Após um ano e meio de duração e sucessivos recordes de temperatura batidos, o El Niño deve se despedir no segundo semestre e dar lugar ao La Niña ainda neste ano. De acordo com a Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês), a versão mais fria do fenômeno climático deve passar a vigorar entre julho e setembro, conforme prevê documento da entidade de janeiro, elaborado com base em uma série de modelos estatístico-climáticos.
O El Niño ocorre com intervalos de dois a sete anos, e que se caracteriza pelo aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico na região do Equador. Isso causa a interrupção dos padrões de circulação das correntes marítimas e massas de ar, o que leva a consequências distintas ao redor do mundo.
Em março do ano passado, a NOAA lançou alerta anunciando a formação do fenômeno. “Dependendo de sua força, o El Niño pode causar uma série de impactos, como aumentar o risco de chuvas fortes e secas em determinados locais do mundo”, disse Michelle L’Heureux, cientista do Climate Prediction Center.
O La Niña é um fenômeno climático oposto, caracterizado pelo esfriamento das águas superficiais do Pacífico e pela consequente queda nas temperaturas globais. No Brasil, costuma causar fortes chuvas nas regiões Norte e Nordeste. No Sul, há elevação das temperaturas e seca.
Na última vez em que vigorou, o fenômeno teve a duração de três anos. “O La Niña potencializa as ondas de frio nos períodos de outono-inverno e primavera e até mesmo no verão. Por outro lado, é preciso lembrar que as áreas da América do Sul como Argentina, Uruguai, Paraguai e Sul do Brasil podem ter forte estiagem e ondas de calor intensas, como foi em 2021/2022″, afirma a meteorologista Estael Sias, da MetSul.
- De acordo com a NOOA, o El Niño deve estender seus efeitos até maio. Após esse mês, segue um período de neutralidade climática e, então, começa a se formar o La Niña. Não necessariamente os dois eventos se sucedem imediatamente, explica Estael. Os fenômenos podem se prolongar e se repetir.
Sob influência do El Niño, o mundo bateu recordes sucessivos de calor. O ano de 2023 foi confirmado como o mais quente já registrado, segundo relatório divulgado pelo observatório europeu Copernicus. A temperatura média no ano passado foi 1,48 ºC mais quente do que na era pré-industrial (meados do século 19), segundo a agência.
Este valor é um pouco inferior aos 1,5°C que o mundo havia proposto como limite, no âmbito do Acordo Climático de Paris em 2015, a fim de evitar os efeitos mais graves do aquecimento global.
A influência do El Niño, que deve se estender até a metade deste ano, esteve relacionado a eventos extremos, como ciclones extratropicais no Sul e a estiagem acompanhada de queimadas na Amazônia, além das ondas de calor em várias regiões do Brasil.
E janeiro de 2024 está a caminho de ser tão quente que, pela primeira vez, um período de 12 meses excederá o limite de 1,5°C, alerta Samantha Burgess, vice-diretora do observatório europeu Copernicus.
Segundo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), o principal fator por trás do aumento das temperaturas é o aquecimento global, mas o El Niño “tem impacto na temperatura global, especialmente no ano seguinte ao de sua formação, neste caso, 2024″.
O calor recorde causou, no ano passado, estragos e mortes pelo mundor Europa, América do Norte, China e muitos outros lugares. Mas os cientistas também alertam que o aquecimento atmosférico tem provocado fenômenos climáticos extremos, como a seca prolongada no chifre da África, chuvas torrenciais que destruíram barragens e mataram milhares de pessoas na Líbia e os incêndios florestais no Canadá que poluíram o ar até na Europa.
No Brasil, uma dos efeitos mais visíveis foi a seca histórica que atingiu a Amazônia. Os efeitos do fenômeno na região, porém, renderam um alerta sobre a ação humana, corroborado por um novo estudo. As mudanças climáticas foram a principal causa da seca histórica de 2023 na Amazônia, segundo pesquisa realizada por uma equipe internacional de pesquisadores climáticos do grupo World Weather Attribution.
Os efeitos da ação humana superaram as consequências do El Niño e podem ser medidos em uma constatação científica, aponta o estudo. Eventos extremos como o do ano passado se tornaram 30 vezes mais prováveis na região em relação a um mundo em que o aquecimento global não tivesse elevado em 1,2ºC a temperatura do planeta.
A chegada do La Niña pode ser vista com alívio, mas é temporário e com efeitos limitados. “Nos anos de La Niña, pode haver arrefecimento e diminuição (nos efeitos) do aquecimento. Não é uma conta fácil, não quer dizer que vai diminuir o aquecimento global e os eventos extremos. Pode haver ligeira diminuição, mas não chega a ser significativa”, afirma Estael, da MetSul.