Restaurar florestas aumenta produtividade de fazendas de café e garante renda extra, diz estudo


A pesquisa da USP, que teve a participação da Fundação SOS Mata Atlântica, investigou diferentes cenários em fazendas de 58 municípios de Minas e SP

Por Aline Reskalla

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que restaurar florestas e áreas degradadas em fazendas de café pode beneficiar substancialmente a produção e aumentar a rentabilidade da propriedade no longo prazo. O estudo, que teve a participação da Fundação SOS Mata Atlântica, investigou diferentes cenários em fazendas de 58 municípios do Sul de Minas e Mogiana Paulista, área responsável por 22% da produção nacional e 7% da produção global de café.

Com o objetivo de identificar até que ponto e em que condições os benefícios da restauração ecológica podem compensar os custos nos sistemas cafeeiros brasileiros em áreas de Mata Atlântica, os pesquisadores criaram oito cenários com diferentes metas de restauração nas fazendas num prazo de 20 anos.

“Os nossos cenários sugerem que, ao longo de 20 anos, os custos da restauração florestal nas explorações agrícolas – incluindo custos diretos, custos de oportunidade e mudanças na produção – podem ser compensados por aumentos na produção de café impulsionados pela restauração. Isto ocorre particularmente quando as explorações agrícolas têm uma cobertura florestal de base de pelo menos 10%”, afirmam os pesquisadores, no estudo.

Além disso, agricultores que historicamente desmataram uma fração menor das suas terras e, portanto, mantinham menores déficits de cobertura florestal legal, incorreriam num benefício financeiro líquido pelo cumprimento dos mandatos legais de restauração, enquanto os que tinham desflorestado mais terras enfrentariam um encargo financeiro.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.  Foto: Felipe Rau/Estadão

O doutor em Ecologia pela USP Francisco d’Albertas, coautor da pesquisa, explica que os cálculos foram feitos a partir de um modelo matemático criado para analisar a relação entre quantidade de floresta e produtividade, que variava bastante nas 507 fazendas analisadas, por meio de simulações.

Os cientistas tomaram como base os parâmetros da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, mais conhecida como Código Florestal, mas simularam cenários com metas de restauração de até 40% da propriedade.

“De acordo com o limiar de extinção, numa paisagem de Mata Atlântica, se você consegue ter pelo menos 20% de vegetação nativa você consegue evitar uma perda acentuada de biodiversidade, abaixo disso a queda é exponencial. Achamos que esse resultado, além de fornecer dados para políticas públicas, favorece a conservação e uma polinização mais efetiva, influenciando na produtividade”, diz d’Albertas.

O objetivo de modelo criado, segundo ele, era chegar a um cenário considerado “ótimo”, e esse objetivo foi alcançado. “Identificamos um limiar claro de cerca de 25% de cobertura florestal, incluindo florestas remanescentes e restauradas. Acima deste limiar, a restauração adicional aumentou substancialmente os custos”, disse ele ao Estadão.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.

“Isto ocorreu porque, em primeiro lugar, a presença de alguma cobertura florestal de base reduziu os custos de restauração, minimizando a área total que necessitava ser recuperada, ao mesmo tempo que aumentou a probabilidade de regeneração natural, uma abordagem mais rentável do que os métodos de restauração ativa.

Publicado na revista científica norte-americana One Earth, o estudo é assinado também por Gerd Sparovek, coordenador do Geolab (Esalq-USP), Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Camila Hohlenwerger, doutora em Ecologia pela USP, e Jean-Paul Metzger, professor do departamento de Ecologia da USP.

“Esse estudo é muito importante para mostrar que a restauração de ecossistemas é um benefício para o agronegócio, ela se paga, não é necessária apenas pra salvar os bichinhos e a biodiversidade. A floresta é importante para a atividade cafeeira, se paga com próprio aumento da produtividade no cafezal”, afirma o engenheiro agrônomo e diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto, que é coautor do estudo.

A situação da Mata Atlântica é extremamente crítica no Brasil, lembra ele. Restam 24% de cobertura florestal original desse bioma, quando o mínimo necessário para evitar que ele desapareça deveria ser de 30%. “É preciso entender que a floresta aumenta resiliência em relação a eventos climáticos extremos”. Pinto se diz otimista, apesar do desafio, uma vez que ações de restauração tem crescido, ao mesmo tempo em que o desmatamento está em queda.

Mercado de carbono

Diante do potencial de crescimento do mercado de crédito de carbono no Brasil e no mundo, comercializar esses créditos obtidos com a restauração de áreas degradadas tende a aumentar a rentabilidade das propriedades como as analisadas pelos pesquisadores da USP.

Eles estimam que apenas o cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que determina uma reserva de 20%, tem o potencial de remover de 1,98 a 3,62 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera nas fazendas analisadas, variando conforme o cenário analisado.

No entanto, pondera Francisco d’Albertas, seria preciso alcançar a cotacão de pelo menos US$ 20 a tonelada de carbono, preço médio internacional, para que a exploração desse mercado se viabilize. No momento, os preços no país tem ficado na casa dos US$ 5, o que acaba desmotivando os produtores.

“Nossa pesquisa mostra que, ao impulsionar os rendimentos das colheitas e combinando ganhos provenientes do sequestro de carbono, a restauração se torna uma abordagem economicamente eficaz em paisagens agrícolas, indo na contramão do senso comum que considera o agronegócio e a conservação ambiental como atividades incompatíveis”, explica Francisco d’Albertas.

“São, entretanto, necessárias medidas adicionais, como a consolidação do mercado de carbono, para tornar a restauração amplamente viável e imediatamente atraente para os agricultores”, completa.

O que diz a Lei da Mata Atlântica

Os compromissos de restauração no Brasil são guiados por uma obrigação legal ditada pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012), que orienta e impõe onde e quanto a vegetação nativa deve ser conservada, manejada ou restaurada nas fazendas. Todas as áreas rurais propriedades dentro da Mata Atlântica devem ter no mínimo 20% da área reservada como vegetação natural.

É composto por Áreas de Proteção Permanente (APPs), cuja localização é definida pela legislação (áreas ambientalmente sensíveis, como áreas ciliares, topos de morros e encostas íngremes) e Reservas Legais, que são alocadas pelos proprietários para atingir o conjunto mínimo - além da meta de 20%.

Os agricultores que não possuírem a área obrigatória coberta com vegetação natural deverão restaurá-la no prazo de 20 anos ou, no caso de Reservas Legais, compensar os déficits de vegetação em suas próprias propriedades, negociando com os proprietários com excedentes de Reservas Legais.

A família do produtor de café Renato Farhat Brito decidiu recuperar áreas próximas das plantações muitos anos antes de a ONU eleger 2020 a 2030 como a Década da Restauração. Ele hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira.

“Uma de nossas fazendas era só pasto e extremamente degradada. Fizemos um projeto em 2004 de replantar o café com a intenção de reflorestar a recompor os mananciais”, contou ele ao Estadão.

Renato hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira Foto: Renato Brito

Com a dificuldade de adquirir mudas e sementes, o produtor buscou parcerias e conseguiu nada menos que 84,2 mil árvores junto á Fundação SOS Mata Atlântica.

Quase 20 anos depois, 46 hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade.

“Em 2013 e 2014, tivemos uma seca severa em toda a região. Com essa seca e uma mudança no perfil da agricultura local, os produtores observaram que precisavam fazer alguma coisa. Nós nem sentimos os efeitos da seca porque nossas nascentes ficavam dentro da propriedade”, conta.

O grupo de fazendas administrado por Renato Farhat Brito, irmãos, pai e filho mantém atualmente 800 hectares dedicados ao café, com uma produção média de 30 mil sacas/ano - 90% desse total é exportado. E ele sabe que, cada vez mais, o mercado internacional exige que seus fornecedores adotem práticas sustentáveis de produção.

Quarenta e seis hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade. Foto: Renato Brito

“Nós sempre tivemos consciência ambiental na nossa família. Entendemos que não precisamos agredir o meio ambiente e nem explorar mão de obra. Pelo contrário, acreditamos em uma relação harmônica e equilibrada entre floresta e produção”.

Em 2021, uma das fazendas do grupo, a Sete Cachoeiras, fez o embarque do primeiro lote de café carbono neutro do país. Apesar de mais valorizado, o produtor diz que esse mercado altamente qualificado ainda não decolou. Por ora, ele segue colhendo os frutos de produzir um café sustentável demandado e valorizado no exterior.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que restaurar florestas e áreas degradadas em fazendas de café pode beneficiar substancialmente a produção e aumentar a rentabilidade da propriedade no longo prazo. O estudo, que teve a participação da Fundação SOS Mata Atlântica, investigou diferentes cenários em fazendas de 58 municípios do Sul de Minas e Mogiana Paulista, área responsável por 22% da produção nacional e 7% da produção global de café.

Com o objetivo de identificar até que ponto e em que condições os benefícios da restauração ecológica podem compensar os custos nos sistemas cafeeiros brasileiros em áreas de Mata Atlântica, os pesquisadores criaram oito cenários com diferentes metas de restauração nas fazendas num prazo de 20 anos.

“Os nossos cenários sugerem que, ao longo de 20 anos, os custos da restauração florestal nas explorações agrícolas – incluindo custos diretos, custos de oportunidade e mudanças na produção – podem ser compensados por aumentos na produção de café impulsionados pela restauração. Isto ocorre particularmente quando as explorações agrícolas têm uma cobertura florestal de base de pelo menos 10%”, afirmam os pesquisadores, no estudo.

Além disso, agricultores que historicamente desmataram uma fração menor das suas terras e, portanto, mantinham menores déficits de cobertura florestal legal, incorreriam num benefício financeiro líquido pelo cumprimento dos mandatos legais de restauração, enquanto os que tinham desflorestado mais terras enfrentariam um encargo financeiro.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.  Foto: Felipe Rau/Estadão

O doutor em Ecologia pela USP Francisco d’Albertas, coautor da pesquisa, explica que os cálculos foram feitos a partir de um modelo matemático criado para analisar a relação entre quantidade de floresta e produtividade, que variava bastante nas 507 fazendas analisadas, por meio de simulações.

Os cientistas tomaram como base os parâmetros da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, mais conhecida como Código Florestal, mas simularam cenários com metas de restauração de até 40% da propriedade.

“De acordo com o limiar de extinção, numa paisagem de Mata Atlântica, se você consegue ter pelo menos 20% de vegetação nativa você consegue evitar uma perda acentuada de biodiversidade, abaixo disso a queda é exponencial. Achamos que esse resultado, além de fornecer dados para políticas públicas, favorece a conservação e uma polinização mais efetiva, influenciando na produtividade”, diz d’Albertas.

O objetivo de modelo criado, segundo ele, era chegar a um cenário considerado “ótimo”, e esse objetivo foi alcançado. “Identificamos um limiar claro de cerca de 25% de cobertura florestal, incluindo florestas remanescentes e restauradas. Acima deste limiar, a restauração adicional aumentou substancialmente os custos”, disse ele ao Estadão.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.

“Isto ocorreu porque, em primeiro lugar, a presença de alguma cobertura florestal de base reduziu os custos de restauração, minimizando a área total que necessitava ser recuperada, ao mesmo tempo que aumentou a probabilidade de regeneração natural, uma abordagem mais rentável do que os métodos de restauração ativa.

Publicado na revista científica norte-americana One Earth, o estudo é assinado também por Gerd Sparovek, coordenador do Geolab (Esalq-USP), Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Camila Hohlenwerger, doutora em Ecologia pela USP, e Jean-Paul Metzger, professor do departamento de Ecologia da USP.

“Esse estudo é muito importante para mostrar que a restauração de ecossistemas é um benefício para o agronegócio, ela se paga, não é necessária apenas pra salvar os bichinhos e a biodiversidade. A floresta é importante para a atividade cafeeira, se paga com próprio aumento da produtividade no cafezal”, afirma o engenheiro agrônomo e diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto, que é coautor do estudo.

A situação da Mata Atlântica é extremamente crítica no Brasil, lembra ele. Restam 24% de cobertura florestal original desse bioma, quando o mínimo necessário para evitar que ele desapareça deveria ser de 30%. “É preciso entender que a floresta aumenta resiliência em relação a eventos climáticos extremos”. Pinto se diz otimista, apesar do desafio, uma vez que ações de restauração tem crescido, ao mesmo tempo em que o desmatamento está em queda.

Mercado de carbono

Diante do potencial de crescimento do mercado de crédito de carbono no Brasil e no mundo, comercializar esses créditos obtidos com a restauração de áreas degradadas tende a aumentar a rentabilidade das propriedades como as analisadas pelos pesquisadores da USP.

Eles estimam que apenas o cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que determina uma reserva de 20%, tem o potencial de remover de 1,98 a 3,62 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera nas fazendas analisadas, variando conforme o cenário analisado.

No entanto, pondera Francisco d’Albertas, seria preciso alcançar a cotacão de pelo menos US$ 20 a tonelada de carbono, preço médio internacional, para que a exploração desse mercado se viabilize. No momento, os preços no país tem ficado na casa dos US$ 5, o que acaba desmotivando os produtores.

“Nossa pesquisa mostra que, ao impulsionar os rendimentos das colheitas e combinando ganhos provenientes do sequestro de carbono, a restauração se torna uma abordagem economicamente eficaz em paisagens agrícolas, indo na contramão do senso comum que considera o agronegócio e a conservação ambiental como atividades incompatíveis”, explica Francisco d’Albertas.

“São, entretanto, necessárias medidas adicionais, como a consolidação do mercado de carbono, para tornar a restauração amplamente viável e imediatamente atraente para os agricultores”, completa.

O que diz a Lei da Mata Atlântica

Os compromissos de restauração no Brasil são guiados por uma obrigação legal ditada pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012), que orienta e impõe onde e quanto a vegetação nativa deve ser conservada, manejada ou restaurada nas fazendas. Todas as áreas rurais propriedades dentro da Mata Atlântica devem ter no mínimo 20% da área reservada como vegetação natural.

É composto por Áreas de Proteção Permanente (APPs), cuja localização é definida pela legislação (áreas ambientalmente sensíveis, como áreas ciliares, topos de morros e encostas íngremes) e Reservas Legais, que são alocadas pelos proprietários para atingir o conjunto mínimo - além da meta de 20%.

Os agricultores que não possuírem a área obrigatória coberta com vegetação natural deverão restaurá-la no prazo de 20 anos ou, no caso de Reservas Legais, compensar os déficits de vegetação em suas próprias propriedades, negociando com os proprietários com excedentes de Reservas Legais.

A família do produtor de café Renato Farhat Brito decidiu recuperar áreas próximas das plantações muitos anos antes de a ONU eleger 2020 a 2030 como a Década da Restauração. Ele hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira.

“Uma de nossas fazendas era só pasto e extremamente degradada. Fizemos um projeto em 2004 de replantar o café com a intenção de reflorestar a recompor os mananciais”, contou ele ao Estadão.

Renato hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira Foto: Renato Brito

Com a dificuldade de adquirir mudas e sementes, o produtor buscou parcerias e conseguiu nada menos que 84,2 mil árvores junto á Fundação SOS Mata Atlântica.

Quase 20 anos depois, 46 hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade.

“Em 2013 e 2014, tivemos uma seca severa em toda a região. Com essa seca e uma mudança no perfil da agricultura local, os produtores observaram que precisavam fazer alguma coisa. Nós nem sentimos os efeitos da seca porque nossas nascentes ficavam dentro da propriedade”, conta.

O grupo de fazendas administrado por Renato Farhat Brito, irmãos, pai e filho mantém atualmente 800 hectares dedicados ao café, com uma produção média de 30 mil sacas/ano - 90% desse total é exportado. E ele sabe que, cada vez mais, o mercado internacional exige que seus fornecedores adotem práticas sustentáveis de produção.

Quarenta e seis hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade. Foto: Renato Brito

“Nós sempre tivemos consciência ambiental na nossa família. Entendemos que não precisamos agredir o meio ambiente e nem explorar mão de obra. Pelo contrário, acreditamos em uma relação harmônica e equilibrada entre floresta e produção”.

Em 2021, uma das fazendas do grupo, a Sete Cachoeiras, fez o embarque do primeiro lote de café carbono neutro do país. Apesar de mais valorizado, o produtor diz que esse mercado altamente qualificado ainda não decolou. Por ora, ele segue colhendo os frutos de produzir um café sustentável demandado e valorizado no exterior.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que restaurar florestas e áreas degradadas em fazendas de café pode beneficiar substancialmente a produção e aumentar a rentabilidade da propriedade no longo prazo. O estudo, que teve a participação da Fundação SOS Mata Atlântica, investigou diferentes cenários em fazendas de 58 municípios do Sul de Minas e Mogiana Paulista, área responsável por 22% da produção nacional e 7% da produção global de café.

Com o objetivo de identificar até que ponto e em que condições os benefícios da restauração ecológica podem compensar os custos nos sistemas cafeeiros brasileiros em áreas de Mata Atlântica, os pesquisadores criaram oito cenários com diferentes metas de restauração nas fazendas num prazo de 20 anos.

“Os nossos cenários sugerem que, ao longo de 20 anos, os custos da restauração florestal nas explorações agrícolas – incluindo custos diretos, custos de oportunidade e mudanças na produção – podem ser compensados por aumentos na produção de café impulsionados pela restauração. Isto ocorre particularmente quando as explorações agrícolas têm uma cobertura florestal de base de pelo menos 10%”, afirmam os pesquisadores, no estudo.

Além disso, agricultores que historicamente desmataram uma fração menor das suas terras e, portanto, mantinham menores déficits de cobertura florestal legal, incorreriam num benefício financeiro líquido pelo cumprimento dos mandatos legais de restauração, enquanto os que tinham desflorestado mais terras enfrentariam um encargo financeiro.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.  Foto: Felipe Rau/Estadão

O doutor em Ecologia pela USP Francisco d’Albertas, coautor da pesquisa, explica que os cálculos foram feitos a partir de um modelo matemático criado para analisar a relação entre quantidade de floresta e produtividade, que variava bastante nas 507 fazendas analisadas, por meio de simulações.

Os cientistas tomaram como base os parâmetros da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, mais conhecida como Código Florestal, mas simularam cenários com metas de restauração de até 40% da propriedade.

“De acordo com o limiar de extinção, numa paisagem de Mata Atlântica, se você consegue ter pelo menos 20% de vegetação nativa você consegue evitar uma perda acentuada de biodiversidade, abaixo disso a queda é exponencial. Achamos que esse resultado, além de fornecer dados para políticas públicas, favorece a conservação e uma polinização mais efetiva, influenciando na produtividade”, diz d’Albertas.

O objetivo de modelo criado, segundo ele, era chegar a um cenário considerado “ótimo”, e esse objetivo foi alcançado. “Identificamos um limiar claro de cerca de 25% de cobertura florestal, incluindo florestas remanescentes e restauradas. Acima deste limiar, a restauração adicional aumentou substancialmente os custos”, disse ele ao Estadão.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.

“Isto ocorreu porque, em primeiro lugar, a presença de alguma cobertura florestal de base reduziu os custos de restauração, minimizando a área total que necessitava ser recuperada, ao mesmo tempo que aumentou a probabilidade de regeneração natural, uma abordagem mais rentável do que os métodos de restauração ativa.

Publicado na revista científica norte-americana One Earth, o estudo é assinado também por Gerd Sparovek, coordenador do Geolab (Esalq-USP), Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Camila Hohlenwerger, doutora em Ecologia pela USP, e Jean-Paul Metzger, professor do departamento de Ecologia da USP.

“Esse estudo é muito importante para mostrar que a restauração de ecossistemas é um benefício para o agronegócio, ela se paga, não é necessária apenas pra salvar os bichinhos e a biodiversidade. A floresta é importante para a atividade cafeeira, se paga com próprio aumento da produtividade no cafezal”, afirma o engenheiro agrônomo e diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto, que é coautor do estudo.

A situação da Mata Atlântica é extremamente crítica no Brasil, lembra ele. Restam 24% de cobertura florestal original desse bioma, quando o mínimo necessário para evitar que ele desapareça deveria ser de 30%. “É preciso entender que a floresta aumenta resiliência em relação a eventos climáticos extremos”. Pinto se diz otimista, apesar do desafio, uma vez que ações de restauração tem crescido, ao mesmo tempo em que o desmatamento está em queda.

Mercado de carbono

Diante do potencial de crescimento do mercado de crédito de carbono no Brasil e no mundo, comercializar esses créditos obtidos com a restauração de áreas degradadas tende a aumentar a rentabilidade das propriedades como as analisadas pelos pesquisadores da USP.

Eles estimam que apenas o cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que determina uma reserva de 20%, tem o potencial de remover de 1,98 a 3,62 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera nas fazendas analisadas, variando conforme o cenário analisado.

No entanto, pondera Francisco d’Albertas, seria preciso alcançar a cotacão de pelo menos US$ 20 a tonelada de carbono, preço médio internacional, para que a exploração desse mercado se viabilize. No momento, os preços no país tem ficado na casa dos US$ 5, o que acaba desmotivando os produtores.

“Nossa pesquisa mostra que, ao impulsionar os rendimentos das colheitas e combinando ganhos provenientes do sequestro de carbono, a restauração se torna uma abordagem economicamente eficaz em paisagens agrícolas, indo na contramão do senso comum que considera o agronegócio e a conservação ambiental como atividades incompatíveis”, explica Francisco d’Albertas.

“São, entretanto, necessárias medidas adicionais, como a consolidação do mercado de carbono, para tornar a restauração amplamente viável e imediatamente atraente para os agricultores”, completa.

O que diz a Lei da Mata Atlântica

Os compromissos de restauração no Brasil são guiados por uma obrigação legal ditada pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012), que orienta e impõe onde e quanto a vegetação nativa deve ser conservada, manejada ou restaurada nas fazendas. Todas as áreas rurais propriedades dentro da Mata Atlântica devem ter no mínimo 20% da área reservada como vegetação natural.

É composto por Áreas de Proteção Permanente (APPs), cuja localização é definida pela legislação (áreas ambientalmente sensíveis, como áreas ciliares, topos de morros e encostas íngremes) e Reservas Legais, que são alocadas pelos proprietários para atingir o conjunto mínimo - além da meta de 20%.

Os agricultores que não possuírem a área obrigatória coberta com vegetação natural deverão restaurá-la no prazo de 20 anos ou, no caso de Reservas Legais, compensar os déficits de vegetação em suas próprias propriedades, negociando com os proprietários com excedentes de Reservas Legais.

A família do produtor de café Renato Farhat Brito decidiu recuperar áreas próximas das plantações muitos anos antes de a ONU eleger 2020 a 2030 como a Década da Restauração. Ele hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira.

“Uma de nossas fazendas era só pasto e extremamente degradada. Fizemos um projeto em 2004 de replantar o café com a intenção de reflorestar a recompor os mananciais”, contou ele ao Estadão.

Renato hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira Foto: Renato Brito

Com a dificuldade de adquirir mudas e sementes, o produtor buscou parcerias e conseguiu nada menos que 84,2 mil árvores junto á Fundação SOS Mata Atlântica.

Quase 20 anos depois, 46 hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade.

“Em 2013 e 2014, tivemos uma seca severa em toda a região. Com essa seca e uma mudança no perfil da agricultura local, os produtores observaram que precisavam fazer alguma coisa. Nós nem sentimos os efeitos da seca porque nossas nascentes ficavam dentro da propriedade”, conta.

O grupo de fazendas administrado por Renato Farhat Brito, irmãos, pai e filho mantém atualmente 800 hectares dedicados ao café, com uma produção média de 30 mil sacas/ano - 90% desse total é exportado. E ele sabe que, cada vez mais, o mercado internacional exige que seus fornecedores adotem práticas sustentáveis de produção.

Quarenta e seis hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade. Foto: Renato Brito

“Nós sempre tivemos consciência ambiental na nossa família. Entendemos que não precisamos agredir o meio ambiente e nem explorar mão de obra. Pelo contrário, acreditamos em uma relação harmônica e equilibrada entre floresta e produção”.

Em 2021, uma das fazendas do grupo, a Sete Cachoeiras, fez o embarque do primeiro lote de café carbono neutro do país. Apesar de mais valorizado, o produtor diz que esse mercado altamente qualificado ainda não decolou. Por ora, ele segue colhendo os frutos de produzir um café sustentável demandado e valorizado no exterior.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que restaurar florestas e áreas degradadas em fazendas de café pode beneficiar substancialmente a produção e aumentar a rentabilidade da propriedade no longo prazo. O estudo, que teve a participação da Fundação SOS Mata Atlântica, investigou diferentes cenários em fazendas de 58 municípios do Sul de Minas e Mogiana Paulista, área responsável por 22% da produção nacional e 7% da produção global de café.

Com o objetivo de identificar até que ponto e em que condições os benefícios da restauração ecológica podem compensar os custos nos sistemas cafeeiros brasileiros em áreas de Mata Atlântica, os pesquisadores criaram oito cenários com diferentes metas de restauração nas fazendas num prazo de 20 anos.

“Os nossos cenários sugerem que, ao longo de 20 anos, os custos da restauração florestal nas explorações agrícolas – incluindo custos diretos, custos de oportunidade e mudanças na produção – podem ser compensados por aumentos na produção de café impulsionados pela restauração. Isto ocorre particularmente quando as explorações agrícolas têm uma cobertura florestal de base de pelo menos 10%”, afirmam os pesquisadores, no estudo.

Além disso, agricultores que historicamente desmataram uma fração menor das suas terras e, portanto, mantinham menores déficits de cobertura florestal legal, incorreriam num benefício financeiro líquido pelo cumprimento dos mandatos legais de restauração, enquanto os que tinham desflorestado mais terras enfrentariam um encargo financeiro.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.  Foto: Felipe Rau/Estadão

O doutor em Ecologia pela USP Francisco d’Albertas, coautor da pesquisa, explica que os cálculos foram feitos a partir de um modelo matemático criado para analisar a relação entre quantidade de floresta e produtividade, que variava bastante nas 507 fazendas analisadas, por meio de simulações.

Os cientistas tomaram como base os parâmetros da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, mais conhecida como Código Florestal, mas simularam cenários com metas de restauração de até 40% da propriedade.

“De acordo com o limiar de extinção, numa paisagem de Mata Atlântica, se você consegue ter pelo menos 20% de vegetação nativa você consegue evitar uma perda acentuada de biodiversidade, abaixo disso a queda é exponencial. Achamos que esse resultado, além de fornecer dados para políticas públicas, favorece a conservação e uma polinização mais efetiva, influenciando na produtividade”, diz d’Albertas.

O objetivo de modelo criado, segundo ele, era chegar a um cenário considerado “ótimo”, e esse objetivo foi alcançado. “Identificamos um limiar claro de cerca de 25% de cobertura florestal, incluindo florestas remanescentes e restauradas. Acima deste limiar, a restauração adicional aumentou substancialmente os custos”, disse ele ao Estadão.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.

“Isto ocorreu porque, em primeiro lugar, a presença de alguma cobertura florestal de base reduziu os custos de restauração, minimizando a área total que necessitava ser recuperada, ao mesmo tempo que aumentou a probabilidade de regeneração natural, uma abordagem mais rentável do que os métodos de restauração ativa.

Publicado na revista científica norte-americana One Earth, o estudo é assinado também por Gerd Sparovek, coordenador do Geolab (Esalq-USP), Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Camila Hohlenwerger, doutora em Ecologia pela USP, e Jean-Paul Metzger, professor do departamento de Ecologia da USP.

“Esse estudo é muito importante para mostrar que a restauração de ecossistemas é um benefício para o agronegócio, ela se paga, não é necessária apenas pra salvar os bichinhos e a biodiversidade. A floresta é importante para a atividade cafeeira, se paga com próprio aumento da produtividade no cafezal”, afirma o engenheiro agrônomo e diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto, que é coautor do estudo.

A situação da Mata Atlântica é extremamente crítica no Brasil, lembra ele. Restam 24% de cobertura florestal original desse bioma, quando o mínimo necessário para evitar que ele desapareça deveria ser de 30%. “É preciso entender que a floresta aumenta resiliência em relação a eventos climáticos extremos”. Pinto se diz otimista, apesar do desafio, uma vez que ações de restauração tem crescido, ao mesmo tempo em que o desmatamento está em queda.

Mercado de carbono

Diante do potencial de crescimento do mercado de crédito de carbono no Brasil e no mundo, comercializar esses créditos obtidos com a restauração de áreas degradadas tende a aumentar a rentabilidade das propriedades como as analisadas pelos pesquisadores da USP.

Eles estimam que apenas o cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que determina uma reserva de 20%, tem o potencial de remover de 1,98 a 3,62 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera nas fazendas analisadas, variando conforme o cenário analisado.

No entanto, pondera Francisco d’Albertas, seria preciso alcançar a cotacão de pelo menos US$ 20 a tonelada de carbono, preço médio internacional, para que a exploração desse mercado se viabilize. No momento, os preços no país tem ficado na casa dos US$ 5, o que acaba desmotivando os produtores.

“Nossa pesquisa mostra que, ao impulsionar os rendimentos das colheitas e combinando ganhos provenientes do sequestro de carbono, a restauração se torna uma abordagem economicamente eficaz em paisagens agrícolas, indo na contramão do senso comum que considera o agronegócio e a conservação ambiental como atividades incompatíveis”, explica Francisco d’Albertas.

“São, entretanto, necessárias medidas adicionais, como a consolidação do mercado de carbono, para tornar a restauração amplamente viável e imediatamente atraente para os agricultores”, completa.

O que diz a Lei da Mata Atlântica

Os compromissos de restauração no Brasil são guiados por uma obrigação legal ditada pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012), que orienta e impõe onde e quanto a vegetação nativa deve ser conservada, manejada ou restaurada nas fazendas. Todas as áreas rurais propriedades dentro da Mata Atlântica devem ter no mínimo 20% da área reservada como vegetação natural.

É composto por Áreas de Proteção Permanente (APPs), cuja localização é definida pela legislação (áreas ambientalmente sensíveis, como áreas ciliares, topos de morros e encostas íngremes) e Reservas Legais, que são alocadas pelos proprietários para atingir o conjunto mínimo - além da meta de 20%.

Os agricultores que não possuírem a área obrigatória coberta com vegetação natural deverão restaurá-la no prazo de 20 anos ou, no caso de Reservas Legais, compensar os déficits de vegetação em suas próprias propriedades, negociando com os proprietários com excedentes de Reservas Legais.

A família do produtor de café Renato Farhat Brito decidiu recuperar áreas próximas das plantações muitos anos antes de a ONU eleger 2020 a 2030 como a Década da Restauração. Ele hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira.

“Uma de nossas fazendas era só pasto e extremamente degradada. Fizemos um projeto em 2004 de replantar o café com a intenção de reflorestar a recompor os mananciais”, contou ele ao Estadão.

Renato hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira Foto: Renato Brito

Com a dificuldade de adquirir mudas e sementes, o produtor buscou parcerias e conseguiu nada menos que 84,2 mil árvores junto á Fundação SOS Mata Atlântica.

Quase 20 anos depois, 46 hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade.

“Em 2013 e 2014, tivemos uma seca severa em toda a região. Com essa seca e uma mudança no perfil da agricultura local, os produtores observaram que precisavam fazer alguma coisa. Nós nem sentimos os efeitos da seca porque nossas nascentes ficavam dentro da propriedade”, conta.

O grupo de fazendas administrado por Renato Farhat Brito, irmãos, pai e filho mantém atualmente 800 hectares dedicados ao café, com uma produção média de 30 mil sacas/ano - 90% desse total é exportado. E ele sabe que, cada vez mais, o mercado internacional exige que seus fornecedores adotem práticas sustentáveis de produção.

Quarenta e seis hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade. Foto: Renato Brito

“Nós sempre tivemos consciência ambiental na nossa família. Entendemos que não precisamos agredir o meio ambiente e nem explorar mão de obra. Pelo contrário, acreditamos em uma relação harmônica e equilibrada entre floresta e produção”.

Em 2021, uma das fazendas do grupo, a Sete Cachoeiras, fez o embarque do primeiro lote de café carbono neutro do país. Apesar de mais valorizado, o produtor diz que esse mercado altamente qualificado ainda não decolou. Por ora, ele segue colhendo os frutos de produzir um café sustentável demandado e valorizado no exterior.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que restaurar florestas e áreas degradadas em fazendas de café pode beneficiar substancialmente a produção e aumentar a rentabilidade da propriedade no longo prazo. O estudo, que teve a participação da Fundação SOS Mata Atlântica, investigou diferentes cenários em fazendas de 58 municípios do Sul de Minas e Mogiana Paulista, área responsável por 22% da produção nacional e 7% da produção global de café.

Com o objetivo de identificar até que ponto e em que condições os benefícios da restauração ecológica podem compensar os custos nos sistemas cafeeiros brasileiros em áreas de Mata Atlântica, os pesquisadores criaram oito cenários com diferentes metas de restauração nas fazendas num prazo de 20 anos.

“Os nossos cenários sugerem que, ao longo de 20 anos, os custos da restauração florestal nas explorações agrícolas – incluindo custos diretos, custos de oportunidade e mudanças na produção – podem ser compensados por aumentos na produção de café impulsionados pela restauração. Isto ocorre particularmente quando as explorações agrícolas têm uma cobertura florestal de base de pelo menos 10%”, afirmam os pesquisadores, no estudo.

Além disso, agricultores que historicamente desmataram uma fração menor das suas terras e, portanto, mantinham menores déficits de cobertura florestal legal, incorreriam num benefício financeiro líquido pelo cumprimento dos mandatos legais de restauração, enquanto os que tinham desflorestado mais terras enfrentariam um encargo financeiro.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.  Foto: Felipe Rau/Estadão

O doutor em Ecologia pela USP Francisco d’Albertas, coautor da pesquisa, explica que os cálculos foram feitos a partir de um modelo matemático criado para analisar a relação entre quantidade de floresta e produtividade, que variava bastante nas 507 fazendas analisadas, por meio de simulações.

Os cientistas tomaram como base os parâmetros da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, mais conhecida como Código Florestal, mas simularam cenários com metas de restauração de até 40% da propriedade.

“De acordo com o limiar de extinção, numa paisagem de Mata Atlântica, se você consegue ter pelo menos 20% de vegetação nativa você consegue evitar uma perda acentuada de biodiversidade, abaixo disso a queda é exponencial. Achamos que esse resultado, além de fornecer dados para políticas públicas, favorece a conservação e uma polinização mais efetiva, influenciando na produtividade”, diz d’Albertas.

O objetivo de modelo criado, segundo ele, era chegar a um cenário considerado “ótimo”, e esse objetivo foi alcançado. “Identificamos um limiar claro de cerca de 25% de cobertura florestal, incluindo florestas remanescentes e restauradas. Acima deste limiar, a restauração adicional aumentou substancialmente os custos”, disse ele ao Estadão.

Num dos cenários, a pesquisa mostrou que explorações agrícolas que transitaram de 10% para 25% de cobertura florestal tiveram resultados financeiros favoráveis.

“Isto ocorreu porque, em primeiro lugar, a presença de alguma cobertura florestal de base reduziu os custos de restauração, minimizando a área total que necessitava ser recuperada, ao mesmo tempo que aumentou a probabilidade de regeneração natural, uma abordagem mais rentável do que os métodos de restauração ativa.

Publicado na revista científica norte-americana One Earth, o estudo é assinado também por Gerd Sparovek, coordenador do Geolab (Esalq-USP), Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Camila Hohlenwerger, doutora em Ecologia pela USP, e Jean-Paul Metzger, professor do departamento de Ecologia da USP.

“Esse estudo é muito importante para mostrar que a restauração de ecossistemas é um benefício para o agronegócio, ela se paga, não é necessária apenas pra salvar os bichinhos e a biodiversidade. A floresta é importante para a atividade cafeeira, se paga com próprio aumento da produtividade no cafezal”, afirma o engenheiro agrônomo e diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto, que é coautor do estudo.

A situação da Mata Atlântica é extremamente crítica no Brasil, lembra ele. Restam 24% de cobertura florestal original desse bioma, quando o mínimo necessário para evitar que ele desapareça deveria ser de 30%. “É preciso entender que a floresta aumenta resiliência em relação a eventos climáticos extremos”. Pinto se diz otimista, apesar do desafio, uma vez que ações de restauração tem crescido, ao mesmo tempo em que o desmatamento está em queda.

Mercado de carbono

Diante do potencial de crescimento do mercado de crédito de carbono no Brasil e no mundo, comercializar esses créditos obtidos com a restauração de áreas degradadas tende a aumentar a rentabilidade das propriedades como as analisadas pelos pesquisadores da USP.

Eles estimam que apenas o cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que determina uma reserva de 20%, tem o potencial de remover de 1,98 a 3,62 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera nas fazendas analisadas, variando conforme o cenário analisado.

No entanto, pondera Francisco d’Albertas, seria preciso alcançar a cotacão de pelo menos US$ 20 a tonelada de carbono, preço médio internacional, para que a exploração desse mercado se viabilize. No momento, os preços no país tem ficado na casa dos US$ 5, o que acaba desmotivando os produtores.

“Nossa pesquisa mostra que, ao impulsionar os rendimentos das colheitas e combinando ganhos provenientes do sequestro de carbono, a restauração se torna uma abordagem economicamente eficaz em paisagens agrícolas, indo na contramão do senso comum que considera o agronegócio e a conservação ambiental como atividades incompatíveis”, explica Francisco d’Albertas.

“São, entretanto, necessárias medidas adicionais, como a consolidação do mercado de carbono, para tornar a restauração amplamente viável e imediatamente atraente para os agricultores”, completa.

O que diz a Lei da Mata Atlântica

Os compromissos de restauração no Brasil são guiados por uma obrigação legal ditada pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012), que orienta e impõe onde e quanto a vegetação nativa deve ser conservada, manejada ou restaurada nas fazendas. Todas as áreas rurais propriedades dentro da Mata Atlântica devem ter no mínimo 20% da área reservada como vegetação natural.

É composto por Áreas de Proteção Permanente (APPs), cuja localização é definida pela legislação (áreas ambientalmente sensíveis, como áreas ciliares, topos de morros e encostas íngremes) e Reservas Legais, que são alocadas pelos proprietários para atingir o conjunto mínimo - além da meta de 20%.

Os agricultores que não possuírem a área obrigatória coberta com vegetação natural deverão restaurá-la no prazo de 20 anos ou, no caso de Reservas Legais, compensar os déficits de vegetação em suas próprias propriedades, negociando com os proprietários com excedentes de Reservas Legais.

A família do produtor de café Renato Farhat Brito decidiu recuperar áreas próximas das plantações muitos anos antes de a ONU eleger 2020 a 2030 como a Década da Restauração. Ele hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira.

“Uma de nossas fazendas era só pasto e extremamente degradada. Fizemos um projeto em 2004 de replantar o café com a intenção de reflorestar a recompor os mananciais”, contou ele ao Estadão.

Renato hoje dirige três fazendas localizadas em Três Pontas, no sul de Minas, área incluída na pesquisa, que são modelos de sustentabilidade na atividade cafeeira Foto: Renato Brito

Com a dificuldade de adquirir mudas e sementes, o produtor buscou parcerias e conseguiu nada menos que 84,2 mil árvores junto á Fundação SOS Mata Atlântica.

Quase 20 anos depois, 46 hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade.

“Em 2013 e 2014, tivemos uma seca severa em toda a região. Com essa seca e uma mudança no perfil da agricultura local, os produtores observaram que precisavam fazer alguma coisa. Nós nem sentimos os efeitos da seca porque nossas nascentes ficavam dentro da propriedade”, conta.

O grupo de fazendas administrado por Renato Farhat Brito, irmãos, pai e filho mantém atualmente 800 hectares dedicados ao café, com uma produção média de 30 mil sacas/ano - 90% desse total é exportado. E ele sabe que, cada vez mais, o mercado internacional exige que seus fornecedores adotem práticas sustentáveis de produção.

Quarenta e seis hectares foram reflorestados na Fazenda Pinheiros. Apesar do investimento alto, de praticamente R$ 40 mil por hectare, o gasto se pagou com o crescimento da produtividade e uma maior quantidade de água na propriedade. Foto: Renato Brito

“Nós sempre tivemos consciência ambiental na nossa família. Entendemos que não precisamos agredir o meio ambiente e nem explorar mão de obra. Pelo contrário, acreditamos em uma relação harmônica e equilibrada entre floresta e produção”.

Em 2021, uma das fazendas do grupo, a Sete Cachoeiras, fez o embarque do primeiro lote de café carbono neutro do país. Apesar de mais valorizado, o produtor diz que esse mercado altamente qualificado ainda não decolou. Por ora, ele segue colhendo os frutos de produzir um café sustentável demandado e valorizado no exterior.

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