Presença em massa da indústria do petróleo na COP de Baku piora crise das conferências do clima


Só 3 países têm mais representantes que área de combustíveis fósseis na cúpula, diz estudo; setor fala em investir em tecnologia de transição, mas manter exploração por mais uma década. ONU defende escolha da sede

Por Priscila Mengue

A escolha do “berço” da indústria petroleira como sede da COP-29 - Baku, no Azerbaijão - e a grande presença de defensores dos combustíveis fósseis têm ajudado a piorar a crise de credibilidade da cúpula do clima das Nações Unidas, que vai até o dia 22.

O setor é um dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, causador do aquecimento global. Na conferência, eles falam em investir em tecnologias de transição energética, mas defendem manter a exploração desses recursos pelo menos por outra década.

A percepção negativa é reforçada pela dificuldade de avançar nas negociações desta edição, com foco no financiamento da adaptação climática, que opõe países ricos e em desenvolvimento. A concorrência com a reunião do G-20 (grupo das 20 maiores economias globais) também esvaziou o evento. Integram a lista de ausentes os presidentes Joe Biden (EUA), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Emmanuel Macron (França), entre outros.

Uma carta assinada por algumas das maiores referências no tema no mundo — como o climatologista brasileiro Carlos Nobre e o ex-secretário geral da ONU Ban Ki-Moon — defendeu que a COP precisa ser repensada, com mais agilidade em negociações e ações, diante do agravamento da crise climática. O documento foi divulgado nesta sexta-feira, 15.

Os especialistas (identificados como “Clube de Roma”) defendem rever critérios de escolha das sedes, considerando que a atual e a anterior foram em “petroestados”, com economias centradas em combustíveis fósseis.

Em 2021, a ativista climática Greta Thunberg disse que a COP havia sido só “blá-blá-blá”. Novamente ausente da cúpula, ela participou nos últimos dias de protestos na Geórgia e na Armênia contra a escolha do Azerbaijão, também criticado pela repressão a opositores. A jovem sueca ainda acusou Baku de “falsa agenda verde”.

Protesto contra os combustíveis fósseis na COP-29, em Baku Foto: Peter Dejong/AP

Petróleo tem a 4ª maior delegação

Também nesta sexta, a coalizão Kick Big Polluters Out divulgou balanço de que o número de participantes registrados como parte da indústria dos combustíveis fósseis chegou a 1.773 nesta COP.

Se fosse um país, seria a quarta maior delegação, atrás apenas de Azerbaijão (2.229), Brasil (1.914) e Turquia (1.862). Na COP de Dubai, o total de participantes da indústria do petróleo havia batido recorde: 2.450.

O primeiro prêmio “Fóssil do Dia” desta edição - escolha feita por ambientalistas na COP desde 1999 - foi destinado ao G-7, grupo de nações ricas que têm hesitado em cumprir e ampliar o repasse de dinheiro para países em desenvolvimento, o que está previsto no Acordo de Paris, pacto climático global de 2015.

A eleição de Donald Trump para a Casa Branca aumenta o pessimismo, uma vez que ele tirou os Estados Unidos desse acordo em seu primeiro mandato (2017-2021).

A entrega do prêmio ocorreu no mesmo dia em que o pavilhão oficial do Azerbaijão recebeu um painel com representantes de petroleiras dos países da “Troika” (grupo formado pelos anfitriões da atual, da anterior e da próxima COP — o que inclui Emirados Árabes e Brasil).

No bate-papo, defenderam a continuidade da exploração de combustíveis fósseis ao menos por mais uma década e o investimento em tecnologia para a descarbonização do setor. Cientistas, por outro lado, têm defendido uma transição energética muito mais urgente.

Evento com Al Gore durante a COP-29 Foto: Sergei Grits/AP

“É um grande erro apenas reduzir o fornecimento sem reduzir a demanda. Independentemente da estimativa que fizermos, vamos continuar usando muitos combustíveis fósseis”, afirmou Elnur Soltanov, diretor-executivo da COP-29 e parte da diretoria da estatal de combustíveis fósseis do Azerbaijão (Socar). Dias antes do evento, seu nome gerou repercussão ao ser flagrado negociando novos investimentos nessa indústria, como revelou a rede britânica BBC.

No mesmo painel, o CEO do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Roberto Furian Ardenghy, também defendeu a continuidade da exploração dos combustíveis fósseis no Brasil. “Estamos fazendo a nossa parte para o afastamento”, também afirmou, ao se referir à concordância dos países pelo “distanciamento” gradual do carvão, do petróleo e do gás.

A situação pode impactar a COP brasileira em 2025, tanto pelo potencial de atrair mais atenção quanto pela pressão de retomar o debate de financiamento caso não evolua neste ano. Ao Estadão, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), afirmou que a COP-30, em Belém, retomará a “essência” da Cúpula do Clima.

“Quando se sai de duas COPs em ‘petroestados’ e vai para a Amazônia, isso tem um simbolismo extraordinário. Mostra o caminho daquilo que o Brasil deseja apresentar. Além disso, há necessidade de trazer a floresta para o centro das discussões”, completou.

Especialistas, porém, têm cobrado o governo para acelerar as negociações para a próxima conferência, assim como definir o presidente do encontro, de forma a fazer as articulações internacionais necessárias.

Além disso, o Brasil enfrenta dilemas sobre combustíveis fósseis. A Petrobras trava batalha com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pela autorização de investigar petróleo na Margem Equatorial da Foz do Rio Amazonas (área que fica no litoral; não na floresta).

No fim de outubro, o Ibama manteve a negativa para que a empresa faça a perfuração, diante de riscos de contaminação. Lula, porém, tem sinalizado que levará o plano adiante. “Pode ficar certo que vamos explorar”, disse em junho, o que levantou dúvidas sobre seu compromisso com a agenda ambiental.

ONU tenta defender anfitrião

Questionada desde o anúncio da COP-29 em Baku, a forte relação do Azerbaijão com a indústria de petróleo e gás se confirmou ao longo da semana. Além do estande da estatal de combustíveis fósseis na “área verde” (aberta ao público) do evento, o presidente do país, Ilham Aliyev, chamou os combustíveis fósseis de “presentes de Deus” em seu primeiro discurso na conferência.

Protesto na COP-29 chama a atenção para a quantidade de pessoas ligada aos combustíveis fósseis presentes na conferência Foto: Joshua A. Bickel/AP

Na quinta-feira, 14, a ONU defendeu o papel do anfitrião, disse que a conferência é aberta a todos os países e afirmou que toda nação “tem o seu passado”. “Essa COP não é sobre o Azerbaijão”, afirmou Achim Steiner, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Já o negociador-chefe da COP-29, Yalchin Rafiyev, do Azerbaijão, reconheceu, nesta sexta, que a edição deste ano está passando por uma “prova de fogo para a arquitetura climática global”. Alguns rascunhos de uma nova meta de financiamento chegaram a ser elaborados, mas muito aquém da quantia indicada por relatórios especializados (cerca de US$1 trilhão anual).

Os combustíveis fósseis também marcaram a apresentação feita pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos e vencedor do Prêmio Nobel da Paz Al Gore. Ele criticou a realização do evento em mais uma nação intrinsecamente ligada ao petróleo e ao gás.

Greta Thunberg em protesto na Geórgia durante a COP-29 Foto: Karen Minasyan/AFP

“É lamentável que a indústria dos combustíveis fósseis e os ‘petroestados’ tenham assumido o controle do ‘processo COP’ em um grau pouco saudável”, disse. Por outro lado, celebrou a realização da cúpula no Brasil, no ano que vem, embora também tenha destacado a alta produção de petróleo no País.

Exploração de petróleo na sede da COP-29, no Azerbaijão Foto: Sergei Grits/AP

Também nesta sexta, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente divulgou relatório sobre ser registrada resolução para apenas 1% de cerca de 1,2 mil vazamentos de gás metano (um dos mais principais do efeito estufa) identificados pelo observatório. Segundo o estudo, grande parte desses incidentes ocorrem durante a exploração de petróleo e gás.

“Estamos falando literalmente sobre apertar parafusos ou substituir filtros em alguns casos”, afirmou a subsecretária-geral das Nações Unidas Inger Andersen.

Emissões mundiais continuam crescendo, diz novo estudo

O Global Carbon Project, feito por cerca de 120 cientistas e ligado especialmente à Universidade de Exeter (Reino Unido), divulgou nesta semana que as emissões de carbono anuais devem quebrar mais uma vez o recorde mundial, em 2024. O aumento será de 0,8% em relação a 2023, totalizando 37,4 milhões de toneladas de C02, o que agrava ainda mais a crise climática.

O grupo afirmou não ter identificado sinal significativo de que se chegou ao pico de emissões de carbono a partir de combustíveis fósseis. Por isso, defendeu cortes rápidos e profundos nas emissões.

Por outro lado, os cientistas reconheceram que há um movimento global gradual de maior adoção de energias renováveis e eletrificação de veículos, mas consideraram que as reduções graduais ocorrem em alguns países, enquanto continuam a crescer em muitos outros.

No caso de combustíveis fósseis, o aumento tende a ser de 2,4% em gás, 0,9% em petróleo e 0,2% em carvão. Respectivamente, isso representa contribuição de 21%, 32% e 41% das emissões globais desse segmento. Destacou-se, contudo, que, por se tratarem de projeções, pode-se chegar à conclusão de uma diminuição no caso específico do carvão.

Azerbaijão admitiu impactos ambientais do petróleo

Relatório veiculado neste ano pelo Ministério da Ecologia e dos Recursos Naturais do Azerbaijão em conjunto com o Centro Regional de Meio Ambiente do Cáucaso aponta estimativa de 14 mil hectares de terras contaminadas com óleo e derivados no país. “Nos últimos 150 anos, o Azerbaijão foi um dos principais produtores e refinadores de petróleo no mundo sem adequadas práticas de gestão ambiental”, reconhece o documento.

Baku foi berço da indústria petroleira mundial Foto: ETH Library

“Embora diversas medidas tenham sido tomadas recentemente para a despoluição, particularmente em Baku e na península Absheron, muita poluição é encontrada em várias áreas do país”, acrescenta. Hoje, cerca de um terço do PIB provém da exploração de petróleo e gás. Mais do que isso, esse setor moldou o desenvolvimento urbano e a memória coletiva do país, como contou o Estadão.

O relatório indica que poluentes tóxicos impactam a saúde da população e elevam o custo de vida. Estudos têm confirmado alto nível de poluição de derivados de petróleo, metais pesados, benzeno e outros químicos nos lagos locais, em grande parte próximos de áreas de exploração petroleira.

Além disso, o mesmo relatório projeta uma série de impactos das mudanças climáticas já sentidos no país e que tendem a aumentar, como mais intensas e longas ondas de calor e estiagens.

“Isso significa que o país vai se tornar mais quente e árido, com grandes implicações para a disponibilidade de água e ao ecossistema”, explica o documento. “As mudanças climáticas vão causar desmatamento, esgotamento de rios, erosão do solo e aquecimento do Mar Cáspio, o que terá vários efeitos negativos à biodiversidade.”/COM INFORMAÇÕES DA AP

A escolha do “berço” da indústria petroleira como sede da COP-29 - Baku, no Azerbaijão - e a grande presença de defensores dos combustíveis fósseis têm ajudado a piorar a crise de credibilidade da cúpula do clima das Nações Unidas, que vai até o dia 22.

O setor é um dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, causador do aquecimento global. Na conferência, eles falam em investir em tecnologias de transição energética, mas defendem manter a exploração desses recursos pelo menos por outra década.

A percepção negativa é reforçada pela dificuldade de avançar nas negociações desta edição, com foco no financiamento da adaptação climática, que opõe países ricos e em desenvolvimento. A concorrência com a reunião do G-20 (grupo das 20 maiores economias globais) também esvaziou o evento. Integram a lista de ausentes os presidentes Joe Biden (EUA), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Emmanuel Macron (França), entre outros.

Uma carta assinada por algumas das maiores referências no tema no mundo — como o climatologista brasileiro Carlos Nobre e o ex-secretário geral da ONU Ban Ki-Moon — defendeu que a COP precisa ser repensada, com mais agilidade em negociações e ações, diante do agravamento da crise climática. O documento foi divulgado nesta sexta-feira, 15.

Os especialistas (identificados como “Clube de Roma”) defendem rever critérios de escolha das sedes, considerando que a atual e a anterior foram em “petroestados”, com economias centradas em combustíveis fósseis.

Em 2021, a ativista climática Greta Thunberg disse que a COP havia sido só “blá-blá-blá”. Novamente ausente da cúpula, ela participou nos últimos dias de protestos na Geórgia e na Armênia contra a escolha do Azerbaijão, também criticado pela repressão a opositores. A jovem sueca ainda acusou Baku de “falsa agenda verde”.

Protesto contra os combustíveis fósseis na COP-29, em Baku Foto: Peter Dejong/AP

Petróleo tem a 4ª maior delegação

Também nesta sexta, a coalizão Kick Big Polluters Out divulgou balanço de que o número de participantes registrados como parte da indústria dos combustíveis fósseis chegou a 1.773 nesta COP.

Se fosse um país, seria a quarta maior delegação, atrás apenas de Azerbaijão (2.229), Brasil (1.914) e Turquia (1.862). Na COP de Dubai, o total de participantes da indústria do petróleo havia batido recorde: 2.450.

O primeiro prêmio “Fóssil do Dia” desta edição - escolha feita por ambientalistas na COP desde 1999 - foi destinado ao G-7, grupo de nações ricas que têm hesitado em cumprir e ampliar o repasse de dinheiro para países em desenvolvimento, o que está previsto no Acordo de Paris, pacto climático global de 2015.

A eleição de Donald Trump para a Casa Branca aumenta o pessimismo, uma vez que ele tirou os Estados Unidos desse acordo em seu primeiro mandato (2017-2021).

A entrega do prêmio ocorreu no mesmo dia em que o pavilhão oficial do Azerbaijão recebeu um painel com representantes de petroleiras dos países da “Troika” (grupo formado pelos anfitriões da atual, da anterior e da próxima COP — o que inclui Emirados Árabes e Brasil).

No bate-papo, defenderam a continuidade da exploração de combustíveis fósseis ao menos por mais uma década e o investimento em tecnologia para a descarbonização do setor. Cientistas, por outro lado, têm defendido uma transição energética muito mais urgente.

Evento com Al Gore durante a COP-29 Foto: Sergei Grits/AP

“É um grande erro apenas reduzir o fornecimento sem reduzir a demanda. Independentemente da estimativa que fizermos, vamos continuar usando muitos combustíveis fósseis”, afirmou Elnur Soltanov, diretor-executivo da COP-29 e parte da diretoria da estatal de combustíveis fósseis do Azerbaijão (Socar). Dias antes do evento, seu nome gerou repercussão ao ser flagrado negociando novos investimentos nessa indústria, como revelou a rede britânica BBC.

No mesmo painel, o CEO do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Roberto Furian Ardenghy, também defendeu a continuidade da exploração dos combustíveis fósseis no Brasil. “Estamos fazendo a nossa parte para o afastamento”, também afirmou, ao se referir à concordância dos países pelo “distanciamento” gradual do carvão, do petróleo e do gás.

A situação pode impactar a COP brasileira em 2025, tanto pelo potencial de atrair mais atenção quanto pela pressão de retomar o debate de financiamento caso não evolua neste ano. Ao Estadão, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), afirmou que a COP-30, em Belém, retomará a “essência” da Cúpula do Clima.

“Quando se sai de duas COPs em ‘petroestados’ e vai para a Amazônia, isso tem um simbolismo extraordinário. Mostra o caminho daquilo que o Brasil deseja apresentar. Além disso, há necessidade de trazer a floresta para o centro das discussões”, completou.

Especialistas, porém, têm cobrado o governo para acelerar as negociações para a próxima conferência, assim como definir o presidente do encontro, de forma a fazer as articulações internacionais necessárias.

Além disso, o Brasil enfrenta dilemas sobre combustíveis fósseis. A Petrobras trava batalha com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pela autorização de investigar petróleo na Margem Equatorial da Foz do Rio Amazonas (área que fica no litoral; não na floresta).

No fim de outubro, o Ibama manteve a negativa para que a empresa faça a perfuração, diante de riscos de contaminação. Lula, porém, tem sinalizado que levará o plano adiante. “Pode ficar certo que vamos explorar”, disse em junho, o que levantou dúvidas sobre seu compromisso com a agenda ambiental.

ONU tenta defender anfitrião

Questionada desde o anúncio da COP-29 em Baku, a forte relação do Azerbaijão com a indústria de petróleo e gás se confirmou ao longo da semana. Além do estande da estatal de combustíveis fósseis na “área verde” (aberta ao público) do evento, o presidente do país, Ilham Aliyev, chamou os combustíveis fósseis de “presentes de Deus” em seu primeiro discurso na conferência.

Protesto na COP-29 chama a atenção para a quantidade de pessoas ligada aos combustíveis fósseis presentes na conferência Foto: Joshua A. Bickel/AP

Na quinta-feira, 14, a ONU defendeu o papel do anfitrião, disse que a conferência é aberta a todos os países e afirmou que toda nação “tem o seu passado”. “Essa COP não é sobre o Azerbaijão”, afirmou Achim Steiner, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Já o negociador-chefe da COP-29, Yalchin Rafiyev, do Azerbaijão, reconheceu, nesta sexta, que a edição deste ano está passando por uma “prova de fogo para a arquitetura climática global”. Alguns rascunhos de uma nova meta de financiamento chegaram a ser elaborados, mas muito aquém da quantia indicada por relatórios especializados (cerca de US$1 trilhão anual).

Os combustíveis fósseis também marcaram a apresentação feita pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos e vencedor do Prêmio Nobel da Paz Al Gore. Ele criticou a realização do evento em mais uma nação intrinsecamente ligada ao petróleo e ao gás.

Greta Thunberg em protesto na Geórgia durante a COP-29 Foto: Karen Minasyan/AFP

“É lamentável que a indústria dos combustíveis fósseis e os ‘petroestados’ tenham assumido o controle do ‘processo COP’ em um grau pouco saudável”, disse. Por outro lado, celebrou a realização da cúpula no Brasil, no ano que vem, embora também tenha destacado a alta produção de petróleo no País.

Exploração de petróleo na sede da COP-29, no Azerbaijão Foto: Sergei Grits/AP

Também nesta sexta, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente divulgou relatório sobre ser registrada resolução para apenas 1% de cerca de 1,2 mil vazamentos de gás metano (um dos mais principais do efeito estufa) identificados pelo observatório. Segundo o estudo, grande parte desses incidentes ocorrem durante a exploração de petróleo e gás.

“Estamos falando literalmente sobre apertar parafusos ou substituir filtros em alguns casos”, afirmou a subsecretária-geral das Nações Unidas Inger Andersen.

Emissões mundiais continuam crescendo, diz novo estudo

O Global Carbon Project, feito por cerca de 120 cientistas e ligado especialmente à Universidade de Exeter (Reino Unido), divulgou nesta semana que as emissões de carbono anuais devem quebrar mais uma vez o recorde mundial, em 2024. O aumento será de 0,8% em relação a 2023, totalizando 37,4 milhões de toneladas de C02, o que agrava ainda mais a crise climática.

O grupo afirmou não ter identificado sinal significativo de que se chegou ao pico de emissões de carbono a partir de combustíveis fósseis. Por isso, defendeu cortes rápidos e profundos nas emissões.

Por outro lado, os cientistas reconheceram que há um movimento global gradual de maior adoção de energias renováveis e eletrificação de veículos, mas consideraram que as reduções graduais ocorrem em alguns países, enquanto continuam a crescer em muitos outros.

No caso de combustíveis fósseis, o aumento tende a ser de 2,4% em gás, 0,9% em petróleo e 0,2% em carvão. Respectivamente, isso representa contribuição de 21%, 32% e 41% das emissões globais desse segmento. Destacou-se, contudo, que, por se tratarem de projeções, pode-se chegar à conclusão de uma diminuição no caso específico do carvão.

Azerbaijão admitiu impactos ambientais do petróleo

Relatório veiculado neste ano pelo Ministério da Ecologia e dos Recursos Naturais do Azerbaijão em conjunto com o Centro Regional de Meio Ambiente do Cáucaso aponta estimativa de 14 mil hectares de terras contaminadas com óleo e derivados no país. “Nos últimos 150 anos, o Azerbaijão foi um dos principais produtores e refinadores de petróleo no mundo sem adequadas práticas de gestão ambiental”, reconhece o documento.

Baku foi berço da indústria petroleira mundial Foto: ETH Library

“Embora diversas medidas tenham sido tomadas recentemente para a despoluição, particularmente em Baku e na península Absheron, muita poluição é encontrada em várias áreas do país”, acrescenta. Hoje, cerca de um terço do PIB provém da exploração de petróleo e gás. Mais do que isso, esse setor moldou o desenvolvimento urbano e a memória coletiva do país, como contou o Estadão.

O relatório indica que poluentes tóxicos impactam a saúde da população e elevam o custo de vida. Estudos têm confirmado alto nível de poluição de derivados de petróleo, metais pesados, benzeno e outros químicos nos lagos locais, em grande parte próximos de áreas de exploração petroleira.

Além disso, o mesmo relatório projeta uma série de impactos das mudanças climáticas já sentidos no país e que tendem a aumentar, como mais intensas e longas ondas de calor e estiagens.

“Isso significa que o país vai se tornar mais quente e árido, com grandes implicações para a disponibilidade de água e ao ecossistema”, explica o documento. “As mudanças climáticas vão causar desmatamento, esgotamento de rios, erosão do solo e aquecimento do Mar Cáspio, o que terá vários efeitos negativos à biodiversidade.”/COM INFORMAÇÕES DA AP

A escolha do “berço” da indústria petroleira como sede da COP-29 - Baku, no Azerbaijão - e a grande presença de defensores dos combustíveis fósseis têm ajudado a piorar a crise de credibilidade da cúpula do clima das Nações Unidas, que vai até o dia 22.

O setor é um dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, causador do aquecimento global. Na conferência, eles falam em investir em tecnologias de transição energética, mas defendem manter a exploração desses recursos pelo menos por outra década.

A percepção negativa é reforçada pela dificuldade de avançar nas negociações desta edição, com foco no financiamento da adaptação climática, que opõe países ricos e em desenvolvimento. A concorrência com a reunião do G-20 (grupo das 20 maiores economias globais) também esvaziou o evento. Integram a lista de ausentes os presidentes Joe Biden (EUA), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Emmanuel Macron (França), entre outros.

Uma carta assinada por algumas das maiores referências no tema no mundo — como o climatologista brasileiro Carlos Nobre e o ex-secretário geral da ONU Ban Ki-Moon — defendeu que a COP precisa ser repensada, com mais agilidade em negociações e ações, diante do agravamento da crise climática. O documento foi divulgado nesta sexta-feira, 15.

Os especialistas (identificados como “Clube de Roma”) defendem rever critérios de escolha das sedes, considerando que a atual e a anterior foram em “petroestados”, com economias centradas em combustíveis fósseis.

Em 2021, a ativista climática Greta Thunberg disse que a COP havia sido só “blá-blá-blá”. Novamente ausente da cúpula, ela participou nos últimos dias de protestos na Geórgia e na Armênia contra a escolha do Azerbaijão, também criticado pela repressão a opositores. A jovem sueca ainda acusou Baku de “falsa agenda verde”.

Protesto contra os combustíveis fósseis na COP-29, em Baku Foto: Peter Dejong/AP

Petróleo tem a 4ª maior delegação

Também nesta sexta, a coalizão Kick Big Polluters Out divulgou balanço de que o número de participantes registrados como parte da indústria dos combustíveis fósseis chegou a 1.773 nesta COP.

Se fosse um país, seria a quarta maior delegação, atrás apenas de Azerbaijão (2.229), Brasil (1.914) e Turquia (1.862). Na COP de Dubai, o total de participantes da indústria do petróleo havia batido recorde: 2.450.

O primeiro prêmio “Fóssil do Dia” desta edição - escolha feita por ambientalistas na COP desde 1999 - foi destinado ao G-7, grupo de nações ricas que têm hesitado em cumprir e ampliar o repasse de dinheiro para países em desenvolvimento, o que está previsto no Acordo de Paris, pacto climático global de 2015.

A eleição de Donald Trump para a Casa Branca aumenta o pessimismo, uma vez que ele tirou os Estados Unidos desse acordo em seu primeiro mandato (2017-2021).

A entrega do prêmio ocorreu no mesmo dia em que o pavilhão oficial do Azerbaijão recebeu um painel com representantes de petroleiras dos países da “Troika” (grupo formado pelos anfitriões da atual, da anterior e da próxima COP — o que inclui Emirados Árabes e Brasil).

No bate-papo, defenderam a continuidade da exploração de combustíveis fósseis ao menos por mais uma década e o investimento em tecnologia para a descarbonização do setor. Cientistas, por outro lado, têm defendido uma transição energética muito mais urgente.

Evento com Al Gore durante a COP-29 Foto: Sergei Grits/AP

“É um grande erro apenas reduzir o fornecimento sem reduzir a demanda. Independentemente da estimativa que fizermos, vamos continuar usando muitos combustíveis fósseis”, afirmou Elnur Soltanov, diretor-executivo da COP-29 e parte da diretoria da estatal de combustíveis fósseis do Azerbaijão (Socar). Dias antes do evento, seu nome gerou repercussão ao ser flagrado negociando novos investimentos nessa indústria, como revelou a rede britânica BBC.

No mesmo painel, o CEO do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Roberto Furian Ardenghy, também defendeu a continuidade da exploração dos combustíveis fósseis no Brasil. “Estamos fazendo a nossa parte para o afastamento”, também afirmou, ao se referir à concordância dos países pelo “distanciamento” gradual do carvão, do petróleo e do gás.

A situação pode impactar a COP brasileira em 2025, tanto pelo potencial de atrair mais atenção quanto pela pressão de retomar o debate de financiamento caso não evolua neste ano. Ao Estadão, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), afirmou que a COP-30, em Belém, retomará a “essência” da Cúpula do Clima.

“Quando se sai de duas COPs em ‘petroestados’ e vai para a Amazônia, isso tem um simbolismo extraordinário. Mostra o caminho daquilo que o Brasil deseja apresentar. Além disso, há necessidade de trazer a floresta para o centro das discussões”, completou.

Especialistas, porém, têm cobrado o governo para acelerar as negociações para a próxima conferência, assim como definir o presidente do encontro, de forma a fazer as articulações internacionais necessárias.

Além disso, o Brasil enfrenta dilemas sobre combustíveis fósseis. A Petrobras trava batalha com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) pela autorização de investigar petróleo na Margem Equatorial da Foz do Rio Amazonas (área que fica no litoral; não na floresta).

No fim de outubro, o Ibama manteve a negativa para que a empresa faça a perfuração, diante de riscos de contaminação. Lula, porém, tem sinalizado que levará o plano adiante. “Pode ficar certo que vamos explorar”, disse em junho, o que levantou dúvidas sobre seu compromisso com a agenda ambiental.

ONU tenta defender anfitrião

Questionada desde o anúncio da COP-29 em Baku, a forte relação do Azerbaijão com a indústria de petróleo e gás se confirmou ao longo da semana. Além do estande da estatal de combustíveis fósseis na “área verde” (aberta ao público) do evento, o presidente do país, Ilham Aliyev, chamou os combustíveis fósseis de “presentes de Deus” em seu primeiro discurso na conferência.

Protesto na COP-29 chama a atenção para a quantidade de pessoas ligada aos combustíveis fósseis presentes na conferência Foto: Joshua A. Bickel/AP

Na quinta-feira, 14, a ONU defendeu o papel do anfitrião, disse que a conferência é aberta a todos os países e afirmou que toda nação “tem o seu passado”. “Essa COP não é sobre o Azerbaijão”, afirmou Achim Steiner, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Já o negociador-chefe da COP-29, Yalchin Rafiyev, do Azerbaijão, reconheceu, nesta sexta, que a edição deste ano está passando por uma “prova de fogo para a arquitetura climática global”. Alguns rascunhos de uma nova meta de financiamento chegaram a ser elaborados, mas muito aquém da quantia indicada por relatórios especializados (cerca de US$1 trilhão anual).

Os combustíveis fósseis também marcaram a apresentação feita pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos e vencedor do Prêmio Nobel da Paz Al Gore. Ele criticou a realização do evento em mais uma nação intrinsecamente ligada ao petróleo e ao gás.

Greta Thunberg em protesto na Geórgia durante a COP-29 Foto: Karen Minasyan/AFP

“É lamentável que a indústria dos combustíveis fósseis e os ‘petroestados’ tenham assumido o controle do ‘processo COP’ em um grau pouco saudável”, disse. Por outro lado, celebrou a realização da cúpula no Brasil, no ano que vem, embora também tenha destacado a alta produção de petróleo no País.

Exploração de petróleo na sede da COP-29, no Azerbaijão Foto: Sergei Grits/AP

Também nesta sexta, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente divulgou relatório sobre ser registrada resolução para apenas 1% de cerca de 1,2 mil vazamentos de gás metano (um dos mais principais do efeito estufa) identificados pelo observatório. Segundo o estudo, grande parte desses incidentes ocorrem durante a exploração de petróleo e gás.

“Estamos falando literalmente sobre apertar parafusos ou substituir filtros em alguns casos”, afirmou a subsecretária-geral das Nações Unidas Inger Andersen.

Emissões mundiais continuam crescendo, diz novo estudo

O Global Carbon Project, feito por cerca de 120 cientistas e ligado especialmente à Universidade de Exeter (Reino Unido), divulgou nesta semana que as emissões de carbono anuais devem quebrar mais uma vez o recorde mundial, em 2024. O aumento será de 0,8% em relação a 2023, totalizando 37,4 milhões de toneladas de C02, o que agrava ainda mais a crise climática.

O grupo afirmou não ter identificado sinal significativo de que se chegou ao pico de emissões de carbono a partir de combustíveis fósseis. Por isso, defendeu cortes rápidos e profundos nas emissões.

Por outro lado, os cientistas reconheceram que há um movimento global gradual de maior adoção de energias renováveis e eletrificação de veículos, mas consideraram que as reduções graduais ocorrem em alguns países, enquanto continuam a crescer em muitos outros.

No caso de combustíveis fósseis, o aumento tende a ser de 2,4% em gás, 0,9% em petróleo e 0,2% em carvão. Respectivamente, isso representa contribuição de 21%, 32% e 41% das emissões globais desse segmento. Destacou-se, contudo, que, por se tratarem de projeções, pode-se chegar à conclusão de uma diminuição no caso específico do carvão.

Azerbaijão admitiu impactos ambientais do petróleo

Relatório veiculado neste ano pelo Ministério da Ecologia e dos Recursos Naturais do Azerbaijão em conjunto com o Centro Regional de Meio Ambiente do Cáucaso aponta estimativa de 14 mil hectares de terras contaminadas com óleo e derivados no país. “Nos últimos 150 anos, o Azerbaijão foi um dos principais produtores e refinadores de petróleo no mundo sem adequadas práticas de gestão ambiental”, reconhece o documento.

Baku foi berço da indústria petroleira mundial Foto: ETH Library

“Embora diversas medidas tenham sido tomadas recentemente para a despoluição, particularmente em Baku e na península Absheron, muita poluição é encontrada em várias áreas do país”, acrescenta. Hoje, cerca de um terço do PIB provém da exploração de petróleo e gás. Mais do que isso, esse setor moldou o desenvolvimento urbano e a memória coletiva do país, como contou o Estadão.

O relatório indica que poluentes tóxicos impactam a saúde da população e elevam o custo de vida. Estudos têm confirmado alto nível de poluição de derivados de petróleo, metais pesados, benzeno e outros químicos nos lagos locais, em grande parte próximos de áreas de exploração petroleira.

Além disso, o mesmo relatório projeta uma série de impactos das mudanças climáticas já sentidos no país e que tendem a aumentar, como mais intensas e longas ondas de calor e estiagens.

“Isso significa que o país vai se tornar mais quente e árido, com grandes implicações para a disponibilidade de água e ao ecossistema”, explica o documento. “As mudanças climáticas vão causar desmatamento, esgotamento de rios, erosão do solo e aquecimento do Mar Cáspio, o que terá vários efeitos negativos à biodiversidade.”/COM INFORMAÇÕES DA AP

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