‘Pensar as cidades como natureza mudará a forma como as planejamos’, diz criador do bio-urbanismo


Australiano Adrian McGregor tem aplicado a tecnologia de gêmeos digitais para projetar os efeitos das mudanças do clima sobre os grandes centros e, a partir dos resultados, elaborar soluções

Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:
Foto: McGregor Coxall
Entrevista comAdrian McGregorUrbanista

As palavras bioma e natureza normalmente fazem imaginar paisagens como florestas tropicais e savanas, enquanto o termo “cidade” evoca imagens de prédios, viadutos e congestionamentos.

Em todo o mundo, ecossistemas naturais foram de fato degradados pela expansão urbana. No Brasil, o bioma habitado por dois terços da população – a Mata Atlântica – já perdeu cerca de 90% de sua área original e 70% da vegetação nativa.

No cenário em que as cidades abrigam a maior parte da população global e são responsáveis por pelo menos 70% das emissões de gases de efeito estufa, o urbanista australiano Adrian McGregor defende, porém, que a oposição entre o ambiente urbano e a natureza precisa ser repensada.

Para isso, ele utiliza o conceito de bio-urbanismo, um modelo de planejamento urbano centrado na natureza no qual a cidade é vista como um ecossistema complexo, formado por dez sistemas interconectados: cidadãos, economia, energia, infraestrutura, mobilidade, tecnologia, água, resíduos, paisagem e alimentos.

“Precisamos reconsiderar as cidades como natureza”, diz em entrevista ao Estadão.

McGregor é autor do livro Biourbanism: cities as nature e fundador da McGregor Coxall, empresa de planejamento urbano, arquitetura e paisagismo que tem atuado no desenvolvimento de novas cidades na China e no Oriente Médio e em projetos de adaptação climática em Tóquio (Japão), Bristol (Reino Unido) e Sydney (Austrália).

Nesses locais, o laboratório tem aplicado a tecnologia de gêmeos digitais para projetar os efeitos das mudanças do clima sobre as cidades e, a partir dos resultados, elaborar soluções.

O que te levou ao bio-urbanismo e o que o trabalho de um bio-urbanista tem de diferente?

Às vezes se referem a mim como bio-urbanista e outras vezes como futurista urbano. Ter passado minha carreira trabalhando para criar resultados sustentáveis em cidades e comunidades me levou à teoria do que faz nossas cidades funcionarem e como podemos torná-las melhores, mais prósperas.

Somos ensinados sobre a ecologia e os ecossistemas das florestas, desertos, tundras. Mas, o que aconteceu no Antropoceno, que é a era dos homo sapiens, é que impactamos os biomas selvagens ao redor do planeta de maneira que eles quase não existem mais da maneira como foram originalmente classificados.

Percebi que a construção das cidades pelos seres humanos não difere de qualquer outro animal construindo seu habitat para viver, como um castor construindo uma represa. Precisamos reconsiderar as cidades como natureza.

Elas estão na troposfera e biosfera no planeta Terra – não são o tipo de natureza que aprendemos na escola, mas nós as construímos e operamos assim como muitos outros animais fazem. A premissa do meu livro é que, se pensarmos nas cidades como natureza, isso mudará a forma como as planejamos.

Minha ideia para o mundo é que mudemos nossas cidades com base neste conceito. Reconhecer que elas são uma forma de natureza significa trabalhar com a natureza e não contra ela.

Escritório de McGregor foi premiado com o projeto de design urbano para a Ilha de Daishan, na China; proposta integra as características naturais, históricas e culturais originais do local. Foto: McGregor Coxall

Você diz que não somos diferentes dos outros animais na construção do nosso habitat, mas menciona termos modificado os biomas drasticamente. Tendo isso em conta, como passar a trabalhar com a natureza e não contra?

Precisamos entender como nossas cidades funcionam e trabalhar com essas funções. O modelo do bio-urbanismo é fundamentado em 10 sistemas, cinco biossistemas e cinco sistemas urbanos. Começamos a entender a cidade como um sistema, é o mesmo conceito que aplicamos à natureza. Entender como as partes se encaixam, como contribuem umas com as outras e o que compõe uma grande cidade.

Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas

Adrian McGregor

Uma vez que entendemos os sistemas, podemos medir seu desempenho, medir nosso impacto e tentar reparar as áreas que danificamos para aumentar sua prosperidade. Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas.

Em cidades que funcionam bem, cada um dos sistemas apoia o outro, assim como acontece na natureza. É isso o que precisamos mudar: trabalhar juntos nesses sistemas em vez de ter cada departamento da cidade atuando de forma isolada.

Como exatamente se dá a aplicação disso no seu trabalho?

Criamos um laboratório de bio-urbanismo que está implementando o modelo de sistemas. O laboratório cria gêmeos digitais, uma espécie de versão digital da cidade física, executa simulações e análises dentro desses gêmeos para nos informar qual é o cenário futuro provável e como devemos projetar a cidade a partir de agora. Esses modelos são realmente poderosos e úteis para testar o que pode acontecer sob certas condições e, em seguida, criar planejamentos e políticas benéficos para a cidade.

Agora podemos construir um gêmeo digital da cidade e importar as informações climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), projetando para 2050 ou até 2100 para entender, a partir desses dados, qual será a temperatura na cidade no futuro, se a precipitação aumentará ou diminuirá e outros fatores específicos.

Nossas equipes de planejamento usam essas análises para criar planos de resiliência climática. É dessa forma que estamos trabalhando para ajudar as cidades a se adaptar a climas extremos, que têm piorado cada vez mais com o aumento das temperaturas.

Em Tóquio, estamos desenvolvendo um projeto na orla marítima, que está sujeita a inundações, além do aumento do nível do mar. O projeto eleva o nível do local para que fique acima dos futuros níveis de água, considerando a elevação projetada do nível do mar.

Em termos de calor, estamos analisando a temperatura futura e planejando como sombrear as áreas públicas da cidade para reduzir a temperatura onde isso é importante. Além disso, estamos considerando os ventos e tufões que atravessam a costa, analisando a velocidade do vento e seu impacto potencial nas áreas públicas e edifícios.

A criação desses gêmeos provavelmente requer muitos dados sobre as cidades e tecnologia. É possível trabalhar com eles em cidades do mundo em desenvolvimento?

As coisas estão mudando rápido, há muitos dados de código aberto, conjuntos de dados que as cidades podem comprar de provedores, que não são muito caros. Muitos são derivados de satélites, usam sensoriamento global e todas essas informações podem ser usadas para construir um modelo, mesmo em cidades do terceiro mundo que têm muito poucas informações existentes. É possível fazer coisas agora que não éramos capazes de fazer há 10 anos. Não apenas é possível como já está sendo feito.

São ferramentas muito poderosas para as cidades, especialmente aquelas que não têm recursos para coletar muitos dados por conta própria, para descobrir onde estão as vulnerabilidades de alta prioridade com os eventos climáticos extremos, prever o provável impacto das mudanças climáticas e focar nossas energias em tentar corrigir esses problemas.

Quais medidas você considera prioritárias para tornar mais prósperas e saudáveis as cidades de países em desenvolvimento como o Brasil?

Claramente há desafios que podem ser trabalhados nas cidades brasileiras. Estamos vendo as inundações e as ondas de calor, os eventos climáticos extremos começando a impactar as cidades. É muito importante planejar para retirar as pessoas das áreas de inundação, fazer a realocação de bairros onde for necessário.

E não é só no Brasil, a mesma coisa está acontecendo na Austrália. Temos uma pequena cidade aqui, Lismore, que precisa ser realocada. Ela já inundou várias vezes nos últimos anos e se tornou inabitável. O governo está enfrentando o desafio de como realocar casas e pessoas da área afetada por inundações e como lidar com os desafios econômicos.

Em São Paulo, os veículos motorizados e os congestionamentos são um grande problema. Portanto, o transporte público é um investimento fundamental que as cidades precisam fazer para criar uma melhor qualidade de vida. Bogotá implementou um sistema de ônibus fantástico que tem sido fundamental e outras cidades da região fizeram coisas semelhantes.

Cidades caminháveis que sejam seguras também são uma parte muito importante do sistema de mobilidade.

Para melhorar esse sistema, é preciso analisar quais são as opções: É possível pedalar com segurança, pegar um ônibus, um trem ou é preciso escolher o carro? Qual é a segurança dessa jornada? A segurança faz parte do sistema dos cidadãos, é como o governo, a polícia, a lei podem criar ambientes seguros, ter policiamento comunitário.

Pensar em como mudar uma cidade parece difícil mesmo para quem está no governo. Usar o pensamento sistêmico realmente ajuda a começar a entender cada parte e fazer mudanças em cada um dos sistemas, o que pode fazer uma grande diferença no todo.

Mas para isso é preciso visão, liderança. Precisa de um prefeito que lidere para fazer mudanças, de bons líderes governamentais e comunitários que queiram implementar mudanças.

Quais outras soluções compatíveis com o bio-urbanismo você tem visto as cidades adotarem?

O bio-urbanismo também se estende para as áreas dos edifícios e infraestrutura. Se construímos novos edifícios, precisamos fazer isso de maneira que sejam de baixo carbono.

Felizmente, há tecnologias incríveis disponíveis: há novos tipos de concreto que sequestram carbono e uma grande mudança para edifícios de madeira plantada de forma sustentável. Existe um movimento global enorme para a construção em madeira, que incorpora muito menos carbono do que aço e concreto.

Também há um grande movimento em Londres chamado “RetroFirst”, para reformar edifícios existentes e antigos. No passado, demolíamos qualquer coisa com mais de 40 anos e construíamos um novo edifício. Agora, arquitetos estão transformando esses edifícios antigos em novos, usando a estrutura de concreto existente para fazer coisas incríveis.

Na Alemanha, há a casa passiva, que está se espalhando pela Europa e chegando à Austrália. É uma maneira de criar um edifício selado que requer uma quantidade mínima de energia para aquecer e refrigerar, operando de forma mais eficiente.

As palavras bioma e natureza normalmente fazem imaginar paisagens como florestas tropicais e savanas, enquanto o termo “cidade” evoca imagens de prédios, viadutos e congestionamentos.

Em todo o mundo, ecossistemas naturais foram de fato degradados pela expansão urbana. No Brasil, o bioma habitado por dois terços da população – a Mata Atlântica – já perdeu cerca de 90% de sua área original e 70% da vegetação nativa.

No cenário em que as cidades abrigam a maior parte da população global e são responsáveis por pelo menos 70% das emissões de gases de efeito estufa, o urbanista australiano Adrian McGregor defende, porém, que a oposição entre o ambiente urbano e a natureza precisa ser repensada.

Para isso, ele utiliza o conceito de bio-urbanismo, um modelo de planejamento urbano centrado na natureza no qual a cidade é vista como um ecossistema complexo, formado por dez sistemas interconectados: cidadãos, economia, energia, infraestrutura, mobilidade, tecnologia, água, resíduos, paisagem e alimentos.

“Precisamos reconsiderar as cidades como natureza”, diz em entrevista ao Estadão.

McGregor é autor do livro Biourbanism: cities as nature e fundador da McGregor Coxall, empresa de planejamento urbano, arquitetura e paisagismo que tem atuado no desenvolvimento de novas cidades na China e no Oriente Médio e em projetos de adaptação climática em Tóquio (Japão), Bristol (Reino Unido) e Sydney (Austrália).

Nesses locais, o laboratório tem aplicado a tecnologia de gêmeos digitais para projetar os efeitos das mudanças do clima sobre as cidades e, a partir dos resultados, elaborar soluções.

O que te levou ao bio-urbanismo e o que o trabalho de um bio-urbanista tem de diferente?

Às vezes se referem a mim como bio-urbanista e outras vezes como futurista urbano. Ter passado minha carreira trabalhando para criar resultados sustentáveis em cidades e comunidades me levou à teoria do que faz nossas cidades funcionarem e como podemos torná-las melhores, mais prósperas.

Somos ensinados sobre a ecologia e os ecossistemas das florestas, desertos, tundras. Mas, o que aconteceu no Antropoceno, que é a era dos homo sapiens, é que impactamos os biomas selvagens ao redor do planeta de maneira que eles quase não existem mais da maneira como foram originalmente classificados.

Percebi que a construção das cidades pelos seres humanos não difere de qualquer outro animal construindo seu habitat para viver, como um castor construindo uma represa. Precisamos reconsiderar as cidades como natureza.

Elas estão na troposfera e biosfera no planeta Terra – não são o tipo de natureza que aprendemos na escola, mas nós as construímos e operamos assim como muitos outros animais fazem. A premissa do meu livro é que, se pensarmos nas cidades como natureza, isso mudará a forma como as planejamos.

Minha ideia para o mundo é que mudemos nossas cidades com base neste conceito. Reconhecer que elas são uma forma de natureza significa trabalhar com a natureza e não contra ela.

Escritório de McGregor foi premiado com o projeto de design urbano para a Ilha de Daishan, na China; proposta integra as características naturais, históricas e culturais originais do local. Foto: McGregor Coxall

Você diz que não somos diferentes dos outros animais na construção do nosso habitat, mas menciona termos modificado os biomas drasticamente. Tendo isso em conta, como passar a trabalhar com a natureza e não contra?

Precisamos entender como nossas cidades funcionam e trabalhar com essas funções. O modelo do bio-urbanismo é fundamentado em 10 sistemas, cinco biossistemas e cinco sistemas urbanos. Começamos a entender a cidade como um sistema, é o mesmo conceito que aplicamos à natureza. Entender como as partes se encaixam, como contribuem umas com as outras e o que compõe uma grande cidade.

Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas

Adrian McGregor

Uma vez que entendemos os sistemas, podemos medir seu desempenho, medir nosso impacto e tentar reparar as áreas que danificamos para aumentar sua prosperidade. Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas.

Em cidades que funcionam bem, cada um dos sistemas apoia o outro, assim como acontece na natureza. É isso o que precisamos mudar: trabalhar juntos nesses sistemas em vez de ter cada departamento da cidade atuando de forma isolada.

Como exatamente se dá a aplicação disso no seu trabalho?

Criamos um laboratório de bio-urbanismo que está implementando o modelo de sistemas. O laboratório cria gêmeos digitais, uma espécie de versão digital da cidade física, executa simulações e análises dentro desses gêmeos para nos informar qual é o cenário futuro provável e como devemos projetar a cidade a partir de agora. Esses modelos são realmente poderosos e úteis para testar o que pode acontecer sob certas condições e, em seguida, criar planejamentos e políticas benéficos para a cidade.

Agora podemos construir um gêmeo digital da cidade e importar as informações climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), projetando para 2050 ou até 2100 para entender, a partir desses dados, qual será a temperatura na cidade no futuro, se a precipitação aumentará ou diminuirá e outros fatores específicos.

Nossas equipes de planejamento usam essas análises para criar planos de resiliência climática. É dessa forma que estamos trabalhando para ajudar as cidades a se adaptar a climas extremos, que têm piorado cada vez mais com o aumento das temperaturas.

Em Tóquio, estamos desenvolvendo um projeto na orla marítima, que está sujeita a inundações, além do aumento do nível do mar. O projeto eleva o nível do local para que fique acima dos futuros níveis de água, considerando a elevação projetada do nível do mar.

Em termos de calor, estamos analisando a temperatura futura e planejando como sombrear as áreas públicas da cidade para reduzir a temperatura onde isso é importante. Além disso, estamos considerando os ventos e tufões que atravessam a costa, analisando a velocidade do vento e seu impacto potencial nas áreas públicas e edifícios.

A criação desses gêmeos provavelmente requer muitos dados sobre as cidades e tecnologia. É possível trabalhar com eles em cidades do mundo em desenvolvimento?

As coisas estão mudando rápido, há muitos dados de código aberto, conjuntos de dados que as cidades podem comprar de provedores, que não são muito caros. Muitos são derivados de satélites, usam sensoriamento global e todas essas informações podem ser usadas para construir um modelo, mesmo em cidades do terceiro mundo que têm muito poucas informações existentes. É possível fazer coisas agora que não éramos capazes de fazer há 10 anos. Não apenas é possível como já está sendo feito.

São ferramentas muito poderosas para as cidades, especialmente aquelas que não têm recursos para coletar muitos dados por conta própria, para descobrir onde estão as vulnerabilidades de alta prioridade com os eventos climáticos extremos, prever o provável impacto das mudanças climáticas e focar nossas energias em tentar corrigir esses problemas.

Quais medidas você considera prioritárias para tornar mais prósperas e saudáveis as cidades de países em desenvolvimento como o Brasil?

Claramente há desafios que podem ser trabalhados nas cidades brasileiras. Estamos vendo as inundações e as ondas de calor, os eventos climáticos extremos começando a impactar as cidades. É muito importante planejar para retirar as pessoas das áreas de inundação, fazer a realocação de bairros onde for necessário.

E não é só no Brasil, a mesma coisa está acontecendo na Austrália. Temos uma pequena cidade aqui, Lismore, que precisa ser realocada. Ela já inundou várias vezes nos últimos anos e se tornou inabitável. O governo está enfrentando o desafio de como realocar casas e pessoas da área afetada por inundações e como lidar com os desafios econômicos.

Em São Paulo, os veículos motorizados e os congestionamentos são um grande problema. Portanto, o transporte público é um investimento fundamental que as cidades precisam fazer para criar uma melhor qualidade de vida. Bogotá implementou um sistema de ônibus fantástico que tem sido fundamental e outras cidades da região fizeram coisas semelhantes.

Cidades caminháveis que sejam seguras também são uma parte muito importante do sistema de mobilidade.

Para melhorar esse sistema, é preciso analisar quais são as opções: É possível pedalar com segurança, pegar um ônibus, um trem ou é preciso escolher o carro? Qual é a segurança dessa jornada? A segurança faz parte do sistema dos cidadãos, é como o governo, a polícia, a lei podem criar ambientes seguros, ter policiamento comunitário.

Pensar em como mudar uma cidade parece difícil mesmo para quem está no governo. Usar o pensamento sistêmico realmente ajuda a começar a entender cada parte e fazer mudanças em cada um dos sistemas, o que pode fazer uma grande diferença no todo.

Mas para isso é preciso visão, liderança. Precisa de um prefeito que lidere para fazer mudanças, de bons líderes governamentais e comunitários que queiram implementar mudanças.

Quais outras soluções compatíveis com o bio-urbanismo você tem visto as cidades adotarem?

O bio-urbanismo também se estende para as áreas dos edifícios e infraestrutura. Se construímos novos edifícios, precisamos fazer isso de maneira que sejam de baixo carbono.

Felizmente, há tecnologias incríveis disponíveis: há novos tipos de concreto que sequestram carbono e uma grande mudança para edifícios de madeira plantada de forma sustentável. Existe um movimento global enorme para a construção em madeira, que incorpora muito menos carbono do que aço e concreto.

Também há um grande movimento em Londres chamado “RetroFirst”, para reformar edifícios existentes e antigos. No passado, demolíamos qualquer coisa com mais de 40 anos e construíamos um novo edifício. Agora, arquitetos estão transformando esses edifícios antigos em novos, usando a estrutura de concreto existente para fazer coisas incríveis.

Na Alemanha, há a casa passiva, que está se espalhando pela Europa e chegando à Austrália. É uma maneira de criar um edifício selado que requer uma quantidade mínima de energia para aquecer e refrigerar, operando de forma mais eficiente.

As palavras bioma e natureza normalmente fazem imaginar paisagens como florestas tropicais e savanas, enquanto o termo “cidade” evoca imagens de prédios, viadutos e congestionamentos.

Em todo o mundo, ecossistemas naturais foram de fato degradados pela expansão urbana. No Brasil, o bioma habitado por dois terços da população – a Mata Atlântica – já perdeu cerca de 90% de sua área original e 70% da vegetação nativa.

No cenário em que as cidades abrigam a maior parte da população global e são responsáveis por pelo menos 70% das emissões de gases de efeito estufa, o urbanista australiano Adrian McGregor defende, porém, que a oposição entre o ambiente urbano e a natureza precisa ser repensada.

Para isso, ele utiliza o conceito de bio-urbanismo, um modelo de planejamento urbano centrado na natureza no qual a cidade é vista como um ecossistema complexo, formado por dez sistemas interconectados: cidadãos, economia, energia, infraestrutura, mobilidade, tecnologia, água, resíduos, paisagem e alimentos.

“Precisamos reconsiderar as cidades como natureza”, diz em entrevista ao Estadão.

McGregor é autor do livro Biourbanism: cities as nature e fundador da McGregor Coxall, empresa de planejamento urbano, arquitetura e paisagismo que tem atuado no desenvolvimento de novas cidades na China e no Oriente Médio e em projetos de adaptação climática em Tóquio (Japão), Bristol (Reino Unido) e Sydney (Austrália).

Nesses locais, o laboratório tem aplicado a tecnologia de gêmeos digitais para projetar os efeitos das mudanças do clima sobre as cidades e, a partir dos resultados, elaborar soluções.

O que te levou ao bio-urbanismo e o que o trabalho de um bio-urbanista tem de diferente?

Às vezes se referem a mim como bio-urbanista e outras vezes como futurista urbano. Ter passado minha carreira trabalhando para criar resultados sustentáveis em cidades e comunidades me levou à teoria do que faz nossas cidades funcionarem e como podemos torná-las melhores, mais prósperas.

Somos ensinados sobre a ecologia e os ecossistemas das florestas, desertos, tundras. Mas, o que aconteceu no Antropoceno, que é a era dos homo sapiens, é que impactamos os biomas selvagens ao redor do planeta de maneira que eles quase não existem mais da maneira como foram originalmente classificados.

Percebi que a construção das cidades pelos seres humanos não difere de qualquer outro animal construindo seu habitat para viver, como um castor construindo uma represa. Precisamos reconsiderar as cidades como natureza.

Elas estão na troposfera e biosfera no planeta Terra – não são o tipo de natureza que aprendemos na escola, mas nós as construímos e operamos assim como muitos outros animais fazem. A premissa do meu livro é que, se pensarmos nas cidades como natureza, isso mudará a forma como as planejamos.

Minha ideia para o mundo é que mudemos nossas cidades com base neste conceito. Reconhecer que elas são uma forma de natureza significa trabalhar com a natureza e não contra ela.

Escritório de McGregor foi premiado com o projeto de design urbano para a Ilha de Daishan, na China; proposta integra as características naturais, históricas e culturais originais do local. Foto: McGregor Coxall

Você diz que não somos diferentes dos outros animais na construção do nosso habitat, mas menciona termos modificado os biomas drasticamente. Tendo isso em conta, como passar a trabalhar com a natureza e não contra?

Precisamos entender como nossas cidades funcionam e trabalhar com essas funções. O modelo do bio-urbanismo é fundamentado em 10 sistemas, cinco biossistemas e cinco sistemas urbanos. Começamos a entender a cidade como um sistema, é o mesmo conceito que aplicamos à natureza. Entender como as partes se encaixam, como contribuem umas com as outras e o que compõe uma grande cidade.

Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas

Adrian McGregor

Uma vez que entendemos os sistemas, podemos medir seu desempenho, medir nosso impacto e tentar reparar as áreas que danificamos para aumentar sua prosperidade. Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas.

Em cidades que funcionam bem, cada um dos sistemas apoia o outro, assim como acontece na natureza. É isso o que precisamos mudar: trabalhar juntos nesses sistemas em vez de ter cada departamento da cidade atuando de forma isolada.

Como exatamente se dá a aplicação disso no seu trabalho?

Criamos um laboratório de bio-urbanismo que está implementando o modelo de sistemas. O laboratório cria gêmeos digitais, uma espécie de versão digital da cidade física, executa simulações e análises dentro desses gêmeos para nos informar qual é o cenário futuro provável e como devemos projetar a cidade a partir de agora. Esses modelos são realmente poderosos e úteis para testar o que pode acontecer sob certas condições e, em seguida, criar planejamentos e políticas benéficos para a cidade.

Agora podemos construir um gêmeo digital da cidade e importar as informações climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), projetando para 2050 ou até 2100 para entender, a partir desses dados, qual será a temperatura na cidade no futuro, se a precipitação aumentará ou diminuirá e outros fatores específicos.

Nossas equipes de planejamento usam essas análises para criar planos de resiliência climática. É dessa forma que estamos trabalhando para ajudar as cidades a se adaptar a climas extremos, que têm piorado cada vez mais com o aumento das temperaturas.

Em Tóquio, estamos desenvolvendo um projeto na orla marítima, que está sujeita a inundações, além do aumento do nível do mar. O projeto eleva o nível do local para que fique acima dos futuros níveis de água, considerando a elevação projetada do nível do mar.

Em termos de calor, estamos analisando a temperatura futura e planejando como sombrear as áreas públicas da cidade para reduzir a temperatura onde isso é importante. Além disso, estamos considerando os ventos e tufões que atravessam a costa, analisando a velocidade do vento e seu impacto potencial nas áreas públicas e edifícios.

A criação desses gêmeos provavelmente requer muitos dados sobre as cidades e tecnologia. É possível trabalhar com eles em cidades do mundo em desenvolvimento?

As coisas estão mudando rápido, há muitos dados de código aberto, conjuntos de dados que as cidades podem comprar de provedores, que não são muito caros. Muitos são derivados de satélites, usam sensoriamento global e todas essas informações podem ser usadas para construir um modelo, mesmo em cidades do terceiro mundo que têm muito poucas informações existentes. É possível fazer coisas agora que não éramos capazes de fazer há 10 anos. Não apenas é possível como já está sendo feito.

São ferramentas muito poderosas para as cidades, especialmente aquelas que não têm recursos para coletar muitos dados por conta própria, para descobrir onde estão as vulnerabilidades de alta prioridade com os eventos climáticos extremos, prever o provável impacto das mudanças climáticas e focar nossas energias em tentar corrigir esses problemas.

Quais medidas você considera prioritárias para tornar mais prósperas e saudáveis as cidades de países em desenvolvimento como o Brasil?

Claramente há desafios que podem ser trabalhados nas cidades brasileiras. Estamos vendo as inundações e as ondas de calor, os eventos climáticos extremos começando a impactar as cidades. É muito importante planejar para retirar as pessoas das áreas de inundação, fazer a realocação de bairros onde for necessário.

E não é só no Brasil, a mesma coisa está acontecendo na Austrália. Temos uma pequena cidade aqui, Lismore, que precisa ser realocada. Ela já inundou várias vezes nos últimos anos e se tornou inabitável. O governo está enfrentando o desafio de como realocar casas e pessoas da área afetada por inundações e como lidar com os desafios econômicos.

Em São Paulo, os veículos motorizados e os congestionamentos são um grande problema. Portanto, o transporte público é um investimento fundamental que as cidades precisam fazer para criar uma melhor qualidade de vida. Bogotá implementou um sistema de ônibus fantástico que tem sido fundamental e outras cidades da região fizeram coisas semelhantes.

Cidades caminháveis que sejam seguras também são uma parte muito importante do sistema de mobilidade.

Para melhorar esse sistema, é preciso analisar quais são as opções: É possível pedalar com segurança, pegar um ônibus, um trem ou é preciso escolher o carro? Qual é a segurança dessa jornada? A segurança faz parte do sistema dos cidadãos, é como o governo, a polícia, a lei podem criar ambientes seguros, ter policiamento comunitário.

Pensar em como mudar uma cidade parece difícil mesmo para quem está no governo. Usar o pensamento sistêmico realmente ajuda a começar a entender cada parte e fazer mudanças em cada um dos sistemas, o que pode fazer uma grande diferença no todo.

Mas para isso é preciso visão, liderança. Precisa de um prefeito que lidere para fazer mudanças, de bons líderes governamentais e comunitários que queiram implementar mudanças.

Quais outras soluções compatíveis com o bio-urbanismo você tem visto as cidades adotarem?

O bio-urbanismo também se estende para as áreas dos edifícios e infraestrutura. Se construímos novos edifícios, precisamos fazer isso de maneira que sejam de baixo carbono.

Felizmente, há tecnologias incríveis disponíveis: há novos tipos de concreto que sequestram carbono e uma grande mudança para edifícios de madeira plantada de forma sustentável. Existe um movimento global enorme para a construção em madeira, que incorpora muito menos carbono do que aço e concreto.

Também há um grande movimento em Londres chamado “RetroFirst”, para reformar edifícios existentes e antigos. No passado, demolíamos qualquer coisa com mais de 40 anos e construíamos um novo edifício. Agora, arquitetos estão transformando esses edifícios antigos em novos, usando a estrutura de concreto existente para fazer coisas incríveis.

Na Alemanha, há a casa passiva, que está se espalhando pela Europa e chegando à Austrália. É uma maneira de criar um edifício selado que requer uma quantidade mínima de energia para aquecer e refrigerar, operando de forma mais eficiente.

As palavras bioma e natureza normalmente fazem imaginar paisagens como florestas tropicais e savanas, enquanto o termo “cidade” evoca imagens de prédios, viadutos e congestionamentos.

Em todo o mundo, ecossistemas naturais foram de fato degradados pela expansão urbana. No Brasil, o bioma habitado por dois terços da população – a Mata Atlântica – já perdeu cerca de 90% de sua área original e 70% da vegetação nativa.

No cenário em que as cidades abrigam a maior parte da população global e são responsáveis por pelo menos 70% das emissões de gases de efeito estufa, o urbanista australiano Adrian McGregor defende, porém, que a oposição entre o ambiente urbano e a natureza precisa ser repensada.

Para isso, ele utiliza o conceito de bio-urbanismo, um modelo de planejamento urbano centrado na natureza no qual a cidade é vista como um ecossistema complexo, formado por dez sistemas interconectados: cidadãos, economia, energia, infraestrutura, mobilidade, tecnologia, água, resíduos, paisagem e alimentos.

“Precisamos reconsiderar as cidades como natureza”, diz em entrevista ao Estadão.

McGregor é autor do livro Biourbanism: cities as nature e fundador da McGregor Coxall, empresa de planejamento urbano, arquitetura e paisagismo que tem atuado no desenvolvimento de novas cidades na China e no Oriente Médio e em projetos de adaptação climática em Tóquio (Japão), Bristol (Reino Unido) e Sydney (Austrália).

Nesses locais, o laboratório tem aplicado a tecnologia de gêmeos digitais para projetar os efeitos das mudanças do clima sobre as cidades e, a partir dos resultados, elaborar soluções.

O que te levou ao bio-urbanismo e o que o trabalho de um bio-urbanista tem de diferente?

Às vezes se referem a mim como bio-urbanista e outras vezes como futurista urbano. Ter passado minha carreira trabalhando para criar resultados sustentáveis em cidades e comunidades me levou à teoria do que faz nossas cidades funcionarem e como podemos torná-las melhores, mais prósperas.

Somos ensinados sobre a ecologia e os ecossistemas das florestas, desertos, tundras. Mas, o que aconteceu no Antropoceno, que é a era dos homo sapiens, é que impactamos os biomas selvagens ao redor do planeta de maneira que eles quase não existem mais da maneira como foram originalmente classificados.

Percebi que a construção das cidades pelos seres humanos não difere de qualquer outro animal construindo seu habitat para viver, como um castor construindo uma represa. Precisamos reconsiderar as cidades como natureza.

Elas estão na troposfera e biosfera no planeta Terra – não são o tipo de natureza que aprendemos na escola, mas nós as construímos e operamos assim como muitos outros animais fazem. A premissa do meu livro é que, se pensarmos nas cidades como natureza, isso mudará a forma como as planejamos.

Minha ideia para o mundo é que mudemos nossas cidades com base neste conceito. Reconhecer que elas são uma forma de natureza significa trabalhar com a natureza e não contra ela.

Escritório de McGregor foi premiado com o projeto de design urbano para a Ilha de Daishan, na China; proposta integra as características naturais, históricas e culturais originais do local. Foto: McGregor Coxall

Você diz que não somos diferentes dos outros animais na construção do nosso habitat, mas menciona termos modificado os biomas drasticamente. Tendo isso em conta, como passar a trabalhar com a natureza e não contra?

Precisamos entender como nossas cidades funcionam e trabalhar com essas funções. O modelo do bio-urbanismo é fundamentado em 10 sistemas, cinco biossistemas e cinco sistemas urbanos. Começamos a entender a cidade como um sistema, é o mesmo conceito que aplicamos à natureza. Entender como as partes se encaixam, como contribuem umas com as outras e o que compõe uma grande cidade.

Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas

Adrian McGregor

Uma vez que entendemos os sistemas, podemos medir seu desempenho, medir nosso impacto e tentar reparar as áreas que danificamos para aumentar sua prosperidade. Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas.

Em cidades que funcionam bem, cada um dos sistemas apoia o outro, assim como acontece na natureza. É isso o que precisamos mudar: trabalhar juntos nesses sistemas em vez de ter cada departamento da cidade atuando de forma isolada.

Como exatamente se dá a aplicação disso no seu trabalho?

Criamos um laboratório de bio-urbanismo que está implementando o modelo de sistemas. O laboratório cria gêmeos digitais, uma espécie de versão digital da cidade física, executa simulações e análises dentro desses gêmeos para nos informar qual é o cenário futuro provável e como devemos projetar a cidade a partir de agora. Esses modelos são realmente poderosos e úteis para testar o que pode acontecer sob certas condições e, em seguida, criar planejamentos e políticas benéficos para a cidade.

Agora podemos construir um gêmeo digital da cidade e importar as informações climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), projetando para 2050 ou até 2100 para entender, a partir desses dados, qual será a temperatura na cidade no futuro, se a precipitação aumentará ou diminuirá e outros fatores específicos.

Nossas equipes de planejamento usam essas análises para criar planos de resiliência climática. É dessa forma que estamos trabalhando para ajudar as cidades a se adaptar a climas extremos, que têm piorado cada vez mais com o aumento das temperaturas.

Em Tóquio, estamos desenvolvendo um projeto na orla marítima, que está sujeita a inundações, além do aumento do nível do mar. O projeto eleva o nível do local para que fique acima dos futuros níveis de água, considerando a elevação projetada do nível do mar.

Em termos de calor, estamos analisando a temperatura futura e planejando como sombrear as áreas públicas da cidade para reduzir a temperatura onde isso é importante. Além disso, estamos considerando os ventos e tufões que atravessam a costa, analisando a velocidade do vento e seu impacto potencial nas áreas públicas e edifícios.

A criação desses gêmeos provavelmente requer muitos dados sobre as cidades e tecnologia. É possível trabalhar com eles em cidades do mundo em desenvolvimento?

As coisas estão mudando rápido, há muitos dados de código aberto, conjuntos de dados que as cidades podem comprar de provedores, que não são muito caros. Muitos são derivados de satélites, usam sensoriamento global e todas essas informações podem ser usadas para construir um modelo, mesmo em cidades do terceiro mundo que têm muito poucas informações existentes. É possível fazer coisas agora que não éramos capazes de fazer há 10 anos. Não apenas é possível como já está sendo feito.

São ferramentas muito poderosas para as cidades, especialmente aquelas que não têm recursos para coletar muitos dados por conta própria, para descobrir onde estão as vulnerabilidades de alta prioridade com os eventos climáticos extremos, prever o provável impacto das mudanças climáticas e focar nossas energias em tentar corrigir esses problemas.

Quais medidas você considera prioritárias para tornar mais prósperas e saudáveis as cidades de países em desenvolvimento como o Brasil?

Claramente há desafios que podem ser trabalhados nas cidades brasileiras. Estamos vendo as inundações e as ondas de calor, os eventos climáticos extremos começando a impactar as cidades. É muito importante planejar para retirar as pessoas das áreas de inundação, fazer a realocação de bairros onde for necessário.

E não é só no Brasil, a mesma coisa está acontecendo na Austrália. Temos uma pequena cidade aqui, Lismore, que precisa ser realocada. Ela já inundou várias vezes nos últimos anos e se tornou inabitável. O governo está enfrentando o desafio de como realocar casas e pessoas da área afetada por inundações e como lidar com os desafios econômicos.

Em São Paulo, os veículos motorizados e os congestionamentos são um grande problema. Portanto, o transporte público é um investimento fundamental que as cidades precisam fazer para criar uma melhor qualidade de vida. Bogotá implementou um sistema de ônibus fantástico que tem sido fundamental e outras cidades da região fizeram coisas semelhantes.

Cidades caminháveis que sejam seguras também são uma parte muito importante do sistema de mobilidade.

Para melhorar esse sistema, é preciso analisar quais são as opções: É possível pedalar com segurança, pegar um ônibus, um trem ou é preciso escolher o carro? Qual é a segurança dessa jornada? A segurança faz parte do sistema dos cidadãos, é como o governo, a polícia, a lei podem criar ambientes seguros, ter policiamento comunitário.

Pensar em como mudar uma cidade parece difícil mesmo para quem está no governo. Usar o pensamento sistêmico realmente ajuda a começar a entender cada parte e fazer mudanças em cada um dos sistemas, o que pode fazer uma grande diferença no todo.

Mas para isso é preciso visão, liderança. Precisa de um prefeito que lidere para fazer mudanças, de bons líderes governamentais e comunitários que queiram implementar mudanças.

Quais outras soluções compatíveis com o bio-urbanismo você tem visto as cidades adotarem?

O bio-urbanismo também se estende para as áreas dos edifícios e infraestrutura. Se construímos novos edifícios, precisamos fazer isso de maneira que sejam de baixo carbono.

Felizmente, há tecnologias incríveis disponíveis: há novos tipos de concreto que sequestram carbono e uma grande mudança para edifícios de madeira plantada de forma sustentável. Existe um movimento global enorme para a construção em madeira, que incorpora muito menos carbono do que aço e concreto.

Também há um grande movimento em Londres chamado “RetroFirst”, para reformar edifícios existentes e antigos. No passado, demolíamos qualquer coisa com mais de 40 anos e construíamos um novo edifício. Agora, arquitetos estão transformando esses edifícios antigos em novos, usando a estrutura de concreto existente para fazer coisas incríveis.

Na Alemanha, há a casa passiva, que está se espalhando pela Europa e chegando à Austrália. É uma maneira de criar um edifício selado que requer uma quantidade mínima de energia para aquecer e refrigerar, operando de forma mais eficiente.

As palavras bioma e natureza normalmente fazem imaginar paisagens como florestas tropicais e savanas, enquanto o termo “cidade” evoca imagens de prédios, viadutos e congestionamentos.

Em todo o mundo, ecossistemas naturais foram de fato degradados pela expansão urbana. No Brasil, o bioma habitado por dois terços da população – a Mata Atlântica – já perdeu cerca de 90% de sua área original e 70% da vegetação nativa.

No cenário em que as cidades abrigam a maior parte da população global e são responsáveis por pelo menos 70% das emissões de gases de efeito estufa, o urbanista australiano Adrian McGregor defende, porém, que a oposição entre o ambiente urbano e a natureza precisa ser repensada.

Para isso, ele utiliza o conceito de bio-urbanismo, um modelo de planejamento urbano centrado na natureza no qual a cidade é vista como um ecossistema complexo, formado por dez sistemas interconectados: cidadãos, economia, energia, infraestrutura, mobilidade, tecnologia, água, resíduos, paisagem e alimentos.

“Precisamos reconsiderar as cidades como natureza”, diz em entrevista ao Estadão.

McGregor é autor do livro Biourbanism: cities as nature e fundador da McGregor Coxall, empresa de planejamento urbano, arquitetura e paisagismo que tem atuado no desenvolvimento de novas cidades na China e no Oriente Médio e em projetos de adaptação climática em Tóquio (Japão), Bristol (Reino Unido) e Sydney (Austrália).

Nesses locais, o laboratório tem aplicado a tecnologia de gêmeos digitais para projetar os efeitos das mudanças do clima sobre as cidades e, a partir dos resultados, elaborar soluções.

O que te levou ao bio-urbanismo e o que o trabalho de um bio-urbanista tem de diferente?

Às vezes se referem a mim como bio-urbanista e outras vezes como futurista urbano. Ter passado minha carreira trabalhando para criar resultados sustentáveis em cidades e comunidades me levou à teoria do que faz nossas cidades funcionarem e como podemos torná-las melhores, mais prósperas.

Somos ensinados sobre a ecologia e os ecossistemas das florestas, desertos, tundras. Mas, o que aconteceu no Antropoceno, que é a era dos homo sapiens, é que impactamos os biomas selvagens ao redor do planeta de maneira que eles quase não existem mais da maneira como foram originalmente classificados.

Percebi que a construção das cidades pelos seres humanos não difere de qualquer outro animal construindo seu habitat para viver, como um castor construindo uma represa. Precisamos reconsiderar as cidades como natureza.

Elas estão na troposfera e biosfera no planeta Terra – não são o tipo de natureza que aprendemos na escola, mas nós as construímos e operamos assim como muitos outros animais fazem. A premissa do meu livro é que, se pensarmos nas cidades como natureza, isso mudará a forma como as planejamos.

Minha ideia para o mundo é que mudemos nossas cidades com base neste conceito. Reconhecer que elas são uma forma de natureza significa trabalhar com a natureza e não contra ela.

Escritório de McGregor foi premiado com o projeto de design urbano para a Ilha de Daishan, na China; proposta integra as características naturais, históricas e culturais originais do local. Foto: McGregor Coxall

Você diz que não somos diferentes dos outros animais na construção do nosso habitat, mas menciona termos modificado os biomas drasticamente. Tendo isso em conta, como passar a trabalhar com a natureza e não contra?

Precisamos entender como nossas cidades funcionam e trabalhar com essas funções. O modelo do bio-urbanismo é fundamentado em 10 sistemas, cinco biossistemas e cinco sistemas urbanos. Começamos a entender a cidade como um sistema, é o mesmo conceito que aplicamos à natureza. Entender como as partes se encaixam, como contribuem umas com as outras e o que compõe uma grande cidade.

Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas

Adrian McGregor

Uma vez que entendemos os sistemas, podemos medir seu desempenho, medir nosso impacto e tentar reparar as áreas que danificamos para aumentar sua prosperidade. Sabemos que as cidades mais saudáveis do mundo desfrutam de alta prosperidade e excelente saúde dos cidadãos. São coisas intrinsecamente conectadas.

Em cidades que funcionam bem, cada um dos sistemas apoia o outro, assim como acontece na natureza. É isso o que precisamos mudar: trabalhar juntos nesses sistemas em vez de ter cada departamento da cidade atuando de forma isolada.

Como exatamente se dá a aplicação disso no seu trabalho?

Criamos um laboratório de bio-urbanismo que está implementando o modelo de sistemas. O laboratório cria gêmeos digitais, uma espécie de versão digital da cidade física, executa simulações e análises dentro desses gêmeos para nos informar qual é o cenário futuro provável e como devemos projetar a cidade a partir de agora. Esses modelos são realmente poderosos e úteis para testar o que pode acontecer sob certas condições e, em seguida, criar planejamentos e políticas benéficos para a cidade.

Agora podemos construir um gêmeo digital da cidade e importar as informações climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), projetando para 2050 ou até 2100 para entender, a partir desses dados, qual será a temperatura na cidade no futuro, se a precipitação aumentará ou diminuirá e outros fatores específicos.

Nossas equipes de planejamento usam essas análises para criar planos de resiliência climática. É dessa forma que estamos trabalhando para ajudar as cidades a se adaptar a climas extremos, que têm piorado cada vez mais com o aumento das temperaturas.

Em Tóquio, estamos desenvolvendo um projeto na orla marítima, que está sujeita a inundações, além do aumento do nível do mar. O projeto eleva o nível do local para que fique acima dos futuros níveis de água, considerando a elevação projetada do nível do mar.

Em termos de calor, estamos analisando a temperatura futura e planejando como sombrear as áreas públicas da cidade para reduzir a temperatura onde isso é importante. Além disso, estamos considerando os ventos e tufões que atravessam a costa, analisando a velocidade do vento e seu impacto potencial nas áreas públicas e edifícios.

A criação desses gêmeos provavelmente requer muitos dados sobre as cidades e tecnologia. É possível trabalhar com eles em cidades do mundo em desenvolvimento?

As coisas estão mudando rápido, há muitos dados de código aberto, conjuntos de dados que as cidades podem comprar de provedores, que não são muito caros. Muitos são derivados de satélites, usam sensoriamento global e todas essas informações podem ser usadas para construir um modelo, mesmo em cidades do terceiro mundo que têm muito poucas informações existentes. É possível fazer coisas agora que não éramos capazes de fazer há 10 anos. Não apenas é possível como já está sendo feito.

São ferramentas muito poderosas para as cidades, especialmente aquelas que não têm recursos para coletar muitos dados por conta própria, para descobrir onde estão as vulnerabilidades de alta prioridade com os eventos climáticos extremos, prever o provável impacto das mudanças climáticas e focar nossas energias em tentar corrigir esses problemas.

Quais medidas você considera prioritárias para tornar mais prósperas e saudáveis as cidades de países em desenvolvimento como o Brasil?

Claramente há desafios que podem ser trabalhados nas cidades brasileiras. Estamos vendo as inundações e as ondas de calor, os eventos climáticos extremos começando a impactar as cidades. É muito importante planejar para retirar as pessoas das áreas de inundação, fazer a realocação de bairros onde for necessário.

E não é só no Brasil, a mesma coisa está acontecendo na Austrália. Temos uma pequena cidade aqui, Lismore, que precisa ser realocada. Ela já inundou várias vezes nos últimos anos e se tornou inabitável. O governo está enfrentando o desafio de como realocar casas e pessoas da área afetada por inundações e como lidar com os desafios econômicos.

Em São Paulo, os veículos motorizados e os congestionamentos são um grande problema. Portanto, o transporte público é um investimento fundamental que as cidades precisam fazer para criar uma melhor qualidade de vida. Bogotá implementou um sistema de ônibus fantástico que tem sido fundamental e outras cidades da região fizeram coisas semelhantes.

Cidades caminháveis que sejam seguras também são uma parte muito importante do sistema de mobilidade.

Para melhorar esse sistema, é preciso analisar quais são as opções: É possível pedalar com segurança, pegar um ônibus, um trem ou é preciso escolher o carro? Qual é a segurança dessa jornada? A segurança faz parte do sistema dos cidadãos, é como o governo, a polícia, a lei podem criar ambientes seguros, ter policiamento comunitário.

Pensar em como mudar uma cidade parece difícil mesmo para quem está no governo. Usar o pensamento sistêmico realmente ajuda a começar a entender cada parte e fazer mudanças em cada um dos sistemas, o que pode fazer uma grande diferença no todo.

Mas para isso é preciso visão, liderança. Precisa de um prefeito que lidere para fazer mudanças, de bons líderes governamentais e comunitários que queiram implementar mudanças.

Quais outras soluções compatíveis com o bio-urbanismo você tem visto as cidades adotarem?

O bio-urbanismo também se estende para as áreas dos edifícios e infraestrutura. Se construímos novos edifícios, precisamos fazer isso de maneira que sejam de baixo carbono.

Felizmente, há tecnologias incríveis disponíveis: há novos tipos de concreto que sequestram carbono e uma grande mudança para edifícios de madeira plantada de forma sustentável. Existe um movimento global enorme para a construção em madeira, que incorpora muito menos carbono do que aço e concreto.

Também há um grande movimento em Londres chamado “RetroFirst”, para reformar edifícios existentes e antigos. No passado, demolíamos qualquer coisa com mais de 40 anos e construíamos um novo edifício. Agora, arquitetos estão transformando esses edifícios antigos em novos, usando a estrutura de concreto existente para fazer coisas incríveis.

Na Alemanha, há a casa passiva, que está se espalhando pela Europa e chegando à Austrália. É uma maneira de criar um edifício selado que requer uma quantidade mínima de energia para aquecer e refrigerar, operando de forma mais eficiente.

Entrevista por Juliana Domingos de Lima

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