Para o climatologista Carlos Nobre, que há tempo muito alerta para o risco de savanização da Floresta Amazônia, o estudo publicado na revista Nature Climate Change na segunda-feira, 7, é mais uma mostra do que suas pesquisas já mostraram. De acordo com o estudo, o bioma tem apresentado uma recuperação mais lenta de longos períodos de estiagem nas últimas duas décadas, danificando seu ecossistema e chegando mais perto de um possível “ponto de inflexão”.
Os pesquisadores analisaram dados de satélites dos últimos 20 anos e concluíram que o bioma está perdendo a capacidade de retornar a um estado saudável após choques, como secas e incêndios. Se os resultados não chegam a surpreender Nobre, seus efeitos tampouco serão surpresas, mas nem por isso menos impactantes para vida na Terra. O climatologista diz não ver tendências de mudanças nesse caminho, mas espera que o tema seja debatido seriamente pelos candidatos a presidente neste ano. Confira abaixo a entrevista:
O que esse novo estudo revela comprova o que o senhor vem alertando nos últimos anos?
Essa pesquisa avaliou o aumento do desmatamento e da seca e percebeu que esses fatores estão correlacionados com o índice de resiliência da floresta, o quão saudável ela é. Os pesquisadores perceberam que esse índice diminuiu nos últimos 20 anos. Foram três mega-secas no período estudado: 2005, 2010 e 2015-2016. E duas mega-inundações: 2009 e 2012. Se o sistema da floresta fosse naturalmente resiliente, você teria uma inundação e depois uma seca, e ela iria se mantendo, ou seja, seria naturalmente resiliente. O que esses estudos mostram é que a floresta não consegue se recuperar.
Quais as consequências desse processo?
A floresta perde mais água na estação seca do que na estação chuvosa. Muitas árvores têm raízes profundas, acessam a água que caiu na estação chuvosa e trazem essa água para a transpiração e conseguem manter a floresta úmida o ano inteiro. Então a floresta é muito saudável o ano inteiro. Esse estudo mostra que essa ação de secas mais intensas, diminuição das chuvas e desmatamentos diminui a resiliência. O dado novo é que mais de 75% da floresta teve queda na resiliência. Só no Oeste e Noroeste da floresta ela se mantém mais resiliente porque chove mais o ano todo. É um estudo muito importante e muito preocupante.
Em que ponto estamos nesse processo?
Eu fiz estudos que mostram que estamos muito próximos desse tipping point. A floresta está se aproximando desse ponto. Grande parte da Amazônia, Sul, Centro e Leste, está mostrando isso que pode se tornar um ecossistema degradado, com pouquíssima cobertura de árvores de grande porte e em que a vegetação é substituída por gramíneas, arbustos e vegetação de pequeno porte. São muitos estudos mostrando isso. De fato, o Sul da Amazônia inteirinho, até a Bolívia, cerca de 2 milhões de km² , a estação seca já ficou de 3 a 4 semanas mais longas desde 1980. Quando eu vi esses resultados, lá em 2014, fiquei muito preocupado, porque se a estação seca chegar a 5 meses não tem mais floresta amazônica, ela se transforma em um bioma com 70% coberta por gramíneas e arbustos. Vai sobrar só algumas espécies mais resistentes. É uma vegetação que vai perder pelo menos dois terços do carbono, a imensa biodiversidade. Mesmo que esse estudo não tivesse sido feito, só o aumento da estação seca já estava chamando nossa atenção. Nessa tendência de uma semana a mais seca por década, entre 30 e 40 anos já chegava a cinco meses no Sul da Amazônia e a floresta já não conseguiria sobreviver. Estudo da Luciana Gatti, do Inpe, já mostrou que o Sul de Sudeste da Amazônia a floresta já virou uma fonte de emissão de carbono. Não são as queimadas, mas a floresta.
Quais são as outras mudanças já vistas no bioma?
Temos dito há muitos anos que para salvar a Amazônia temos que zerar o desmatamento, zerar a degradação e o fogo. Antigamente o fogo não penetrava na floresta porque ela é muita densa. Quando havia uma descarga elétrica, ela causava um incêndio pequeno que não se propagava porque era muito úmido o solo e a vegetação. A floresta evoluiu por milhões de anos dessa maneira. Hoje, com a degradação, 95% a 98% dos incêndios que ocorrem na Amazônia são causados pelo homem. Antes, os incêndios que se propagavam por metros e agora se propagam até por quilômetros. E um a dois anos depois do fogo aumenta demais a mortalidade de árvores.
Quais as consequências para o resto do Brasil?
Entre 30 a 50 anos podemos perder entre 50% e 70% da floresta e isso emitiria, no mínimo, 300 bilhões de gás carbônico para a atmosfera, tornando impossível atender às metas do Acordo de Paris. Com sorte não ficamos abaixo de 2º, 2,3º, ou 2,7º. Teríamos uma extinção em massa da biodiversidade, microorganismos que vivem em equilíbrio na floresta e começam a migrar e podem causar pandemias, esse é mais um enorme risco. (Com menor cobertura vegetal) teremos menos vapor de água sobre a floresta, portanto o fluxo que sai da Amazônia e alimenta o sistema de chuvas no Pantanal, Sudeste, Uruguai, Paraguai será afetado. O aumento das temperaturas máximas será entre 2º e 3 º sobre a Amazônia, com isso o vento que vai chegar no Cerrado também vai chegar mais quente com efeitos sobre a produção agrícola.
Algo faz o senhor pensar que possamos mudar esse caminho?
Se a gente olhar as tendências políticas é muito difícil (no Brasil e nos países vizinhos). O desmatamento explodiu no Brasil nos últimos anos.
O senhor acredita que a degradação da floresta será um tema realmente importante na disputa pela Presidência neste ano?
Diferentemente de 2018, em que não foi debatido, todos os candidatos têm que trazer esse tema à tona porque é de importância mundial. Tenho certeza que todos os candidatos, pelo menos os sérios, vão trazer à tona. É muito bom que o assunto seja debatido nos países amazônicos, principalmente Brasil e Colômbia que terão eleições neste ano.