Plano para salvar o Pantanal tem de ser diversificado, dizem especialistas


Para estudiosos, recuperação da área envolve fiscalização, ciência, nova mentalidade e articulação com produtores e comunidades

Por Marina Aragão
Atualização:

O maior bioma úmido do mundo também pega fogo. E muito. O Pantanal brasileiro sofre uma das maiores tragédias ambientais já registradas no País, enquanto voluntários e brigadistas tentam apagar o fogo e resgatar animais feridos. Mas, no médio e longo prazo, quais seriam os caminhos para recuperar o que foi perdido?

O Estadão ouviu especialistas da área ambiental para tentar obter uma espécie de plano de recuperação do Pantanal, que possa trazer de volta os 19% de território destruído, segundo o Instituto Centro de Vida. No olhar desses estudiosos, a atuação precisa ser diversificada, multidisciplinar e envolver comunidades locais, produtores do agronegócio, sociedade civil, cientistas e poder público.

Gado corre para se proteger do avanço do fogo na região de Poconé, no Pantanal de Mato Grosso. Foto: Dida Sampaio/Estadão

“O Pantanal é um sistema absurdamente resiliente. Por isso, parece que as pessoas se esquecem do que aconteceu no passado. A restauração visual estará igual em seis meses, mas uma parte do bioma continuará vazia”, adverte Thiago Izzo, pós-doutor em Biologia, especialista em Ecologia Evolutiva e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Segundo ele, em pouco tempo poderão ser vistos animais pequenos e plantinhas, mas as grandes espécies não nascem de um dia para o outro. “Quem não conhece os processos e demandas biológicos vai achar que tudo se resolveu, mas o que morreu não volta tão fácil.”

O professor defende que, além de remediar, é necessário impedir que o fogo ocorra novamente. “É importante que no ano que vem, em março, abril, no máximo, já comecem campanhas de prevenção e fiscalização. Desta vez, a atenção está se dando no final do processo”, lamenta. O pesquisador compara os incêndios deste ano à pandemia do novo coronavírus: “Nunca havíamos passado por isso”. Apesar do histórico de fogo que já existe no bioma em épocas e extensões específicas, Izzo afirma que este incêndio “atingiu proporções inéditas”.

Uma alternativa para os próximos anos, acrescenta, é a técnica de fogo controlado, já utilizada antes, para impedir que esses grandes incêndios saiam do controle. As florestas são enormes campos de material combustível, como folhas secas, madeiras e arbustos. Com as chamas controladas, parte do material já vai ser consumido, havendo muito menos matéria para ser queimada quando a seca chegar. 

No entorno

A responsabilidade por conservação e restauração, no entanto, não é só do Pantanal: o entorno da região influencia no que acontece no bioma úmido. “As grandes fazendas que estão aterrando riacho para fazer plantio, por exemplo. São milhares de riachos e nascentes d’água que secam na época com pouca chuva, no Cerrado, e isso diminui a quantidade de água que chega ao Pantanal”, afirma Izzo. 

Apesar de ser o principal formador do Pantanal, o Rio Paraguai - que chegou a 2,1 metros em junho, o menor nível em quase 50 anos - tem suas principais nascentes advindas do Cerrado. E a vegetação que envolve essa bacia também tem sido desmatada. O professor aponta aí a necessidade de replantio. “As vegetações cabeceiras que estão no Cerrado terão de ser regeneradas, terão de fazer terra plantio, aumentar a fiscalização para que a regeneração ocorra no Pantanal, naturalmente e de maneira correta”, diz o especialista.

A professora Janaina Guernica, pesquisadora do Câmpus do Pantanal da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), destaca em seu projeto de pesquisa o peso da atividade minerária no aumento da vulnerabilidade do bioma. Segundo ela, a extração de minério de ferro em Corumbá (MS) tem promovido não só a retirada de espécies arbóreas da área a ser minerada, mas também um desequilíbrio químico no solo da região – e com isso a revegetação fica bastante comprometida. “Uma alternativa seria a produção de mudas utilizando o próprio resíduo do processo de mineração, para que a quantidade de nutrientes seja corrigida”, explica em vídeo no canal da UFMS no YouTube

De acordo com o climatologista Carlos Nobre, a utilização corriqueira do fogo para abrir novas áreas ou preparar o terreno para renovação de pastagem e culturas agrícolas deve ser substituída por “novas práticas na agropecuária nacional”. Ele explica que a agricultura moderna não usa fogo e desmata muito menos. Ao contrário, o conceito moderno de produção regenerativa baseia-se em mosaicos de áreas agrícolas cercadas por restauração de ecossistemas naturais, que prestam inúmeros serviços ambientais e beneficiam também a agricultura, mantendo o fluxo de necessários polinizadores e reduzindo os extremos climáticos. “Também a agricultura moderna caminha na direção de ser mais periurbana e verticalizada, aumentando a produtividade, buscando a economia circular, criando menos poluição e resíduos e muito menos agrotóxicos.”

Mentalidade

Pesquisadores ouvidos pelo Estadão também destacaram a importância de uma mudança de mentalidade no trato do assunto. “Geração de conhecimento com base na mobilização da população local” é o foco de Áurea Garcia, doutora em Educação Ambiental e fundadora da ONG Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan), que atua ao lado das comunidades tradicionais.

De acordo com ela, o combate emergencial ao fogo não é suficiente para reverter a situação: é preciso uma transformação do olhar para o território. “Quando pensamos no Pantanal, temos uma diversidade de atores e interesses. Não tem como olhar a curto prazo”, afirma. A pesquisadora destaca a importância de disseminar o conhecimento nas comunidades locais. A intenção é promover discussões e levar informação a elas, fazendo população e lideranças locais “reconhecerem o Pantanal enquanto um território de vida”.

“Que essas comunidades também se sintam parte, que não seja somente um espaço onde vivem, e tenham consideração em relação a conservação e sustentabilidade”, diz.

O maior bioma úmido do mundo também pega fogo. E muito. O Pantanal brasileiro sofre uma das maiores tragédias ambientais já registradas no País, enquanto voluntários e brigadistas tentam apagar o fogo e resgatar animais feridos. Mas, no médio e longo prazo, quais seriam os caminhos para recuperar o que foi perdido?

O Estadão ouviu especialistas da área ambiental para tentar obter uma espécie de plano de recuperação do Pantanal, que possa trazer de volta os 19% de território destruído, segundo o Instituto Centro de Vida. No olhar desses estudiosos, a atuação precisa ser diversificada, multidisciplinar e envolver comunidades locais, produtores do agronegócio, sociedade civil, cientistas e poder público.

Gado corre para se proteger do avanço do fogo na região de Poconé, no Pantanal de Mato Grosso. Foto: Dida Sampaio/Estadão

“O Pantanal é um sistema absurdamente resiliente. Por isso, parece que as pessoas se esquecem do que aconteceu no passado. A restauração visual estará igual em seis meses, mas uma parte do bioma continuará vazia”, adverte Thiago Izzo, pós-doutor em Biologia, especialista em Ecologia Evolutiva e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Segundo ele, em pouco tempo poderão ser vistos animais pequenos e plantinhas, mas as grandes espécies não nascem de um dia para o outro. “Quem não conhece os processos e demandas biológicos vai achar que tudo se resolveu, mas o que morreu não volta tão fácil.”

O professor defende que, além de remediar, é necessário impedir que o fogo ocorra novamente. “É importante que no ano que vem, em março, abril, no máximo, já comecem campanhas de prevenção e fiscalização. Desta vez, a atenção está se dando no final do processo”, lamenta. O pesquisador compara os incêndios deste ano à pandemia do novo coronavírus: “Nunca havíamos passado por isso”. Apesar do histórico de fogo que já existe no bioma em épocas e extensões específicas, Izzo afirma que este incêndio “atingiu proporções inéditas”.

Uma alternativa para os próximos anos, acrescenta, é a técnica de fogo controlado, já utilizada antes, para impedir que esses grandes incêndios saiam do controle. As florestas são enormes campos de material combustível, como folhas secas, madeiras e arbustos. Com as chamas controladas, parte do material já vai ser consumido, havendo muito menos matéria para ser queimada quando a seca chegar. 

No entorno

A responsabilidade por conservação e restauração, no entanto, não é só do Pantanal: o entorno da região influencia no que acontece no bioma úmido. “As grandes fazendas que estão aterrando riacho para fazer plantio, por exemplo. São milhares de riachos e nascentes d’água que secam na época com pouca chuva, no Cerrado, e isso diminui a quantidade de água que chega ao Pantanal”, afirma Izzo. 

Apesar de ser o principal formador do Pantanal, o Rio Paraguai - que chegou a 2,1 metros em junho, o menor nível em quase 50 anos - tem suas principais nascentes advindas do Cerrado. E a vegetação que envolve essa bacia também tem sido desmatada. O professor aponta aí a necessidade de replantio. “As vegetações cabeceiras que estão no Cerrado terão de ser regeneradas, terão de fazer terra plantio, aumentar a fiscalização para que a regeneração ocorra no Pantanal, naturalmente e de maneira correta”, diz o especialista.

A professora Janaina Guernica, pesquisadora do Câmpus do Pantanal da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), destaca em seu projeto de pesquisa o peso da atividade minerária no aumento da vulnerabilidade do bioma. Segundo ela, a extração de minério de ferro em Corumbá (MS) tem promovido não só a retirada de espécies arbóreas da área a ser minerada, mas também um desequilíbrio químico no solo da região – e com isso a revegetação fica bastante comprometida. “Uma alternativa seria a produção de mudas utilizando o próprio resíduo do processo de mineração, para que a quantidade de nutrientes seja corrigida”, explica em vídeo no canal da UFMS no YouTube

De acordo com o climatologista Carlos Nobre, a utilização corriqueira do fogo para abrir novas áreas ou preparar o terreno para renovação de pastagem e culturas agrícolas deve ser substituída por “novas práticas na agropecuária nacional”. Ele explica que a agricultura moderna não usa fogo e desmata muito menos. Ao contrário, o conceito moderno de produção regenerativa baseia-se em mosaicos de áreas agrícolas cercadas por restauração de ecossistemas naturais, que prestam inúmeros serviços ambientais e beneficiam também a agricultura, mantendo o fluxo de necessários polinizadores e reduzindo os extremos climáticos. “Também a agricultura moderna caminha na direção de ser mais periurbana e verticalizada, aumentando a produtividade, buscando a economia circular, criando menos poluição e resíduos e muito menos agrotóxicos.”

Mentalidade

Pesquisadores ouvidos pelo Estadão também destacaram a importância de uma mudança de mentalidade no trato do assunto. “Geração de conhecimento com base na mobilização da população local” é o foco de Áurea Garcia, doutora em Educação Ambiental e fundadora da ONG Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan), que atua ao lado das comunidades tradicionais.

De acordo com ela, o combate emergencial ao fogo não é suficiente para reverter a situação: é preciso uma transformação do olhar para o território. “Quando pensamos no Pantanal, temos uma diversidade de atores e interesses. Não tem como olhar a curto prazo”, afirma. A pesquisadora destaca a importância de disseminar o conhecimento nas comunidades locais. A intenção é promover discussões e levar informação a elas, fazendo população e lideranças locais “reconhecerem o Pantanal enquanto um território de vida”.

“Que essas comunidades também se sintam parte, que não seja somente um espaço onde vivem, e tenham consideração em relação a conservação e sustentabilidade”, diz.

O maior bioma úmido do mundo também pega fogo. E muito. O Pantanal brasileiro sofre uma das maiores tragédias ambientais já registradas no País, enquanto voluntários e brigadistas tentam apagar o fogo e resgatar animais feridos. Mas, no médio e longo prazo, quais seriam os caminhos para recuperar o que foi perdido?

O Estadão ouviu especialistas da área ambiental para tentar obter uma espécie de plano de recuperação do Pantanal, que possa trazer de volta os 19% de território destruído, segundo o Instituto Centro de Vida. No olhar desses estudiosos, a atuação precisa ser diversificada, multidisciplinar e envolver comunidades locais, produtores do agronegócio, sociedade civil, cientistas e poder público.

Gado corre para se proteger do avanço do fogo na região de Poconé, no Pantanal de Mato Grosso. Foto: Dida Sampaio/Estadão

“O Pantanal é um sistema absurdamente resiliente. Por isso, parece que as pessoas se esquecem do que aconteceu no passado. A restauração visual estará igual em seis meses, mas uma parte do bioma continuará vazia”, adverte Thiago Izzo, pós-doutor em Biologia, especialista em Ecologia Evolutiva e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Segundo ele, em pouco tempo poderão ser vistos animais pequenos e plantinhas, mas as grandes espécies não nascem de um dia para o outro. “Quem não conhece os processos e demandas biológicos vai achar que tudo se resolveu, mas o que morreu não volta tão fácil.”

O professor defende que, além de remediar, é necessário impedir que o fogo ocorra novamente. “É importante que no ano que vem, em março, abril, no máximo, já comecem campanhas de prevenção e fiscalização. Desta vez, a atenção está se dando no final do processo”, lamenta. O pesquisador compara os incêndios deste ano à pandemia do novo coronavírus: “Nunca havíamos passado por isso”. Apesar do histórico de fogo que já existe no bioma em épocas e extensões específicas, Izzo afirma que este incêndio “atingiu proporções inéditas”.

Uma alternativa para os próximos anos, acrescenta, é a técnica de fogo controlado, já utilizada antes, para impedir que esses grandes incêndios saiam do controle. As florestas são enormes campos de material combustível, como folhas secas, madeiras e arbustos. Com as chamas controladas, parte do material já vai ser consumido, havendo muito menos matéria para ser queimada quando a seca chegar. 

No entorno

A responsabilidade por conservação e restauração, no entanto, não é só do Pantanal: o entorno da região influencia no que acontece no bioma úmido. “As grandes fazendas que estão aterrando riacho para fazer plantio, por exemplo. São milhares de riachos e nascentes d’água que secam na época com pouca chuva, no Cerrado, e isso diminui a quantidade de água que chega ao Pantanal”, afirma Izzo. 

Apesar de ser o principal formador do Pantanal, o Rio Paraguai - que chegou a 2,1 metros em junho, o menor nível em quase 50 anos - tem suas principais nascentes advindas do Cerrado. E a vegetação que envolve essa bacia também tem sido desmatada. O professor aponta aí a necessidade de replantio. “As vegetações cabeceiras que estão no Cerrado terão de ser regeneradas, terão de fazer terra plantio, aumentar a fiscalização para que a regeneração ocorra no Pantanal, naturalmente e de maneira correta”, diz o especialista.

A professora Janaina Guernica, pesquisadora do Câmpus do Pantanal da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), destaca em seu projeto de pesquisa o peso da atividade minerária no aumento da vulnerabilidade do bioma. Segundo ela, a extração de minério de ferro em Corumbá (MS) tem promovido não só a retirada de espécies arbóreas da área a ser minerada, mas também um desequilíbrio químico no solo da região – e com isso a revegetação fica bastante comprometida. “Uma alternativa seria a produção de mudas utilizando o próprio resíduo do processo de mineração, para que a quantidade de nutrientes seja corrigida”, explica em vídeo no canal da UFMS no YouTube

De acordo com o climatologista Carlos Nobre, a utilização corriqueira do fogo para abrir novas áreas ou preparar o terreno para renovação de pastagem e culturas agrícolas deve ser substituída por “novas práticas na agropecuária nacional”. Ele explica que a agricultura moderna não usa fogo e desmata muito menos. Ao contrário, o conceito moderno de produção regenerativa baseia-se em mosaicos de áreas agrícolas cercadas por restauração de ecossistemas naturais, que prestam inúmeros serviços ambientais e beneficiam também a agricultura, mantendo o fluxo de necessários polinizadores e reduzindo os extremos climáticos. “Também a agricultura moderna caminha na direção de ser mais periurbana e verticalizada, aumentando a produtividade, buscando a economia circular, criando menos poluição e resíduos e muito menos agrotóxicos.”

Mentalidade

Pesquisadores ouvidos pelo Estadão também destacaram a importância de uma mudança de mentalidade no trato do assunto. “Geração de conhecimento com base na mobilização da população local” é o foco de Áurea Garcia, doutora em Educação Ambiental e fundadora da ONG Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan), que atua ao lado das comunidades tradicionais.

De acordo com ela, o combate emergencial ao fogo não é suficiente para reverter a situação: é preciso uma transformação do olhar para o território. “Quando pensamos no Pantanal, temos uma diversidade de atores e interesses. Não tem como olhar a curto prazo”, afirma. A pesquisadora destaca a importância de disseminar o conhecimento nas comunidades locais. A intenção é promover discussões e levar informação a elas, fazendo população e lideranças locais “reconhecerem o Pantanal enquanto um território de vida”.

“Que essas comunidades também se sintam parte, que não seja somente um espaço onde vivem, e tenham consideração em relação a conservação e sustentabilidade”, diz.

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