Pelo menos 21,3% dos peixes comercializados nos principais centros urbanos da Amazônia apresentam níveis de contaminação por mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 0,5 mg/g. Estudo divulgado pela Fiocruz nesta terça-feira, 30, constata que o mercúrio usado na atividade garimpeira está chegando à mesa da população local com potenciais consequências para a saúde. O pescado é a principal fonte de proteína dos moradores da região.
O levantamento foi feito nos seis Estados da região amazônica (Roraima, Rondônia, Acre, Pará, Amazônia e Amapá) entre março de 2021 e setembro de 2022, com o objetivo de avaliar o risco à saúde humana do consumo de peixes contaminados. Para isso, pesquisadores da Fiocruz, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), do Greenpeace Brasil, do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) e do WWF-Brasil visitaram mercados e feiras em 17 cidades da região.
“Este é o primeiro estudo que avalia os principais centros urbanos espalhados em seis Estados”, afirma Decio Yokota, coordenador do programa de gestão da informação do Iepé. As espécies testadas não foram divulgadas pelos pesquisadores.
“Ele reforça um alerta para um assunto já conhecido, mas não resolvido, que é o risco à segurança alimentar na região amazônica gerado pelo mercúrio da atividade garimpeira. É preocupante que a principal fonte de proteína do território, se ingerida sem controle, provoque danos à saúde por estar contaminada.”
Os piores índices de contaminação foram registrados em Roraima, onde 40% dos peixes apresentavam índices de mercúrio acima do aceitável, e no Acre, onde a contaminação chegava a 35,9% do pescado. O Estado com o menor índice de contaminação é o Amapá, com 11,4%.
Em todas as camadas populacionais analisadas, a potencial ingestão diária de mercúrio excedeu a dose de referência recomendada. No município mais crítico, Rio Branco (AC), a ingestão de mercúrio ultrapassou a dose de referência indicada pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA, 0,1 mg/kg/dia, em até 31,5 vezes. Mulheres em idade fértil estariam consumindo até nove vezes mais mercúrio do que é aceitável.
Para fazer esse cálculo, os pesquisadores se basearam na estimativa de consumo de pescado por pessoa de 100 gramas per capita. Foram avaliados ainda o cálculo da razão de risco (RR), que indica o potencial de danos à saúde provocado pelo consumo do pescado contaminado, e a avaliação de risco à saúde.
“Estamos diante de um problema de saúde pública”, alerta o pesquisador Paulo Basta, da Fiocruz. “Sabemos que a contaminação é mais grave para as mulheres grávidas, já que o feto pode sofrer distúrbios neurológicos, danos aos rins e ao sistema cardiovascular. Já as crianças podem apresentar dificuldades motoras e cognitivas, incluindo problemas na fala e no processo de aprendizagem. De forma geral, os efeitos são perigosos, muitas vezes irreversíveis.”
As amostras de peixe para a pesquisa foram coletadas nos municípios de Altamira (PA), Belém (PA), Boa Vista (RR), Humaitá (AM), Itaituba (PA), Macapá (AP), Manaus (AM), Maraã (AM), Oiapoque (AP), Oriximiná (PA), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Santa Isabel do Rio Negro (AM), Santarém (PA), São Félix do Xingu (PA), São Gabriel da Cachoeira (AM) e Tefé (AM).
Foram avaliados 1.010 exemplares de peixes, de 80 espécies diferentes, comprados em mercados, feiras e diretamente de pescadores, numa simulação do cotidiano dos moradores locais. O levantamento indica que os peixes carnívoros apresentaram índices de contaminação maiores do que os não carnívoros, mas os pesquisadores optaram por não divulgar os nomes das espécies.
“Optamos por não divulgar os nomes dos peixes para preservar as colônias de pescadores”, explica Basta. “Em nossa avaliação, os peixes também são vítimas da contaminação por mercúrio e a proibição de seu consumo não deve ser a principal recomendação a ser seguida.”
A principal recomendação dos pesquisadores é erradicar o garimpo ilegal e outras fontes emissoras de mercúrio. “Além da degradação ambiental, os garimpos ilegais trazem um rastro de destruição que inclui tráfico de drogas, armas e animais silvestres, além da exploração sexual”, sustenta Marcelo Oliveira, especialista em conservação do WWF-Brasil. “Por isso, o Estado precisa garantir maior controle e segurança para as populações locais. Outras ações, como a fiscalização do desmatamento e das queimadas, também reduzem a exposição ao mercúrio.”
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente informou que “desde fevereiro foram destruídas 24 aeronaves e 390 acampamentos e estruturas de apoio logístico ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.” Ainda de acordo com a pasta, na última semana, o Ibama iniciou a retomada do território Munduruku. “O número de autos de infração na Amazônia nos primeiros quatro meses da atual gestão aumentou 198% em relação à média para o mesmo período nos quatro anos anteriores, e as apreensões tiveram alta de 124%.”