Executivos de diferentes nacionalidades passam dias em barcos simples na Amazônia, dormindo em redes, comendo peixe pescado pela comunidade e tomando banho no rio. Um cenário que pode parecer improvável se torna real com uma disciplina de liderança sustentável, criada por professores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP FGV), que recebeu uma premiação da Organização das Nações Unidas (ONU).
O prêmio PRME Faculty Teaching Award 2024 reconhece pedagogias inovadoras que promovem o desenvolvimento sustentável.
- A disciplina Sustainable Leadership: The Rainforest Perspective (Liderança Sustentável: Uma Perspectiva da Floresta) foi uma das cinco vencedoras no mundo, dentre mais de 800 concorrentes, signatários de uma iniciativa da ONU para engajar a incorporação de temas da sustentabilidade em seus currículos, pesquisas, aulas, metodologias e estratégias institucionais.
Três vezes ao ano, a disciplina optativa leva estudantes de pós-graduação, mestrado e MBAs na área da administração e negócios para passar cinco dias vivenciando a realidade das comunidades ribeirinhas amazônicas, em Santarém, no Pará.
Lá, os alunos, que são em sua maioria empresários ou executivos de empresas que lidam com sustentabilidade, entram em um barco simples - semelhante ao que é usado pelos moradores da região - e descem pelo Rio Tapajós, passando por várias comunidades locais, e fazendo atividades de reflexão e diálogos com atores e lideranças locais.
O empresário Alexandre Kelemen, de 38 anos, era um dos poucos brasileiros da sua turma. Ele conta que decidiu cursar a disciplina como forma de sair da sala de aula e vivenciar, na prática, a Amazônia, que atravessa diversos temas de sustentabilidade no Brasil.
“Você sai daquela sua vida na selva de pedra, no meu caso, em São Paulo, e vai para a Amazônia, não como um turista ambiental, você realmente vivencia, convivendo com essas pessoas, conversando individualmente, e não recebendo essa informação de um terceiro”, relata.
O objetivo da disciplina é permitir que os estudantes conheçam concepções diferentes de liderança, ampliando as abordagens tradicionais, ensinadas em sala de aula. Além disso, a experiência visa aproximar os profissionais à vivência de formas alternativas de organização e reflexões sobre o que ser uma liderança para a sustentabilidade.
“A gente consegue falar sobre mudanças políticas, desenvolvimento local, pobreza, biodiversidade, bioeconomia, a partir da escuta dessas lideranças”, explica a professora e criadora da disciplina Fernanda Carreira, reforçando não se tratar de uma viagem de turismo, mas uma imersão na cultura local.
Os alunos têm um perfil que já vem com experiência profissional de liderança na área da sustentabilidade e são de diferentes países - Suécia, Estados Unidos, Índia, China, Austrália, México, Chile, Canadá, Peru e Irlanda são alguns exemplos. Isso porque a disciplina não é apenas para alunos da EAESP FGV. Na verdade, ela integra a grade de um programa de intercâmbio formado por 32 escolas de negócios de diversas regiões do mundo.
“Estamos falando de alunos e alunas de diversos países, que passam uma semana juntos em um barco navegando pelo Tapajós, ouvindo lideranças comunitárias, indígenas, mulheres sobre o que é ser uma liderança para sustentabilidade, algo muito diferente do que aprendem em suas escolas de negócios, muitas delas no ranking das melhores do mundo, como Yale, Harvard e Berkeley”, diz a criadora da disciplina. Por isso, há uma ênfase na empatia, na colaboração e na gestão ambiental, acrescenta.
Kelemen afirma que a experiência foi muito importante para a sua vida profissional. “Trabalho principalmente com dados de sustentabilidade, e (percebi que) todo dado tem alguém por trás. Quando a gente fala de mudança climática, a gente pensa na temperatura do planeta, mas na verdade isso impacta pessoas, quando o nível dos rios na Amazônia estão descendo, por exemplo”, diz.
A ideia para criar a disciplina partiu de uma crítica à literatura tradicional da área de gestão. O propósito, então, é fazer com que esses estudantes internacionais, que lideram empresas em várias partes do mundo, possam ir além do que é tradicionalmente ensinado em sala de aula e aprendam na prática, resume Carreira.
“Muitas vezes, os profissionais vêm para os territórios com uma postura que não é a de liderança, com baixa escuta, entendendo que a empresa é o centro das negociações e que tudo gira em torno dela. A gente quer quebrar um pouco essa perspectiva e trazer um olhar mais decolonial, de escuta, do que essas outras pessoas que são lideranças nos seus territórios compreendem”, explica a criadora da experiência.
“Ampliei minha visão de mundo, muitos preconceitos caíram, muitas certezas minhas deixaram de existir. Já fui para lugares muito longe, Tailândia, Hong Kong, mas é engraçado que eu só entendi como o mundo é grande e como o Brasil é grande, quando eu fui pra essa expedição”, diz Kelemen.