Horas depois de uma viagem de Marrocos para Portugal, a tripulação de um veleiro de 46 pés notou que algo estava errado com o leme. Então, alguém gritou sobre o que viu cortando as ondas agitadas: “Orcas! Orcas!”
As orcas acompanharam o ritmo do barco, batendo em sua lateral e mastigando o leme, de acordo com o capitão, um fotógrafo a bordo e um vídeo do encontro. Por cerca de uma hora, a tripulação sinalizou sua situação para a Guarda Costeira espanhola e tentou manter a calma.
“Não havia nada que pudéssemos fazer”, disse Stephen Bidwell, o fotógrafo, que estava há dois dias em um curso de vela de uma semana com seu parceiro quando o choque começou. “Você fica maravilhado e nervoso ao mesmo tempo.”
O capitão, Gregory Blackburn, disse que lutou pelo controle do barco enquanto as orcas batiam nele, interferindo no leme. “É um lembrete de onde estamos na cadeia alimentar e no mundo natural”, disse ele.
Por fim, o barco conseguiu voltar para Tânger, no Marrocos. Mas cientistas marinhos prestaram atenção no episódio, ocorrido em 2 de maio, e disseram que ele seguiu um padrão de comportamento intrigante de um pequeno grupo de orcas na costa oeste da Península Ibérica. As orcas, segundo os pesquisadores, causaram o naufrágio de três barcos desde o verão passado e interromperam as viagens de dezenas de outros.
Orcas selvagens, embora sejam predadoras que caçam tubarões e baleias, geralmente não são consideradas perigosas para os humanos. Os animais, os maiores da família dos golfinhos, são conhecidos por tocar, bater e seguir barcos, mas colidir com eles é incomum, dizem cientistas marinhos. Um pequeno grupo de orcas, cerca de 15, começou a atacar barcos pela Espanha em 2020, e pesquisadores acharam o comportamento inusitado e suas motivações obscuras.
“Sabemos que é um comportamento complexo que não tem nada a ver com agressão”, disse Alfredo López Fernandez, biólogo da Universidade de Aveiro, em Portugal, que trabalhou em um estudo publicado em junho passado sobre o assunto. As orcas não mostram nenhum sinal de querer machucar os humanos, disse ele.
Na maioria dos avistamentos, as orcas não mudam seu comportamento ou fazem contato físico, de acordo com o Atlantic Orca Working Group, que começou a rastrear interações diretas – bem como avistamentos – em 2020.
Desde o aumento inicial naquele ano, houve registros de orcas se aproximando ou reagindo a embarcações cerca de 500 vezes, causando danos físicos em cerca de 20% das vezes, nos mares de alto tráfego perto de Marrocos, Portugal e Espanha, disse o grupo.
População ameaçada
As orcas da costa ibérica são consideradas uma população ameaçada: o grupo chega às águas próximas ao Estreito de Gibraltar toda primavera, vindo de águas mais profundas e mais ao norte da costa para caçar atum. Mas, embora sejam uma visão comum, os cientistas não sabem como impedir o comportamento recente do pequeno grupo, que deixou os marinheiros preocupados com a segurança e os danos aos navios e chamou a atenção das autoridades espanholas e portuguesas.
“Toda semana há um incidente”, disse Bruno Díaz López, biólogo e diretor do Bottlenose Dolphin Research Institute (Instituto de Pesquisa do Golfinho-nariz-de-garrafa), que não participou da pesquisa do ano passado. “Nós realmente não sabemos o motivo.”
No exemplo mais recente, as orcas atacaram um veleiro na costa da Espanha, fazendo-o afundar nas primeiras horas do dia 5 de maio. As autoridades espanholas chegaram rapidamente e as quatro pessoas a bordo foram resgatadas “de bom humor”, disse Christoph Winterhalter, o presidente da empresa suíça, a Hoz Hochseezentrum International, que operava o barco.
O biólogo da Universidade de Aveiro, López Fernandez, disse ser possível que as três embarcações tenham naufragado ao longo do último ano por estarem vulneráveis a vazamentos ou não estarem equipadas para suportar os estragos. (“A condição do barco era muito boa”, disse Winterhalter sobre o barco que sua empresa fretou.)
O pequeno grupo de orcas, incluindo apenas dois adultos, foi responsável pela maioria das interações com os barcos, que chegam a cerca de 200 por ano e vão desde a costa norte-africana até a França, segundo López Fernandez.
Os pesquisadores não sabem o que está por trás do comportamento. Alguns especularam que se trata de um “comportamento aversivo” que pode ter começado após um incidente entre um animal e um barco, como um emaranhado em uma linha de pesca, ou um comportamento desenvolvido por orcas jovens que está se repetindo.
São apenas teorias, embora López Fernandez tenha dito que aparentemente o comportamento pode estar se transmitindo para os animais locais.
“Sabemos que as orcas compartilham sua cultura com seus filhotes e com seus pares”, disse ele, acrescentando que elas aprendem com a imitação. Mas como o comportamento foi observado apenas nesta subpopulação particular de orcas, ele disse que é improvável que ele passe para grupos distintos de orcas que povoam as águas ao redor do mundo.
Dada a falta de evidências e a presença de orcas jovens no grupo, outros cientistas expressaram ceticismo de que o comportamento decorresse de um incidente com um barco e acreditam que os animais podem estar simplesmente brincando.
“Eles estão obtendo algum tipo de recompensa ou emoção com isso”, disse Erich Hoyt, especialista em orcas e pesquisador da Whale and Dolphin Conservation, uma instituição de caridade para a vida selvagem. “Brincar faz parte de ser um predador.”
Os cientistas dizem que, além de os marinheiros evitarem a área, eles não sabem como impedir que as orcas incomodem os veleiros, que tendem a ser mais silenciosos do que a maioria das embarcações e, portanto, mais atraentes para os animais.
Isso também deixou os conservacionistas preocupados sobre como os humanos tratarão a população de orcas, especialmente porque os marinheiros da região expressam crescente frustração com os animais.
“Espero que parem de fazer isso tão rapidamente quanto começaram, porque na verdade isso representa um risco para elas mesmas”, disse Hanne Strager, bióloga marinha e autora de “The Killer Whale Journals”, acrescentando que isso está pressionando uma espécie já vulnerável.
Bidwell, o fotógrafo, disse que o episódio não impediria que ele e seu parceiro marcassem outra viagem de barco em junho, embora talvez com algumas mudanças. “Talvez a gente não siga a mesma rota”, disse ele. /THE NEW YORK TIMES, TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES