ENVIADA ESPECIAL A BAKU - Uma nova proposta de financiamento para ações contra a crise climática foi divulgada na tarde desta sexta-feira, 22, último dia oficial da Cúpula do Clima deste ano (COP-29). O texto traz, pela primeira vez, um novo montante de recursos a serem pagos por países ricos, mas novamente foi recebido com críticas.
O número apresentado pela presidência da COP-29 (do Azerbaijão, sede do evento) é de US$ 250 bilhões por ano. Esse valor representa menos de um quinto do que era estimado como necessário e defendido por países em desenvolvimento (US$ 1,3 trilhão).
Os países serão ouvidos nas próximas horas para a definição de possíveis novas alterações. O Brasil já apresentou, contudo, uma contraproposta, de US$ 300 bilhões anuais até 2030, atualizados para US$ 390 bilhões ao ano até 2035.
A base para a proposta brasileira é um estudo do Independent High Level Expert Group (IHLEG), que tem apoiado deliberações sobre a agenda de financiamento climático desde a COP-26, ligado à London School of Economics and Political Science, da Universidade de Londres, veiculado durante a COP-29. Nele, os pesquisadores apontam o US$ 1,3 trilhão anual, mas com um distribuição de recursos calculada com diversas fontes (dinheiro dos próprios países em desenvolvimento, bancos multilaterais etc), na qual o repasse dos países ricos necessário seria de ao menos os US$ 300 bilhões.
Hoje, a fonte de recursos do chamado Novo Objetivo Quantificado Coletivo (NCQG na sigla em inglês) é incerta, inclusive sobre a forma como chega ao país (abrindo brecha até para empréstimos com juros expressivos, por exemplo). O entendimento é que a proposta oficial pende mais para a demanda das nações ricas e que há muitas ambiguidades. Além disso, o valor de US$ 250 bilhões não seria um avanço na prática, pois os US$ 100 bilhões foram acordados em 2009, ou seja poderia ser uma mera atualização, mesmo em um contexto de agravamento da crise climática.
Nos bastidores, fala-se de uma grande resistência de uma parte dos países ricos, assim como uma demora da presidência do evento em apresentar as propostas. Desse modo, a discussão ficou sem foco e sobre temas diversos durante a maior parte do evento.
O Brasil comentou oficialmente sobre o tema à noite, em coletiva de imprensa. “Esse texto chega num momento praticamente na prorrogação do segundo tempo. E, com certeza, isso tem um custo para darmos encaminhando para questões muito relevantes e que foram constituindo uma dificuldade para avançar dentro do cronograma dessa COP”, afirmou a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva.
Segundo a ministra, o Brasil fez diversas consultas a outros países e grupos regionais para tentar avançar. Temos muitos números e até agora bem poucos recursos”, afirmou. “Os US$ 300 bilhões até 2030 são só o começo de uma jornada. Consideramos que a resolução tem que sair dessa COP. Não podemos adiar. Mais do que prejuízo para a COP-30, seria um prejuízo para a vida de todos nós”, completou.
A próxima conferência será no Brasil, em Belém. Marina também reiterou a importância de deixar claro que a meta se refere às nações ricas e que os investimentos feitos pelos países em desenvolvimento não podem ser contabilizados na NCQG. Mencionou, por exemplo, o aporte brasileiro na reconstrução do Rio Grande do Sul.
Para a ministra, contudo, espera-se que a COP-29 saia com algum acordo de financiamento, diferentemente da Cúpula da Biodiversidade (COP-16), realizada há um mês, na Colômbia, que foi encerrada sem um consenso nesse aspecto. “Não consigo trabalhar com a ideia de acontecer na COP-29 o que aconteceu na COP de Cali, onde tivemos vários avanços significativos, mas, na hora de falar de recursos, já não tinha nem mais quórum.”
Espera-se que uma nova versão do texto seja veiculada na madrugada ou manhã de Baku, capital do Azerbaijão, onde o evento ocorre desde 11 de novembro. Os países devem se posicionar oficialmente em uma plenária, na qual também será feita a “passagem de bastão” da Cúpula do Clima para o próximo anfitrião, o Brasil.
Após a veiculação do texto, os Estados Unidos veicularam nota oficial em que reforçam o entendimento de que parte desses recursos dependerá da participação ativa do setor privado e de bancos multilaterais. “Os US$ 250 bilhões exigirão ainda mais ambição e alcance extraordinário. Essa meta precisará ser apoiada por uma ação bilateral ambiciosa, contribuições do MDB e esforços para mobilizar melhor o financiamento privado, entre outros fatores críticos.”
Em uma reação inicial, o Greenpeace Brasil afirma que o texto ainda reduz a responsabilidade dos países ricos, ao dizer que devem “liderar” o financiamento, indicando que esperam uma resolução pelo setor privado, especialmente ao citar o US$ 1,3 trilhão. Além disso, há o entendimento de que é necessário descrever melhor o percentual do dinheiro que, de fato, virá de doações e empréstimos sem juros ou a juros baixos.
A meta hoje em vigor é de US$ 100 bilhões, mas há divergências se foi cumprida em algum momento, entre 2020 e 2025. Dentre os aspectos questionados, estão o tipo de recurso (parte dos países entende que não poderia incluir na conta empréstimos a juros altos) e a sua destinação.
A meta de US$ 100 bilhões foi feita pelas nações desenvolvidas na cúpula de Copenhague, em 2009, e se tornou uma das principais frentes de reivindicações dos demais países, entre eles o Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem cobrado a ampliação desses repasses nas duas últimas conferências climáticas e em outros eventos da ONU.
A COP-29 é informalmente chamada de “COP das Finanças”, por ser o financiamento o principal objetivo a ser firmado nesta edição. O NCQG é considerado chave para que os países em desenvolvimento consigam investir em adaptação, mitigação e transição energética. No Acordo de Paris, está firmado o compromisso de que essa responsabilidade de repasse de recursos é dos maiores responsáveis pela crise climática: os países ricos.
No rascunho, são reconhecidas as barreiras fiscais enfrentadas pelos países em desenvolvimento e, então, chama-se a todos os atores dos setores público e privado para “trabalharem juntos” para aumentar a contribuição gradualmente, para chegar a US$ 1,3 trilhão até 2035. Isto é, o valor poderia ser alcançado se fossem somados todos os investimentos de origens diversas. O compromisso obrigatório de recursos dos países ricos seria, contudo, o de US$ 250 bilhões.
A nova versão do documento tem metade do número de páginas da anterior (ao todo, de 10 para cinco). O evento da Organização das Nações Unidas (ONU) está previsto para terminar nesta sexta, mas, nos bastidores, fala-se da possibilidade de extensão por ao menos mais um dia.
Por ser em um “petroestado”, considerado berço da indústria petroleira e ser realizada logo após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a COP-29 começou com expectativas moderadas.
Há, porém, aqueles que avaliam que esse cenário de polarização e a recente declaração do G-20 sobre a importância do financiamento climático podem estimular os países para avanços reais.
Em relação à versão anterior, alguns trechos que mencionavam direitos humanos e outros aspectos foram removidos. Os povos indígenas continuam a ser mencionados, mas apenas de uma forma mais simplificada:
“Urge que as partes e outros atores relevantes promovam a inclusão e a extensão dos benefícios para comunidades vulneráveis e grupos em esforços de finanças climáticas, como mulheres e meninas, crianças, pessoas com deficiência, população indígena, comunidades locais, migrantes e refugiados, comunidades vulneráveis ao clima e pessoas em situação de vulnerabilidade”, aponta.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade