PCC atua como ‘síndico do garimpo ilegal’ em terra Yanomami; área teve 13 mortes esta semana


Pesquisadora vê atuação mais complexa da facção hoje do que no passado; presença do crime organizado mudou até mesmo a forma como garimpeiros ilegais se vestem no Território Indígena

Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

Conforme avança a retirada de garimpeiros ilegais do Território Indígena Yanomami, em Roraima, um problema começa a ficar cada vez mais evidente: a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) na reserva federal. A escalada da violência na região - que deixou 13 mortos esta semana -coincide com relatos de indígenas, pesquisadores e de equipes de investigação, que apontam a ação dos criminosos como “síndicos” dessa mineração irregular.

Ali, a facção atua em uma lógica menos hierarquizada e mais em associação com outros agentes ilegais. São os membros da facção os gestores do garimpo, responsáveis pelo fornecimento de insumos e máquinas para a atividade, pelo domínio do tráfico de drogas e da prostituição nas pequenas vilas, chamadas de “currutelas”.

Ao menos desde 2019, a atuação dos criminosos alterou radicalmente a vida no local, com os garimpeiros passando a andar armados com fuzis e não mais armas de caça e alterando até a forma como se vestem - eles passaram a andar com roupas pretas-, diz o relatório “Yanomami Sob Ataque” -produzido pela Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Instituto Socioambiental (ISA).

Ministras sobrevoam área de garimpo na terra Yanomami, onde indígena foi morto. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que atuação para expulsão de garimpeiros será reforçada. Foto: Divulgação/Ministério do Meio Ambiente e da Mudança Climática

O garimpo é um problema histórico na região, mas recentemente foi um dos principais fatores que levaram a uma crise humanitária sem precedentes no Território Indígena Yanomami. Nos últimos quatro anos, cerca de 570 crianças morreram vítimas de doenças levadas por esses mineradores ilegais, segundo o governo federal. Outro efeito colateral é a destruição do bioma, com a poluição dos rios por mercúrio e a fuga de animais que servem como caça. O presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, chamou a crise indígena de de “farsa da esquerda”.

Conforme o relatório, membros do PCC vêm se integrando às atividades de exploração de ouro. “O narcogarimpo vem permitindo a formação de estruturas mais bem equipadas, com armas e abordagens mais violentas aos indígenas”, afirma o documento.

A constatação é a mesma de outra pesquisa, segundo a qual o principal interesse do PCC em Roraima está no controle das fronteiras para transportar drogas e armas. “A atuação na zona de garimpo ocorre mais na ideia de controle do território, operando como braço armado do garimpo ilegal”, afirma relatório produzido pelo Instituto Clima e Sociedade, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Instituto Igarapé e Centro Soberania e Clima. “Uma das constatações que se faz, nesse sentido, é de que é muito dispendioso extrair o ouro, razão pela qual a organização criminosa prefere extorquir, roubar e fazer a segurança do local.”

Segundo Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé, a atuação da facção dentro de uma lógica de diversificação de atividades e em associação com outros agentes ilegais torna o combate ao crime ambiental no TI Yanomami mais complexo.

“Se fosse uma estrutura hierarquizada, o combate seria feito “cortando a cabeça” (do esquema). Mas não é assim. É mais uma estrutura em rede, com outros atores. São novas células do PCC atuando de forma diferente”, afirma. “A gente tende a pensar na facção como um modelo estabelecido, mas o PCC de 2023 não é o mesmo do PCC de 2006 (quando uma onda de ataques da facção contra agentes da segurança pública paralisaram São Paulo).”

Melina diz que é impossível pensar que os cerca de 20 mil garimpeiros ilegais no local fazem parte da facção. Antes disso, fazem parte de um enorme contingente de trabalhadores expostos a situações precárias. “Muitas vezes estão trabalhando em condições análogas à escravidão (dentro de um sistema também ilegal). É vulnerabilidade em cima de vulnerabilidade”, afirma.


Região teve 13 mortes em menos de uma semana

A mais recente tensão entre garimpeiros e membros do PCC de um lado e indígenas, fiscais do Ibama e a Polícia Federal de outro é resultado da tentativa do governo federal de expulsar da região a atividade ilegal e ocorre na esteira da crise humanitária

Desde sábado, 29, foram registradas 13 mortes na região e a presença de membros da facção criminosa ganhou ainda mais destaque após o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, declarar que um dos mortos fazia parte do PCC.

O garimpo é um problema histórico na região, mas recentemente causou uma crise humanitária sem precedentes no Território Indígena Yanomami. Foto: Divulgação/Instagram/Júnior Hekurari

“Nosso serviço de inteligência tem encontrado indícios muito fortes de que alguns pontos de garimpo são mantidos com o apoio de organizações criminosas. Isso está sendo investigado”, disse Agostinho. “Uma das pessoas que morreu na operação de domingo [30] tinha envolvimento muito forte com uma das organizações criminosas.”

No sábado, o agente de saúde indígena Ilson Xirixana foi morto com um tiro na cabeça, e outros dois Yanomami ficaram feridos em estado grave. A suspeita sobre a autoria do ataque recaiu sobre os garimpeiros e equipes da Polícia Federal foram enviadas ao local do conflito, onde começaram a ouvir testemunhas e a fazer perícias.

“Estamos monitorando, onde aconteceu morte do nosso parente. As lideranças locais estão de luto e não querem falar. A comunicação não está chegando aqui em Boa Vista”, afirmou Dário Kopenawa, filho do xamã e intelectual Davi Kopenawa e vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, que representa 30 mil indígenas Yanomami e Yekuana.

Segundo nota conjunta da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e da Texoli Associação Ninam Estado de Roraima (Taner), no ataque na Comunidade Uxiu, região do Mucajai, os três indígenas estavam à beira do rio participando de cerimônia fúnebre pela morte de outros membros da etnia quando um barco com seis garimpeiros se aproximou e começou a disparar na direção de onde estavam mulheres e crianças. O agente de saúde foi atingido por um tiro na cabeça.

No domingo, 30, quatro garimpeiros morreram durante operação de fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Ibama na região de Uiaiacás, na Terra Indígena Yanomami. A PRF disse que a equipe foi recebida a tiros. Foram apreendidos um fuzil e armas de uso restrito. O ataque é investigado pela PF. Um dos mortos era foragido da Justiça do Amapá.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, este é o quarto ataque contra equipes do Ibama desde fevereiro, quando o governo iniciou os planos para retirada de garimpeiros do território Yanomami.

Na segunda-feira, 1º, uma comitiva do governo federal que esteve em Roraima para monitorar a situação dos Yanomami após o atentado de sábado. As ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, sobrevoaram a região no início da semana.

A comitiva incluiu o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar; o diretor da Força Nacional, coronel Fernando Alencar, e o diretor de Amazônia e Meio Ambiente da PF, Humberto Freire.

Em Roraima, a PF informou que as investigações têm o objetivo de identificar, localizar e prender os autores dos crimes, “enquanto as ações de desintrusão dos invasores das terras indígenas continuam no âmbito da Operação Libertação”.

População Yanomami recebeu atendimento no Hospital Santo Antônio, conhecido como hospital das crianças.  Foto: Alex Piva/Estadão

PF aumenta efetivo no local após ataques

Em nota, a Polícia Federal destacou o confronto entre os garimpeiros e os Yanomamis. “Durante as diligências, a PF apurou indícios dos crimes cometidos contra os indígenas, ouviu testemunhas, realizou perícia de local de crime e aguarda a elaboração dos respectivos laudos e relatórios para prosseguimento das investigações”, diz o texto.

No mesmo dia, os corpos de oito pessoas, não indígenas, foram encontrados na reserva indígena. Investigadores acreditam serem garimpeiros, mortos em represália pelo atentado de sábado. Há informações de que os corpos tinham perfurações e marcas de flechas.

Procurada, a PF em Roraima disse que houve aumento do efetivo no local e, segundo a corporação, o número deve crescer ainda mais. “Informamos que já há acréscimo do quantitativo do efetivo operando na região e que há programação para novos reforços”. A corporação, no entanto, não informa detalhes por questões de “efetividade das ações e segurança dos envolvidos”.

Para a diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé, apesar da complexidade que atuação do PCC traz ao TI Yanomami há saídas possíveis e elas não passam apenas por ações de comando e controle, mas também pela construção de modelos de desenvolvimento sustentável que possa absorver essa mão de obra que está na ilegalidade. “Ou, após a retirada dos garimpeiros, eles vão para onde, para outra Terra Indígena cometer outras ilegalidades?”, diz.

Conforme avança a retirada de garimpeiros ilegais do Território Indígena Yanomami, em Roraima, um problema começa a ficar cada vez mais evidente: a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) na reserva federal. A escalada da violência na região - que deixou 13 mortos esta semana -coincide com relatos de indígenas, pesquisadores e de equipes de investigação, que apontam a ação dos criminosos como “síndicos” dessa mineração irregular.

Ali, a facção atua em uma lógica menos hierarquizada e mais em associação com outros agentes ilegais. São os membros da facção os gestores do garimpo, responsáveis pelo fornecimento de insumos e máquinas para a atividade, pelo domínio do tráfico de drogas e da prostituição nas pequenas vilas, chamadas de “currutelas”.

Ao menos desde 2019, a atuação dos criminosos alterou radicalmente a vida no local, com os garimpeiros passando a andar armados com fuzis e não mais armas de caça e alterando até a forma como se vestem - eles passaram a andar com roupas pretas-, diz o relatório “Yanomami Sob Ataque” -produzido pela Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Instituto Socioambiental (ISA).

Ministras sobrevoam área de garimpo na terra Yanomami, onde indígena foi morto. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que atuação para expulsão de garimpeiros será reforçada. Foto: Divulgação/Ministério do Meio Ambiente e da Mudança Climática

O garimpo é um problema histórico na região, mas recentemente foi um dos principais fatores que levaram a uma crise humanitária sem precedentes no Território Indígena Yanomami. Nos últimos quatro anos, cerca de 570 crianças morreram vítimas de doenças levadas por esses mineradores ilegais, segundo o governo federal. Outro efeito colateral é a destruição do bioma, com a poluição dos rios por mercúrio e a fuga de animais que servem como caça. O presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, chamou a crise indígena de de “farsa da esquerda”.

Conforme o relatório, membros do PCC vêm se integrando às atividades de exploração de ouro. “O narcogarimpo vem permitindo a formação de estruturas mais bem equipadas, com armas e abordagens mais violentas aos indígenas”, afirma o documento.

A constatação é a mesma de outra pesquisa, segundo a qual o principal interesse do PCC em Roraima está no controle das fronteiras para transportar drogas e armas. “A atuação na zona de garimpo ocorre mais na ideia de controle do território, operando como braço armado do garimpo ilegal”, afirma relatório produzido pelo Instituto Clima e Sociedade, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Instituto Igarapé e Centro Soberania e Clima. “Uma das constatações que se faz, nesse sentido, é de que é muito dispendioso extrair o ouro, razão pela qual a organização criminosa prefere extorquir, roubar e fazer a segurança do local.”

Segundo Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé, a atuação da facção dentro de uma lógica de diversificação de atividades e em associação com outros agentes ilegais torna o combate ao crime ambiental no TI Yanomami mais complexo.

“Se fosse uma estrutura hierarquizada, o combate seria feito “cortando a cabeça” (do esquema). Mas não é assim. É mais uma estrutura em rede, com outros atores. São novas células do PCC atuando de forma diferente”, afirma. “A gente tende a pensar na facção como um modelo estabelecido, mas o PCC de 2023 não é o mesmo do PCC de 2006 (quando uma onda de ataques da facção contra agentes da segurança pública paralisaram São Paulo).”

Melina diz que é impossível pensar que os cerca de 20 mil garimpeiros ilegais no local fazem parte da facção. Antes disso, fazem parte de um enorme contingente de trabalhadores expostos a situações precárias. “Muitas vezes estão trabalhando em condições análogas à escravidão (dentro de um sistema também ilegal). É vulnerabilidade em cima de vulnerabilidade”, afirma.


Região teve 13 mortes em menos de uma semana

A mais recente tensão entre garimpeiros e membros do PCC de um lado e indígenas, fiscais do Ibama e a Polícia Federal de outro é resultado da tentativa do governo federal de expulsar da região a atividade ilegal e ocorre na esteira da crise humanitária

Desde sábado, 29, foram registradas 13 mortes na região e a presença de membros da facção criminosa ganhou ainda mais destaque após o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, declarar que um dos mortos fazia parte do PCC.

O garimpo é um problema histórico na região, mas recentemente causou uma crise humanitária sem precedentes no Território Indígena Yanomami. Foto: Divulgação/Instagram/Júnior Hekurari

“Nosso serviço de inteligência tem encontrado indícios muito fortes de que alguns pontos de garimpo são mantidos com o apoio de organizações criminosas. Isso está sendo investigado”, disse Agostinho. “Uma das pessoas que morreu na operação de domingo [30] tinha envolvimento muito forte com uma das organizações criminosas.”

No sábado, o agente de saúde indígena Ilson Xirixana foi morto com um tiro na cabeça, e outros dois Yanomami ficaram feridos em estado grave. A suspeita sobre a autoria do ataque recaiu sobre os garimpeiros e equipes da Polícia Federal foram enviadas ao local do conflito, onde começaram a ouvir testemunhas e a fazer perícias.

“Estamos monitorando, onde aconteceu morte do nosso parente. As lideranças locais estão de luto e não querem falar. A comunicação não está chegando aqui em Boa Vista”, afirmou Dário Kopenawa, filho do xamã e intelectual Davi Kopenawa e vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, que representa 30 mil indígenas Yanomami e Yekuana.

Segundo nota conjunta da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e da Texoli Associação Ninam Estado de Roraima (Taner), no ataque na Comunidade Uxiu, região do Mucajai, os três indígenas estavam à beira do rio participando de cerimônia fúnebre pela morte de outros membros da etnia quando um barco com seis garimpeiros se aproximou e começou a disparar na direção de onde estavam mulheres e crianças. O agente de saúde foi atingido por um tiro na cabeça.

No domingo, 30, quatro garimpeiros morreram durante operação de fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Ibama na região de Uiaiacás, na Terra Indígena Yanomami. A PRF disse que a equipe foi recebida a tiros. Foram apreendidos um fuzil e armas de uso restrito. O ataque é investigado pela PF. Um dos mortos era foragido da Justiça do Amapá.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, este é o quarto ataque contra equipes do Ibama desde fevereiro, quando o governo iniciou os planos para retirada de garimpeiros do território Yanomami.

Na segunda-feira, 1º, uma comitiva do governo federal que esteve em Roraima para monitorar a situação dos Yanomami após o atentado de sábado. As ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, sobrevoaram a região no início da semana.

A comitiva incluiu o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar; o diretor da Força Nacional, coronel Fernando Alencar, e o diretor de Amazônia e Meio Ambiente da PF, Humberto Freire.

Em Roraima, a PF informou que as investigações têm o objetivo de identificar, localizar e prender os autores dos crimes, “enquanto as ações de desintrusão dos invasores das terras indígenas continuam no âmbito da Operação Libertação”.

População Yanomami recebeu atendimento no Hospital Santo Antônio, conhecido como hospital das crianças.  Foto: Alex Piva/Estadão

PF aumenta efetivo no local após ataques

Em nota, a Polícia Federal destacou o confronto entre os garimpeiros e os Yanomamis. “Durante as diligências, a PF apurou indícios dos crimes cometidos contra os indígenas, ouviu testemunhas, realizou perícia de local de crime e aguarda a elaboração dos respectivos laudos e relatórios para prosseguimento das investigações”, diz o texto.

No mesmo dia, os corpos de oito pessoas, não indígenas, foram encontrados na reserva indígena. Investigadores acreditam serem garimpeiros, mortos em represália pelo atentado de sábado. Há informações de que os corpos tinham perfurações e marcas de flechas.

Procurada, a PF em Roraima disse que houve aumento do efetivo no local e, segundo a corporação, o número deve crescer ainda mais. “Informamos que já há acréscimo do quantitativo do efetivo operando na região e que há programação para novos reforços”. A corporação, no entanto, não informa detalhes por questões de “efetividade das ações e segurança dos envolvidos”.

Para a diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé, apesar da complexidade que atuação do PCC traz ao TI Yanomami há saídas possíveis e elas não passam apenas por ações de comando e controle, mas também pela construção de modelos de desenvolvimento sustentável que possa absorver essa mão de obra que está na ilegalidade. “Ou, após a retirada dos garimpeiros, eles vão para onde, para outra Terra Indígena cometer outras ilegalidades?”, diz.

Conforme avança a retirada de garimpeiros ilegais do Território Indígena Yanomami, em Roraima, um problema começa a ficar cada vez mais evidente: a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC) na reserva federal. A escalada da violência na região - que deixou 13 mortos esta semana -coincide com relatos de indígenas, pesquisadores e de equipes de investigação, que apontam a ação dos criminosos como “síndicos” dessa mineração irregular.

Ali, a facção atua em uma lógica menos hierarquizada e mais em associação com outros agentes ilegais. São os membros da facção os gestores do garimpo, responsáveis pelo fornecimento de insumos e máquinas para a atividade, pelo domínio do tráfico de drogas e da prostituição nas pequenas vilas, chamadas de “currutelas”.

Ao menos desde 2019, a atuação dos criminosos alterou radicalmente a vida no local, com os garimpeiros passando a andar armados com fuzis e não mais armas de caça e alterando até a forma como se vestem - eles passaram a andar com roupas pretas-, diz o relatório “Yanomami Sob Ataque” -produzido pela Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Instituto Socioambiental (ISA).

Ministras sobrevoam área de garimpo na terra Yanomami, onde indígena foi morto. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que atuação para expulsão de garimpeiros será reforçada. Foto: Divulgação/Ministério do Meio Ambiente e da Mudança Climática

O garimpo é um problema histórico na região, mas recentemente foi um dos principais fatores que levaram a uma crise humanitária sem precedentes no Território Indígena Yanomami. Nos últimos quatro anos, cerca de 570 crianças morreram vítimas de doenças levadas por esses mineradores ilegais, segundo o governo federal. Outro efeito colateral é a destruição do bioma, com a poluição dos rios por mercúrio e a fuga de animais que servem como caça. O presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, chamou a crise indígena de de “farsa da esquerda”.

Conforme o relatório, membros do PCC vêm se integrando às atividades de exploração de ouro. “O narcogarimpo vem permitindo a formação de estruturas mais bem equipadas, com armas e abordagens mais violentas aos indígenas”, afirma o documento.

A constatação é a mesma de outra pesquisa, segundo a qual o principal interesse do PCC em Roraima está no controle das fronteiras para transportar drogas e armas. “A atuação na zona de garimpo ocorre mais na ideia de controle do território, operando como braço armado do garimpo ilegal”, afirma relatório produzido pelo Instituto Clima e Sociedade, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Instituto Igarapé e Centro Soberania e Clima. “Uma das constatações que se faz, nesse sentido, é de que é muito dispendioso extrair o ouro, razão pela qual a organização criminosa prefere extorquir, roubar e fazer a segurança do local.”

Segundo Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé, a atuação da facção dentro de uma lógica de diversificação de atividades e em associação com outros agentes ilegais torna o combate ao crime ambiental no TI Yanomami mais complexo.

“Se fosse uma estrutura hierarquizada, o combate seria feito “cortando a cabeça” (do esquema). Mas não é assim. É mais uma estrutura em rede, com outros atores. São novas células do PCC atuando de forma diferente”, afirma. “A gente tende a pensar na facção como um modelo estabelecido, mas o PCC de 2023 não é o mesmo do PCC de 2006 (quando uma onda de ataques da facção contra agentes da segurança pública paralisaram São Paulo).”

Melina diz que é impossível pensar que os cerca de 20 mil garimpeiros ilegais no local fazem parte da facção. Antes disso, fazem parte de um enorme contingente de trabalhadores expostos a situações precárias. “Muitas vezes estão trabalhando em condições análogas à escravidão (dentro de um sistema também ilegal). É vulnerabilidade em cima de vulnerabilidade”, afirma.


Região teve 13 mortes em menos de uma semana

A mais recente tensão entre garimpeiros e membros do PCC de um lado e indígenas, fiscais do Ibama e a Polícia Federal de outro é resultado da tentativa do governo federal de expulsar da região a atividade ilegal e ocorre na esteira da crise humanitária

Desde sábado, 29, foram registradas 13 mortes na região e a presença de membros da facção criminosa ganhou ainda mais destaque após o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, declarar que um dos mortos fazia parte do PCC.

O garimpo é um problema histórico na região, mas recentemente causou uma crise humanitária sem precedentes no Território Indígena Yanomami. Foto: Divulgação/Instagram/Júnior Hekurari

“Nosso serviço de inteligência tem encontrado indícios muito fortes de que alguns pontos de garimpo são mantidos com o apoio de organizações criminosas. Isso está sendo investigado”, disse Agostinho. “Uma das pessoas que morreu na operação de domingo [30] tinha envolvimento muito forte com uma das organizações criminosas.”

No sábado, o agente de saúde indígena Ilson Xirixana foi morto com um tiro na cabeça, e outros dois Yanomami ficaram feridos em estado grave. A suspeita sobre a autoria do ataque recaiu sobre os garimpeiros e equipes da Polícia Federal foram enviadas ao local do conflito, onde começaram a ouvir testemunhas e a fazer perícias.

“Estamos monitorando, onde aconteceu morte do nosso parente. As lideranças locais estão de luto e não querem falar. A comunicação não está chegando aqui em Boa Vista”, afirmou Dário Kopenawa, filho do xamã e intelectual Davi Kopenawa e vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, que representa 30 mil indígenas Yanomami e Yekuana.

Segundo nota conjunta da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e da Texoli Associação Ninam Estado de Roraima (Taner), no ataque na Comunidade Uxiu, região do Mucajai, os três indígenas estavam à beira do rio participando de cerimônia fúnebre pela morte de outros membros da etnia quando um barco com seis garimpeiros se aproximou e começou a disparar na direção de onde estavam mulheres e crianças. O agente de saúde foi atingido por um tiro na cabeça.

No domingo, 30, quatro garimpeiros morreram durante operação de fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e do Ibama na região de Uiaiacás, na Terra Indígena Yanomami. A PRF disse que a equipe foi recebida a tiros. Foram apreendidos um fuzil e armas de uso restrito. O ataque é investigado pela PF. Um dos mortos era foragido da Justiça do Amapá.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, este é o quarto ataque contra equipes do Ibama desde fevereiro, quando o governo iniciou os planos para retirada de garimpeiros do território Yanomami.

Na segunda-feira, 1º, uma comitiva do governo federal que esteve em Roraima para monitorar a situação dos Yanomami após o atentado de sábado. As ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, sobrevoaram a região no início da semana.

A comitiva incluiu o secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar; o diretor da Força Nacional, coronel Fernando Alencar, e o diretor de Amazônia e Meio Ambiente da PF, Humberto Freire.

Em Roraima, a PF informou que as investigações têm o objetivo de identificar, localizar e prender os autores dos crimes, “enquanto as ações de desintrusão dos invasores das terras indígenas continuam no âmbito da Operação Libertação”.

População Yanomami recebeu atendimento no Hospital Santo Antônio, conhecido como hospital das crianças.  Foto: Alex Piva/Estadão

PF aumenta efetivo no local após ataques

Em nota, a Polícia Federal destacou o confronto entre os garimpeiros e os Yanomamis. “Durante as diligências, a PF apurou indícios dos crimes cometidos contra os indígenas, ouviu testemunhas, realizou perícia de local de crime e aguarda a elaboração dos respectivos laudos e relatórios para prosseguimento das investigações”, diz o texto.

No mesmo dia, os corpos de oito pessoas, não indígenas, foram encontrados na reserva indígena. Investigadores acreditam serem garimpeiros, mortos em represália pelo atentado de sábado. Há informações de que os corpos tinham perfurações e marcas de flechas.

Procurada, a PF em Roraima disse que houve aumento do efetivo no local e, segundo a corporação, o número deve crescer ainda mais. “Informamos que já há acréscimo do quantitativo do efetivo operando na região e que há programação para novos reforços”. A corporação, no entanto, não informa detalhes por questões de “efetividade das ações e segurança dos envolvidos”.

Para a diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé, apesar da complexidade que atuação do PCC traz ao TI Yanomami há saídas possíveis e elas não passam apenas por ações de comando e controle, mas também pela construção de modelos de desenvolvimento sustentável que possa absorver essa mão de obra que está na ilegalidade. “Ou, após a retirada dos garimpeiros, eles vão para onde, para outra Terra Indígena cometer outras ilegalidades?”, diz.

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