Por que a maioria das áreas protegidas da Mata Atlântica está fora dos registros oficiais?


Número de áreas municipais protegidas dentro do bioma é quatro vezes maior do que o registro oficial, revela levantamento da Fundação SOS Mata Atlântica

Por Emilio Sant'Anna

Quando o temporal veio, no carnaval, os moradores da Prainha Branca pegaram em enxadas para abrir valões que escoaram direto para o mar a água que descia dos morros. Na mesma noite em que 65 pessoas morreram no litoral norte de São Paulo, essa comunidade isolada no Guarujá passou sem vítimas.

A vila está dentro de uma Área de Proteção Permanente criada pelo município na década de 1990. Por isso, seus moradores se articulam para preservar a Mata Atlântica que os rodeia e receberam treinamento para a formação de um Núcleo Comunitário Experimental de Proteção e Defesa Civil, iniciativa da Fundação S.O.S. Mata Atlântica em parceria com o Corpo de Bombeiros e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente que possibilitou a mobilização durante a chuva.

Presidente da associação local de moradores, Claudenice Oliveira de Almeida Flávio, de 51 anos, faz parte do conselho de Áreas de Proteção Ambiental (APAs) municipais. Foi dessa forma que ficou sabendo da possibilidade de ter em sua comunidade o Núcleo de Defesa Civil. “A comunidade toda hoje está preparada para preservar o morro, até combate a incêndio e transporte de doentes já fizemos”, diz.

Vista da Prainha Branca, no Guarujá, no litoral de São Paulo; cerca de 400 pessoas vivem dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA) Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

As cerca de 400 pessoas que ali vivem podem estar parcialmente isoladas, mas não passam desapercebidas. O local consta do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) da Mata Atlântica, mas isso está longe de ser a regra. Levantamento da Fundação S.O.S. Mata Atlântica mostra que há um apagão de conhecimento sobre essas áreas. O número real de unidades de conservação municipais inseridas no bioma é quatro vezes maior do que o registro oficial do CNUC.

O estudo avaliou 1.257 municípios e cruzou dados de levantamentos anteriores, permitindo, pela primeira vez, uma estimativa nos 3.429 municípios que estão no bioma. Os resultados revelaram a existência de pelo menos 1.530 unidades de conservação em 710 municípios, abrangendo uma área de 5,2 milhões de hectares.

O fato de o número real ser quatro vezes maior do que o conhecido até poderia ser uma boa notícia, mas há nisso um evidente, e muito maior, lado ruim. O cadastro das UC no sistema é de responsabilidade dos municípios e, quando eles não fazem isso, impedem ações dos Estados e da União, deixam de ter capacidade de criarem políticas de uso do solo adequadas, mantêm afastada a própria população, além de perderem receitas vindas, por exemplo, do ICMS Verde ou Ecológico.

Em São Paulo, lei estadual de 1993 introduziu as áreas protegidas como critério para repasse da cota municipal do ICMS. Esse critério é chamado ICMS Ecológico e é calculado em função da existência de espaços territoriais especialmente protegidos nos municípios.

Fragilidade dos municípios

O bioma em que a Prainha Branca e as 1.530 UC estão inseridas - a maior parte desconhecidas pelo Governo Federal - é o mesmo que está presente em cerca de 15% do território brasileiro, em 17 Estados. Mais de 70% das pessoas do Brasil vivem nessas áreas, que concentram 80% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Diego Igawa Martinez, biólogo e coordenador de projetos da Fundação SOS Mata Atlântica, afirma que essa subnotificação além de prejudicar a administração municipal, dificultar processos como licenciamento ambiental e o acesso a medidas compensatórias ou financiamento, revela a fragilidade administrativa dos municípios, muitos nos Estados mais ricos do País.

“Muitas vezes esses municípios não têm funcionários para fazer a inserção das informações nos sistemas, ou as UCs não têm perímetro definido e outros problemas”, diz. “A forma como o sistema é feito é muito lógica para os Estados e municípios, mas na prática eles têm muita dificuldade.”

Se falta capacidade para informar, para proteger não é diferente. De sua extensão original, a Mata Atlântica tem hoje apenas 24% da floresta. Ainda assim, em março deste ano a Câmara dos Deputados aprovou uma Medida Provisória sobre o Programa de Regularização Ambiental com emendas ao texto original que afetavam e flexibilizavam diretamente a Lei da Mata Atlântica.

Uma delas, de autoria do deputado Rodrigo de Castro (União-MG), permitia o desmatamento para implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, gasoduto e sistemas de abastecimento de água sem estudo prévio de impacto ambiental. Em junho, no Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou trechos da MP que flexibilizavam a lei da Mata Atlântica facilitando o desmatamento.

Claudenice Oliveira, presidente da associação de moradores da comunidade da Prainha Branca, no Guarujá Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

Após ser considerado patrimônio nacional pela Constituição de 1988, o bioma ganhou uma lei para ser protegido 18 anos depois quando, no dia 22 de dezembro de 2006, foi sancionada a Lei da Mata Atlântica.

A lei regulamenta a proteção e uso da biodiversidade e recursos da floresta. Entre outros pontos, a legislação proíbe o desmatamento de florestas primárias, cria incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas, estimula doações da iniciativa privada para projetos de conservação e delimita qual é o domínio da floresta.

Dos 710 municípios que têm UCs, a maioria (464 ou 65% do total) tem uma única área protegida sob sua responsabilidade, enquanto apenas 18 (3% do total) são responsáveis por mais de dez. Entre os Estados, Minas Gerais chama atenção pelo total de área protegida, com 305 UCs que correspondem a 1.891.524 hectares. O Rio de Janeiro, por sua vez, tem o maior número de UCs identificadas (420), e fica em quarto lugar no que se refere à área de cobertura total (702.938 hectares).

De acordo com o Diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Pedro da Cunha e Menezes, o governo federal tem ciência da defasagem do cadastro e a pasta pediu ao SOS Mata Atlântica os dados do levantamento das UCs “para verificar o problema de cada uma delas”. “Isso pode acontecer por algum vício na criação das unidades, por não terem tido o processo legal bem instruído ou por simples desconhecimento das prefeituras”, afirma.

Cunha e Menezes diz que uma cartilha foi criada para ser distribuída às prefeituras para estimular o cadastro e conhecimento das leis ambientais. “Se você sabe onde estão as unidades de conservação, isso facilita o planejamento. O planejamento de uma unidade federal, por exemplo, vai ser feito de forma complementar às do Estado e dos municípios”, afirma.

Quando o temporal veio, no carnaval, os moradores da Prainha Branca pegaram em enxadas para abrir valões que escoaram direto para o mar a água que descia dos morros. Na mesma noite em que 65 pessoas morreram no litoral norte de São Paulo, essa comunidade isolada no Guarujá passou sem vítimas.

A vila está dentro de uma Área de Proteção Permanente criada pelo município na década de 1990. Por isso, seus moradores se articulam para preservar a Mata Atlântica que os rodeia e receberam treinamento para a formação de um Núcleo Comunitário Experimental de Proteção e Defesa Civil, iniciativa da Fundação S.O.S. Mata Atlântica em parceria com o Corpo de Bombeiros e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente que possibilitou a mobilização durante a chuva.

Presidente da associação local de moradores, Claudenice Oliveira de Almeida Flávio, de 51 anos, faz parte do conselho de Áreas de Proteção Ambiental (APAs) municipais. Foi dessa forma que ficou sabendo da possibilidade de ter em sua comunidade o Núcleo de Defesa Civil. “A comunidade toda hoje está preparada para preservar o morro, até combate a incêndio e transporte de doentes já fizemos”, diz.

Vista da Prainha Branca, no Guarujá, no litoral de São Paulo; cerca de 400 pessoas vivem dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA) Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

As cerca de 400 pessoas que ali vivem podem estar parcialmente isoladas, mas não passam desapercebidas. O local consta do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) da Mata Atlântica, mas isso está longe de ser a regra. Levantamento da Fundação S.O.S. Mata Atlântica mostra que há um apagão de conhecimento sobre essas áreas. O número real de unidades de conservação municipais inseridas no bioma é quatro vezes maior do que o registro oficial do CNUC.

O estudo avaliou 1.257 municípios e cruzou dados de levantamentos anteriores, permitindo, pela primeira vez, uma estimativa nos 3.429 municípios que estão no bioma. Os resultados revelaram a existência de pelo menos 1.530 unidades de conservação em 710 municípios, abrangendo uma área de 5,2 milhões de hectares.

O fato de o número real ser quatro vezes maior do que o conhecido até poderia ser uma boa notícia, mas há nisso um evidente, e muito maior, lado ruim. O cadastro das UC no sistema é de responsabilidade dos municípios e, quando eles não fazem isso, impedem ações dos Estados e da União, deixam de ter capacidade de criarem políticas de uso do solo adequadas, mantêm afastada a própria população, além de perderem receitas vindas, por exemplo, do ICMS Verde ou Ecológico.

Em São Paulo, lei estadual de 1993 introduziu as áreas protegidas como critério para repasse da cota municipal do ICMS. Esse critério é chamado ICMS Ecológico e é calculado em função da existência de espaços territoriais especialmente protegidos nos municípios.

Fragilidade dos municípios

O bioma em que a Prainha Branca e as 1.530 UC estão inseridas - a maior parte desconhecidas pelo Governo Federal - é o mesmo que está presente em cerca de 15% do território brasileiro, em 17 Estados. Mais de 70% das pessoas do Brasil vivem nessas áreas, que concentram 80% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Diego Igawa Martinez, biólogo e coordenador de projetos da Fundação SOS Mata Atlântica, afirma que essa subnotificação além de prejudicar a administração municipal, dificultar processos como licenciamento ambiental e o acesso a medidas compensatórias ou financiamento, revela a fragilidade administrativa dos municípios, muitos nos Estados mais ricos do País.

“Muitas vezes esses municípios não têm funcionários para fazer a inserção das informações nos sistemas, ou as UCs não têm perímetro definido e outros problemas”, diz. “A forma como o sistema é feito é muito lógica para os Estados e municípios, mas na prática eles têm muita dificuldade.”

Se falta capacidade para informar, para proteger não é diferente. De sua extensão original, a Mata Atlântica tem hoje apenas 24% da floresta. Ainda assim, em março deste ano a Câmara dos Deputados aprovou uma Medida Provisória sobre o Programa de Regularização Ambiental com emendas ao texto original que afetavam e flexibilizavam diretamente a Lei da Mata Atlântica.

Uma delas, de autoria do deputado Rodrigo de Castro (União-MG), permitia o desmatamento para implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, gasoduto e sistemas de abastecimento de água sem estudo prévio de impacto ambiental. Em junho, no Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou trechos da MP que flexibilizavam a lei da Mata Atlântica facilitando o desmatamento.

Claudenice Oliveira, presidente da associação de moradores da comunidade da Prainha Branca, no Guarujá Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

Após ser considerado patrimônio nacional pela Constituição de 1988, o bioma ganhou uma lei para ser protegido 18 anos depois quando, no dia 22 de dezembro de 2006, foi sancionada a Lei da Mata Atlântica.

A lei regulamenta a proteção e uso da biodiversidade e recursos da floresta. Entre outros pontos, a legislação proíbe o desmatamento de florestas primárias, cria incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas, estimula doações da iniciativa privada para projetos de conservação e delimita qual é o domínio da floresta.

Dos 710 municípios que têm UCs, a maioria (464 ou 65% do total) tem uma única área protegida sob sua responsabilidade, enquanto apenas 18 (3% do total) são responsáveis por mais de dez. Entre os Estados, Minas Gerais chama atenção pelo total de área protegida, com 305 UCs que correspondem a 1.891.524 hectares. O Rio de Janeiro, por sua vez, tem o maior número de UCs identificadas (420), e fica em quarto lugar no que se refere à área de cobertura total (702.938 hectares).

De acordo com o Diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Pedro da Cunha e Menezes, o governo federal tem ciência da defasagem do cadastro e a pasta pediu ao SOS Mata Atlântica os dados do levantamento das UCs “para verificar o problema de cada uma delas”. “Isso pode acontecer por algum vício na criação das unidades, por não terem tido o processo legal bem instruído ou por simples desconhecimento das prefeituras”, afirma.

Cunha e Menezes diz que uma cartilha foi criada para ser distribuída às prefeituras para estimular o cadastro e conhecimento das leis ambientais. “Se você sabe onde estão as unidades de conservação, isso facilita o planejamento. O planejamento de uma unidade federal, por exemplo, vai ser feito de forma complementar às do Estado e dos municípios”, afirma.

Quando o temporal veio, no carnaval, os moradores da Prainha Branca pegaram em enxadas para abrir valões que escoaram direto para o mar a água que descia dos morros. Na mesma noite em que 65 pessoas morreram no litoral norte de São Paulo, essa comunidade isolada no Guarujá passou sem vítimas.

A vila está dentro de uma Área de Proteção Permanente criada pelo município na década de 1990. Por isso, seus moradores se articulam para preservar a Mata Atlântica que os rodeia e receberam treinamento para a formação de um Núcleo Comunitário Experimental de Proteção e Defesa Civil, iniciativa da Fundação S.O.S. Mata Atlântica em parceria com o Corpo de Bombeiros e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente que possibilitou a mobilização durante a chuva.

Presidente da associação local de moradores, Claudenice Oliveira de Almeida Flávio, de 51 anos, faz parte do conselho de Áreas de Proteção Ambiental (APAs) municipais. Foi dessa forma que ficou sabendo da possibilidade de ter em sua comunidade o Núcleo de Defesa Civil. “A comunidade toda hoje está preparada para preservar o morro, até combate a incêndio e transporte de doentes já fizemos”, diz.

Vista da Prainha Branca, no Guarujá, no litoral de São Paulo; cerca de 400 pessoas vivem dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA) Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

As cerca de 400 pessoas que ali vivem podem estar parcialmente isoladas, mas não passam desapercebidas. O local consta do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) da Mata Atlântica, mas isso está longe de ser a regra. Levantamento da Fundação S.O.S. Mata Atlântica mostra que há um apagão de conhecimento sobre essas áreas. O número real de unidades de conservação municipais inseridas no bioma é quatro vezes maior do que o registro oficial do CNUC.

O estudo avaliou 1.257 municípios e cruzou dados de levantamentos anteriores, permitindo, pela primeira vez, uma estimativa nos 3.429 municípios que estão no bioma. Os resultados revelaram a existência de pelo menos 1.530 unidades de conservação em 710 municípios, abrangendo uma área de 5,2 milhões de hectares.

O fato de o número real ser quatro vezes maior do que o conhecido até poderia ser uma boa notícia, mas há nisso um evidente, e muito maior, lado ruim. O cadastro das UC no sistema é de responsabilidade dos municípios e, quando eles não fazem isso, impedem ações dos Estados e da União, deixam de ter capacidade de criarem políticas de uso do solo adequadas, mantêm afastada a própria população, além de perderem receitas vindas, por exemplo, do ICMS Verde ou Ecológico.

Em São Paulo, lei estadual de 1993 introduziu as áreas protegidas como critério para repasse da cota municipal do ICMS. Esse critério é chamado ICMS Ecológico e é calculado em função da existência de espaços territoriais especialmente protegidos nos municípios.

Fragilidade dos municípios

O bioma em que a Prainha Branca e as 1.530 UC estão inseridas - a maior parte desconhecidas pelo Governo Federal - é o mesmo que está presente em cerca de 15% do território brasileiro, em 17 Estados. Mais de 70% das pessoas do Brasil vivem nessas áreas, que concentram 80% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Diego Igawa Martinez, biólogo e coordenador de projetos da Fundação SOS Mata Atlântica, afirma que essa subnotificação além de prejudicar a administração municipal, dificultar processos como licenciamento ambiental e o acesso a medidas compensatórias ou financiamento, revela a fragilidade administrativa dos municípios, muitos nos Estados mais ricos do País.

“Muitas vezes esses municípios não têm funcionários para fazer a inserção das informações nos sistemas, ou as UCs não têm perímetro definido e outros problemas”, diz. “A forma como o sistema é feito é muito lógica para os Estados e municípios, mas na prática eles têm muita dificuldade.”

Se falta capacidade para informar, para proteger não é diferente. De sua extensão original, a Mata Atlântica tem hoje apenas 24% da floresta. Ainda assim, em março deste ano a Câmara dos Deputados aprovou uma Medida Provisória sobre o Programa de Regularização Ambiental com emendas ao texto original que afetavam e flexibilizavam diretamente a Lei da Mata Atlântica.

Uma delas, de autoria do deputado Rodrigo de Castro (União-MG), permitia o desmatamento para implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, gasoduto e sistemas de abastecimento de água sem estudo prévio de impacto ambiental. Em junho, no Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou trechos da MP que flexibilizavam a lei da Mata Atlântica facilitando o desmatamento.

Claudenice Oliveira, presidente da associação de moradores da comunidade da Prainha Branca, no Guarujá Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

Após ser considerado patrimônio nacional pela Constituição de 1988, o bioma ganhou uma lei para ser protegido 18 anos depois quando, no dia 22 de dezembro de 2006, foi sancionada a Lei da Mata Atlântica.

A lei regulamenta a proteção e uso da biodiversidade e recursos da floresta. Entre outros pontos, a legislação proíbe o desmatamento de florestas primárias, cria incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas, estimula doações da iniciativa privada para projetos de conservação e delimita qual é o domínio da floresta.

Dos 710 municípios que têm UCs, a maioria (464 ou 65% do total) tem uma única área protegida sob sua responsabilidade, enquanto apenas 18 (3% do total) são responsáveis por mais de dez. Entre os Estados, Minas Gerais chama atenção pelo total de área protegida, com 305 UCs que correspondem a 1.891.524 hectares. O Rio de Janeiro, por sua vez, tem o maior número de UCs identificadas (420), e fica em quarto lugar no que se refere à área de cobertura total (702.938 hectares).

De acordo com o Diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Pedro da Cunha e Menezes, o governo federal tem ciência da defasagem do cadastro e a pasta pediu ao SOS Mata Atlântica os dados do levantamento das UCs “para verificar o problema de cada uma delas”. “Isso pode acontecer por algum vício na criação das unidades, por não terem tido o processo legal bem instruído ou por simples desconhecimento das prefeituras”, afirma.

Cunha e Menezes diz que uma cartilha foi criada para ser distribuída às prefeituras para estimular o cadastro e conhecimento das leis ambientais. “Se você sabe onde estão as unidades de conservação, isso facilita o planejamento. O planejamento de uma unidade federal, por exemplo, vai ser feito de forma complementar às do Estado e dos municípios”, afirma.

Quando o temporal veio, no carnaval, os moradores da Prainha Branca pegaram em enxadas para abrir valões que escoaram direto para o mar a água que descia dos morros. Na mesma noite em que 65 pessoas morreram no litoral norte de São Paulo, essa comunidade isolada no Guarujá passou sem vítimas.

A vila está dentro de uma Área de Proteção Permanente criada pelo município na década de 1990. Por isso, seus moradores se articulam para preservar a Mata Atlântica que os rodeia e receberam treinamento para a formação de um Núcleo Comunitário Experimental de Proteção e Defesa Civil, iniciativa da Fundação S.O.S. Mata Atlântica em parceria com o Corpo de Bombeiros e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente que possibilitou a mobilização durante a chuva.

Presidente da associação local de moradores, Claudenice Oliveira de Almeida Flávio, de 51 anos, faz parte do conselho de Áreas de Proteção Ambiental (APAs) municipais. Foi dessa forma que ficou sabendo da possibilidade de ter em sua comunidade o Núcleo de Defesa Civil. “A comunidade toda hoje está preparada para preservar o morro, até combate a incêndio e transporte de doentes já fizemos”, diz.

Vista da Prainha Branca, no Guarujá, no litoral de São Paulo; cerca de 400 pessoas vivem dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA) Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

As cerca de 400 pessoas que ali vivem podem estar parcialmente isoladas, mas não passam desapercebidas. O local consta do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) da Mata Atlântica, mas isso está longe de ser a regra. Levantamento da Fundação S.O.S. Mata Atlântica mostra que há um apagão de conhecimento sobre essas áreas. O número real de unidades de conservação municipais inseridas no bioma é quatro vezes maior do que o registro oficial do CNUC.

O estudo avaliou 1.257 municípios e cruzou dados de levantamentos anteriores, permitindo, pela primeira vez, uma estimativa nos 3.429 municípios que estão no bioma. Os resultados revelaram a existência de pelo menos 1.530 unidades de conservação em 710 municípios, abrangendo uma área de 5,2 milhões de hectares.

O fato de o número real ser quatro vezes maior do que o conhecido até poderia ser uma boa notícia, mas há nisso um evidente, e muito maior, lado ruim. O cadastro das UC no sistema é de responsabilidade dos municípios e, quando eles não fazem isso, impedem ações dos Estados e da União, deixam de ter capacidade de criarem políticas de uso do solo adequadas, mantêm afastada a própria população, além de perderem receitas vindas, por exemplo, do ICMS Verde ou Ecológico.

Em São Paulo, lei estadual de 1993 introduziu as áreas protegidas como critério para repasse da cota municipal do ICMS. Esse critério é chamado ICMS Ecológico e é calculado em função da existência de espaços territoriais especialmente protegidos nos municípios.

Fragilidade dos municípios

O bioma em que a Prainha Branca e as 1.530 UC estão inseridas - a maior parte desconhecidas pelo Governo Federal - é o mesmo que está presente em cerca de 15% do território brasileiro, em 17 Estados. Mais de 70% das pessoas do Brasil vivem nessas áreas, que concentram 80% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Diego Igawa Martinez, biólogo e coordenador de projetos da Fundação SOS Mata Atlântica, afirma que essa subnotificação além de prejudicar a administração municipal, dificultar processos como licenciamento ambiental e o acesso a medidas compensatórias ou financiamento, revela a fragilidade administrativa dos municípios, muitos nos Estados mais ricos do País.

“Muitas vezes esses municípios não têm funcionários para fazer a inserção das informações nos sistemas, ou as UCs não têm perímetro definido e outros problemas”, diz. “A forma como o sistema é feito é muito lógica para os Estados e municípios, mas na prática eles têm muita dificuldade.”

Se falta capacidade para informar, para proteger não é diferente. De sua extensão original, a Mata Atlântica tem hoje apenas 24% da floresta. Ainda assim, em março deste ano a Câmara dos Deputados aprovou uma Medida Provisória sobre o Programa de Regularização Ambiental com emendas ao texto original que afetavam e flexibilizavam diretamente a Lei da Mata Atlântica.

Uma delas, de autoria do deputado Rodrigo de Castro (União-MG), permitia o desmatamento para implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, gasoduto e sistemas de abastecimento de água sem estudo prévio de impacto ambiental. Em junho, no Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou trechos da MP que flexibilizavam a lei da Mata Atlântica facilitando o desmatamento.

Claudenice Oliveira, presidente da associação de moradores da comunidade da Prainha Branca, no Guarujá Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

Após ser considerado patrimônio nacional pela Constituição de 1988, o bioma ganhou uma lei para ser protegido 18 anos depois quando, no dia 22 de dezembro de 2006, foi sancionada a Lei da Mata Atlântica.

A lei regulamenta a proteção e uso da biodiversidade e recursos da floresta. Entre outros pontos, a legislação proíbe o desmatamento de florestas primárias, cria incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas, estimula doações da iniciativa privada para projetos de conservação e delimita qual é o domínio da floresta.

Dos 710 municípios que têm UCs, a maioria (464 ou 65% do total) tem uma única área protegida sob sua responsabilidade, enquanto apenas 18 (3% do total) são responsáveis por mais de dez. Entre os Estados, Minas Gerais chama atenção pelo total de área protegida, com 305 UCs que correspondem a 1.891.524 hectares. O Rio de Janeiro, por sua vez, tem o maior número de UCs identificadas (420), e fica em quarto lugar no que se refere à área de cobertura total (702.938 hectares).

De acordo com o Diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Pedro da Cunha e Menezes, o governo federal tem ciência da defasagem do cadastro e a pasta pediu ao SOS Mata Atlântica os dados do levantamento das UCs “para verificar o problema de cada uma delas”. “Isso pode acontecer por algum vício na criação das unidades, por não terem tido o processo legal bem instruído ou por simples desconhecimento das prefeituras”, afirma.

Cunha e Menezes diz que uma cartilha foi criada para ser distribuída às prefeituras para estimular o cadastro e conhecimento das leis ambientais. “Se você sabe onde estão as unidades de conservação, isso facilita o planejamento. O planejamento de uma unidade federal, por exemplo, vai ser feito de forma complementar às do Estado e dos municípios”, afirma.

Quando o temporal veio, no carnaval, os moradores da Prainha Branca pegaram em enxadas para abrir valões que escoaram direto para o mar a água que descia dos morros. Na mesma noite em que 65 pessoas morreram no litoral norte de São Paulo, essa comunidade isolada no Guarujá passou sem vítimas.

A vila está dentro de uma Área de Proteção Permanente criada pelo município na década de 1990. Por isso, seus moradores se articulam para preservar a Mata Atlântica que os rodeia e receberam treinamento para a formação de um Núcleo Comunitário Experimental de Proteção e Defesa Civil, iniciativa da Fundação S.O.S. Mata Atlântica em parceria com o Corpo de Bombeiros e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente que possibilitou a mobilização durante a chuva.

Presidente da associação local de moradores, Claudenice Oliveira de Almeida Flávio, de 51 anos, faz parte do conselho de Áreas de Proteção Ambiental (APAs) municipais. Foi dessa forma que ficou sabendo da possibilidade de ter em sua comunidade o Núcleo de Defesa Civil. “A comunidade toda hoje está preparada para preservar o morro, até combate a incêndio e transporte de doentes já fizemos”, diz.

Vista da Prainha Branca, no Guarujá, no litoral de São Paulo; cerca de 400 pessoas vivem dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA) Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

As cerca de 400 pessoas que ali vivem podem estar parcialmente isoladas, mas não passam desapercebidas. O local consta do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) da Mata Atlântica, mas isso está longe de ser a regra. Levantamento da Fundação S.O.S. Mata Atlântica mostra que há um apagão de conhecimento sobre essas áreas. O número real de unidades de conservação municipais inseridas no bioma é quatro vezes maior do que o registro oficial do CNUC.

O estudo avaliou 1.257 municípios e cruzou dados de levantamentos anteriores, permitindo, pela primeira vez, uma estimativa nos 3.429 municípios que estão no bioma. Os resultados revelaram a existência de pelo menos 1.530 unidades de conservação em 710 municípios, abrangendo uma área de 5,2 milhões de hectares.

O fato de o número real ser quatro vezes maior do que o conhecido até poderia ser uma boa notícia, mas há nisso um evidente, e muito maior, lado ruim. O cadastro das UC no sistema é de responsabilidade dos municípios e, quando eles não fazem isso, impedem ações dos Estados e da União, deixam de ter capacidade de criarem políticas de uso do solo adequadas, mantêm afastada a própria população, além de perderem receitas vindas, por exemplo, do ICMS Verde ou Ecológico.

Em São Paulo, lei estadual de 1993 introduziu as áreas protegidas como critério para repasse da cota municipal do ICMS. Esse critério é chamado ICMS Ecológico e é calculado em função da existência de espaços territoriais especialmente protegidos nos municípios.

Fragilidade dos municípios

O bioma em que a Prainha Branca e as 1.530 UC estão inseridas - a maior parte desconhecidas pelo Governo Federal - é o mesmo que está presente em cerca de 15% do território brasileiro, em 17 Estados. Mais de 70% das pessoas do Brasil vivem nessas áreas, que concentram 80% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Diego Igawa Martinez, biólogo e coordenador de projetos da Fundação SOS Mata Atlântica, afirma que essa subnotificação além de prejudicar a administração municipal, dificultar processos como licenciamento ambiental e o acesso a medidas compensatórias ou financiamento, revela a fragilidade administrativa dos municípios, muitos nos Estados mais ricos do País.

“Muitas vezes esses municípios não têm funcionários para fazer a inserção das informações nos sistemas, ou as UCs não têm perímetro definido e outros problemas”, diz. “A forma como o sistema é feito é muito lógica para os Estados e municípios, mas na prática eles têm muita dificuldade.”

Se falta capacidade para informar, para proteger não é diferente. De sua extensão original, a Mata Atlântica tem hoje apenas 24% da floresta. Ainda assim, em março deste ano a Câmara dos Deputados aprovou uma Medida Provisória sobre o Programa de Regularização Ambiental com emendas ao texto original que afetavam e flexibilizavam diretamente a Lei da Mata Atlântica.

Uma delas, de autoria do deputado Rodrigo de Castro (União-MG), permitia o desmatamento para implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, gasoduto e sistemas de abastecimento de água sem estudo prévio de impacto ambiental. Em junho, no Dia Mundial do Meio Ambiente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou trechos da MP que flexibilizavam a lei da Mata Atlântica facilitando o desmatamento.

Claudenice Oliveira, presidente da associação de moradores da comunidade da Prainha Branca, no Guarujá Foto: MARCELO CHELLO/ESTADÃO

Após ser considerado patrimônio nacional pela Constituição de 1988, o bioma ganhou uma lei para ser protegido 18 anos depois quando, no dia 22 de dezembro de 2006, foi sancionada a Lei da Mata Atlântica.

A lei regulamenta a proteção e uso da biodiversidade e recursos da floresta. Entre outros pontos, a legislação proíbe o desmatamento de florestas primárias, cria incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas, estimula doações da iniciativa privada para projetos de conservação e delimita qual é o domínio da floresta.

Dos 710 municípios que têm UCs, a maioria (464 ou 65% do total) tem uma única área protegida sob sua responsabilidade, enquanto apenas 18 (3% do total) são responsáveis por mais de dez. Entre os Estados, Minas Gerais chama atenção pelo total de área protegida, com 305 UCs que correspondem a 1.891.524 hectares. O Rio de Janeiro, por sua vez, tem o maior número de UCs identificadas (420), e fica em quarto lugar no que se refere à área de cobertura total (702.938 hectares).

De acordo com o Diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Pedro da Cunha e Menezes, o governo federal tem ciência da defasagem do cadastro e a pasta pediu ao SOS Mata Atlântica os dados do levantamento das UCs “para verificar o problema de cada uma delas”. “Isso pode acontecer por algum vício na criação das unidades, por não terem tido o processo legal bem instruído ou por simples desconhecimento das prefeituras”, afirma.

Cunha e Menezes diz que uma cartilha foi criada para ser distribuída às prefeituras para estimular o cadastro e conhecimento das leis ambientais. “Se você sabe onde estão as unidades de conservação, isso facilita o planejamento. O planejamento de uma unidade federal, por exemplo, vai ser feito de forma complementar às do Estado e dos municípios”, afirma.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.