SANTARÉM E BRASÍLIA - Na manhã desta terça-feira (26), o juiz da primeira vara criminal Alexandre Rizzi deferiu mandados de busca, apreensão e prisão de quatro membros da organização Brigada Alter do Chão suspeitos de serem os responsáveis pelas queimadas que destruíram parte da mata na Área de Proteção Ambiental (APA) no município de Santarém, no oeste do Pará, no mês de setembro.
Em nota, a Polícia Civil do Pará informou que foram presos na operação ‘Fogo Sairé’ Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner. As investigações estavam em curso desde então e agora a polícia diz ter encontrado indícios que apontam a ONG como uma possível causadora dos incêndios. Algumas horas depois, o delegado responsável pelo caso disse que as ONGs de Alter do Chão desviaram recursos da WWF para combater incêndios.
A operação cumpriu sete mandados de busca e apreensão em diversos endereços. Entre os alvos, está também a sede do Projeto Saúde e Alegria (PSA). A operação está sendo coordenada pela Delegacia Especializada em Conflitos Agrários de Santarém (Deca) e Núcleo de Apoio à Investigação (NAI), com o apoio da Diretoria de Polícia do Interior (DPI).
Por meio de nota, a organização Brigada de Alter disse que a prisão preventiva de membros da ONG, que desde 2018 atua na região do oeste do Pará, "causou grande perplexidade a eles e a todos os cidadãos de bem que sempre lutaram em prol da preservação da Amazônia".
"Os brigadistas desde o início têm contribuído com as investigações policiais. Inclusive, já haviam sido ouvidos na Delegacia de Polícia Civil e colaborado de forma efetiva no inquérito após o incêndio de setembro que eles ajudaram a combater, deixando suas famílias e trabalhos em nome dessa causa a que se dedicam. Forneceram informações e documentos às autoridades policiais de forma completamente voluntária", disse a organização na nota.
A ONG informou ainda que os advogados Wlandre Leal, Renato Alho e Gabriel Franco "estão tomando todas as providências legais para colocar os brigadistas em liberdade imediatamente". E complementa: "Com toda a absoluta certeza, a verdade real dos fatos virá à tona ao longo da Instrução Processual e a inocência da Brigada será provada. A defesa entende que neste momento, os requisitos autorizadores da Prisão Preventiva existentes no Artigo 312 do Código de Processo Penal de forma alguma restam evidenciados".
A organização declarou ainda que tem atuado no apoio ao combate a incêndios florestais. “Em agosto de 2019 houve um segundo curso dado pelos Bombeiros Militares, Defesa Civil e Secretaria Municipal do Meio Ambiente e Turismo de Belterra que culminou com a formação de mais nove brigadistas voluntários. Eles têm, desde então, se empenhado diariamente em proteger a Área de Proteção Ambiental de Alter do Chão, em paralelo às suas atividades profissionais e pessoais - sempre ao lado do Corpo de Bombeiros”, afirmou.
Até o momento, a polícia ainda não passou mais detalhes sobre a operação, que segue em curso em alguns pontos da cidade. Na sede do PSA, por exemplo, há grande movimentação de policiais e resistência dos dirigentes em permitir o cumprimento da ordem judicial. O diretor da instituição, Caetano Scannavino, está em Brasília para participar de uma audiência no Congresso e deve dar uma entrevista coletiva às 16h. Ele falou brevemente ao Estado que não sabe qual é a acusação.
Em nota, o projeto confirmou as buscas em sua sede, mas nega qualquer envolvimento da entidade. "O Projeto Saúde e Alegria foi surpreendido nesta manhã com a busca e apreensão de documentos pela Polícia Civil. Não existe no momento nenhum procedimento contra o Projeto Saúde e Alegria, mas apenas a apreensão de documentos institucionais no âmbito de um inquérito a respeito do qual ainda não temos acesso a nenhuma informação", disse a entidade.
"Reforçamos que estamos colaboramos com as investigações. A instituição acredita no Estado Democrático de Direito e espera assim como todos os que estão acompanhando, o mais rápido esclarecimento dos fatos." O processo está em segredo de Justiça, mas a polícia permitiu fotos e divulgou os nomes.
O advogado José Ronaldo Dias Campos, baseado em Santarém e que representa os quatro que foram presos, disse ao Estado que ainda não teve acesso aos detalhes do processo, mas que, até onde apurou, não haveria nenhuma razão para a prisão preventiva.
“Essa decisão de prisão preventiva é excessiva e inoportuna. Estamos falando de pessoas de bem, trabalhadores, sem qualquer tipo de problema. Não existe nada que justifique essa prisão”, afirmou. “Teremos acesso a inquérito nesta quarta-feira, pela manhã. Vamos trabalhar para revogar essa prisão preventiva imediatamente.”
A defesa vai tentar reverter a decisão dada pelo juiz Alexandre Rizzi, titular da 1ª Vara Criminal de Santarém. Se não conseguir, considera recorrer a pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA).
Segundo o advogado, os quatro detidos seriam acusados de causar danos direto ou indireto a unidades de conservação ambiental, o que prevê pena de reclusão de um a cinco anos de reclusão, e de associação criminosa, que prevê pena de um ano três anos de reclusão.
Incêndios em Alter do Chão
Em setembro, faltando poucos dias para o início da Festa do Sairé, foram registrados focos de incêndios na floresta nativa na região do Eixo Forte. A vila mais famosa do interior da Amazônia logo foi parar no noticiário nacional e internacional por causa da repercussão das queimadas na Amazônia.
Enquanto a floresta ardia em chamas, um grupo de voluntários arriscava a vida para apagar as chamas e evitar uma tragédia ambiental sem precedentes. Após alguns dias de muito trabalho que reuniu esforços de órgãos municipais e estaduais, inclusive com apoio aéreo, os focos foram finalmente eliminados.
A Brigada de Alter foi criada em 2018 e reúne voluntários que trabalham em parceria com o Corpo de Bombeiros e outras instituições.
As ONGs ambientais têm sido alvos constantes de acusações do governo federal, de que estariam atuando contra a preservação da floresta. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, têm feito reiteradas acusações contra as ONGs sobre responsabilização por crimes ambientais e uso irregular de dinheiro.
Até hoje, porém, não apresentaram nenhuma prova ou evidência dessas acusações. O Greenpeace, por exemplo, vai acionar Ricardo Salles na Justiça, por ilações que o ministro fez sobre a participação da instituição no caso do vazamento de petróleo no litoral brasileiro.
Alter do Chão tem sido alvo frenquente de especulações imobiliárias, com empreendedores interessados em erguer imóveis em áreas protegidas da região. Localizada nas margens do rio Tapajós, é considerada uma das regiões mais belas do País.
O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que está em Brasília, acompanha os desdobramentos do caso. “Estamos muito preocupados com isso. São instituições muito sérias, que prestam serviços importantes na região, para comunidades pobres. Não vimos nenhuma prova até agora, nada que justificasse essa ação”, disse ao Estado.