Um projeto de lei da gestão Ricardo Nunes (MDB) prevê o corte de 10.147 árvores para ampliar a infraestrutura de gestão de resíduos na zona leste de São Paulo, em área remanescente da Mata Atlântica. A proposta foi aprovada em primeira votação pela Câmara Municipal e a segunda deve ocorrer nesta semana.
O PL altera o Plano Diretor para permitir a expansão da Central de Tratamento de Resíduos Leste (CTL), aterro em São Mateus, e a criação do Ecoparque Leste, destinado à separação e tratamento do lixo por uma variedade de tecnologias, incluindo a queima de resíduos.
A Prefeitura diz que o empreendimento “cumpre rigorosamente as exigências ambientais e foi autorizado pelos órgãos licenciadores”. Acrescenta que permitirá “aumento do potencial de reciclagem da cidade e redução do envio de resíduos destinados a aterros”, sem especificar metas.
O plano inclui replantio de árvores em outro local. A concessionária Ecourbis afirma que as Unidades de Recuperação Energética (UREs), tipo de incinerador a ser implantado no local, “possuem sistemas modernos de tratamento de emissão e não provocam impactos ambientais”.
Discutido em audiência pública na terça-feira, 26, o projeto havia sido criticado pela falta de debate com a população e pela supressão das árvores, que têm papel importante na redução dos impactos das mudanças climáticas na cidade. Uma nova audiência pública irá tratar o tema na segunda-feira, 2.
O que mudaria com o projeto
A mudança diz respeito ao mapa 2 do Plano Diretor Estratégico, que divide o município em grandes áreas conforme características e objetivos ambientais e urbanísticos.
A área adjacente à CTL de São Mateus, classificada como “Macroárea de Preservação de Ecossistemas Naturais”, que exige preservação integral, passaria a constar como “Macroárea de Qualificação Urbana e Ambiental”, que se aplica a áreas já urbanizadas, o que permitiria a implantação da infraestrutura.
Com isso, o projeto - 799/2024 - altera os limites de uma Zona Especial de Preservação Ambiental, da qual seriam suprimidas mais de 10 mil árvores - 981 delas nativas - para construir o ecoparque.
O montante consta no Termo de Compromisso Ambiental firmado pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, que prevê o plantio compensatório de 19.336 mudas de árvores. A pasta também concedeu em julho à Ecourbis, que opera a CTL desde 2010, licença Ambiental de Instalação da infraestrutura.
Leia Também:
Além do corte de árvores em área contígua às nascentes do Rio Aricanduva, a implantação no chamado ecoparque de uma Unidade de Recuperação Energética (URE), usina que queima resíduos para gerar energia, é outro ponto que preocupa especialistas e moradores.
“É um ponto extremamente sensível. Queimar resíduos gera cinzas e escórias tóxicas”, diz Beth Grimberg, coordenadora da área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis. Segundo a especialista, esse material precisaria ser enviado para aterros classe 1, de resíduos perigosos.
De acordo com o projeto de lei, a obrigação de expandir o centro de tratamento e implementar o ecoparque é da Ecourbis. Os contratos de concessão com a Ecourbis e a empresa Loga - renovados em julho pela gestão Nunes por mais 20 anos de forma automática, sem licitação - preveem a implantação de quatro incineradores na cidade em prazo de 20 anos, um dos quais seria instalado no Ecoparque Leste.
A Ecourbis afirma que as Unidades de Recuperação Energética não podem ser comparadas com simples sistemas de queima de lixo, pois “possuem sistemas modernos de tratamento de emissão e não provocam impactos ambientais”, além de monitoramento rigoroso e obrigatório pelo órgão ambiental do Estado.
Em relação ao descarte do material resultante da incineração, declara que as “escórias são classificadas como não perigosas e dispostas em aterro sanitário, enquanto as cinzas volantes, cerca de 3% da massa tratada, são destinadas a aterros específicos”, sem esclarecer se essa destinação ocorreria no próprio ecoparque.
Para a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Emilia Rutkowski, a Prefeitura “está abrindo mão de sua obrigação de mobilizar, com o envolvimento das cooperativas de catadores de materiais recicláveis, a população e os setores empresariais para a correta segregação na fonte”. Ou seja, fazer com que o lixo seja separado desde as casas e estabelecimentos e estruturar uma rede de coleta seletiva, o que facilita a reciclagem e o reaproveitamento.
Ela ressalta que, embora esteja presente nas diretrizes da PNRS e do Planares, a incineração deve ser adotada como último recurso.
O professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da USP Ronan Cleber Contrera referenda que os avanços na tecnologia dos incineradores fazem com que sejam hoje uma tecnologia menos prejudicial que no passado.
Para Contrera, “hoje o incinerador é a melhor forma, tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista ambiental, de tratamento para a fração de rejeitos dos resíduos sólidos urbanos, resíduos de serviços de saúde e também para uma grande parte dos resíduos industriais perigosos”. Porém, os materiais citados por ele como adequados para a incineração são aqueles que não podem ser reciclados, indicando a prioridade de outros métodos, principalmente da reciclagem e reuso, sobre a incineração.
Segundo a justificativa do projeto, o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do município, que data de 2014, “prevê a operação contínua da CTL, além da criação do Ecoparque Leste, que será um espaço adjacente ao aterro”. Ambos seriam “partes essenciais do planejamento de gestão de resíduos da cidade”.
Considerando que a vida útil da CTL deve ir até 2026, a expansão da infraestrutura atenderia ao aumento da demanda de destinação dos resíduos sólidos da capital. A área de construção do Ecoparque Leste seria “particularmente vocacionada para a gestão de resíduos sólidos” por já ter sido historicamente afetada pela atividade.
Segundo a Prefeitura, o município gera cerca de 12 mil toneladas de resíduos por dia, sendo aproximadamente 7 mil toneladas geradas e destinadas ao Agrupamento Sudeste, sob a responsabilidade da Concessionária.
Para o coordenador de Incidência Política do Pimp My Carroça, Carlos Thadeu, embora o projeto seja divulgado como um centro tecnológico moderno de tratamento de resíduos, ele prolonga a solução de aterro sanitário, “já vista como superada nos países mais desenvolvidos”.
Ele também critica a opção pela unidade de recuperação energética, segundo ele já desestimulada em países desenvolvidos, e que vê como desnecessária no Brasil, que tem fontes de energia limpa disponíveis. A ONG Pimp My Carroça foi criada em 2012 para impulsionar a cadeia de reciclagem e melhorar as condições de vida de catadores autônomos.
Na última audiência pública, vereadores cobraram esclarecimentos e melhorias de infraestrutura urbana para a população de São Mateus. Em um dos bairros mais vulneráveis da cidade, o único aterro ativo do município tem em seu entorno ruas sem pavimentação e regularização fundiária, afetadas por enchentes.
Conforme dados da plataforma Observa Sampa da Prefeitura, apenas 2,6% dos resíduos secos são reciclados na cidade e grande parte ainda acaba nos aterros sanitários. Segundo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, apenas rejeitos (materiais que não podem ser reciclados ou reutilizados) devem ser destinados a aterros.
Corte de árvores para obra de túneis motivou crise
No início de novembro, o corte de árvores na Rua Sena Madureira, a Vila Mariana, zona sul de São Paulo, para a construção de dois novos túneis pela Prefeitura motivou protestos de moradores e ambientalistas.
As obras foram suspensas por liminar do Tribunal de Justiça no dia 13, mas o prefeito disse que buscaria derrubar a decisão por meio de recurso.
A construção dos túneis no cruzamento da Sena Madureira com a Rua Domingos de Morais levaria à remoção de 172 árvores e da população residente na Rua Sousa Ramos, na Chácara Klabin. A justificativa apresentada pela Prefeitura para as obras é melhorar a fluidez no trânsito.
Leia Também:
A administração municipal afirmou ter licença ambiental para as obras e prometeu plantar 266 mudas após a conclusão, além de indenizar e realocar as famílias. O projeto dos túneis é alvo de três inquéritos do Ministério Público. Ele foi anunciado inicialmente na gestão Gilberto Kassab (2006-2012) e retomado em 2024 por Nunes.