Pará recebe Cúpula da Amazônia, mas ainda tem lições de casa ambientais para resolver


Estado será o centro das negociações climáticas na Conferência do Clima em 2025, mas precisa lidar com desmate, garimpo ilegal e falta de saneamento básico

Por Paula Ferreira

BELÉM - Belém recebe a partir desta terça-feira, 8, a Cúpula da Amazônia. O evento, que reúne representantes dos oito países que abrigam o bioma, será uma prévia da Conferência do Clima das Nações Unidas de 2025 (COP-30), que terá a cidade como sede.

O Pará vira palco dos debates sobre o futuro climático do planeta, mas também precisa resolver seus próprios gargalos ambientais, como desmatamento, garimpo ilegal e deficiências de saneamento básico, com canais com despejo de esgoto visíveis.

O segundo maior Estado do Brasil em área territorial tem 27% de suas terras cobertas pela Floresta Amazônica. As estimativas são de que o Pará abriga aproximadamente 40 mil espécies de plantas e uma ampla biodiversidade. Com 8,1 milhões de habitantes, tem 39 etnias indígenas e a quarta maior população quilombola do Brasil.

Principal ativo da região, as riquezas naturais atraem também um mercado ilegal liderado por garimpeiros e grileiros, que deixa um rastro de destruição na natureza.

Com 746 quilômetros quadrados derrubados, o Pará foi responsável pelo segundo maior desmate da Amazônia entre janeiro e junho, atrás de Mato Grosso. Foto: Ascom/Segup/Divulgação

Nos início dos anos 1980, o Pará também virou um símbolo da Amazônia no noticiário internacional, mas pela repercussão negativa: Serra Pelada ficou conhecida como o maior garimpo aberto já registrado.

O Estado sede da COP-30 foi responsável pelo segundo maior desmate da Amazônia entre janeiro e junho, com 746 km² derrubados (28% da destruição do bioma no período). Só 20 municípios no País concentram metade da derrubada da Amazônia. Nesse ranking, há seis cidades paraenses: Altamira, São Félix do Xingu, Medicilândia, Itaituba, Portel e Jacareacanga.

Em fevereiro, o governo paraense decretou estado de emergência ambiental para combater o desmate e o garimpo ilegal nessas áreas e em outros 11 municípios. A medida foi posta em prática para facilitar a contratação de fiscais para essas regiões e viabilizar convênios com outros órgãos. Os 15 municípios concentraram 76% do desmatamento do Pará entre 2019 e 2022.

O governo do Pará afirmou ao Estadão que desde 2019 tem tomado medidas antidesmate, como o próprio decreto, e destaca “queda de 32,6% no tamanho da área com alertas de desmatamento no primeiro semestre de 2023, em comparação com o mesmo período do ano passado”.

Plano antidesmate de Marina teve início na floresta paraense

Em junho, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apresentou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), uma nova versão do programa que derrubou as taxas de destruição da floresta na primeira vez em que ela foi ministra (2003-2008).

Segundo o secretário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do ministério, André Lima, as primeiras ações do PPCDAm foram concentradas na Amazônia paraense. Uma das estratégias é localizar as destruições que ocorrem dentro de áreas cujos donos são conhecidos, por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Isso ocorre em mais de 50% dos casos.

Floresta derrubada por madeireiros em Altamira; município paraense está entre os líderes no ranking de desmatamento no País Foto: Nacho Doce/Reuters - 28/08/2019

“Dá para agir mais rapidamente, sem precisar ir a campo fazer fiscalização”, afirmou Lima. Isso é feito pelos órgãos ambientais, por exemplo, por meio do embargo remoto. Os satélites identificam a perda de cobertura vegetal, o que já permite aplicar a sanção ao proprietário.

“Nas primeiras ações emergenciais (antidesmate), agimos no sul do Amazonas e no Pará. Já trouxe resultado”, continua Lima. E, de acordo com ele, os governos estaduais da região têm sido mais colaborativos.

Além de fiscalizar, especialistas defendem criar um novo modelo econômico. “O desafio maior é lidar com o desmatamento. Mas esse não é um desafio trivial, senão já tinha resolvido. Há questões associadas à pobreza, ao modelo de desenvolvimento, à lógica de ocupação da Amazônia”, diz André Guimarães, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

“O desmatamento promove geração de renda na região, é uma renda criminosa, mas que emprega pessoas, circulam mercadorias. Precisa confrontar o modelo danoso e desatualizado com um novo modelo”, afirma ele, também diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

Na rede de ilegalidades, o garimpo tem impactos, como elevar o desmate, poluir rios com mercúrio e espalhar doenças. Levantamento feito pelo MapBiomas mostra que o Pará é o segundo Estado com mais pistas de pouso usadas por garimpeiros ilegais para escoar o ouro (883), atrás apenas de Mato Grosso (1.062).

Outro estudo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), põe o Pará como líder na exploração de ouro ilegal do País de 2019 a 2020. Nesse período, cerca de 84% do desmate para mineração no Brasil ocorreu no Estado.

“Tem de mobilizar o setor público para criar incentivos para atividades sustentáveis, envolver a academia, atores internacionais”, afirma. “O turismo e a indústria vinculada a produtos da floresta são vocações para Belém”, acrescenta Guimarães.

A ribeirinha Izabela Campos, de 25 anos, começou a reflorestar a terra onde vive, a comunidade Acará-Açu, a cerca de duas horas de Belém. Foto: Paula Ferreira/Estadão

Mesmo sem incentivos, a ribeirinha Izabela Campos, de 25 anos, começou a reflorestar a terra onde vive, a comunidade Acará-Açu, a cerca de duas horas de Belém. A jovem criou um viveiro de mudas no quintal de casa, na Floresta Amazônica, para plantar espécies nativas que foram derrubadas no passado. Entre pés de Cacau, Cupuaçu, Abricó, Castanheira, Buriti, Andiroba e Açaí, Izabela já plantou mais de 5 mil mudas desde que começou, há pouco mais de um ano.

O grupo formado por ela tem aproximadamente dez pessoas, que fazem o plantio nos arredores, levando mudas em pequenas embarcações, as chamadas “rabetas”, aos locais de reflorestamento. Com o rio passando em sua porta, Izabela vê diariamente o compasso entre a vida e a destruição.

“O desmatamento é covardia, porque o que eu estou fazendo não vai mudar o que eles estão fazendo e nem combater. Às vezes a gente sai nos nossos barquinhos com 30 mudas. Quando a gente vê passam aquelas balsas aqui com árvores centenárias.”

Na floresta ou nas ruas, problemas a enfrentar

Fora da floresta, problemas urbanos básicos ainda precisam de solução. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento do governo federal, compilados pelo Instituto Trata Brasil, revelam o drama do saneamento até na capital.

Os números mais recentes, de 2021, mostram que 83% da população de Belém não tem coleta de esgoto; e 23% ainda não têm acesso à água. Se considerar o Estado todo, o cenário é ainda pior: cerca de 91,6% da população paraense não tem coleta de esgoto e 39,3%, acesso à água.

Gasto anual per capita com saneamento básico em Belém é menos da metade da média nacional. Foto: Valeria Gonçalvez/Estadão

“De partida, quando não tem tratamento de esgoto adequado, contribui para a poluição dos mananciais, para o aumento nas contaminações por doenças diarreicas, aumento do gasto do SUS (Sistema Único de Saúde) por doenças que poderiam ser evitadas com saneamento básico”, enumera André Rossi Machado, coordenador de Relações Institucionais e Comunicação do Instituto Trata Brasil.

“Impacta no aproveitamento escolar das crianças, que passam a faltar mais, se estiverem com doença ou sem condições de higiene adequadas. As meninas são mais afetadas, inclusive”, complementa Machado.

Uma das principais vias de Belém, a Avenida Bernardo Sayão é um exemplo dos problemas de saneamento da capital. O quadro piora com a chuva, que eleva o nível do canal. “Sofremos com esse esgoto a céu aberto. Quando a maré está cheia a tendência dos insetos e também de répteis entrarem nas casas é maior. Quando chega nos meses chuvosos é pavorosa a situação”, afirmou Ana Cláudia Conceição, moradora do bairro Jurunas e membro do Fênix-Coletivo de Mulheres Jurunenses. “Espero que com a COP as coisas melhorem, venham outras políticas públicas para o nosso Estado, a nossa cidade e nosso bairro. Seria muito bom se fizessem visitas aos bairros, principalmente aos bairros periféricos.”

No Brasil, em média, o gasto anual per capita com saneamento básico é de R$ 203,51. Em Belém, esse valor cai para R$ 84,27. “Quando não há essa infraestrutura básica, as pessoas têm de beber água suja ou sem qualidade ideal. Passam a conviver com esgoto passando na porta de casa”, diz Machado.

Em nota, o governo do Estado afirmou ter feito “investimentos expressivos para ampliar a rede de saneamento”. Segundo o governo, a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) tem grandes obras em andamento em Belém e em Alter do Chão, “somando aproximadamente R$ 600 milhões”.

A administração estadual disse ainda que obteve crédito do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para viabilizar o Projeto de Desenvolvimento do Saneamento do Pará (Prodesan Pará) para universalizar o abastecimento e esgoto sanitário na região metropolitana de Belém e outros municípios. A prefeitura de Belém não respondeu aos questionamentos da reportagem.

*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade.

BELÉM - Belém recebe a partir desta terça-feira, 8, a Cúpula da Amazônia. O evento, que reúne representantes dos oito países que abrigam o bioma, será uma prévia da Conferência do Clima das Nações Unidas de 2025 (COP-30), que terá a cidade como sede.

O Pará vira palco dos debates sobre o futuro climático do planeta, mas também precisa resolver seus próprios gargalos ambientais, como desmatamento, garimpo ilegal e deficiências de saneamento básico, com canais com despejo de esgoto visíveis.

O segundo maior Estado do Brasil em área territorial tem 27% de suas terras cobertas pela Floresta Amazônica. As estimativas são de que o Pará abriga aproximadamente 40 mil espécies de plantas e uma ampla biodiversidade. Com 8,1 milhões de habitantes, tem 39 etnias indígenas e a quarta maior população quilombola do Brasil.

Principal ativo da região, as riquezas naturais atraem também um mercado ilegal liderado por garimpeiros e grileiros, que deixa um rastro de destruição na natureza.

Com 746 quilômetros quadrados derrubados, o Pará foi responsável pelo segundo maior desmate da Amazônia entre janeiro e junho, atrás de Mato Grosso. Foto: Ascom/Segup/Divulgação

Nos início dos anos 1980, o Pará também virou um símbolo da Amazônia no noticiário internacional, mas pela repercussão negativa: Serra Pelada ficou conhecida como o maior garimpo aberto já registrado.

O Estado sede da COP-30 foi responsável pelo segundo maior desmate da Amazônia entre janeiro e junho, com 746 km² derrubados (28% da destruição do bioma no período). Só 20 municípios no País concentram metade da derrubada da Amazônia. Nesse ranking, há seis cidades paraenses: Altamira, São Félix do Xingu, Medicilândia, Itaituba, Portel e Jacareacanga.

Em fevereiro, o governo paraense decretou estado de emergência ambiental para combater o desmate e o garimpo ilegal nessas áreas e em outros 11 municípios. A medida foi posta em prática para facilitar a contratação de fiscais para essas regiões e viabilizar convênios com outros órgãos. Os 15 municípios concentraram 76% do desmatamento do Pará entre 2019 e 2022.

O governo do Pará afirmou ao Estadão que desde 2019 tem tomado medidas antidesmate, como o próprio decreto, e destaca “queda de 32,6% no tamanho da área com alertas de desmatamento no primeiro semestre de 2023, em comparação com o mesmo período do ano passado”.

Plano antidesmate de Marina teve início na floresta paraense

Em junho, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apresentou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), uma nova versão do programa que derrubou as taxas de destruição da floresta na primeira vez em que ela foi ministra (2003-2008).

Segundo o secretário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do ministério, André Lima, as primeiras ações do PPCDAm foram concentradas na Amazônia paraense. Uma das estratégias é localizar as destruições que ocorrem dentro de áreas cujos donos são conhecidos, por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Isso ocorre em mais de 50% dos casos.

Floresta derrubada por madeireiros em Altamira; município paraense está entre os líderes no ranking de desmatamento no País Foto: Nacho Doce/Reuters - 28/08/2019

“Dá para agir mais rapidamente, sem precisar ir a campo fazer fiscalização”, afirmou Lima. Isso é feito pelos órgãos ambientais, por exemplo, por meio do embargo remoto. Os satélites identificam a perda de cobertura vegetal, o que já permite aplicar a sanção ao proprietário.

“Nas primeiras ações emergenciais (antidesmate), agimos no sul do Amazonas e no Pará. Já trouxe resultado”, continua Lima. E, de acordo com ele, os governos estaduais da região têm sido mais colaborativos.

Além de fiscalizar, especialistas defendem criar um novo modelo econômico. “O desafio maior é lidar com o desmatamento. Mas esse não é um desafio trivial, senão já tinha resolvido. Há questões associadas à pobreza, ao modelo de desenvolvimento, à lógica de ocupação da Amazônia”, diz André Guimarães, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

“O desmatamento promove geração de renda na região, é uma renda criminosa, mas que emprega pessoas, circulam mercadorias. Precisa confrontar o modelo danoso e desatualizado com um novo modelo”, afirma ele, também diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

Na rede de ilegalidades, o garimpo tem impactos, como elevar o desmate, poluir rios com mercúrio e espalhar doenças. Levantamento feito pelo MapBiomas mostra que o Pará é o segundo Estado com mais pistas de pouso usadas por garimpeiros ilegais para escoar o ouro (883), atrás apenas de Mato Grosso (1.062).

Outro estudo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), põe o Pará como líder na exploração de ouro ilegal do País de 2019 a 2020. Nesse período, cerca de 84% do desmate para mineração no Brasil ocorreu no Estado.

“Tem de mobilizar o setor público para criar incentivos para atividades sustentáveis, envolver a academia, atores internacionais”, afirma. “O turismo e a indústria vinculada a produtos da floresta são vocações para Belém”, acrescenta Guimarães.

A ribeirinha Izabela Campos, de 25 anos, começou a reflorestar a terra onde vive, a comunidade Acará-Açu, a cerca de duas horas de Belém. Foto: Paula Ferreira/Estadão

Mesmo sem incentivos, a ribeirinha Izabela Campos, de 25 anos, começou a reflorestar a terra onde vive, a comunidade Acará-Açu, a cerca de duas horas de Belém. A jovem criou um viveiro de mudas no quintal de casa, na Floresta Amazônica, para plantar espécies nativas que foram derrubadas no passado. Entre pés de Cacau, Cupuaçu, Abricó, Castanheira, Buriti, Andiroba e Açaí, Izabela já plantou mais de 5 mil mudas desde que começou, há pouco mais de um ano.

O grupo formado por ela tem aproximadamente dez pessoas, que fazem o plantio nos arredores, levando mudas em pequenas embarcações, as chamadas “rabetas”, aos locais de reflorestamento. Com o rio passando em sua porta, Izabela vê diariamente o compasso entre a vida e a destruição.

“O desmatamento é covardia, porque o que eu estou fazendo não vai mudar o que eles estão fazendo e nem combater. Às vezes a gente sai nos nossos barquinhos com 30 mudas. Quando a gente vê passam aquelas balsas aqui com árvores centenárias.”

Na floresta ou nas ruas, problemas a enfrentar

Fora da floresta, problemas urbanos básicos ainda precisam de solução. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento do governo federal, compilados pelo Instituto Trata Brasil, revelam o drama do saneamento até na capital.

Os números mais recentes, de 2021, mostram que 83% da população de Belém não tem coleta de esgoto; e 23% ainda não têm acesso à água. Se considerar o Estado todo, o cenário é ainda pior: cerca de 91,6% da população paraense não tem coleta de esgoto e 39,3%, acesso à água.

Gasto anual per capita com saneamento básico em Belém é menos da metade da média nacional. Foto: Valeria Gonçalvez/Estadão

“De partida, quando não tem tratamento de esgoto adequado, contribui para a poluição dos mananciais, para o aumento nas contaminações por doenças diarreicas, aumento do gasto do SUS (Sistema Único de Saúde) por doenças que poderiam ser evitadas com saneamento básico”, enumera André Rossi Machado, coordenador de Relações Institucionais e Comunicação do Instituto Trata Brasil.

“Impacta no aproveitamento escolar das crianças, que passam a faltar mais, se estiverem com doença ou sem condições de higiene adequadas. As meninas são mais afetadas, inclusive”, complementa Machado.

Uma das principais vias de Belém, a Avenida Bernardo Sayão é um exemplo dos problemas de saneamento da capital. O quadro piora com a chuva, que eleva o nível do canal. “Sofremos com esse esgoto a céu aberto. Quando a maré está cheia a tendência dos insetos e também de répteis entrarem nas casas é maior. Quando chega nos meses chuvosos é pavorosa a situação”, afirmou Ana Cláudia Conceição, moradora do bairro Jurunas e membro do Fênix-Coletivo de Mulheres Jurunenses. “Espero que com a COP as coisas melhorem, venham outras políticas públicas para o nosso Estado, a nossa cidade e nosso bairro. Seria muito bom se fizessem visitas aos bairros, principalmente aos bairros periféricos.”

No Brasil, em média, o gasto anual per capita com saneamento básico é de R$ 203,51. Em Belém, esse valor cai para R$ 84,27. “Quando não há essa infraestrutura básica, as pessoas têm de beber água suja ou sem qualidade ideal. Passam a conviver com esgoto passando na porta de casa”, diz Machado.

Em nota, o governo do Estado afirmou ter feito “investimentos expressivos para ampliar a rede de saneamento”. Segundo o governo, a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) tem grandes obras em andamento em Belém e em Alter do Chão, “somando aproximadamente R$ 600 milhões”.

A administração estadual disse ainda que obteve crédito do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para viabilizar o Projeto de Desenvolvimento do Saneamento do Pará (Prodesan Pará) para universalizar o abastecimento e esgoto sanitário na região metropolitana de Belém e outros municípios. A prefeitura de Belém não respondeu aos questionamentos da reportagem.

*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade.

BELÉM - Belém recebe a partir desta terça-feira, 8, a Cúpula da Amazônia. O evento, que reúne representantes dos oito países que abrigam o bioma, será uma prévia da Conferência do Clima das Nações Unidas de 2025 (COP-30), que terá a cidade como sede.

O Pará vira palco dos debates sobre o futuro climático do planeta, mas também precisa resolver seus próprios gargalos ambientais, como desmatamento, garimpo ilegal e deficiências de saneamento básico, com canais com despejo de esgoto visíveis.

O segundo maior Estado do Brasil em área territorial tem 27% de suas terras cobertas pela Floresta Amazônica. As estimativas são de que o Pará abriga aproximadamente 40 mil espécies de plantas e uma ampla biodiversidade. Com 8,1 milhões de habitantes, tem 39 etnias indígenas e a quarta maior população quilombola do Brasil.

Principal ativo da região, as riquezas naturais atraem também um mercado ilegal liderado por garimpeiros e grileiros, que deixa um rastro de destruição na natureza.

Com 746 quilômetros quadrados derrubados, o Pará foi responsável pelo segundo maior desmate da Amazônia entre janeiro e junho, atrás de Mato Grosso. Foto: Ascom/Segup/Divulgação

Nos início dos anos 1980, o Pará também virou um símbolo da Amazônia no noticiário internacional, mas pela repercussão negativa: Serra Pelada ficou conhecida como o maior garimpo aberto já registrado.

O Estado sede da COP-30 foi responsável pelo segundo maior desmate da Amazônia entre janeiro e junho, com 746 km² derrubados (28% da destruição do bioma no período). Só 20 municípios no País concentram metade da derrubada da Amazônia. Nesse ranking, há seis cidades paraenses: Altamira, São Félix do Xingu, Medicilândia, Itaituba, Portel e Jacareacanga.

Em fevereiro, o governo paraense decretou estado de emergência ambiental para combater o desmate e o garimpo ilegal nessas áreas e em outros 11 municípios. A medida foi posta em prática para facilitar a contratação de fiscais para essas regiões e viabilizar convênios com outros órgãos. Os 15 municípios concentraram 76% do desmatamento do Pará entre 2019 e 2022.

O governo do Pará afirmou ao Estadão que desde 2019 tem tomado medidas antidesmate, como o próprio decreto, e destaca “queda de 32,6% no tamanho da área com alertas de desmatamento no primeiro semestre de 2023, em comparação com o mesmo período do ano passado”.

Plano antidesmate de Marina teve início na floresta paraense

Em junho, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apresentou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), uma nova versão do programa que derrubou as taxas de destruição da floresta na primeira vez em que ela foi ministra (2003-2008).

Segundo o secretário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do ministério, André Lima, as primeiras ações do PPCDAm foram concentradas na Amazônia paraense. Uma das estratégias é localizar as destruições que ocorrem dentro de áreas cujos donos são conhecidos, por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Isso ocorre em mais de 50% dos casos.

Floresta derrubada por madeireiros em Altamira; município paraense está entre os líderes no ranking de desmatamento no País Foto: Nacho Doce/Reuters - 28/08/2019

“Dá para agir mais rapidamente, sem precisar ir a campo fazer fiscalização”, afirmou Lima. Isso é feito pelos órgãos ambientais, por exemplo, por meio do embargo remoto. Os satélites identificam a perda de cobertura vegetal, o que já permite aplicar a sanção ao proprietário.

“Nas primeiras ações emergenciais (antidesmate), agimos no sul do Amazonas e no Pará. Já trouxe resultado”, continua Lima. E, de acordo com ele, os governos estaduais da região têm sido mais colaborativos.

Além de fiscalizar, especialistas defendem criar um novo modelo econômico. “O desafio maior é lidar com o desmatamento. Mas esse não é um desafio trivial, senão já tinha resolvido. Há questões associadas à pobreza, ao modelo de desenvolvimento, à lógica de ocupação da Amazônia”, diz André Guimarães, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

“O desmatamento promove geração de renda na região, é uma renda criminosa, mas que emprega pessoas, circulam mercadorias. Precisa confrontar o modelo danoso e desatualizado com um novo modelo”, afirma ele, também diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

Na rede de ilegalidades, o garimpo tem impactos, como elevar o desmate, poluir rios com mercúrio e espalhar doenças. Levantamento feito pelo MapBiomas mostra que o Pará é o segundo Estado com mais pistas de pouso usadas por garimpeiros ilegais para escoar o ouro (883), atrás apenas de Mato Grosso (1.062).

Outro estudo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), põe o Pará como líder na exploração de ouro ilegal do País de 2019 a 2020. Nesse período, cerca de 84% do desmate para mineração no Brasil ocorreu no Estado.

“Tem de mobilizar o setor público para criar incentivos para atividades sustentáveis, envolver a academia, atores internacionais”, afirma. “O turismo e a indústria vinculada a produtos da floresta são vocações para Belém”, acrescenta Guimarães.

A ribeirinha Izabela Campos, de 25 anos, começou a reflorestar a terra onde vive, a comunidade Acará-Açu, a cerca de duas horas de Belém. Foto: Paula Ferreira/Estadão

Mesmo sem incentivos, a ribeirinha Izabela Campos, de 25 anos, começou a reflorestar a terra onde vive, a comunidade Acará-Açu, a cerca de duas horas de Belém. A jovem criou um viveiro de mudas no quintal de casa, na Floresta Amazônica, para plantar espécies nativas que foram derrubadas no passado. Entre pés de Cacau, Cupuaçu, Abricó, Castanheira, Buriti, Andiroba e Açaí, Izabela já plantou mais de 5 mil mudas desde que começou, há pouco mais de um ano.

O grupo formado por ela tem aproximadamente dez pessoas, que fazem o plantio nos arredores, levando mudas em pequenas embarcações, as chamadas “rabetas”, aos locais de reflorestamento. Com o rio passando em sua porta, Izabela vê diariamente o compasso entre a vida e a destruição.

“O desmatamento é covardia, porque o que eu estou fazendo não vai mudar o que eles estão fazendo e nem combater. Às vezes a gente sai nos nossos barquinhos com 30 mudas. Quando a gente vê passam aquelas balsas aqui com árvores centenárias.”

Na floresta ou nas ruas, problemas a enfrentar

Fora da floresta, problemas urbanos básicos ainda precisam de solução. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento do governo federal, compilados pelo Instituto Trata Brasil, revelam o drama do saneamento até na capital.

Os números mais recentes, de 2021, mostram que 83% da população de Belém não tem coleta de esgoto; e 23% ainda não têm acesso à água. Se considerar o Estado todo, o cenário é ainda pior: cerca de 91,6% da população paraense não tem coleta de esgoto e 39,3%, acesso à água.

Gasto anual per capita com saneamento básico em Belém é menos da metade da média nacional. Foto: Valeria Gonçalvez/Estadão

“De partida, quando não tem tratamento de esgoto adequado, contribui para a poluição dos mananciais, para o aumento nas contaminações por doenças diarreicas, aumento do gasto do SUS (Sistema Único de Saúde) por doenças que poderiam ser evitadas com saneamento básico”, enumera André Rossi Machado, coordenador de Relações Institucionais e Comunicação do Instituto Trata Brasil.

“Impacta no aproveitamento escolar das crianças, que passam a faltar mais, se estiverem com doença ou sem condições de higiene adequadas. As meninas são mais afetadas, inclusive”, complementa Machado.

Uma das principais vias de Belém, a Avenida Bernardo Sayão é um exemplo dos problemas de saneamento da capital. O quadro piora com a chuva, que eleva o nível do canal. “Sofremos com esse esgoto a céu aberto. Quando a maré está cheia a tendência dos insetos e também de répteis entrarem nas casas é maior. Quando chega nos meses chuvosos é pavorosa a situação”, afirmou Ana Cláudia Conceição, moradora do bairro Jurunas e membro do Fênix-Coletivo de Mulheres Jurunenses. “Espero que com a COP as coisas melhorem, venham outras políticas públicas para o nosso Estado, a nossa cidade e nosso bairro. Seria muito bom se fizessem visitas aos bairros, principalmente aos bairros periféricos.”

No Brasil, em média, o gasto anual per capita com saneamento básico é de R$ 203,51. Em Belém, esse valor cai para R$ 84,27. “Quando não há essa infraestrutura básica, as pessoas têm de beber água suja ou sem qualidade ideal. Passam a conviver com esgoto passando na porta de casa”, diz Machado.

Em nota, o governo do Estado afirmou ter feito “investimentos expressivos para ampliar a rede de saneamento”. Segundo o governo, a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) tem grandes obras em andamento em Belém e em Alter do Chão, “somando aproximadamente R$ 600 milhões”.

A administração estadual disse ainda que obteve crédito do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para viabilizar o Projeto de Desenvolvimento do Saneamento do Pará (Prodesan Pará) para universalizar o abastecimento e esgoto sanitário na região metropolitana de Belém e outros municípios. A prefeitura de Belém não respondeu aos questionamentos da reportagem.

*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade.

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