O que expedições no fundo dos oceanos revelam sobre as mudanças climáticas


Os dados já coletados pelas expedições do Deeplife, e os outros que virão, começam a ser fundamentais para se fazer frente à crise climática e ajudar na preservação ambiental

Por Eduardo Geraque
Atualização:

A emoção de quem está investigando um mundo novo por volta de 100 metros de profundidade é parcialmente abalada pela preocupação com o planeta. Se a vida marinha lá embaixo é mais rica do que se imaginava décadas atrás, as evidências da poluição humana e das mudanças climáticas globais – também de origem antrópica – saltam aos olhos dos cientistas que ampliam o conhecimento sobre as zonas mais profundas dos oceanos.

O sol é forte no Caribe, às margens da ilha francesa de Guadalupe. Em ação, a terceira etapa das meticulosas expedições Deeplife do projeto Under The Pole, programadas no âmbito da iniciativa Perpetual Planet. Um grupo de mergulhadores, liderado pelo brasileiro Luiz Rocha, passou mais de uma hora estudando as espécies de peixes dos corais profundos da região caribenha.

A volta à superfície, onde está ancorado o veleiro The Why, é feita por etapas, para que o sangue humano não fique repleto de bolhas, como se fosse um refrigerante dentro de uma garrafa aberta abruptamente, o que pode causar embolias.

A descompressão em mergulhos profundos é um processo que exige rigor. Por isso, quando chegam próximo da superfície, os mergulhadores precisam ficar uns bons minutos em ritmo de espera a uns dez a vinte metros de profundidade – o tempo exato varia de acordo com a duração do mergulho – para equalizar a pressão sobre os seus corpos.

É uma questão de sobrevivência, e de paciência. Os mergulhadores autônomos amadores – caso do repórter do Estadão – podem acompanhar o processo até uns 30 metros aproximadamente. As regras internacionais impedem descer mais do que isso.

A terceira etapa das meticulosas expedições Deeplife do projeto Under The Pole, passou mais de uma hora estudando as espécies de peixes dos corais profundos da região caribenha.  Foto: Under The Pole/Franck Gazzola

No mesmo trabalho de campo, amostras de corais profundos foram coletadas pelo biólogo italiano Lorenzo Bramanti, que hoje vive na França. Outro dos líderes da expedição, o pesquisador e sua afinada equipe estudam a fundo a ecologia dessas formações que estão espalhadas pelas zonas tropicais do planeta. A beleza vista por quem mergulha nas águas quentes e azuis do Caribe é arrebatadora, além de parcialmente enganosa.

“É muito fácil perceber, especialmente no período em que comecei a trabalhar, que os recifes de coral estão mudando”, afirma Rocha, um paraibano que cresceu em São Paulo e hoje vive na Califórnia.

O cientista é um dos principais mergulhadores de águas profundas do mundo – várias das outras expedições que ele faz atualmente com sua equipe americana são financiadas com o Prêmio Rolex de Empreendedorismo, que ele ganhou em 2021. A empresa suíça, que desde sua origem atua em questões ambientais, também é a criadora e a financiadora da iniciativa Perpetual Planet.

As primeiras investigações subaquáticas de Rocha, hoje, ictiologista da Academia de Ciências da Califórnia, foram ainda no Brasil entre o fim dos anos 1980 e início da década de 1990.

“Comecei a mergulhar e prestar atenção no que estava ocorrendo no fundo do mar. Foi naquele período em que os El Niños começaram a tornarem-se mais comuns. Consequência? Os eventos de branqueamento dos corais também estão mais frequentes, levando a uma maior mortalidade desses ecossistemas.”

Toda a paixão por peixes, e pelo mar, que vem desde os tempos de infância, é que move Rocha pelas expedições subaquáticas em altas profundidades – entre os seus projetos em andamento existe um outro para investigar a fauna de peixes do oceano Índico –, e ele também sempre retorna para a costa brasileira.

Por ser um especialista em estudar regiões inatingíveis há algumas décadas é que ele se juntou à força-tarefa para investigar a zona marinha entre 30 e 200 metros de Guadalupe, onde ainda pouco se sabe.

  • A luz solar, nessas profundidades, já não brilha mais. E até por isso se tem uma discussão acadêmica sobre se os corais mais profundos estão também sendo afetados pelo processo de branqueamento tanto quanto os que ficam mais perto da luz do sol. Muitas pesquisas em andamento se debruçam sobre isso.

As expedições do programa Deeplife passaram pela Noruega e pelas ilhas Canárias, antes de chegarem ao Caribe. A viabilidade logística dessa gigantesca investigação oceanográfica, que ainda vai durar até 2030, passa pelos exploradores do projeto Under The Pole – e o próximo destino deles deve ser a Austrália.

O casal Ghislain Bardout e Emmanuelle Périé-Bardout, ambos apaixonados por Jacques Cousteau, articularam o projeto em 2008 e, em 2010, estiveram no Polo Norte pela primeira vez, onde voltaram outras vezes, além de explorar regiões tropicais no Pacífico.

Luiz Rocha (à esq.) acompanhado por Emmanuelle Perié-Bardout e Ghislain Bardout Foto: Franck Gazzola

No início desta década, inspirados no Deephope – outro projeto realizado na Polinésia Francesa entre 2018 e 2021 – os exploradores franceses criaram o Deeplife, com a ideia de estudar, de forma global, um mundo ainda enigmático que, já se sabe agora, está repleto de florestas subaquáticas que precisam ser preservadas.

Toda a família Bardout trocou o interior da França pelo balanço do veleiro The Why. Inclusive as duas crianças do casal, que viajam acompanhadas de uma professora particular. No espaço sob medida do barco interoceânico, brinquedos, livros infantis e deveres de casa são vistos ao lado da mesa de jantar que vira laboratório científico entre as refeições.

“É impossível fazermos a mesma expedição que fizemos ao Polo Norte em 2010. O fato de o gelo marinho recobrir uma área menor desde 2017 tornou muito perigoso o uso de aviões, que são fundamentais para a logística das operações. Em sete anos, quando voltamos a Resolute Bay, no norte do Canadá, o chefe da empresa de logística que havíamos contratado em 2010 disse que tudo havia mudado muito rapidamente em cinco anos e não seria possível fazer mais a mesma coisa”, afirma Ghislain.

O explorador francês é um entusiasta da navegação – ele que cuidou de todos os detalhes na preparação do Why – e da tecnologia. Por isso, vários dos equipamentos usados em mergulhos profundos hoje pelos exploradores foram aperfeiçoados pela equipe que ele coordena com muita retidão, e tato – sem um nova mistura de gases aperfeiçoada pela equipe, por exemplo, passar dos 60 metros apenas respirando, sem o uso de nenhum outro aparelho, seria impossível.

Os briefings que Ghislain costuma passar para os mergulhadores mesmo experientes, a cada vez que eles vão entrar na água, ilustram bem a preocupação com a segurança.

Durante os mergulhos, que podem durar horas, ele fica na retaguarda, na superfície, no comando de um bote inflável. Até mesmo os jornalistas que acompanhavam os trabalhos não escapavam da vigilância: vocês trouxeram os protetores-solar, perguntava. Sob o sol caribenho não existia proteção na embarcação de apoio a equipe que vai lá para o fundo.

Toda a família Bardout trocou o interior da França pelo balanço do veleiro The Why  Foto: Under The Pole/Franck Gazzola

Apesar da paisagem ser outra, a conversa sobre o Ártico continua. “Jean-Louis Étienne, um dos exploradores franceses, foi o primeiro a alcançar o Polo Norte (sozinho) em 1986. Naquela época, ele não precisou atravessar montanhas entre o gelo. A chegada do norte do Canadá ao Polo Norte ocorreu sem a necessidade de se tocar na água. Em 2010, menos de 30 anos depois, não havia mais essa opção de rota e passar pela água era obrigatório. O que quero dizer? É que as mudanças estão ocorrendo muito rápido. E isso vale tanto para a superfície quanto para o mundo subaquático.”

Ao lado de Ghislain, Emmanuelle Périé-Bardout completa. “O melhor testemunho que tivemos lá no Ártico, definitivamente, foi dos Inuits. Eles estão vivendo em um mundo que muda muito rápido”.

Segundo a exploradora, os moradores do Ártico são muito bons em perceber as mudanças no ambiente. “Nem sempre é fácil integrar todas as informações, mas ouvindo todas as histórias que nos contaram, sobre a questão da pesca, por exemplo, sim. Realmente percebi o quão rápido tudo está mudando.”

  • Os dados já coletados pelas expedições do Deeplife, e os outros que virão, começam a ser fundamentais para se fazer frente à crise climática e ajudar na preservação ambiental. Conhecimento, antes de mais nada, é essencial quando se pretende reequilibrar o planeta, defendem os cientistas e os exploradores.

Quando estiveram em Svalbard, na Noruega, em 2022, a equipe do The Why catalogou, pela primeira vez, uma floresta de animais marinhos que vivem e se desenvolvem nas águas do Ártico.

No total, 13 instituições científicas de países como França, Noruega, Espanha, Itália, Bélgica e Brasil estiveram envolvidas nas pesquisas. Enquanto os dados obtidos em abril de 2023 em Guadalupe ainda estão sendo processados, no ritmo que a ciência exige, as expedições nas ilhas Canárias também já rendem frutos.

A forma súbita como o assoalho oceânico ruma para o abismo, a apenas 100 metros da costa da popular Ilha de Lanzarote, chamou a atenção dos mergulhadores.

“De repente, vimos esse oásis de vida muito bonito, muito colorido e muito abundante. Os mergulhadores ficaram surpresos com a dimensão dos corais negros, que chegam a alcançar dois metros de altura. É fácil se imaginar se escondendo ali”, observa Emmanuelle.

Ela também, assim como o marido, uma excepcional mergulhadora de águas profundas. As pesquisas feitas em território espanhol estão sendo usadas pelas autoridades locais para o desenho de áreas de preservação ambiental na região. Além de esticar em várias frentes o conhecimento científico sobre as profundezas marinhas. Algumas espécies de corais também foram flagradas se desenvolvendo em zonas mais arenosas, no meio do nada.

“Embora minha especialidade não seja estudar os corais, mas os peixes que neles vivem, vemos o efeito das mudanças climáticas porque observamos todo o ambiente mudando. É impossível ignorar. Já fui a lugares em que presenciei eventos massivos de branqueamento”, afirma Rocha.

“Em Moorea (Polinésia Francesa), aquele episódio de 2019, realmente me marcou”, relembra o cientista brasileiro. A equipe liderada por ele fez duas expedições na região no intervalo de um mês e meio. Na primeira, houve todo um trabalho de coleta de amostras e uma investigação com metodologia específica.

“Quando voltamos com as licenças para capturar peixes vivos que seriam expostos no aquário em São Francisco, metade de todos os corais lindos e saudáveis que vimos na primeira vez estavam esbranquiçados. A água deveria ter esfriado meio grau naquele período, mas como não ocorreu, os corais morreram. Foi a primeira vez que vi isso”, atesta Rocha.

Em Guadalupe, em menor grau, a degradação dos corais também já está presente. “Aqui, se você não é um especialista em biologia de recifes de coral, talvez o impacto nem seja percebido, ao contrário do que ocorreu em Moorea.”

Até por causa das pesquisas já feitas em várias partes do mundo, as informações científicas de quem estuda os corais permitem afirmar que trata-se de ambientes que apresentam resiliência.

“A questão é que ela é limitada. Não acho que todos os corais vão ser extintos. O que dá esperança a muitos biólogos é que determinados recifes, dependendo de algumas características genéticas, vão sobreviver. Mas quantas espécies vão ser extintas? E como o ecossistema vai se comportar após essa mortalidade em massa? Penso que os recifes de coral em geral vão sobreviver, mas serão muito diferentes, e seremos os responsáveis por essa mudança, com certeza.

Sendo otimista, ressalta Rocha, se os humanos deixarem a natureza em paz, haverá algum grau de recuperação.

“Ainda assim, imagine que 10 ou 15 espécies serão extintas por nossa causa. Realmente, isso não é nada bom. Por isso, é importante que as pesquisas continuem para embasar uma mudança importante de comportamento em todos”, almeja Rocha. Como costuma dizer o pesquisador brasileiro, que continua muito ligado ao Brasil, seja pela cultura ou pela própria ciência, “os corais, inclusive os profundos, estão dando o aviso de como o planeta está desbalanceado”.

A emoção de quem está investigando um mundo novo por volta de 100 metros de profundidade é parcialmente abalada pela preocupação com o planeta. Se a vida marinha lá embaixo é mais rica do que se imaginava décadas atrás, as evidências da poluição humana e das mudanças climáticas globais – também de origem antrópica – saltam aos olhos dos cientistas que ampliam o conhecimento sobre as zonas mais profundas dos oceanos.

O sol é forte no Caribe, às margens da ilha francesa de Guadalupe. Em ação, a terceira etapa das meticulosas expedições Deeplife do projeto Under The Pole, programadas no âmbito da iniciativa Perpetual Planet. Um grupo de mergulhadores, liderado pelo brasileiro Luiz Rocha, passou mais de uma hora estudando as espécies de peixes dos corais profundos da região caribenha.

A volta à superfície, onde está ancorado o veleiro The Why, é feita por etapas, para que o sangue humano não fique repleto de bolhas, como se fosse um refrigerante dentro de uma garrafa aberta abruptamente, o que pode causar embolias.

A descompressão em mergulhos profundos é um processo que exige rigor. Por isso, quando chegam próximo da superfície, os mergulhadores precisam ficar uns bons minutos em ritmo de espera a uns dez a vinte metros de profundidade – o tempo exato varia de acordo com a duração do mergulho – para equalizar a pressão sobre os seus corpos.

É uma questão de sobrevivência, e de paciência. Os mergulhadores autônomos amadores – caso do repórter do Estadão – podem acompanhar o processo até uns 30 metros aproximadamente. As regras internacionais impedem descer mais do que isso.

A terceira etapa das meticulosas expedições Deeplife do projeto Under The Pole, passou mais de uma hora estudando as espécies de peixes dos corais profundos da região caribenha.  Foto: Under The Pole/Franck Gazzola

No mesmo trabalho de campo, amostras de corais profundos foram coletadas pelo biólogo italiano Lorenzo Bramanti, que hoje vive na França. Outro dos líderes da expedição, o pesquisador e sua afinada equipe estudam a fundo a ecologia dessas formações que estão espalhadas pelas zonas tropicais do planeta. A beleza vista por quem mergulha nas águas quentes e azuis do Caribe é arrebatadora, além de parcialmente enganosa.

“É muito fácil perceber, especialmente no período em que comecei a trabalhar, que os recifes de coral estão mudando”, afirma Rocha, um paraibano que cresceu em São Paulo e hoje vive na Califórnia.

O cientista é um dos principais mergulhadores de águas profundas do mundo – várias das outras expedições que ele faz atualmente com sua equipe americana são financiadas com o Prêmio Rolex de Empreendedorismo, que ele ganhou em 2021. A empresa suíça, que desde sua origem atua em questões ambientais, também é a criadora e a financiadora da iniciativa Perpetual Planet.

As primeiras investigações subaquáticas de Rocha, hoje, ictiologista da Academia de Ciências da Califórnia, foram ainda no Brasil entre o fim dos anos 1980 e início da década de 1990.

“Comecei a mergulhar e prestar atenção no que estava ocorrendo no fundo do mar. Foi naquele período em que os El Niños começaram a tornarem-se mais comuns. Consequência? Os eventos de branqueamento dos corais também estão mais frequentes, levando a uma maior mortalidade desses ecossistemas.”

Toda a paixão por peixes, e pelo mar, que vem desde os tempos de infância, é que move Rocha pelas expedições subaquáticas em altas profundidades – entre os seus projetos em andamento existe um outro para investigar a fauna de peixes do oceano Índico –, e ele também sempre retorna para a costa brasileira.

Por ser um especialista em estudar regiões inatingíveis há algumas décadas é que ele se juntou à força-tarefa para investigar a zona marinha entre 30 e 200 metros de Guadalupe, onde ainda pouco se sabe.

  • A luz solar, nessas profundidades, já não brilha mais. E até por isso se tem uma discussão acadêmica sobre se os corais mais profundos estão também sendo afetados pelo processo de branqueamento tanto quanto os que ficam mais perto da luz do sol. Muitas pesquisas em andamento se debruçam sobre isso.

As expedições do programa Deeplife passaram pela Noruega e pelas ilhas Canárias, antes de chegarem ao Caribe. A viabilidade logística dessa gigantesca investigação oceanográfica, que ainda vai durar até 2030, passa pelos exploradores do projeto Under The Pole – e o próximo destino deles deve ser a Austrália.

O casal Ghislain Bardout e Emmanuelle Périé-Bardout, ambos apaixonados por Jacques Cousteau, articularam o projeto em 2008 e, em 2010, estiveram no Polo Norte pela primeira vez, onde voltaram outras vezes, além de explorar regiões tropicais no Pacífico.

Luiz Rocha (à esq.) acompanhado por Emmanuelle Perié-Bardout e Ghislain Bardout Foto: Franck Gazzola

No início desta década, inspirados no Deephope – outro projeto realizado na Polinésia Francesa entre 2018 e 2021 – os exploradores franceses criaram o Deeplife, com a ideia de estudar, de forma global, um mundo ainda enigmático que, já se sabe agora, está repleto de florestas subaquáticas que precisam ser preservadas.

Toda a família Bardout trocou o interior da França pelo balanço do veleiro The Why. Inclusive as duas crianças do casal, que viajam acompanhadas de uma professora particular. No espaço sob medida do barco interoceânico, brinquedos, livros infantis e deveres de casa são vistos ao lado da mesa de jantar que vira laboratório científico entre as refeições.

“É impossível fazermos a mesma expedição que fizemos ao Polo Norte em 2010. O fato de o gelo marinho recobrir uma área menor desde 2017 tornou muito perigoso o uso de aviões, que são fundamentais para a logística das operações. Em sete anos, quando voltamos a Resolute Bay, no norte do Canadá, o chefe da empresa de logística que havíamos contratado em 2010 disse que tudo havia mudado muito rapidamente em cinco anos e não seria possível fazer mais a mesma coisa”, afirma Ghislain.

O explorador francês é um entusiasta da navegação – ele que cuidou de todos os detalhes na preparação do Why – e da tecnologia. Por isso, vários dos equipamentos usados em mergulhos profundos hoje pelos exploradores foram aperfeiçoados pela equipe que ele coordena com muita retidão, e tato – sem um nova mistura de gases aperfeiçoada pela equipe, por exemplo, passar dos 60 metros apenas respirando, sem o uso de nenhum outro aparelho, seria impossível.

Os briefings que Ghislain costuma passar para os mergulhadores mesmo experientes, a cada vez que eles vão entrar na água, ilustram bem a preocupação com a segurança.

Durante os mergulhos, que podem durar horas, ele fica na retaguarda, na superfície, no comando de um bote inflável. Até mesmo os jornalistas que acompanhavam os trabalhos não escapavam da vigilância: vocês trouxeram os protetores-solar, perguntava. Sob o sol caribenho não existia proteção na embarcação de apoio a equipe que vai lá para o fundo.

Toda a família Bardout trocou o interior da França pelo balanço do veleiro The Why  Foto: Under The Pole/Franck Gazzola

Apesar da paisagem ser outra, a conversa sobre o Ártico continua. “Jean-Louis Étienne, um dos exploradores franceses, foi o primeiro a alcançar o Polo Norte (sozinho) em 1986. Naquela época, ele não precisou atravessar montanhas entre o gelo. A chegada do norte do Canadá ao Polo Norte ocorreu sem a necessidade de se tocar na água. Em 2010, menos de 30 anos depois, não havia mais essa opção de rota e passar pela água era obrigatório. O que quero dizer? É que as mudanças estão ocorrendo muito rápido. E isso vale tanto para a superfície quanto para o mundo subaquático.”

Ao lado de Ghislain, Emmanuelle Périé-Bardout completa. “O melhor testemunho que tivemos lá no Ártico, definitivamente, foi dos Inuits. Eles estão vivendo em um mundo que muda muito rápido”.

Segundo a exploradora, os moradores do Ártico são muito bons em perceber as mudanças no ambiente. “Nem sempre é fácil integrar todas as informações, mas ouvindo todas as histórias que nos contaram, sobre a questão da pesca, por exemplo, sim. Realmente percebi o quão rápido tudo está mudando.”

  • Os dados já coletados pelas expedições do Deeplife, e os outros que virão, começam a ser fundamentais para se fazer frente à crise climática e ajudar na preservação ambiental. Conhecimento, antes de mais nada, é essencial quando se pretende reequilibrar o planeta, defendem os cientistas e os exploradores.

Quando estiveram em Svalbard, na Noruega, em 2022, a equipe do The Why catalogou, pela primeira vez, uma floresta de animais marinhos que vivem e se desenvolvem nas águas do Ártico.

No total, 13 instituições científicas de países como França, Noruega, Espanha, Itália, Bélgica e Brasil estiveram envolvidas nas pesquisas. Enquanto os dados obtidos em abril de 2023 em Guadalupe ainda estão sendo processados, no ritmo que a ciência exige, as expedições nas ilhas Canárias também já rendem frutos.

A forma súbita como o assoalho oceânico ruma para o abismo, a apenas 100 metros da costa da popular Ilha de Lanzarote, chamou a atenção dos mergulhadores.

“De repente, vimos esse oásis de vida muito bonito, muito colorido e muito abundante. Os mergulhadores ficaram surpresos com a dimensão dos corais negros, que chegam a alcançar dois metros de altura. É fácil se imaginar se escondendo ali”, observa Emmanuelle.

Ela também, assim como o marido, uma excepcional mergulhadora de águas profundas. As pesquisas feitas em território espanhol estão sendo usadas pelas autoridades locais para o desenho de áreas de preservação ambiental na região. Além de esticar em várias frentes o conhecimento científico sobre as profundezas marinhas. Algumas espécies de corais também foram flagradas se desenvolvendo em zonas mais arenosas, no meio do nada.

“Embora minha especialidade não seja estudar os corais, mas os peixes que neles vivem, vemos o efeito das mudanças climáticas porque observamos todo o ambiente mudando. É impossível ignorar. Já fui a lugares em que presenciei eventos massivos de branqueamento”, afirma Rocha.

“Em Moorea (Polinésia Francesa), aquele episódio de 2019, realmente me marcou”, relembra o cientista brasileiro. A equipe liderada por ele fez duas expedições na região no intervalo de um mês e meio. Na primeira, houve todo um trabalho de coleta de amostras e uma investigação com metodologia específica.

“Quando voltamos com as licenças para capturar peixes vivos que seriam expostos no aquário em São Francisco, metade de todos os corais lindos e saudáveis que vimos na primeira vez estavam esbranquiçados. A água deveria ter esfriado meio grau naquele período, mas como não ocorreu, os corais morreram. Foi a primeira vez que vi isso”, atesta Rocha.

Em Guadalupe, em menor grau, a degradação dos corais também já está presente. “Aqui, se você não é um especialista em biologia de recifes de coral, talvez o impacto nem seja percebido, ao contrário do que ocorreu em Moorea.”

Até por causa das pesquisas já feitas em várias partes do mundo, as informações científicas de quem estuda os corais permitem afirmar que trata-se de ambientes que apresentam resiliência.

“A questão é que ela é limitada. Não acho que todos os corais vão ser extintos. O que dá esperança a muitos biólogos é que determinados recifes, dependendo de algumas características genéticas, vão sobreviver. Mas quantas espécies vão ser extintas? E como o ecossistema vai se comportar após essa mortalidade em massa? Penso que os recifes de coral em geral vão sobreviver, mas serão muito diferentes, e seremos os responsáveis por essa mudança, com certeza.

Sendo otimista, ressalta Rocha, se os humanos deixarem a natureza em paz, haverá algum grau de recuperação.

“Ainda assim, imagine que 10 ou 15 espécies serão extintas por nossa causa. Realmente, isso não é nada bom. Por isso, é importante que as pesquisas continuem para embasar uma mudança importante de comportamento em todos”, almeja Rocha. Como costuma dizer o pesquisador brasileiro, que continua muito ligado ao Brasil, seja pela cultura ou pela própria ciência, “os corais, inclusive os profundos, estão dando o aviso de como o planeta está desbalanceado”.

A emoção de quem está investigando um mundo novo por volta de 100 metros de profundidade é parcialmente abalada pela preocupação com o planeta. Se a vida marinha lá embaixo é mais rica do que se imaginava décadas atrás, as evidências da poluição humana e das mudanças climáticas globais – também de origem antrópica – saltam aos olhos dos cientistas que ampliam o conhecimento sobre as zonas mais profundas dos oceanos.

O sol é forte no Caribe, às margens da ilha francesa de Guadalupe. Em ação, a terceira etapa das meticulosas expedições Deeplife do projeto Under The Pole, programadas no âmbito da iniciativa Perpetual Planet. Um grupo de mergulhadores, liderado pelo brasileiro Luiz Rocha, passou mais de uma hora estudando as espécies de peixes dos corais profundos da região caribenha.

A volta à superfície, onde está ancorado o veleiro The Why, é feita por etapas, para que o sangue humano não fique repleto de bolhas, como se fosse um refrigerante dentro de uma garrafa aberta abruptamente, o que pode causar embolias.

A descompressão em mergulhos profundos é um processo que exige rigor. Por isso, quando chegam próximo da superfície, os mergulhadores precisam ficar uns bons minutos em ritmo de espera a uns dez a vinte metros de profundidade – o tempo exato varia de acordo com a duração do mergulho – para equalizar a pressão sobre os seus corpos.

É uma questão de sobrevivência, e de paciência. Os mergulhadores autônomos amadores – caso do repórter do Estadão – podem acompanhar o processo até uns 30 metros aproximadamente. As regras internacionais impedem descer mais do que isso.

A terceira etapa das meticulosas expedições Deeplife do projeto Under The Pole, passou mais de uma hora estudando as espécies de peixes dos corais profundos da região caribenha.  Foto: Under The Pole/Franck Gazzola

No mesmo trabalho de campo, amostras de corais profundos foram coletadas pelo biólogo italiano Lorenzo Bramanti, que hoje vive na França. Outro dos líderes da expedição, o pesquisador e sua afinada equipe estudam a fundo a ecologia dessas formações que estão espalhadas pelas zonas tropicais do planeta. A beleza vista por quem mergulha nas águas quentes e azuis do Caribe é arrebatadora, além de parcialmente enganosa.

“É muito fácil perceber, especialmente no período em que comecei a trabalhar, que os recifes de coral estão mudando”, afirma Rocha, um paraibano que cresceu em São Paulo e hoje vive na Califórnia.

O cientista é um dos principais mergulhadores de águas profundas do mundo – várias das outras expedições que ele faz atualmente com sua equipe americana são financiadas com o Prêmio Rolex de Empreendedorismo, que ele ganhou em 2021. A empresa suíça, que desde sua origem atua em questões ambientais, também é a criadora e a financiadora da iniciativa Perpetual Planet.

As primeiras investigações subaquáticas de Rocha, hoje, ictiologista da Academia de Ciências da Califórnia, foram ainda no Brasil entre o fim dos anos 1980 e início da década de 1990.

“Comecei a mergulhar e prestar atenção no que estava ocorrendo no fundo do mar. Foi naquele período em que os El Niños começaram a tornarem-se mais comuns. Consequência? Os eventos de branqueamento dos corais também estão mais frequentes, levando a uma maior mortalidade desses ecossistemas.”

Toda a paixão por peixes, e pelo mar, que vem desde os tempos de infância, é que move Rocha pelas expedições subaquáticas em altas profundidades – entre os seus projetos em andamento existe um outro para investigar a fauna de peixes do oceano Índico –, e ele também sempre retorna para a costa brasileira.

Por ser um especialista em estudar regiões inatingíveis há algumas décadas é que ele se juntou à força-tarefa para investigar a zona marinha entre 30 e 200 metros de Guadalupe, onde ainda pouco se sabe.

  • A luz solar, nessas profundidades, já não brilha mais. E até por isso se tem uma discussão acadêmica sobre se os corais mais profundos estão também sendo afetados pelo processo de branqueamento tanto quanto os que ficam mais perto da luz do sol. Muitas pesquisas em andamento se debruçam sobre isso.

As expedições do programa Deeplife passaram pela Noruega e pelas ilhas Canárias, antes de chegarem ao Caribe. A viabilidade logística dessa gigantesca investigação oceanográfica, que ainda vai durar até 2030, passa pelos exploradores do projeto Under The Pole – e o próximo destino deles deve ser a Austrália.

O casal Ghislain Bardout e Emmanuelle Périé-Bardout, ambos apaixonados por Jacques Cousteau, articularam o projeto em 2008 e, em 2010, estiveram no Polo Norte pela primeira vez, onde voltaram outras vezes, além de explorar regiões tropicais no Pacífico.

Luiz Rocha (à esq.) acompanhado por Emmanuelle Perié-Bardout e Ghislain Bardout Foto: Franck Gazzola

No início desta década, inspirados no Deephope – outro projeto realizado na Polinésia Francesa entre 2018 e 2021 – os exploradores franceses criaram o Deeplife, com a ideia de estudar, de forma global, um mundo ainda enigmático que, já se sabe agora, está repleto de florestas subaquáticas que precisam ser preservadas.

Toda a família Bardout trocou o interior da França pelo balanço do veleiro The Why. Inclusive as duas crianças do casal, que viajam acompanhadas de uma professora particular. No espaço sob medida do barco interoceânico, brinquedos, livros infantis e deveres de casa são vistos ao lado da mesa de jantar que vira laboratório científico entre as refeições.

“É impossível fazermos a mesma expedição que fizemos ao Polo Norte em 2010. O fato de o gelo marinho recobrir uma área menor desde 2017 tornou muito perigoso o uso de aviões, que são fundamentais para a logística das operações. Em sete anos, quando voltamos a Resolute Bay, no norte do Canadá, o chefe da empresa de logística que havíamos contratado em 2010 disse que tudo havia mudado muito rapidamente em cinco anos e não seria possível fazer mais a mesma coisa”, afirma Ghislain.

O explorador francês é um entusiasta da navegação – ele que cuidou de todos os detalhes na preparação do Why – e da tecnologia. Por isso, vários dos equipamentos usados em mergulhos profundos hoje pelos exploradores foram aperfeiçoados pela equipe que ele coordena com muita retidão, e tato – sem um nova mistura de gases aperfeiçoada pela equipe, por exemplo, passar dos 60 metros apenas respirando, sem o uso de nenhum outro aparelho, seria impossível.

Os briefings que Ghislain costuma passar para os mergulhadores mesmo experientes, a cada vez que eles vão entrar na água, ilustram bem a preocupação com a segurança.

Durante os mergulhos, que podem durar horas, ele fica na retaguarda, na superfície, no comando de um bote inflável. Até mesmo os jornalistas que acompanhavam os trabalhos não escapavam da vigilância: vocês trouxeram os protetores-solar, perguntava. Sob o sol caribenho não existia proteção na embarcação de apoio a equipe que vai lá para o fundo.

Toda a família Bardout trocou o interior da França pelo balanço do veleiro The Why  Foto: Under The Pole/Franck Gazzola

Apesar da paisagem ser outra, a conversa sobre o Ártico continua. “Jean-Louis Étienne, um dos exploradores franceses, foi o primeiro a alcançar o Polo Norte (sozinho) em 1986. Naquela época, ele não precisou atravessar montanhas entre o gelo. A chegada do norte do Canadá ao Polo Norte ocorreu sem a necessidade de se tocar na água. Em 2010, menos de 30 anos depois, não havia mais essa opção de rota e passar pela água era obrigatório. O que quero dizer? É que as mudanças estão ocorrendo muito rápido. E isso vale tanto para a superfície quanto para o mundo subaquático.”

Ao lado de Ghislain, Emmanuelle Périé-Bardout completa. “O melhor testemunho que tivemos lá no Ártico, definitivamente, foi dos Inuits. Eles estão vivendo em um mundo que muda muito rápido”.

Segundo a exploradora, os moradores do Ártico são muito bons em perceber as mudanças no ambiente. “Nem sempre é fácil integrar todas as informações, mas ouvindo todas as histórias que nos contaram, sobre a questão da pesca, por exemplo, sim. Realmente percebi o quão rápido tudo está mudando.”

  • Os dados já coletados pelas expedições do Deeplife, e os outros que virão, começam a ser fundamentais para se fazer frente à crise climática e ajudar na preservação ambiental. Conhecimento, antes de mais nada, é essencial quando se pretende reequilibrar o planeta, defendem os cientistas e os exploradores.

Quando estiveram em Svalbard, na Noruega, em 2022, a equipe do The Why catalogou, pela primeira vez, uma floresta de animais marinhos que vivem e se desenvolvem nas águas do Ártico.

No total, 13 instituições científicas de países como França, Noruega, Espanha, Itália, Bélgica e Brasil estiveram envolvidas nas pesquisas. Enquanto os dados obtidos em abril de 2023 em Guadalupe ainda estão sendo processados, no ritmo que a ciência exige, as expedições nas ilhas Canárias também já rendem frutos.

A forma súbita como o assoalho oceânico ruma para o abismo, a apenas 100 metros da costa da popular Ilha de Lanzarote, chamou a atenção dos mergulhadores.

“De repente, vimos esse oásis de vida muito bonito, muito colorido e muito abundante. Os mergulhadores ficaram surpresos com a dimensão dos corais negros, que chegam a alcançar dois metros de altura. É fácil se imaginar se escondendo ali”, observa Emmanuelle.

Ela também, assim como o marido, uma excepcional mergulhadora de águas profundas. As pesquisas feitas em território espanhol estão sendo usadas pelas autoridades locais para o desenho de áreas de preservação ambiental na região. Além de esticar em várias frentes o conhecimento científico sobre as profundezas marinhas. Algumas espécies de corais também foram flagradas se desenvolvendo em zonas mais arenosas, no meio do nada.

“Embora minha especialidade não seja estudar os corais, mas os peixes que neles vivem, vemos o efeito das mudanças climáticas porque observamos todo o ambiente mudando. É impossível ignorar. Já fui a lugares em que presenciei eventos massivos de branqueamento”, afirma Rocha.

“Em Moorea (Polinésia Francesa), aquele episódio de 2019, realmente me marcou”, relembra o cientista brasileiro. A equipe liderada por ele fez duas expedições na região no intervalo de um mês e meio. Na primeira, houve todo um trabalho de coleta de amostras e uma investigação com metodologia específica.

“Quando voltamos com as licenças para capturar peixes vivos que seriam expostos no aquário em São Francisco, metade de todos os corais lindos e saudáveis que vimos na primeira vez estavam esbranquiçados. A água deveria ter esfriado meio grau naquele período, mas como não ocorreu, os corais morreram. Foi a primeira vez que vi isso”, atesta Rocha.

Em Guadalupe, em menor grau, a degradação dos corais também já está presente. “Aqui, se você não é um especialista em biologia de recifes de coral, talvez o impacto nem seja percebido, ao contrário do que ocorreu em Moorea.”

Até por causa das pesquisas já feitas em várias partes do mundo, as informações científicas de quem estuda os corais permitem afirmar que trata-se de ambientes que apresentam resiliência.

“A questão é que ela é limitada. Não acho que todos os corais vão ser extintos. O que dá esperança a muitos biólogos é que determinados recifes, dependendo de algumas características genéticas, vão sobreviver. Mas quantas espécies vão ser extintas? E como o ecossistema vai se comportar após essa mortalidade em massa? Penso que os recifes de coral em geral vão sobreviver, mas serão muito diferentes, e seremos os responsáveis por essa mudança, com certeza.

Sendo otimista, ressalta Rocha, se os humanos deixarem a natureza em paz, haverá algum grau de recuperação.

“Ainda assim, imagine que 10 ou 15 espécies serão extintas por nossa causa. Realmente, isso não é nada bom. Por isso, é importante que as pesquisas continuem para embasar uma mudança importante de comportamento em todos”, almeja Rocha. Como costuma dizer o pesquisador brasileiro, que continua muito ligado ao Brasil, seja pela cultura ou pela própria ciência, “os corais, inclusive os profundos, estão dando o aviso de como o planeta está desbalanceado”.

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