População de boto-cor-de-rosa é reduzida pela metade a cada década, diz estudo


ONGs se mobilizam por preservação da espécie amazônica; Ministério da Agricultura prorrogou no último dia 23 a proibição da pesca da piracatinga, prática considerada uma ameaça por utilizar a carcaça do boto como isca

Por Marcela Villar
Atualização:

O boto-vermelho, ou boto-cor-de-rosa, como é conhecido nos contos do folclore brasileiro, está em risco de extinção: sua população é reduzida pela metade a cada 10 anos, segundo um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A principal causa é o uso de sua carcaça como isca para a captura da piracatinga, um peixe cuja pesca é considerada ilegal pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento desde 2015, por meio de uma portaria que foi prorrogada este mês até julho de 2023.

Ameaçado de extinção, o boto-cor-de-rosa vive na Amazônia. Foto: Giselle Reis/Sea Shepherd Global

Organizações não governamentais (ONGs), como a Sea Shepherd Brasil e a Associação dos Amigos do Peixe-Boi (Ampa), vinham se mobilizando, com campanhas na internet e coleta de assinaturas, pela prorrogação da portaria. Em conjunto com o Inpa, a Sea Shepherd coleta dados sobre a população do boto-cor-de-rosa e do tucuxi, outra espécie de golfinho de rio também usada como isca para a pesca da piracatinga. “Temos um problema no Brasil de não conseguir manter um estudo longitudinal de tendência a longo prazo. Nos comprometemos em fazer isso desde 2021, com o Inpa. Vamos fazer um estudo de contagem populacional do tucuxi e do boto cor-de-rosa”, afirma a diretora executiva da Sea Shepherd Brasil, Nathalie Gil.

O estudo prevê ao todo seis trabalhos de campo, com uma equipe de 20 pessoas, entre tripulação e pesquisadores, que percorrem mais de 1.000 quilômetros no entorno do Rio Solimões, na Amazônia, para catalogar os cetáceos que vivem na região. Duas expedições já foram feitas, em outubro de 2021 e em março deste ano. Um novo levantamento está programado para novembro.

Em uma análise prévia do trabalho, é possível perceber que quanto mais pescadores em determinada área do rio, menos botos existem. “Não podemos tomar conclusões sem o término do levantamento, mas há uma indicação de que ou os botos evitam aquela área por conta dos pescadores, ou eles estão sendo dizimados daquela área, por conta da alta concentração de pesca. Isso mostra que eles não estão convivendo”, avalia Nathalie.

Queda da população começou nos anos 2000

A pesquisadora do Inpa Vera da Silva, especialista em ecologia e reprodução dos golfinhos de rio da Amazônia desde a década de 1990, explica que a população desses animais começou a ser reduzida a partir dos anos 2000. “Quando começamos a estudar esses animais, os capturamos, marcamos e soltamos para acompanhar. Até 2000, existia uma população residente de botos, mas, depois, eles começaram a sumir da região. Os pescadores que trabalham com a gente começaram a dizer que pescadores que estavam matando esses animais para fazer de isca. Começamos a investigar e tivemos a oportunidade de capturar animais mutilados, com facão e arpão, e amarrados com corda”, relata Vera.

O boto-cor-de-rosa demora para se reproduzir. Foto: Sea Shepherd Global/Divulgação

 partir daí, a pesquisadora, que monitorou durante 22 anos a população dos botos na região, começou a verificar também um aumento do volume de piracatinga nos frigoríficos do entorno. Em 2003, existiam 860 kg do peixe em estoque. Seis anos depois, em 2009, esse volume era de 23 mil kg – uma quantidade quase 30 vezes maior. “Enquanto o volume de piracatinga aumentava muito, a quantidade de botos estava diminuindo assustadoramente”, explica Vera.

Segundo ela, a piracatinga não é vendida no Brasil e sim exportada para a Colômbia. O interesse comercial pelo peixe teve início após o capaz, peixe bagre consumido no país, ser sobrepescado e desaparecer. “As pessoas começaram a estimular essa pesca e venda do peixe para a Colômbia. Teve muito sucesso porque o mercado demandava”, afirma. A consequência, segundo ela, foi a morte desenfreada dos botos e tucuxis. “Em algumas regiões próximas de Manaus, a gente já sabe que tem rios que não têm mais botos.”

Espécie demora para se reproduzir

Um dos problemas que contribuem para a diminuição dos indivíduos da espécie é a demora para reprodução e reposição populacional. “Uma fêmea de boto começa a se reproduzir depois de sete anos de idade. Só tem um filhote por gestação, que dura entre 12 e 13 meses, e ela cuida do filhote por, pelo menos, dois anos. Então, o intervalo entre nascimento e ter outro filho varia entre três a cinco anos. Se tem uma retirada muito grande da população e a reposição é lenta, o número tende a diminuir”, explica Vera da Silva. O tempo de vida é de cerca de 36 a 40 anos.

Outras ameaças que colocam o boto em risco de extinção são a alteração do hábitat com poluentes, como o mercúrio, e a captura acidental em redes de pesca. A preferência dos pescadores pelo boto, de acordo com Vera, é por ele não ser de difícil captura e pelo fato de a piracatinga ter de ser pescada a partir da carne de algum animal morto. “A piracatinga tem dentículos na boca que se agarram aos pedaços da carne morta do animal. Fica fácil de ser capturada”, afirma. Além do boto e tucuxi, o jacaré também é usado com esse fim.

Desafio

Além da proibição da captura da piracatinga, Vera propõe que haja um ordenamento sobre a pesca, de forma que não haja perda para a fauna. Ela destaca ainda a importância de que pescadores que capturam o boto acidentalmente devem reportar aos órgãos competentes para que haja controle. Outro caminho, afirma ela, é o investimento em pesquisa.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento reconheceu que a pesca da piracatinga é “um dos grandes desafios da gestão pesqueira na bacia Amazônica”. Segundo a pasta, um grupo de trabalho, coordenado pela Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP), existe desde setembro de 2021 para discutir as questões envolvendo o tema, com representantes de órgãos e instituições federais e estaduais, de pesquisa, fiscalização ambiental, atividade pesqueira, dentre outros.

A portaria, que venceria nesta quinta-feira, 30, e foi prorrogada no último dia 23, proíbe a pesca, a retenção a bordo, o transbordo, o desembarque, o armazenamento, o transporte, o beneficiamento e a comercialização da piracatinga, em águas jurisdicionais brasileiras, e, em todo território nacional.

O órgão ainda explica que a moratória de pesca “consiste em uma estratégia de ordenamento na qual a captura de determinado recurso pesqueiro é proibida por um período estipulado, para a recuperação dos seus estoques em níveis sustentáveis”. “Neste caso, a moratória está pautada não por causa do estoque da piracatinga e sim a partir de denúncias de uso de iscas de botos e jacarés na técnica de pesca utilizada para a espécie.”

O boto-vermelho, ou boto-cor-de-rosa, como é conhecido nos contos do folclore brasileiro, está em risco de extinção: sua população é reduzida pela metade a cada 10 anos, segundo um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A principal causa é o uso de sua carcaça como isca para a captura da piracatinga, um peixe cuja pesca é considerada ilegal pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento desde 2015, por meio de uma portaria que foi prorrogada este mês até julho de 2023.

Ameaçado de extinção, o boto-cor-de-rosa vive na Amazônia. Foto: Giselle Reis/Sea Shepherd Global

Organizações não governamentais (ONGs), como a Sea Shepherd Brasil e a Associação dos Amigos do Peixe-Boi (Ampa), vinham se mobilizando, com campanhas na internet e coleta de assinaturas, pela prorrogação da portaria. Em conjunto com o Inpa, a Sea Shepherd coleta dados sobre a população do boto-cor-de-rosa e do tucuxi, outra espécie de golfinho de rio também usada como isca para a pesca da piracatinga. “Temos um problema no Brasil de não conseguir manter um estudo longitudinal de tendência a longo prazo. Nos comprometemos em fazer isso desde 2021, com o Inpa. Vamos fazer um estudo de contagem populacional do tucuxi e do boto cor-de-rosa”, afirma a diretora executiva da Sea Shepherd Brasil, Nathalie Gil.

O estudo prevê ao todo seis trabalhos de campo, com uma equipe de 20 pessoas, entre tripulação e pesquisadores, que percorrem mais de 1.000 quilômetros no entorno do Rio Solimões, na Amazônia, para catalogar os cetáceos que vivem na região. Duas expedições já foram feitas, em outubro de 2021 e em março deste ano. Um novo levantamento está programado para novembro.

Em uma análise prévia do trabalho, é possível perceber que quanto mais pescadores em determinada área do rio, menos botos existem. “Não podemos tomar conclusões sem o término do levantamento, mas há uma indicação de que ou os botos evitam aquela área por conta dos pescadores, ou eles estão sendo dizimados daquela área, por conta da alta concentração de pesca. Isso mostra que eles não estão convivendo”, avalia Nathalie.

Queda da população começou nos anos 2000

A pesquisadora do Inpa Vera da Silva, especialista em ecologia e reprodução dos golfinhos de rio da Amazônia desde a década de 1990, explica que a população desses animais começou a ser reduzida a partir dos anos 2000. “Quando começamos a estudar esses animais, os capturamos, marcamos e soltamos para acompanhar. Até 2000, existia uma população residente de botos, mas, depois, eles começaram a sumir da região. Os pescadores que trabalham com a gente começaram a dizer que pescadores que estavam matando esses animais para fazer de isca. Começamos a investigar e tivemos a oportunidade de capturar animais mutilados, com facão e arpão, e amarrados com corda”, relata Vera.

O boto-cor-de-rosa demora para se reproduzir. Foto: Sea Shepherd Global/Divulgação

 partir daí, a pesquisadora, que monitorou durante 22 anos a população dos botos na região, começou a verificar também um aumento do volume de piracatinga nos frigoríficos do entorno. Em 2003, existiam 860 kg do peixe em estoque. Seis anos depois, em 2009, esse volume era de 23 mil kg – uma quantidade quase 30 vezes maior. “Enquanto o volume de piracatinga aumentava muito, a quantidade de botos estava diminuindo assustadoramente”, explica Vera.

Segundo ela, a piracatinga não é vendida no Brasil e sim exportada para a Colômbia. O interesse comercial pelo peixe teve início após o capaz, peixe bagre consumido no país, ser sobrepescado e desaparecer. “As pessoas começaram a estimular essa pesca e venda do peixe para a Colômbia. Teve muito sucesso porque o mercado demandava”, afirma. A consequência, segundo ela, foi a morte desenfreada dos botos e tucuxis. “Em algumas regiões próximas de Manaus, a gente já sabe que tem rios que não têm mais botos.”

Espécie demora para se reproduzir

Um dos problemas que contribuem para a diminuição dos indivíduos da espécie é a demora para reprodução e reposição populacional. “Uma fêmea de boto começa a se reproduzir depois de sete anos de idade. Só tem um filhote por gestação, que dura entre 12 e 13 meses, e ela cuida do filhote por, pelo menos, dois anos. Então, o intervalo entre nascimento e ter outro filho varia entre três a cinco anos. Se tem uma retirada muito grande da população e a reposição é lenta, o número tende a diminuir”, explica Vera da Silva. O tempo de vida é de cerca de 36 a 40 anos.

Outras ameaças que colocam o boto em risco de extinção são a alteração do hábitat com poluentes, como o mercúrio, e a captura acidental em redes de pesca. A preferência dos pescadores pelo boto, de acordo com Vera, é por ele não ser de difícil captura e pelo fato de a piracatinga ter de ser pescada a partir da carne de algum animal morto. “A piracatinga tem dentículos na boca que se agarram aos pedaços da carne morta do animal. Fica fácil de ser capturada”, afirma. Além do boto e tucuxi, o jacaré também é usado com esse fim.

Desafio

Além da proibição da captura da piracatinga, Vera propõe que haja um ordenamento sobre a pesca, de forma que não haja perda para a fauna. Ela destaca ainda a importância de que pescadores que capturam o boto acidentalmente devem reportar aos órgãos competentes para que haja controle. Outro caminho, afirma ela, é o investimento em pesquisa.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento reconheceu que a pesca da piracatinga é “um dos grandes desafios da gestão pesqueira na bacia Amazônica”. Segundo a pasta, um grupo de trabalho, coordenado pela Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP), existe desde setembro de 2021 para discutir as questões envolvendo o tema, com representantes de órgãos e instituições federais e estaduais, de pesquisa, fiscalização ambiental, atividade pesqueira, dentre outros.

A portaria, que venceria nesta quinta-feira, 30, e foi prorrogada no último dia 23, proíbe a pesca, a retenção a bordo, o transbordo, o desembarque, o armazenamento, o transporte, o beneficiamento e a comercialização da piracatinga, em águas jurisdicionais brasileiras, e, em todo território nacional.

O órgão ainda explica que a moratória de pesca “consiste em uma estratégia de ordenamento na qual a captura de determinado recurso pesqueiro é proibida por um período estipulado, para a recuperação dos seus estoques em níveis sustentáveis”. “Neste caso, a moratória está pautada não por causa do estoque da piracatinga e sim a partir de denúncias de uso de iscas de botos e jacarés na técnica de pesca utilizada para a espécie.”

O boto-vermelho, ou boto-cor-de-rosa, como é conhecido nos contos do folclore brasileiro, está em risco de extinção: sua população é reduzida pela metade a cada 10 anos, segundo um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A principal causa é o uso de sua carcaça como isca para a captura da piracatinga, um peixe cuja pesca é considerada ilegal pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento desde 2015, por meio de uma portaria que foi prorrogada este mês até julho de 2023.

Ameaçado de extinção, o boto-cor-de-rosa vive na Amazônia. Foto: Giselle Reis/Sea Shepherd Global

Organizações não governamentais (ONGs), como a Sea Shepherd Brasil e a Associação dos Amigos do Peixe-Boi (Ampa), vinham se mobilizando, com campanhas na internet e coleta de assinaturas, pela prorrogação da portaria. Em conjunto com o Inpa, a Sea Shepherd coleta dados sobre a população do boto-cor-de-rosa e do tucuxi, outra espécie de golfinho de rio também usada como isca para a pesca da piracatinga. “Temos um problema no Brasil de não conseguir manter um estudo longitudinal de tendência a longo prazo. Nos comprometemos em fazer isso desde 2021, com o Inpa. Vamos fazer um estudo de contagem populacional do tucuxi e do boto cor-de-rosa”, afirma a diretora executiva da Sea Shepherd Brasil, Nathalie Gil.

O estudo prevê ao todo seis trabalhos de campo, com uma equipe de 20 pessoas, entre tripulação e pesquisadores, que percorrem mais de 1.000 quilômetros no entorno do Rio Solimões, na Amazônia, para catalogar os cetáceos que vivem na região. Duas expedições já foram feitas, em outubro de 2021 e em março deste ano. Um novo levantamento está programado para novembro.

Em uma análise prévia do trabalho, é possível perceber que quanto mais pescadores em determinada área do rio, menos botos existem. “Não podemos tomar conclusões sem o término do levantamento, mas há uma indicação de que ou os botos evitam aquela área por conta dos pescadores, ou eles estão sendo dizimados daquela área, por conta da alta concentração de pesca. Isso mostra que eles não estão convivendo”, avalia Nathalie.

Queda da população começou nos anos 2000

A pesquisadora do Inpa Vera da Silva, especialista em ecologia e reprodução dos golfinhos de rio da Amazônia desde a década de 1990, explica que a população desses animais começou a ser reduzida a partir dos anos 2000. “Quando começamos a estudar esses animais, os capturamos, marcamos e soltamos para acompanhar. Até 2000, existia uma população residente de botos, mas, depois, eles começaram a sumir da região. Os pescadores que trabalham com a gente começaram a dizer que pescadores que estavam matando esses animais para fazer de isca. Começamos a investigar e tivemos a oportunidade de capturar animais mutilados, com facão e arpão, e amarrados com corda”, relata Vera.

O boto-cor-de-rosa demora para se reproduzir. Foto: Sea Shepherd Global/Divulgação

 partir daí, a pesquisadora, que monitorou durante 22 anos a população dos botos na região, começou a verificar também um aumento do volume de piracatinga nos frigoríficos do entorno. Em 2003, existiam 860 kg do peixe em estoque. Seis anos depois, em 2009, esse volume era de 23 mil kg – uma quantidade quase 30 vezes maior. “Enquanto o volume de piracatinga aumentava muito, a quantidade de botos estava diminuindo assustadoramente”, explica Vera.

Segundo ela, a piracatinga não é vendida no Brasil e sim exportada para a Colômbia. O interesse comercial pelo peixe teve início após o capaz, peixe bagre consumido no país, ser sobrepescado e desaparecer. “As pessoas começaram a estimular essa pesca e venda do peixe para a Colômbia. Teve muito sucesso porque o mercado demandava”, afirma. A consequência, segundo ela, foi a morte desenfreada dos botos e tucuxis. “Em algumas regiões próximas de Manaus, a gente já sabe que tem rios que não têm mais botos.”

Espécie demora para se reproduzir

Um dos problemas que contribuem para a diminuição dos indivíduos da espécie é a demora para reprodução e reposição populacional. “Uma fêmea de boto começa a se reproduzir depois de sete anos de idade. Só tem um filhote por gestação, que dura entre 12 e 13 meses, e ela cuida do filhote por, pelo menos, dois anos. Então, o intervalo entre nascimento e ter outro filho varia entre três a cinco anos. Se tem uma retirada muito grande da população e a reposição é lenta, o número tende a diminuir”, explica Vera da Silva. O tempo de vida é de cerca de 36 a 40 anos.

Outras ameaças que colocam o boto em risco de extinção são a alteração do hábitat com poluentes, como o mercúrio, e a captura acidental em redes de pesca. A preferência dos pescadores pelo boto, de acordo com Vera, é por ele não ser de difícil captura e pelo fato de a piracatinga ter de ser pescada a partir da carne de algum animal morto. “A piracatinga tem dentículos na boca que se agarram aos pedaços da carne morta do animal. Fica fácil de ser capturada”, afirma. Além do boto e tucuxi, o jacaré também é usado com esse fim.

Desafio

Além da proibição da captura da piracatinga, Vera propõe que haja um ordenamento sobre a pesca, de forma que não haja perda para a fauna. Ela destaca ainda a importância de que pescadores que capturam o boto acidentalmente devem reportar aos órgãos competentes para que haja controle. Outro caminho, afirma ela, é o investimento em pesquisa.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento reconheceu que a pesca da piracatinga é “um dos grandes desafios da gestão pesqueira na bacia Amazônica”. Segundo a pasta, um grupo de trabalho, coordenado pela Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP), existe desde setembro de 2021 para discutir as questões envolvendo o tema, com representantes de órgãos e instituições federais e estaduais, de pesquisa, fiscalização ambiental, atividade pesqueira, dentre outros.

A portaria, que venceria nesta quinta-feira, 30, e foi prorrogada no último dia 23, proíbe a pesca, a retenção a bordo, o transbordo, o desembarque, o armazenamento, o transporte, o beneficiamento e a comercialização da piracatinga, em águas jurisdicionais brasileiras, e, em todo território nacional.

O órgão ainda explica que a moratória de pesca “consiste em uma estratégia de ordenamento na qual a captura de determinado recurso pesqueiro é proibida por um período estipulado, para a recuperação dos seus estoques em níveis sustentáveis”. “Neste caso, a moratória está pautada não por causa do estoque da piracatinga e sim a partir de denúncias de uso de iscas de botos e jacarés na técnica de pesca utilizada para a espécie.”

O boto-vermelho, ou boto-cor-de-rosa, como é conhecido nos contos do folclore brasileiro, está em risco de extinção: sua população é reduzida pela metade a cada 10 anos, segundo um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A principal causa é o uso de sua carcaça como isca para a captura da piracatinga, um peixe cuja pesca é considerada ilegal pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento desde 2015, por meio de uma portaria que foi prorrogada este mês até julho de 2023.

Ameaçado de extinção, o boto-cor-de-rosa vive na Amazônia. Foto: Giselle Reis/Sea Shepherd Global

Organizações não governamentais (ONGs), como a Sea Shepherd Brasil e a Associação dos Amigos do Peixe-Boi (Ampa), vinham se mobilizando, com campanhas na internet e coleta de assinaturas, pela prorrogação da portaria. Em conjunto com o Inpa, a Sea Shepherd coleta dados sobre a população do boto-cor-de-rosa e do tucuxi, outra espécie de golfinho de rio também usada como isca para a pesca da piracatinga. “Temos um problema no Brasil de não conseguir manter um estudo longitudinal de tendência a longo prazo. Nos comprometemos em fazer isso desde 2021, com o Inpa. Vamos fazer um estudo de contagem populacional do tucuxi e do boto cor-de-rosa”, afirma a diretora executiva da Sea Shepherd Brasil, Nathalie Gil.

O estudo prevê ao todo seis trabalhos de campo, com uma equipe de 20 pessoas, entre tripulação e pesquisadores, que percorrem mais de 1.000 quilômetros no entorno do Rio Solimões, na Amazônia, para catalogar os cetáceos que vivem na região. Duas expedições já foram feitas, em outubro de 2021 e em março deste ano. Um novo levantamento está programado para novembro.

Em uma análise prévia do trabalho, é possível perceber que quanto mais pescadores em determinada área do rio, menos botos existem. “Não podemos tomar conclusões sem o término do levantamento, mas há uma indicação de que ou os botos evitam aquela área por conta dos pescadores, ou eles estão sendo dizimados daquela área, por conta da alta concentração de pesca. Isso mostra que eles não estão convivendo”, avalia Nathalie.

Queda da população começou nos anos 2000

A pesquisadora do Inpa Vera da Silva, especialista em ecologia e reprodução dos golfinhos de rio da Amazônia desde a década de 1990, explica que a população desses animais começou a ser reduzida a partir dos anos 2000. “Quando começamos a estudar esses animais, os capturamos, marcamos e soltamos para acompanhar. Até 2000, existia uma população residente de botos, mas, depois, eles começaram a sumir da região. Os pescadores que trabalham com a gente começaram a dizer que pescadores que estavam matando esses animais para fazer de isca. Começamos a investigar e tivemos a oportunidade de capturar animais mutilados, com facão e arpão, e amarrados com corda”, relata Vera.

O boto-cor-de-rosa demora para se reproduzir. Foto: Sea Shepherd Global/Divulgação

 partir daí, a pesquisadora, que monitorou durante 22 anos a população dos botos na região, começou a verificar também um aumento do volume de piracatinga nos frigoríficos do entorno. Em 2003, existiam 860 kg do peixe em estoque. Seis anos depois, em 2009, esse volume era de 23 mil kg – uma quantidade quase 30 vezes maior. “Enquanto o volume de piracatinga aumentava muito, a quantidade de botos estava diminuindo assustadoramente”, explica Vera.

Segundo ela, a piracatinga não é vendida no Brasil e sim exportada para a Colômbia. O interesse comercial pelo peixe teve início após o capaz, peixe bagre consumido no país, ser sobrepescado e desaparecer. “As pessoas começaram a estimular essa pesca e venda do peixe para a Colômbia. Teve muito sucesso porque o mercado demandava”, afirma. A consequência, segundo ela, foi a morte desenfreada dos botos e tucuxis. “Em algumas regiões próximas de Manaus, a gente já sabe que tem rios que não têm mais botos.”

Espécie demora para se reproduzir

Um dos problemas que contribuem para a diminuição dos indivíduos da espécie é a demora para reprodução e reposição populacional. “Uma fêmea de boto começa a se reproduzir depois de sete anos de idade. Só tem um filhote por gestação, que dura entre 12 e 13 meses, e ela cuida do filhote por, pelo menos, dois anos. Então, o intervalo entre nascimento e ter outro filho varia entre três a cinco anos. Se tem uma retirada muito grande da população e a reposição é lenta, o número tende a diminuir”, explica Vera da Silva. O tempo de vida é de cerca de 36 a 40 anos.

Outras ameaças que colocam o boto em risco de extinção são a alteração do hábitat com poluentes, como o mercúrio, e a captura acidental em redes de pesca. A preferência dos pescadores pelo boto, de acordo com Vera, é por ele não ser de difícil captura e pelo fato de a piracatinga ter de ser pescada a partir da carne de algum animal morto. “A piracatinga tem dentículos na boca que se agarram aos pedaços da carne morta do animal. Fica fácil de ser capturada”, afirma. Além do boto e tucuxi, o jacaré também é usado com esse fim.

Desafio

Além da proibição da captura da piracatinga, Vera propõe que haja um ordenamento sobre a pesca, de forma que não haja perda para a fauna. Ela destaca ainda a importância de que pescadores que capturam o boto acidentalmente devem reportar aos órgãos competentes para que haja controle. Outro caminho, afirma ela, é o investimento em pesquisa.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento reconheceu que a pesca da piracatinga é “um dos grandes desafios da gestão pesqueira na bacia Amazônica”. Segundo a pasta, um grupo de trabalho, coordenado pela Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP), existe desde setembro de 2021 para discutir as questões envolvendo o tema, com representantes de órgãos e instituições federais e estaduais, de pesquisa, fiscalização ambiental, atividade pesqueira, dentre outros.

A portaria, que venceria nesta quinta-feira, 30, e foi prorrogada no último dia 23, proíbe a pesca, a retenção a bordo, o transbordo, o desembarque, o armazenamento, o transporte, o beneficiamento e a comercialização da piracatinga, em águas jurisdicionais brasileiras, e, em todo território nacional.

O órgão ainda explica que a moratória de pesca “consiste em uma estratégia de ordenamento na qual a captura de determinado recurso pesqueiro é proibida por um período estipulado, para a recuperação dos seus estoques em níveis sustentáveis”. “Neste caso, a moratória está pautada não por causa do estoque da piracatinga e sim a partir de denúncias de uso de iscas de botos e jacarés na técnica de pesca utilizada para a espécie.”

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