecossistemas.

Árvores têm de ser plantadas no lugar certo e também pelo motivo correto Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Mas, quando mal feitos, os projetos podem piorar os problemas que deveriam resolver. Plantar as árvores erradas no lugar errado pode reduzir a biodiversidade, acelerando as extinções e deixando os ecossistemas muito menos resilientes.

Enfrentar a perda de biodiversidade – que já é uma crise global como as mudanças climáticas – está se tornando cada vez mais urgente. As taxas de extinção estão aumentando. Estima-se que um milhão de espécies correm o risco de desaparecer, muitas dentro de poucas décadas. E o colapso do ecossistema não ameaça apenas animais e plantas; põe em perigo também os suprimentos de água e comida dos quais os humanos dependem.

Em meio a esse agravamento da crise, empresas e países estão investindo cada vez mais no plantio de árvores, cobrindo grandes áreas com espécies comerciais não nativas em nome do combate às mudanças climáticas. Essas árvores absorvem carbono, mas fornecem pouco suporte para as redes de vida que prosperavam nessas áreas.

“Basicamente, o que estamos criando é uma paisagem estéril”, disse Paul Smith, que administra o Botanic Gardens Conservation International, um grupo que trabalha para evitar a extinção de plantas. “Se as pessoas querem plantar árvores, vamos fazer com que isto seja positivo também para a biodiversidade”.

Existe uma regra prática no mundo da plantação de árvores: plantar “a árvore certa no lugar certo”. E alguns acrescentam: “pelo motivo certo”.

Mas, de acordo com entrevistas com uma série de players – cientistas, especialistas em políticas, empresas florestais e organizações de plantio de árvores –, as pessoas geralmente discordam sobre o que significa “certo”. Para alguns, é plantar grandes fazendas de árvores para armazenamento de carbono e extração de madeira. Para outros, é fornecer árvores frutíferas para pequenos agricultores. Para outros ainda, é possibilitar que espécies nativas se regenerem.

Os melhores esforços tentam atender a uma série de necessidades, de acordo com especialistas em restauração, mas às vezes é difícil conciliar interesses conflitantes.

“É meio que o Velho Oeste”, disse Forrest Fleischman, professor de política ambiental da Universidade de Minnesota.

Uma solução natural

Não há chão suficiente na Terra para enfrentar as mudanças climáticas apenas com árvores, mas, se combinadas com cortes drásticos nos combustíveis fósseis, as árvores podem ser uma importante solução natural. Elas absorvem dióxido de carbono pelos poros de suas folhas e o armazenam em seus galhos e troncos (embora as árvores também liberem carbono quando queimam ou apodrecem). Essa capacidade de coletar CO2 é o motivo pelo qual as florestas muitas vezes são chamadas de sumidouros de carbono.

Na África Central, a TotalEnergies, gigante francesa de petróleo e gás, anunciou planos para plantar árvores em 40 mil hectares na República do Congo. O projeto – no planalto de Batéké, um mosaico de gramíneas e savanas arborizadas com trechos de florestas mais densas – sequestraria mais de 10 milhões de toneladas de dióxido de carbono ao longo de vinte anos, segundo a empresa.

“A Total está se comprometendo com o desenvolvimento de sumidouros naturais de carbono na África”, disse Nicolas Terraz, então vice-presidente sênior da Total para a África, em um comunicado à imprensa da empresa sobre o projeto em 2021. “Essas atividades se somam a iniciativas prioritárias tomadas pelo grupo para evitar e reduzir as emissões, em linha com a sua ambição de chegar a net zero até 2050”.

Para atingir o net zero, as empresas precisam remover do ar pelo menos tanto carbono quanto liberam. Muitas delas, como a TotalEnergies, estão recorrendo às árvores para ajudar nessa tarefa. No Planalto de Batéké, uma espécie de acácia da Austrália, destinada à extração seletiva de madeira, cobrirá uma grande área.

O projeto, parte de um programa do governo congolês para expandir a cobertura florestal e aumentar o armazenamento de carbono, criaria empregos, disse a empresa, e, em última análise, ampliaria a biodiversidade do ecossistema, já que as espécies locais podem crescer ao longo de décadas.

Mas os cientistas alertam que o plano pode ser um exemplo de um dos piores tipos de esforços de reflorestamento: plantar árvores onde elas não nasceriam naturalmente. Esses projetos podem devastar a biodiversidade, ameaçar o abastecimento de água e até aumentar as temperaturas porque, em alguns casos, as árvores absorvem o calor que as pastagens – ou, em outras partes do mundo, a neve – teriam refletido.

“Não queremos causar danos em nome do bem”, disse Bethanie Walder, diretora executiva da Society for Ecological Restoration, uma organização global sem fins lucrativos.

O Planalto de Batéké é um dos ecossistemas menos estudados da África, de acordo com Paula Nieto Quintano, cientista ambiental que se concentra no estudo da região. “Sua importância para a subsistência local, sua ecologia e suas funções ecossistêmicas são pouco compreendidas”, disse Nieto.

Aqueles que estudam a restauração florestal enfatizam que as árvores não são uma panaceia.

“Temo que muitas corporações e governos estejam vendo isso como uma saída fácil”, disse Robin Chazdon, professor de restauração de florestas tropicais da Universidade de Sunshine Coast, na Austrália. “Eles não precisam necessariamente trabalhar muito para reduzir suas emissões porque podem só dizer: ‘Oh, estamos compensando tudo só plantando árvores’”.

'Fazendo a coisa certa'

Todas as árvores armazenam carbono, mas seus outros benefícios variam muito dependendo da espécie e do local de plantio.

O eucalipto, por exemplo, cresce rápido e ereto, características que fazem dele um lucrativo produto madeireiro. Nativo da Austrália e de algumas ilhas ao norte, suas folhas alimentam coalas, que evoluíram para tolerar um potente veneno que elas contêm. Mas na África e na América do Sul – onde essas árvores são amplamente cultivadas para extração de madeira, lenha e, cada vez mais, armazenamento de carbono – elas agregam muito menos valor à vida selvagem. E também são culpadas por esgotar a água e agravar os incêndios florestais.

Os especialistas reconhecem que a restauração florestal e o sequestro de carbono são complexos e que as espécies comerciais têm um papel a desempenhar. As pessoas precisam de madeira, um produto renovável com menor pegada de carbono do que concreto ou aço. E precisam de papel e lenha para cozinhar.

Plantar espécies de crescimento rápido para colheita às vezes pode ajudar a preservar as florestas nativas vizinhas. E, ao adicionar estrategicamente espécies nativas, as fazendas de árvores podem ajudar a biodiversidade criando corredores de vida selvagem para conectar áreas de habitat desconectadas.

“Esse movimento de restauração não pode acontecer sem o setor privado”, disse Michael Becker, chefe de comunicações da 1t.org, um grupo criado pelo Fórum Econômico Mundial para impulsionar a conservação e o crescimento de 1 trilhão de árvores com a ajuda de investimentos privados. “Historicamente, houve maus atores, mas precisamos trazê-los para o grupo e fazer a coisa certa”.

Um desafio é que ajudar a biodiversidade não oferece o retorno financeiro do armazenamento de carbono ou dos mercados de madeira.

Muitos governos estabeleceram padrões para os esforços de reflorestamento, mas geralmente oferecem ampla margem de manobra.

No País de Gales, um dos países mais desmatados da Europa, o governo está oferecendo incentivos para o plantio de árvores. Mas os produtores precisam incluir apenas 25% de espécies nativas para terem direito aos subsídios do governo. No Quênia e no Brasil, fileiras de eucalipto crescem em terras que já foram florestas e savanas ecologicamente ricas. No Peru, uma empresa chamada Reforesta Perú vem plantando árvores em terras amazônicas degradadas, mas está usando cada vez mais eucalipto e teca clonados, com vistas à exportação.

Equilíbrio da biodiversidade

Quando as empresas prometem plantar uma árvore a cada compra de determinado produto, geralmente o fazem por meio de grupos sem fins lucrativos que trabalham com comunidades em todo o mundo. As iniciativas podem reflorestar áreas após incêndios florestais ou fornecer árvores frutíferas e nogueiras aos agricultores. Mas até mesmo esses projetos podem comprometer a biodiversidade.

O planeta abriga cerca de 60 mil espécies de árvores. Um terço está ameaçado de extinção, principalmente pela agricultura, pastoreio e exploração. Mas globalmente, apenas uma pequena fração das espécies é plantada em escala, de acordo com cientistas e grupos de plantio de árvores.

“Estão plantando as mesmas espécies em todo o mundo”, disse Meredith Martin, professora assistente de silvicultura da Universidade Estadual da Carolina do Norte, que descobriu que os esforços de plantio de árvores sem fins lucrativos nos trópicos tendem a priorizar as necessidades de subsistência das pessoas em detrimento da biodiversidade ou do armazenamento de carbono. Com o tempo, ela disse, esses esforços correm o risco de reduzir a biodiversidade nas florestas.

Um grande obstáculo é a falta de oferta nos bancos de sementes locais, que tendem a ser dominados por espécies comerciais populares. Alguns grupos superam esse problema pagando às pessoas para coletar sementes de florestas próximas.

Outra solução, dizem os especialistas, é deixar as florestas voltarem por conta própria. Se a área está apenas levemente degradada ou fica perto de alguma floresta já existente, um método chamado regeneração natural pode ser mais barato e mais eficaz. Muitas vezes, simplesmente cercar certas áreas já permitirá que as árvores retornem, com consequente sequestro de carbono e biodiversidade.

“A natureza sabe muito mais do que nós”, disse Chazdon./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Uma árvore plantada a cada camiseta vendida. A cada garrafa de vinho. A cada compra com cartão de crédito. São árvores plantadas por países que querem cumprir compromissos globais e por empresas que tentam reforçar seus números de sustentabilidade.

À medida que a crise climática se aprofunda, empresas e consumidores estão se unindo a governos e grupos sem fins lucrativos em um boom global de plantio de árvores. No ano passado, bilhões de árvores foram plantadas em dezenas de países do mundo todo. Esses esforços podem ser uma vitória tripla, fornecendo meios de subsistência, absorvendo e bloqueando o dióxido de carbono que aquece o planeta e melhorando a saúde dos ecossistemas.

Árvores têm de ser plantadas no lugar certo e também pelo motivo correto Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Mas, quando mal feitos, os projetos podem piorar os problemas que deveriam resolver. Plantar as árvores erradas no lugar errado pode reduzir a biodiversidade, acelerando as extinções e deixando os ecossistemas muito menos resilientes.

Enfrentar a perda de biodiversidade – que já é uma crise global como as mudanças climáticas – está se tornando cada vez mais urgente. As taxas de extinção estão aumentando. Estima-se que um milhão de espécies correm o risco de desaparecer, muitas dentro de poucas décadas. E o colapso do ecossistema não ameaça apenas animais e plantas; põe em perigo também os suprimentos de água e comida dos quais os humanos dependem.

Em meio a esse agravamento da crise, empresas e países estão investindo cada vez mais no plantio de árvores, cobrindo grandes áreas com espécies comerciais não nativas em nome do combate às mudanças climáticas. Essas árvores absorvem carbono, mas fornecem pouco suporte para as redes de vida que prosperavam nessas áreas.

“Basicamente, o que estamos criando é uma paisagem estéril”, disse Paul Smith, que administra o Botanic Gardens Conservation International, um grupo que trabalha para evitar a extinção de plantas. “Se as pessoas querem plantar árvores, vamos fazer com que isto seja positivo também para a biodiversidade”.

Existe uma regra prática no mundo da plantação de árvores: plantar “a árvore certa no lugar certo”. E alguns acrescentam: “pelo motivo certo”.

Mas, de acordo com entrevistas com uma série de players – cientistas, especialistas em políticas, empresas florestais e organizações de plantio de árvores –, as pessoas geralmente discordam sobre o que significa “certo”. Para alguns, é plantar grandes fazendas de árvores para armazenamento de carbono e extração de madeira. Para outros, é fornecer árvores frutíferas para pequenos agricultores. Para outros ainda, é possibilitar que espécies nativas se regenerem.

Os melhores esforços tentam atender a uma série de necessidades, de acordo com especialistas em restauração, mas às vezes é difícil conciliar interesses conflitantes.

“É meio que o Velho Oeste”, disse Forrest Fleischman, professor de política ambiental da Universidade de Minnesota.

Uma solução natural

Não há chão suficiente na Terra para enfrentar as mudanças climáticas apenas com árvores, mas, se combinadas com cortes drásticos nos combustíveis fósseis, as árvores podem ser uma importante solução natural. Elas absorvem dióxido de carbono pelos poros de suas folhas e o armazenam em seus galhos e troncos (embora as árvores também liberem carbono quando queimam ou apodrecem). Essa capacidade de coletar CO2 é o motivo pelo qual as florestas muitas vezes são chamadas de sumidouros de carbono.

Na África Central, a TotalEnergies, gigante francesa de petróleo e gás, anunciou planos para plantar árvores em 40 mil hectares na República do Congo. O projeto – no planalto de Batéké, um mosaico de gramíneas e savanas arborizadas com trechos de florestas mais densas – sequestraria mais de 10 milhões de toneladas de dióxido de carbono ao longo de vinte anos, segundo a empresa.

“A Total está se comprometendo com o desenvolvimento de sumidouros naturais de carbono na África”, disse Nicolas Terraz, então vice-presidente sênior da Total para a África, em um comunicado à imprensa da empresa sobre o projeto em 2021. “Essas atividades se somam a iniciativas prioritárias tomadas pelo grupo para evitar e reduzir as emissões, em linha com a sua ambição de chegar a net zero até 2050”.

Para atingir o net zero, as empresas precisam remover do ar pelo menos tanto carbono quanto liberam. Muitas delas, como a TotalEnergies, estão recorrendo às árvores para ajudar nessa tarefa. No Planalto de Batéké, uma espécie de acácia da Austrália, destinada à extração seletiva de madeira, cobrirá uma grande área.

O projeto, parte de um programa do governo congolês para expandir a cobertura florestal e aumentar o armazenamento de carbono, criaria empregos, disse a empresa, e, em última análise, ampliaria a biodiversidade do ecossistema, já que as espécies locais podem crescer ao longo de décadas.

Mas os cientistas alertam que o plano pode ser um exemplo de um dos piores tipos de esforços de reflorestamento: plantar árvores onde elas não nasceriam naturalmente. Esses projetos podem devastar a biodiversidade, ameaçar o abastecimento de água e até aumentar as temperaturas porque, em alguns casos, as árvores absorvem o calor que as pastagens – ou, em outras partes do mundo, a neve – teriam refletido.

“Não queremos causar danos em nome do bem”, disse Bethanie Walder, diretora executiva da Society for Ecological Restoration, uma organização global sem fins lucrativos.

O Planalto de Batéké é um dos ecossistemas menos estudados da África, de acordo com Paula Nieto Quintano, cientista ambiental que se concentra no estudo da região. “Sua importância para a subsistência local, sua ecologia e suas funções ecossistêmicas são pouco compreendidas”, disse Nieto.

Aqueles que estudam a restauração florestal enfatizam que as árvores não são uma panaceia.

“Temo que muitas corporações e governos estejam vendo isso como uma saída fácil”, disse Robin Chazdon, professor de restauração de florestas tropicais da Universidade de Sunshine Coast, na Austrália. “Eles não precisam necessariamente trabalhar muito para reduzir suas emissões porque podem só dizer: ‘Oh, estamos compensando tudo só plantando árvores’”.

'Fazendo a coisa certa'

Todas as árvores armazenam carbono, mas seus outros benefícios variam muito dependendo da espécie e do local de plantio.

O eucalipto, por exemplo, cresce rápido e ereto, características que fazem dele um lucrativo produto madeireiro. Nativo da Austrália e de algumas ilhas ao norte, suas folhas alimentam coalas, que evoluíram para tolerar um potente veneno que elas contêm. Mas na África e na América do Sul – onde essas árvores são amplamente cultivadas para extração de madeira, lenha e, cada vez mais, armazenamento de carbono – elas agregam muito menos valor à vida selvagem. E também são culpadas por esgotar a água e agravar os incêndios florestais.

Os especialistas reconhecem que a restauração florestal e o sequestro de carbono são complexos e que as espécies comerciais têm um papel a desempenhar. As pessoas precisam de madeira, um produto renovável com menor pegada de carbono do que concreto ou aço. E precisam de papel e lenha para cozinhar.

Plantar espécies de crescimento rápido para colheita às vezes pode ajudar a preservar as florestas nativas vizinhas. E, ao adicionar estrategicamente espécies nativas, as fazendas de árvores podem ajudar a biodiversidade criando corredores de vida selvagem para conectar áreas de habitat desconectadas.

“Esse movimento de restauração não pode acontecer sem o setor privado”, disse Michael Becker, chefe de comunicações da 1t.org, um grupo criado pelo Fórum Econômico Mundial para impulsionar a conservação e o crescimento de 1 trilhão de árvores com a ajuda de investimentos privados. “Historicamente, houve maus atores, mas precisamos trazê-los para o grupo e fazer a coisa certa”.

Um desafio é que ajudar a biodiversidade não oferece o retorno financeiro do armazenamento de carbono ou dos mercados de madeira.

Muitos governos estabeleceram padrões para os esforços de reflorestamento, mas geralmente oferecem ampla margem de manobra.

No País de Gales, um dos países mais desmatados da Europa, o governo está oferecendo incentivos para o plantio de árvores. Mas os produtores precisam incluir apenas 25% de espécies nativas para terem direito aos subsídios do governo. No Quênia e no Brasil, fileiras de eucalipto crescem em terras que já foram florestas e savanas ecologicamente ricas. No Peru, uma empresa chamada Reforesta Perú vem plantando árvores em terras amazônicas degradadas, mas está usando cada vez mais eucalipto e teca clonados, com vistas à exportação.

Equilíbrio da biodiversidade

Quando as empresas prometem plantar uma árvore a cada compra de determinado produto, geralmente o fazem por meio de grupos sem fins lucrativos que trabalham com comunidades em todo o mundo. As iniciativas podem reflorestar áreas após incêndios florestais ou fornecer árvores frutíferas e nogueiras aos agricultores. Mas até mesmo esses projetos podem comprometer a biodiversidade.

O planeta abriga cerca de 60 mil espécies de árvores. Um terço está ameaçado de extinção, principalmente pela agricultura, pastoreio e exploração. Mas globalmente, apenas uma pequena fração das espécies é plantada em escala, de acordo com cientistas e grupos de plantio de árvores.

“Estão plantando as mesmas espécies em todo o mundo”, disse Meredith Martin, professora assistente de silvicultura da Universidade Estadual da Carolina do Norte, que descobriu que os esforços de plantio de árvores sem fins lucrativos nos trópicos tendem a priorizar as necessidades de subsistência das pessoas em detrimento da biodiversidade ou do armazenamento de carbono. Com o tempo, ela disse, esses esforços correm o risco de reduzir a biodiversidade nas florestas.

Um grande obstáculo é a falta de oferta nos bancos de sementes locais, que tendem a ser dominados por espécies comerciais populares. Alguns grupos superam esse problema pagando às pessoas para coletar sementes de florestas próximas.

Outra solução, dizem os especialistas, é deixar as florestas voltarem por conta própria. Se a área está apenas levemente degradada ou fica perto de alguma floresta já existente, um método chamado regeneração natural pode ser mais barato e mais eficaz. Muitas vezes, simplesmente cercar certas áreas já permitirá que as árvores retornem, com consequente sequestro de carbono e biodiversidade.

“A natureza sabe muito mais do que nós”, disse Chazdon./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Uma árvore plantada a cada camiseta vendida. A cada garrafa de vinho. A cada compra com cartão de crédito. São árvores plantadas por países que querem cumprir compromissos globais e por empresas que tentam reforçar seus números de sustentabilidade.

À medida que a crise climática se aprofunda, empresas e consumidores estão se unindo a governos e grupos sem fins lucrativos em um boom global de plantio de árvores. No ano passado, bilhões de árvores foram plantadas em dezenas de países do mundo todo. Esses esforços podem ser uma vitória tripla, fornecendo meios de subsistência, absorvendo e bloqueando o dióxido de carbono que aquece o planeta e melhorando a saúde dos ecossistemas.

Árvores têm de ser plantadas no lugar certo e também pelo motivo correto Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

Mas, quando mal feitos, os projetos podem piorar os problemas que deveriam resolver. Plantar as árvores erradas no lugar errado pode reduzir a biodiversidade, acelerando as extinções e deixando os ecossistemas muito menos resilientes.

Enfrentar a perda de biodiversidade – que já é uma crise global como as mudanças climáticas – está se tornando cada vez mais urgente. As taxas de extinção estão aumentando. Estima-se que um milhão de espécies correm o risco de desaparecer, muitas dentro de poucas décadas. E o colapso do ecossistema não ameaça apenas animais e plantas; põe em perigo também os suprimentos de água e comida dos quais os humanos dependem.

Em meio a esse agravamento da crise, empresas e países estão investindo cada vez mais no plantio de árvores, cobrindo grandes áreas com espécies comerciais não nativas em nome do combate às mudanças climáticas. Essas árvores absorvem carbono, mas fornecem pouco suporte para as redes de vida que prosperavam nessas áreas.

“Basicamente, o que estamos criando é uma paisagem estéril”, disse Paul Smith, que administra o Botanic Gardens Conservation International, um grupo que trabalha para evitar a extinção de plantas. “Se as pessoas querem plantar árvores, vamos fazer com que isto seja positivo também para a biodiversidade”.

Existe uma regra prática no mundo da plantação de árvores: plantar “a árvore certa no lugar certo”. E alguns acrescentam: “pelo motivo certo”.

Mas, de acordo com entrevistas com uma série de players – cientistas, especialistas em políticas, empresas florestais e organizações de plantio de árvores –, as pessoas geralmente discordam sobre o que significa “certo”. Para alguns, é plantar grandes fazendas de árvores para armazenamento de carbono e extração de madeira. Para outros, é fornecer árvores frutíferas para pequenos agricultores. Para outros ainda, é possibilitar que espécies nativas se regenerem.

Os melhores esforços tentam atender a uma série de necessidades, de acordo com especialistas em restauração, mas às vezes é difícil conciliar interesses conflitantes.

“É meio que o Velho Oeste”, disse Forrest Fleischman, professor de política ambiental da Universidade de Minnesota.

Uma solução natural

Não há chão suficiente na Terra para enfrentar as mudanças climáticas apenas com árvores, mas, se combinadas com cortes drásticos nos combustíveis fósseis, as árvores podem ser uma importante solução natural. Elas absorvem dióxido de carbono pelos poros de suas folhas e o armazenam em seus galhos e troncos (embora as árvores também liberem carbono quando queimam ou apodrecem). Essa capacidade de coletar CO2 é o motivo pelo qual as florestas muitas vezes são chamadas de sumidouros de carbono.

Na África Central, a TotalEnergies, gigante francesa de petróleo e gás, anunciou planos para plantar árvores em 40 mil hectares na República do Congo. O projeto – no planalto de Batéké, um mosaico de gramíneas e savanas arborizadas com trechos de florestas mais densas – sequestraria mais de 10 milhões de toneladas de dióxido de carbono ao longo de vinte anos, segundo a empresa.

“A Total está se comprometendo com o desenvolvimento de sumidouros naturais de carbono na África”, disse Nicolas Terraz, então vice-presidente sênior da Total para a África, em um comunicado à imprensa da empresa sobre o projeto em 2021. “Essas atividades se somam a iniciativas prioritárias tomadas pelo grupo para evitar e reduzir as emissões, em linha com a sua ambição de chegar a net zero até 2050”.

Para atingir o net zero, as empresas precisam remover do ar pelo menos tanto carbono quanto liberam. Muitas delas, como a TotalEnergies, estão recorrendo às árvores para ajudar nessa tarefa. No Planalto de Batéké, uma espécie de acácia da Austrália, destinada à extração seletiva de madeira, cobrirá uma grande área.

O projeto, parte de um programa do governo congolês para expandir a cobertura florestal e aumentar o armazenamento de carbono, criaria empregos, disse a empresa, e, em última análise, ampliaria a biodiversidade do ecossistema, já que as espécies locais podem crescer ao longo de décadas.

Mas os cientistas alertam que o plano pode ser um exemplo de um dos piores tipos de esforços de reflorestamento: plantar árvores onde elas não nasceriam naturalmente. Esses projetos podem devastar a biodiversidade, ameaçar o abastecimento de água e até aumentar as temperaturas porque, em alguns casos, as árvores absorvem o calor que as pastagens – ou, em outras partes do mundo, a neve – teriam refletido.

“Não queremos causar danos em nome do bem”, disse Bethanie Walder, diretora executiva da Society for Ecological Restoration, uma organização global sem fins lucrativos.

O Planalto de Batéké é um dos ecossistemas menos estudados da África, de acordo com Paula Nieto Quintano, cientista ambiental que se concentra no estudo da região. “Sua importância para a subsistência local, sua ecologia e suas funções ecossistêmicas são pouco compreendidas”, disse Nieto.

Aqueles que estudam a restauração florestal enfatizam que as árvores não são uma panaceia.

“Temo que muitas corporações e governos estejam vendo isso como uma saída fácil”, disse Robin Chazdon, professor de restauração de florestas tropicais da Universidade de Sunshine Coast, na Austrália. “Eles não precisam necessariamente trabalhar muito para reduzir suas emissões porque podem só dizer: ‘Oh, estamos compensando tudo só plantando árvores’”.

'Fazendo a coisa certa'

Todas as árvores armazenam carbono, mas seus outros benefícios variam muito dependendo da espécie e do local de plantio.

O eucalipto, por exemplo, cresce rápido e ereto, características que fazem dele um lucrativo produto madeireiro. Nativo da Austrália e de algumas ilhas ao norte, suas folhas alimentam coalas, que evoluíram para tolerar um potente veneno que elas contêm. Mas na África e na América do Sul – onde essas árvores são amplamente cultivadas para extração de madeira, lenha e, cada vez mais, armazenamento de carbono – elas agregam muito menos valor à vida selvagem. E também são culpadas por esgotar a água e agravar os incêndios florestais.

Os especialistas reconhecem que a restauração florestal e o sequestro de carbono são complexos e que as espécies comerciais têm um papel a desempenhar. As pessoas precisam de madeira, um produto renovável com menor pegada de carbono do que concreto ou aço. E precisam de papel e lenha para cozinhar.

Plantar espécies de crescimento rápido para colheita às vezes pode ajudar a preservar as florestas nativas vizinhas. E, ao adicionar estrategicamente espécies nativas, as fazendas de árvores podem ajudar a biodiversidade criando corredores de vida selvagem para conectar áreas de habitat desconectadas.

“Esse movimento de restauração não pode acontecer sem o setor privado”, disse Michael Becker, chefe de comunicações da 1t.org, um grupo criado pelo Fórum Econômico Mundial para impulsionar a conservação e o crescimento de 1 trilhão de árvores com a ajuda de investimentos privados. “Historicamente, houve maus atores, mas precisamos trazê-los para o grupo e fazer a coisa certa”.

Um desafio é que ajudar a biodiversidade não oferece o retorno financeiro do armazenamento de carbono ou dos mercados de madeira.

Muitos governos estabeleceram padrões para os esforços de reflorestamento, mas geralmente oferecem ampla margem de manobra.

No País de Gales, um dos países mais desmatados da Europa, o governo está oferecendo incentivos para o plantio de árvores. Mas os produtores precisam incluir apenas 25% de espécies nativas para terem direito aos subsídios do governo. No Quênia e no Brasil, fileiras de eucalipto crescem em terras que já foram florestas e savanas ecologicamente ricas. No Peru, uma empresa chamada Reforesta Perú vem plantando árvores em terras amazônicas degradadas, mas está usando cada vez mais eucalipto e teca clonados, com vistas à exportação.

Equilíbrio da biodiversidade

Quando as empresas prometem plantar uma árvore a cada compra de determinado produto, geralmente o fazem por meio de grupos sem fins lucrativos que trabalham com comunidades em todo o mundo. As iniciativas podem reflorestar áreas após incêndios florestais ou fornecer árvores frutíferas e nogueiras aos agricultores. Mas até mesmo esses projetos podem comprometer a biodiversidade.

O planeta abriga cerca de 60 mil espécies de árvores. Um terço está ameaçado de extinção, principalmente pela agricultura, pastoreio e exploração. Mas globalmente, apenas uma pequena fração das espécies é plantada em escala, de acordo com cientistas e grupos de plantio de árvores.

“Estão plantando as mesmas espécies em todo o mundo”, disse Meredith Martin, professora assistente de silvicultura da Universidade Estadual da Carolina do Norte, que descobriu que os esforços de plantio de árvores sem fins lucrativos nos trópicos tendem a priorizar as necessidades de subsistência das pessoas em detrimento da biodiversidade ou do armazenamento de carbono. Com o tempo, ela disse, esses esforços correm o risco de reduzir a biodiversidade nas florestas.

Um grande obstáculo é a falta de oferta nos bancos de sementes locais, que tendem a ser dominados por espécies comerciais populares. Alguns grupos superam esse problema pagando às pessoas para coletar sementes de florestas próximas.

Outra solução, dizem os especialistas, é deixar as florestas voltarem por conta própria. Se a área está apenas levemente degradada ou fica perto de alguma floresta já existente, um método chamado regeneração natural pode ser mais barato e mais eficaz. Muitas vezes, simplesmente cercar certas áreas já permitirá que as árvores retornem, com consequente sequestro de carbono e biodiversidade.

“A natureza sabe muito mais do que nós”, disse Chazdon./ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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