Piraruclub e mais: propostas inovadoras para pesca no Amazonas


Organização tem ajudado comunidades no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva, gestão da produção, capacitação e gestão de negócios

Por João Ker

Há mais de 20 anos, José Pereira de Souza, hoje com 63, mudou o jeito de pescar que tinha aprendido desde a adolescência, quando percebeu que o pirarucu, considerado um dos maiores peixes de água doce do Brasil e do mundo, começou a desaparecer dos rios de Fonte Boa, cidade a mais de 670 quilômetros de Manaus, no alto do Rio Solimões, onde ele nasceu, cresceu e vive até hoje. Agora, Pereira e outros ribeirinhos lutam para que o animal, principal fonte de renda da comunidade, não volte a estar ameaçado de extinção.

Conhecido como “o gigante dos rios” por medir até 4,5 metros, cercado por lendas indígenas e capaz de respirar fora d’água, o Pirarucu entrou em perigo por causa do seu outro apelido: “bacalhau da Amazônia”. Usado de base para uma infinidade de pratos típicos da culinária amazonense, o peixe virou um dos principais alvos da pesca predatória, exatamente pela sua alta demanda.

“Esse é o maior peixe da Amazônia, que praticamente foi extinto e conseguiu entrar em processo de recuperação pelo cuidado que as comunidades ribeirinhas e das populações tradicionais tiveram”, explica Valcléia Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades na Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva Foto: Rodolfo Pongelupe

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva, gestão da produção, capacitação e gestão de negócios para os manejadores, até a agregação de valor no mercado e comercialização, auxiliando todas as etapas da cadeia de manejo e venda do pirarucu.

“O manejo de venda começa efetivamente quando implementamos nas unidades de conservação toda uma estratégia para melhorar o valor do produto e consequentemente o ganho para as comunidades”, conta Valcéia.

O início do processo é ainda no período de defeso, normalmente entre dezembro e março, quando o pirarucu está se reproduzindo e sua pesca é proibida por lei. Nesses meses, a fundação ajuda os manejadores a terem gasolina para realizar a vigilância da espécie em barcos e lanchas maiores e motorizados; depois, compraram veleiros com geladeira, que desse para armazenar a mercadoria por mais tempo.

“Ao invés de vender ali do lado, eles poderiam vender para frigoríficos e outras áreas da região”, diz Valcéia, acrescentando que nesse período inicial os manejadores ribeirinhos conseguiram aumentar o preço de R$ 3,50 para até R$ 9.

“O Exército, por exemplo, compra o pirarucu salgado, porque eles às vezes precisam levar o peixe para alojamentos mais longe; a merenda escolar também prefere ele salgado, e aí, dando esse espaço de infraestrutura e capacitação para a gestão do negócio, viemos com a opção de oferecer uma estratégia de venda.”

Assim, com a ajuda da FAS em embarcações e outros meios melhor equipados para fazer o traslado de até 5 toneladas do peixe até Manaus, uma viagem que pode chegar a mais de seis dias, foi criada a Feira do Pirarucu, que dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe a um valor ainda mais alto e diretamente para o consumidor final.

“Isso melhorou bastante porque a gente começou a fazer a parte financeira da gente mesmo, a fazer a venda do nosso peixe em Manaus. Aí já melhorou por causa do valor. Aqui (em Fonte Boa) não tem como negociar porque tem pouco comprador e quase não dá lucro”, explica Pereira, contando que a diferença de variação do preço do pirarucu entre o interior e a capital é de R$ 4,50 contra R$ 28. Segundo a FAS, a renda mensal dos manejadores já chegou a mais de R$ 2,3 mil, um aumento de 66%.

Para Pereira, o saldo é satisfatório: “Nós vendemos 324 peixes aqui. Eu levei 61 para Manaus e quase cobri o valor”.

Peixe pode chegar a medir até 4,5 metros e é cercado por lendas Foto: Rodolfo Pongelupe

O que é o Piraruruclub

  • Uma estratégia de apoio e fomento que a FAS implementou para a comercialização sustentável do pirarucu e que funciona como um complemento da Feira, em Manaus, é o Piraruclub, que vende cotas mensais (“sustentável”, “pirarucu” e “premium”) de remessas do peixe para bares, restaurantes, hotéis etc.
  • O plano é vendido em três modalidades , o que garante assim não só uma renda fixa para os manejadores, como uma certeza de preço e estoque fixos para os comerciantes, mesmo nos períodos de defeso, normalmente entre dezembro e março.

“Sentimos que a gente está fechando realmente o ciclo (de produção). Não estamos fazendo um favor para a comunidade, essa é uma relação comercialmente sustentável”, afirma Rodrigo Zamperlini, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) do Amazonas, principal parceira institucional do Piraruclub. “Acredito que os consumidores, os clientes, também deem preferência às empresas que tenham essa pegada sustentável. Já vi isso em outros lugares e em Manaus também deve acontecer. Tem benefícios para toda a cadeia produtiva”

Feira do Pirarucu dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe diretamente para o consumidor final Foto: Lucas Bonny

Zamperlini, que também é dono do restaurante Mercato Brazil, lançado em 2009, diz que quando o Piraruclub surgiu há mais ou menos dois anos, nem todos os donos de bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos do tipo compraram a ideia, principalmente porque o preço do peixe vindo do manejo sustentável saía mais caro do que o vendido pelos pescadores clandestinos. Com o tempo, entretanto, eles resolveram apostar na parceria que, neste primeiro ano de funcionamento, tem funcionado bem para ambos os lados.

“Desde o primeiro momento, (o Piraruclub) chamou a atenção pela proposta inovadora. Era algo que até então não tínhamos visto, a possibilidade de termos regularização no fornecimento de um recurso muito utilizado, como a carne do pirarucu, e ao mesmo tempo levar benefícios para a outra ponta da linha”, diz Zamperlini.

Para o empresário, o próximo passo é aprimorar a operação e investir na forma com que o peixe comprado de forma sustentável é anunciado para o consumidor final. “Nada mais justo que informarmos isso para o cliente. A gente entende que é uma melhoria necessária”, diz. “Até aqui, tem corrido bem. Ao longo do ano recebemos o fornecimento. Essa fase inicial foi, a meu ver como comprador, bem conduzida. E agora a gente entra no aprimoramento do programa.”

Pesca clandestina

Apesar do esforço dos povos ribeirinhos, das organizações não-governamentais, dos comerciantes e até dos clientes, a longevidade do Pirarucu continua enfrentando os mesmos desafios de quando quase foi extinto: a pesca clandestina, que põe em risco todo o trabalho de manejo feito nas últimas duas décadas.

“Antes, ele estava numa situação que já não tinha mais peixe, ele estava acabando mesmo”, lembra Pereira, que começou a pescar o peixe ainda na década de 1970, quando tinha 18 anos e Fonte Boa, parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, ficou conhecida como “terra do pirarucu”.

Além da mudança na forma de manejar o peixe e proteger seu ciclo reprodutivo, ele conta que outra preocupação da sua comunidade é evitar que os pescadores clandestinos capturem o pirarucu fora da época e, com isso, a espécie volte a ficar ameaçada de extinção.

O trabalho, ele afirma, tem se tornado mais cansativo nos últimos anos, quando a fiscalização oficial ficou sob a responsabilidade do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), órgão do governo estadual, e não mais exclusivamente do Ibama.

“Aqui a gente não tá em Manaus e também não tem como ir sempre para a capital, porque é custoso. Mas vamos fazer uma reunião lá porque precisamos que eles se aproximem mais da gente. Até porque a reserva não é nossa, é do governo”, afirma Pereira. “Vamos falar com ele: ‘Dê força pra nós e apoio. O senhor não precisa, mas a gente precisa porque moramos aqui’.”

Em nota, o Ibama disse que, em 2023, a pesca predatória do pirarucu foi a causa de seis operações de fiscalização ambiental realizadas nas calhas dos rios Purus, Juruá e Solimões. “No Estado do Amazonas, foram lavrados 102 autos de infração relacionados à pesca ilegal que somaram R$ 9.326.470,60, também foram apreendidos 144 bens e apetrechos ligados à pesca predatória, dentre eles malhadeiras e motores, que somam o valor de R$ 985.674,00. "

A autarquia federal informou que, no último ano, foram autorizadas 67 atividades de manejo do pirarucu em cerca de 200 comunidades, beneficiando de forma direto mais de cinco mil manejadores (pescadores). “Para 2024, a Superintendência do Instituto no Amazonas tem planejada oito operações com a temática da pesca. Cabe ressaltar que o Ibama realiza a fiscalização e autoriza as atividades de manejo do Pirarucu, atividade executada somente no Amazonas, desde 1999.”

Há mais de 20 anos, José Pereira de Souza, hoje com 63, mudou o jeito de pescar que tinha aprendido desde a adolescência, quando percebeu que o pirarucu, considerado um dos maiores peixes de água doce do Brasil e do mundo, começou a desaparecer dos rios de Fonte Boa, cidade a mais de 670 quilômetros de Manaus, no alto do Rio Solimões, onde ele nasceu, cresceu e vive até hoje. Agora, Pereira e outros ribeirinhos lutam para que o animal, principal fonte de renda da comunidade, não volte a estar ameaçado de extinção.

Conhecido como “o gigante dos rios” por medir até 4,5 metros, cercado por lendas indígenas e capaz de respirar fora d’água, o Pirarucu entrou em perigo por causa do seu outro apelido: “bacalhau da Amazônia”. Usado de base para uma infinidade de pratos típicos da culinária amazonense, o peixe virou um dos principais alvos da pesca predatória, exatamente pela sua alta demanda.

“Esse é o maior peixe da Amazônia, que praticamente foi extinto e conseguiu entrar em processo de recuperação pelo cuidado que as comunidades ribeirinhas e das populações tradicionais tiveram”, explica Valcléia Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades na Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva Foto: Rodolfo Pongelupe

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva, gestão da produção, capacitação e gestão de negócios para os manejadores, até a agregação de valor no mercado e comercialização, auxiliando todas as etapas da cadeia de manejo e venda do pirarucu.

“O manejo de venda começa efetivamente quando implementamos nas unidades de conservação toda uma estratégia para melhorar o valor do produto e consequentemente o ganho para as comunidades”, conta Valcéia.

O início do processo é ainda no período de defeso, normalmente entre dezembro e março, quando o pirarucu está se reproduzindo e sua pesca é proibida por lei. Nesses meses, a fundação ajuda os manejadores a terem gasolina para realizar a vigilância da espécie em barcos e lanchas maiores e motorizados; depois, compraram veleiros com geladeira, que desse para armazenar a mercadoria por mais tempo.

“Ao invés de vender ali do lado, eles poderiam vender para frigoríficos e outras áreas da região”, diz Valcéia, acrescentando que nesse período inicial os manejadores ribeirinhos conseguiram aumentar o preço de R$ 3,50 para até R$ 9.

“O Exército, por exemplo, compra o pirarucu salgado, porque eles às vezes precisam levar o peixe para alojamentos mais longe; a merenda escolar também prefere ele salgado, e aí, dando esse espaço de infraestrutura e capacitação para a gestão do negócio, viemos com a opção de oferecer uma estratégia de venda.”

Assim, com a ajuda da FAS em embarcações e outros meios melhor equipados para fazer o traslado de até 5 toneladas do peixe até Manaus, uma viagem que pode chegar a mais de seis dias, foi criada a Feira do Pirarucu, que dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe a um valor ainda mais alto e diretamente para o consumidor final.

“Isso melhorou bastante porque a gente começou a fazer a parte financeira da gente mesmo, a fazer a venda do nosso peixe em Manaus. Aí já melhorou por causa do valor. Aqui (em Fonte Boa) não tem como negociar porque tem pouco comprador e quase não dá lucro”, explica Pereira, contando que a diferença de variação do preço do pirarucu entre o interior e a capital é de R$ 4,50 contra R$ 28. Segundo a FAS, a renda mensal dos manejadores já chegou a mais de R$ 2,3 mil, um aumento de 66%.

Para Pereira, o saldo é satisfatório: “Nós vendemos 324 peixes aqui. Eu levei 61 para Manaus e quase cobri o valor”.

Peixe pode chegar a medir até 4,5 metros e é cercado por lendas Foto: Rodolfo Pongelupe

O que é o Piraruruclub

  • Uma estratégia de apoio e fomento que a FAS implementou para a comercialização sustentável do pirarucu e que funciona como um complemento da Feira, em Manaus, é o Piraruclub, que vende cotas mensais (“sustentável”, “pirarucu” e “premium”) de remessas do peixe para bares, restaurantes, hotéis etc.
  • O plano é vendido em três modalidades , o que garante assim não só uma renda fixa para os manejadores, como uma certeza de preço e estoque fixos para os comerciantes, mesmo nos períodos de defeso, normalmente entre dezembro e março.

“Sentimos que a gente está fechando realmente o ciclo (de produção). Não estamos fazendo um favor para a comunidade, essa é uma relação comercialmente sustentável”, afirma Rodrigo Zamperlini, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) do Amazonas, principal parceira institucional do Piraruclub. “Acredito que os consumidores, os clientes, também deem preferência às empresas que tenham essa pegada sustentável. Já vi isso em outros lugares e em Manaus também deve acontecer. Tem benefícios para toda a cadeia produtiva”

Feira do Pirarucu dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe diretamente para o consumidor final Foto: Lucas Bonny

Zamperlini, que também é dono do restaurante Mercato Brazil, lançado em 2009, diz que quando o Piraruclub surgiu há mais ou menos dois anos, nem todos os donos de bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos do tipo compraram a ideia, principalmente porque o preço do peixe vindo do manejo sustentável saía mais caro do que o vendido pelos pescadores clandestinos. Com o tempo, entretanto, eles resolveram apostar na parceria que, neste primeiro ano de funcionamento, tem funcionado bem para ambos os lados.

“Desde o primeiro momento, (o Piraruclub) chamou a atenção pela proposta inovadora. Era algo que até então não tínhamos visto, a possibilidade de termos regularização no fornecimento de um recurso muito utilizado, como a carne do pirarucu, e ao mesmo tempo levar benefícios para a outra ponta da linha”, diz Zamperlini.

Para o empresário, o próximo passo é aprimorar a operação e investir na forma com que o peixe comprado de forma sustentável é anunciado para o consumidor final. “Nada mais justo que informarmos isso para o cliente. A gente entende que é uma melhoria necessária”, diz. “Até aqui, tem corrido bem. Ao longo do ano recebemos o fornecimento. Essa fase inicial foi, a meu ver como comprador, bem conduzida. E agora a gente entra no aprimoramento do programa.”

Pesca clandestina

Apesar do esforço dos povos ribeirinhos, das organizações não-governamentais, dos comerciantes e até dos clientes, a longevidade do Pirarucu continua enfrentando os mesmos desafios de quando quase foi extinto: a pesca clandestina, que põe em risco todo o trabalho de manejo feito nas últimas duas décadas.

“Antes, ele estava numa situação que já não tinha mais peixe, ele estava acabando mesmo”, lembra Pereira, que começou a pescar o peixe ainda na década de 1970, quando tinha 18 anos e Fonte Boa, parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, ficou conhecida como “terra do pirarucu”.

Além da mudança na forma de manejar o peixe e proteger seu ciclo reprodutivo, ele conta que outra preocupação da sua comunidade é evitar que os pescadores clandestinos capturem o pirarucu fora da época e, com isso, a espécie volte a ficar ameaçada de extinção.

O trabalho, ele afirma, tem se tornado mais cansativo nos últimos anos, quando a fiscalização oficial ficou sob a responsabilidade do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), órgão do governo estadual, e não mais exclusivamente do Ibama.

“Aqui a gente não tá em Manaus e também não tem como ir sempre para a capital, porque é custoso. Mas vamos fazer uma reunião lá porque precisamos que eles se aproximem mais da gente. Até porque a reserva não é nossa, é do governo”, afirma Pereira. “Vamos falar com ele: ‘Dê força pra nós e apoio. O senhor não precisa, mas a gente precisa porque moramos aqui’.”

Em nota, o Ibama disse que, em 2023, a pesca predatória do pirarucu foi a causa de seis operações de fiscalização ambiental realizadas nas calhas dos rios Purus, Juruá e Solimões. “No Estado do Amazonas, foram lavrados 102 autos de infração relacionados à pesca ilegal que somaram R$ 9.326.470,60, também foram apreendidos 144 bens e apetrechos ligados à pesca predatória, dentre eles malhadeiras e motores, que somam o valor de R$ 985.674,00. "

A autarquia federal informou que, no último ano, foram autorizadas 67 atividades de manejo do pirarucu em cerca de 200 comunidades, beneficiando de forma direto mais de cinco mil manejadores (pescadores). “Para 2024, a Superintendência do Instituto no Amazonas tem planejada oito operações com a temática da pesca. Cabe ressaltar que o Ibama realiza a fiscalização e autoriza as atividades de manejo do Pirarucu, atividade executada somente no Amazonas, desde 1999.”

Há mais de 20 anos, José Pereira de Souza, hoje com 63, mudou o jeito de pescar que tinha aprendido desde a adolescência, quando percebeu que o pirarucu, considerado um dos maiores peixes de água doce do Brasil e do mundo, começou a desaparecer dos rios de Fonte Boa, cidade a mais de 670 quilômetros de Manaus, no alto do Rio Solimões, onde ele nasceu, cresceu e vive até hoje. Agora, Pereira e outros ribeirinhos lutam para que o animal, principal fonte de renda da comunidade, não volte a estar ameaçado de extinção.

Conhecido como “o gigante dos rios” por medir até 4,5 metros, cercado por lendas indígenas e capaz de respirar fora d’água, o Pirarucu entrou em perigo por causa do seu outro apelido: “bacalhau da Amazônia”. Usado de base para uma infinidade de pratos típicos da culinária amazonense, o peixe virou um dos principais alvos da pesca predatória, exatamente pela sua alta demanda.

“Esse é o maior peixe da Amazônia, que praticamente foi extinto e conseguiu entrar em processo de recuperação pelo cuidado que as comunidades ribeirinhas e das populações tradicionais tiveram”, explica Valcléia Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades na Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva Foto: Rodolfo Pongelupe

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva, gestão da produção, capacitação e gestão de negócios para os manejadores, até a agregação de valor no mercado e comercialização, auxiliando todas as etapas da cadeia de manejo e venda do pirarucu.

“O manejo de venda começa efetivamente quando implementamos nas unidades de conservação toda uma estratégia para melhorar o valor do produto e consequentemente o ganho para as comunidades”, conta Valcéia.

O início do processo é ainda no período de defeso, normalmente entre dezembro e março, quando o pirarucu está se reproduzindo e sua pesca é proibida por lei. Nesses meses, a fundação ajuda os manejadores a terem gasolina para realizar a vigilância da espécie em barcos e lanchas maiores e motorizados; depois, compraram veleiros com geladeira, que desse para armazenar a mercadoria por mais tempo.

“Ao invés de vender ali do lado, eles poderiam vender para frigoríficos e outras áreas da região”, diz Valcéia, acrescentando que nesse período inicial os manejadores ribeirinhos conseguiram aumentar o preço de R$ 3,50 para até R$ 9.

“O Exército, por exemplo, compra o pirarucu salgado, porque eles às vezes precisam levar o peixe para alojamentos mais longe; a merenda escolar também prefere ele salgado, e aí, dando esse espaço de infraestrutura e capacitação para a gestão do negócio, viemos com a opção de oferecer uma estratégia de venda.”

Assim, com a ajuda da FAS em embarcações e outros meios melhor equipados para fazer o traslado de até 5 toneladas do peixe até Manaus, uma viagem que pode chegar a mais de seis dias, foi criada a Feira do Pirarucu, que dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe a um valor ainda mais alto e diretamente para o consumidor final.

“Isso melhorou bastante porque a gente começou a fazer a parte financeira da gente mesmo, a fazer a venda do nosso peixe em Manaus. Aí já melhorou por causa do valor. Aqui (em Fonte Boa) não tem como negociar porque tem pouco comprador e quase não dá lucro”, explica Pereira, contando que a diferença de variação do preço do pirarucu entre o interior e a capital é de R$ 4,50 contra R$ 28. Segundo a FAS, a renda mensal dos manejadores já chegou a mais de R$ 2,3 mil, um aumento de 66%.

Para Pereira, o saldo é satisfatório: “Nós vendemos 324 peixes aqui. Eu levei 61 para Manaus e quase cobri o valor”.

Peixe pode chegar a medir até 4,5 metros e é cercado por lendas Foto: Rodolfo Pongelupe

O que é o Piraruruclub

  • Uma estratégia de apoio e fomento que a FAS implementou para a comercialização sustentável do pirarucu e que funciona como um complemento da Feira, em Manaus, é o Piraruclub, que vende cotas mensais (“sustentável”, “pirarucu” e “premium”) de remessas do peixe para bares, restaurantes, hotéis etc.
  • O plano é vendido em três modalidades , o que garante assim não só uma renda fixa para os manejadores, como uma certeza de preço e estoque fixos para os comerciantes, mesmo nos períodos de defeso, normalmente entre dezembro e março.

“Sentimos que a gente está fechando realmente o ciclo (de produção). Não estamos fazendo um favor para a comunidade, essa é uma relação comercialmente sustentável”, afirma Rodrigo Zamperlini, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) do Amazonas, principal parceira institucional do Piraruclub. “Acredito que os consumidores, os clientes, também deem preferência às empresas que tenham essa pegada sustentável. Já vi isso em outros lugares e em Manaus também deve acontecer. Tem benefícios para toda a cadeia produtiva”

Feira do Pirarucu dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe diretamente para o consumidor final Foto: Lucas Bonny

Zamperlini, que também é dono do restaurante Mercato Brazil, lançado em 2009, diz que quando o Piraruclub surgiu há mais ou menos dois anos, nem todos os donos de bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos do tipo compraram a ideia, principalmente porque o preço do peixe vindo do manejo sustentável saía mais caro do que o vendido pelos pescadores clandestinos. Com o tempo, entretanto, eles resolveram apostar na parceria que, neste primeiro ano de funcionamento, tem funcionado bem para ambos os lados.

“Desde o primeiro momento, (o Piraruclub) chamou a atenção pela proposta inovadora. Era algo que até então não tínhamos visto, a possibilidade de termos regularização no fornecimento de um recurso muito utilizado, como a carne do pirarucu, e ao mesmo tempo levar benefícios para a outra ponta da linha”, diz Zamperlini.

Para o empresário, o próximo passo é aprimorar a operação e investir na forma com que o peixe comprado de forma sustentável é anunciado para o consumidor final. “Nada mais justo que informarmos isso para o cliente. A gente entende que é uma melhoria necessária”, diz. “Até aqui, tem corrido bem. Ao longo do ano recebemos o fornecimento. Essa fase inicial foi, a meu ver como comprador, bem conduzida. E agora a gente entra no aprimoramento do programa.”

Pesca clandestina

Apesar do esforço dos povos ribeirinhos, das organizações não-governamentais, dos comerciantes e até dos clientes, a longevidade do Pirarucu continua enfrentando os mesmos desafios de quando quase foi extinto: a pesca clandestina, que põe em risco todo o trabalho de manejo feito nas últimas duas décadas.

“Antes, ele estava numa situação que já não tinha mais peixe, ele estava acabando mesmo”, lembra Pereira, que começou a pescar o peixe ainda na década de 1970, quando tinha 18 anos e Fonte Boa, parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, ficou conhecida como “terra do pirarucu”.

Além da mudança na forma de manejar o peixe e proteger seu ciclo reprodutivo, ele conta que outra preocupação da sua comunidade é evitar que os pescadores clandestinos capturem o pirarucu fora da época e, com isso, a espécie volte a ficar ameaçada de extinção.

O trabalho, ele afirma, tem se tornado mais cansativo nos últimos anos, quando a fiscalização oficial ficou sob a responsabilidade do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), órgão do governo estadual, e não mais exclusivamente do Ibama.

“Aqui a gente não tá em Manaus e também não tem como ir sempre para a capital, porque é custoso. Mas vamos fazer uma reunião lá porque precisamos que eles se aproximem mais da gente. Até porque a reserva não é nossa, é do governo”, afirma Pereira. “Vamos falar com ele: ‘Dê força pra nós e apoio. O senhor não precisa, mas a gente precisa porque moramos aqui’.”

Em nota, o Ibama disse que, em 2023, a pesca predatória do pirarucu foi a causa de seis operações de fiscalização ambiental realizadas nas calhas dos rios Purus, Juruá e Solimões. “No Estado do Amazonas, foram lavrados 102 autos de infração relacionados à pesca ilegal que somaram R$ 9.326.470,60, também foram apreendidos 144 bens e apetrechos ligados à pesca predatória, dentre eles malhadeiras e motores, que somam o valor de R$ 985.674,00. "

A autarquia federal informou que, no último ano, foram autorizadas 67 atividades de manejo do pirarucu em cerca de 200 comunidades, beneficiando de forma direto mais de cinco mil manejadores (pescadores). “Para 2024, a Superintendência do Instituto no Amazonas tem planejada oito operações com a temática da pesca. Cabe ressaltar que o Ibama realiza a fiscalização e autoriza as atividades de manejo do Pirarucu, atividade executada somente no Amazonas, desde 1999.”

Há mais de 20 anos, José Pereira de Souza, hoje com 63, mudou o jeito de pescar que tinha aprendido desde a adolescência, quando percebeu que o pirarucu, considerado um dos maiores peixes de água doce do Brasil e do mundo, começou a desaparecer dos rios de Fonte Boa, cidade a mais de 670 quilômetros de Manaus, no alto do Rio Solimões, onde ele nasceu, cresceu e vive até hoje. Agora, Pereira e outros ribeirinhos lutam para que o animal, principal fonte de renda da comunidade, não volte a estar ameaçado de extinção.

Conhecido como “o gigante dos rios” por medir até 4,5 metros, cercado por lendas indígenas e capaz de respirar fora d’água, o Pirarucu entrou em perigo por causa do seu outro apelido: “bacalhau da Amazônia”. Usado de base para uma infinidade de pratos típicos da culinária amazonense, o peixe virou um dos principais alvos da pesca predatória, exatamente pela sua alta demanda.

“Esse é o maior peixe da Amazônia, que praticamente foi extinto e conseguiu entrar em processo de recuperação pelo cuidado que as comunidades ribeirinhas e das populações tradicionais tiveram”, explica Valcléia Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades na Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva Foto: Rodolfo Pongelupe

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva, gestão da produção, capacitação e gestão de negócios para os manejadores, até a agregação de valor no mercado e comercialização, auxiliando todas as etapas da cadeia de manejo e venda do pirarucu.

“O manejo de venda começa efetivamente quando implementamos nas unidades de conservação toda uma estratégia para melhorar o valor do produto e consequentemente o ganho para as comunidades”, conta Valcéia.

O início do processo é ainda no período de defeso, normalmente entre dezembro e março, quando o pirarucu está se reproduzindo e sua pesca é proibida por lei. Nesses meses, a fundação ajuda os manejadores a terem gasolina para realizar a vigilância da espécie em barcos e lanchas maiores e motorizados; depois, compraram veleiros com geladeira, que desse para armazenar a mercadoria por mais tempo.

“Ao invés de vender ali do lado, eles poderiam vender para frigoríficos e outras áreas da região”, diz Valcéia, acrescentando que nesse período inicial os manejadores ribeirinhos conseguiram aumentar o preço de R$ 3,50 para até R$ 9.

“O Exército, por exemplo, compra o pirarucu salgado, porque eles às vezes precisam levar o peixe para alojamentos mais longe; a merenda escolar também prefere ele salgado, e aí, dando esse espaço de infraestrutura e capacitação para a gestão do negócio, viemos com a opção de oferecer uma estratégia de venda.”

Assim, com a ajuda da FAS em embarcações e outros meios melhor equipados para fazer o traslado de até 5 toneladas do peixe até Manaus, uma viagem que pode chegar a mais de seis dias, foi criada a Feira do Pirarucu, que dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe a um valor ainda mais alto e diretamente para o consumidor final.

“Isso melhorou bastante porque a gente começou a fazer a parte financeira da gente mesmo, a fazer a venda do nosso peixe em Manaus. Aí já melhorou por causa do valor. Aqui (em Fonte Boa) não tem como negociar porque tem pouco comprador e quase não dá lucro”, explica Pereira, contando que a diferença de variação do preço do pirarucu entre o interior e a capital é de R$ 4,50 contra R$ 28. Segundo a FAS, a renda mensal dos manejadores já chegou a mais de R$ 2,3 mil, um aumento de 66%.

Para Pereira, o saldo é satisfatório: “Nós vendemos 324 peixes aqui. Eu levei 61 para Manaus e quase cobri o valor”.

Peixe pode chegar a medir até 4,5 metros e é cercado por lendas Foto: Rodolfo Pongelupe

O que é o Piraruruclub

  • Uma estratégia de apoio e fomento que a FAS implementou para a comercialização sustentável do pirarucu e que funciona como um complemento da Feira, em Manaus, é o Piraruclub, que vende cotas mensais (“sustentável”, “pirarucu” e “premium”) de remessas do peixe para bares, restaurantes, hotéis etc.
  • O plano é vendido em três modalidades , o que garante assim não só uma renda fixa para os manejadores, como uma certeza de preço e estoque fixos para os comerciantes, mesmo nos períodos de defeso, normalmente entre dezembro e março.

“Sentimos que a gente está fechando realmente o ciclo (de produção). Não estamos fazendo um favor para a comunidade, essa é uma relação comercialmente sustentável”, afirma Rodrigo Zamperlini, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) do Amazonas, principal parceira institucional do Piraruclub. “Acredito que os consumidores, os clientes, também deem preferência às empresas que tenham essa pegada sustentável. Já vi isso em outros lugares e em Manaus também deve acontecer. Tem benefícios para toda a cadeia produtiva”

Feira do Pirarucu dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe diretamente para o consumidor final Foto: Lucas Bonny

Zamperlini, que também é dono do restaurante Mercato Brazil, lançado em 2009, diz que quando o Piraruclub surgiu há mais ou menos dois anos, nem todos os donos de bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos do tipo compraram a ideia, principalmente porque o preço do peixe vindo do manejo sustentável saía mais caro do que o vendido pelos pescadores clandestinos. Com o tempo, entretanto, eles resolveram apostar na parceria que, neste primeiro ano de funcionamento, tem funcionado bem para ambos os lados.

“Desde o primeiro momento, (o Piraruclub) chamou a atenção pela proposta inovadora. Era algo que até então não tínhamos visto, a possibilidade de termos regularização no fornecimento de um recurso muito utilizado, como a carne do pirarucu, e ao mesmo tempo levar benefícios para a outra ponta da linha”, diz Zamperlini.

Para o empresário, o próximo passo é aprimorar a operação e investir na forma com que o peixe comprado de forma sustentável é anunciado para o consumidor final. “Nada mais justo que informarmos isso para o cliente. A gente entende que é uma melhoria necessária”, diz. “Até aqui, tem corrido bem. Ao longo do ano recebemos o fornecimento. Essa fase inicial foi, a meu ver como comprador, bem conduzida. E agora a gente entra no aprimoramento do programa.”

Pesca clandestina

Apesar do esforço dos povos ribeirinhos, das organizações não-governamentais, dos comerciantes e até dos clientes, a longevidade do Pirarucu continua enfrentando os mesmos desafios de quando quase foi extinto: a pesca clandestina, que põe em risco todo o trabalho de manejo feito nas últimas duas décadas.

“Antes, ele estava numa situação que já não tinha mais peixe, ele estava acabando mesmo”, lembra Pereira, que começou a pescar o peixe ainda na década de 1970, quando tinha 18 anos e Fonte Boa, parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, ficou conhecida como “terra do pirarucu”.

Além da mudança na forma de manejar o peixe e proteger seu ciclo reprodutivo, ele conta que outra preocupação da sua comunidade é evitar que os pescadores clandestinos capturem o pirarucu fora da época e, com isso, a espécie volte a ficar ameaçada de extinção.

O trabalho, ele afirma, tem se tornado mais cansativo nos últimos anos, quando a fiscalização oficial ficou sob a responsabilidade do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), órgão do governo estadual, e não mais exclusivamente do Ibama.

“Aqui a gente não tá em Manaus e também não tem como ir sempre para a capital, porque é custoso. Mas vamos fazer uma reunião lá porque precisamos que eles se aproximem mais da gente. Até porque a reserva não é nossa, é do governo”, afirma Pereira. “Vamos falar com ele: ‘Dê força pra nós e apoio. O senhor não precisa, mas a gente precisa porque moramos aqui’.”

Em nota, o Ibama disse que, em 2023, a pesca predatória do pirarucu foi a causa de seis operações de fiscalização ambiental realizadas nas calhas dos rios Purus, Juruá e Solimões. “No Estado do Amazonas, foram lavrados 102 autos de infração relacionados à pesca ilegal que somaram R$ 9.326.470,60, também foram apreendidos 144 bens e apetrechos ligados à pesca predatória, dentre eles malhadeiras e motores, que somam o valor de R$ 985.674,00. "

A autarquia federal informou que, no último ano, foram autorizadas 67 atividades de manejo do pirarucu em cerca de 200 comunidades, beneficiando de forma direto mais de cinco mil manejadores (pescadores). “Para 2024, a Superintendência do Instituto no Amazonas tem planejada oito operações com a temática da pesca. Cabe ressaltar que o Ibama realiza a fiscalização e autoriza as atividades de manejo do Pirarucu, atividade executada somente no Amazonas, desde 1999.”

Há mais de 20 anos, José Pereira de Souza, hoje com 63, mudou o jeito de pescar que tinha aprendido desde a adolescência, quando percebeu que o pirarucu, considerado um dos maiores peixes de água doce do Brasil e do mundo, começou a desaparecer dos rios de Fonte Boa, cidade a mais de 670 quilômetros de Manaus, no alto do Rio Solimões, onde ele nasceu, cresceu e vive até hoje. Agora, Pereira e outros ribeirinhos lutam para que o animal, principal fonte de renda da comunidade, não volte a estar ameaçado de extinção.

Conhecido como “o gigante dos rios” por medir até 4,5 metros, cercado por lendas indígenas e capaz de respirar fora d’água, o Pirarucu entrou em perigo por causa do seu outro apelido: “bacalhau da Amazônia”. Usado de base para uma infinidade de pratos típicos da culinária amazonense, o peixe virou um dos principais alvos da pesca predatória, exatamente pela sua alta demanda.

“Esse é o maior peixe da Amazônia, que praticamente foi extinto e conseguiu entrar em processo de recuperação pelo cuidado que as comunidades ribeirinhas e das populações tradicionais tiveram”, explica Valcléia Solidade, superintendente de Desenvolvimento Sustentável de Comunidades na Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva Foto: Rodolfo Pongelupe

Desde 2010, a FAS, uma organização sem fins lucrativos, tem ajudado as comunidades tradicionais no interior do Amazonas a terem infraestrutura produtiva, gestão da produção, capacitação e gestão de negócios para os manejadores, até a agregação de valor no mercado e comercialização, auxiliando todas as etapas da cadeia de manejo e venda do pirarucu.

“O manejo de venda começa efetivamente quando implementamos nas unidades de conservação toda uma estratégia para melhorar o valor do produto e consequentemente o ganho para as comunidades”, conta Valcéia.

O início do processo é ainda no período de defeso, normalmente entre dezembro e março, quando o pirarucu está se reproduzindo e sua pesca é proibida por lei. Nesses meses, a fundação ajuda os manejadores a terem gasolina para realizar a vigilância da espécie em barcos e lanchas maiores e motorizados; depois, compraram veleiros com geladeira, que desse para armazenar a mercadoria por mais tempo.

“Ao invés de vender ali do lado, eles poderiam vender para frigoríficos e outras áreas da região”, diz Valcéia, acrescentando que nesse período inicial os manejadores ribeirinhos conseguiram aumentar o preço de R$ 3,50 para até R$ 9.

“O Exército, por exemplo, compra o pirarucu salgado, porque eles às vezes precisam levar o peixe para alojamentos mais longe; a merenda escolar também prefere ele salgado, e aí, dando esse espaço de infraestrutura e capacitação para a gestão do negócio, viemos com a opção de oferecer uma estratégia de venda.”

Assim, com a ajuda da FAS em embarcações e outros meios melhor equipados para fazer o traslado de até 5 toneladas do peixe até Manaus, uma viagem que pode chegar a mais de seis dias, foi criada a Feira do Pirarucu, que dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe a um valor ainda mais alto e diretamente para o consumidor final.

“Isso melhorou bastante porque a gente começou a fazer a parte financeira da gente mesmo, a fazer a venda do nosso peixe em Manaus. Aí já melhorou por causa do valor. Aqui (em Fonte Boa) não tem como negociar porque tem pouco comprador e quase não dá lucro”, explica Pereira, contando que a diferença de variação do preço do pirarucu entre o interior e a capital é de R$ 4,50 contra R$ 28. Segundo a FAS, a renda mensal dos manejadores já chegou a mais de R$ 2,3 mil, um aumento de 66%.

Para Pereira, o saldo é satisfatório: “Nós vendemos 324 peixes aqui. Eu levei 61 para Manaus e quase cobri o valor”.

Peixe pode chegar a medir até 4,5 metros e é cercado por lendas Foto: Rodolfo Pongelupe

O que é o Piraruruclub

  • Uma estratégia de apoio e fomento que a FAS implementou para a comercialização sustentável do pirarucu e que funciona como um complemento da Feira, em Manaus, é o Piraruclub, que vende cotas mensais (“sustentável”, “pirarucu” e “premium”) de remessas do peixe para bares, restaurantes, hotéis etc.
  • O plano é vendido em três modalidades , o que garante assim não só uma renda fixa para os manejadores, como uma certeza de preço e estoque fixos para os comerciantes, mesmo nos períodos de defeso, normalmente entre dezembro e março.

“Sentimos que a gente está fechando realmente o ciclo (de produção). Não estamos fazendo um favor para a comunidade, essa é uma relação comercialmente sustentável”, afirma Rodrigo Zamperlini, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) do Amazonas, principal parceira institucional do Piraruclub. “Acredito que os consumidores, os clientes, também deem preferência às empresas que tenham essa pegada sustentável. Já vi isso em outros lugares e em Manaus também deve acontecer. Tem benefícios para toda a cadeia produtiva”

Feira do Pirarucu dá às comunidades uma oportunidade de vender o peixe diretamente para o consumidor final Foto: Lucas Bonny

Zamperlini, que também é dono do restaurante Mercato Brazil, lançado em 2009, diz que quando o Piraruclub surgiu há mais ou menos dois anos, nem todos os donos de bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos do tipo compraram a ideia, principalmente porque o preço do peixe vindo do manejo sustentável saía mais caro do que o vendido pelos pescadores clandestinos. Com o tempo, entretanto, eles resolveram apostar na parceria que, neste primeiro ano de funcionamento, tem funcionado bem para ambos os lados.

“Desde o primeiro momento, (o Piraruclub) chamou a atenção pela proposta inovadora. Era algo que até então não tínhamos visto, a possibilidade de termos regularização no fornecimento de um recurso muito utilizado, como a carne do pirarucu, e ao mesmo tempo levar benefícios para a outra ponta da linha”, diz Zamperlini.

Para o empresário, o próximo passo é aprimorar a operação e investir na forma com que o peixe comprado de forma sustentável é anunciado para o consumidor final. “Nada mais justo que informarmos isso para o cliente. A gente entende que é uma melhoria necessária”, diz. “Até aqui, tem corrido bem. Ao longo do ano recebemos o fornecimento. Essa fase inicial foi, a meu ver como comprador, bem conduzida. E agora a gente entra no aprimoramento do programa.”

Pesca clandestina

Apesar do esforço dos povos ribeirinhos, das organizações não-governamentais, dos comerciantes e até dos clientes, a longevidade do Pirarucu continua enfrentando os mesmos desafios de quando quase foi extinto: a pesca clandestina, que põe em risco todo o trabalho de manejo feito nas últimas duas décadas.

“Antes, ele estava numa situação que já não tinha mais peixe, ele estava acabando mesmo”, lembra Pereira, que começou a pescar o peixe ainda na década de 1970, quando tinha 18 anos e Fonte Boa, parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, ficou conhecida como “terra do pirarucu”.

Além da mudança na forma de manejar o peixe e proteger seu ciclo reprodutivo, ele conta que outra preocupação da sua comunidade é evitar que os pescadores clandestinos capturem o pirarucu fora da época e, com isso, a espécie volte a ficar ameaçada de extinção.

O trabalho, ele afirma, tem se tornado mais cansativo nos últimos anos, quando a fiscalização oficial ficou sob a responsabilidade do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), órgão do governo estadual, e não mais exclusivamente do Ibama.

“Aqui a gente não tá em Manaus e também não tem como ir sempre para a capital, porque é custoso. Mas vamos fazer uma reunião lá porque precisamos que eles se aproximem mais da gente. Até porque a reserva não é nossa, é do governo”, afirma Pereira. “Vamos falar com ele: ‘Dê força pra nós e apoio. O senhor não precisa, mas a gente precisa porque moramos aqui’.”

Em nota, o Ibama disse que, em 2023, a pesca predatória do pirarucu foi a causa de seis operações de fiscalização ambiental realizadas nas calhas dos rios Purus, Juruá e Solimões. “No Estado do Amazonas, foram lavrados 102 autos de infração relacionados à pesca ilegal que somaram R$ 9.326.470,60, também foram apreendidos 144 bens e apetrechos ligados à pesca predatória, dentre eles malhadeiras e motores, que somam o valor de R$ 985.674,00. "

A autarquia federal informou que, no último ano, foram autorizadas 67 atividades de manejo do pirarucu em cerca de 200 comunidades, beneficiando de forma direto mais de cinco mil manejadores (pescadores). “Para 2024, a Superintendência do Instituto no Amazonas tem planejada oito operações com a temática da pesca. Cabe ressaltar que o Ibama realiza a fiscalização e autoriza as atividades de manejo do Pirarucu, atividade executada somente no Amazonas, desde 1999.”

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