Em meio ao verão mais seco em décadas na China, um esquálido Rio Yangtze, o maior da Ásia, produziu imagens que rodaram o mundo nos últimos dias. Até estátuas budistas com cerca de 600 anos, antes submersas, vieram à tona. Com apenas metade de sua largura normal em alguns trechos, instalou-se uma crise no abastecimento de energia elétrica quando a demanda por ar-condicionado cresce com o calor extremo no País. A preocupação, no entanto, não é exclusividade dos chineses. O verão no hemisfério Norte revelou efeitos similares em outros países. O mesmo já havia acontecido no Sul, evidenciando a relação cada vez mais clara entre estiagens nunca vistas e as mudanças climáticas.
As mudanças climáticas são as alterações nas características do clima e da temperatura da Terra observadas a longo prazo. Diferentemente das variações climáticas, um processo natural, a causa original das mudanças climáticas é uma só: a ação humana no planeta. Desde a Revolução Industrial, a temperatura média no planeta aumentou 1,1ºC. O desafio para a humanidade é manter essa elevação até 1,5º, como reconhecem e se comprometem os países signatários do Acordo de Paris. Caso contrário, os efeitos sobre o clima da Terra serão cada vez mais extremos, como mostra o relatório do IPCC, o painel climático da ONU.
Nos Estados Unidos, um dos maiores e mais importantes rios, o Colorado, sofre como todo o Oeste americano. Em comunicado, no último dia 16, o Departamento do Interior dos EUA alertou sobre os efeitos já instalados da ação humana. “O agravamento da crise da seca que afeta a Bacia do Rio Colorado é impulsionado pelos efeitos das mudanças climáticas, incluindo calor extremo e baixa precipitação. Por sua vez, as severas condições de seca exacerbam o risco de incêndios florestais e a interrupção dos ecossistemas, aumentando o estresse nas comunidades e em nossas paisagens”, afirmou o vice-secretário Tommy Beaudreau .
O que se vê no rio, de margens secas e embarcações encalhadas, é desolador. Tanto que os efeitos da seca podem ser observados até mesmo a partir do espaço. Imagens de satélites da Nasa deixam clara a extensão do problema que, de acordo com especialistas, é a pior estiagem em 1.200 anos. Para tentar fazer frente ao desafio, o governo Joe Biden anunciou investimentos sem precedentes para reforçar a resiliência à seca e a gestão da água. A Lei de Infraestrutura Bipartidária prevê um investimento histórico de US$ 8,3 bilhões para enfrentar os desafios da seca.
Os dois maiores reservatórios dos EUA estão no Rio Colorado, que tem hoje apenas 34% de sua capacidade máxima, 40% a menos do que em 2021. Entre os Estados de Nevada e do Arizona, o reservatório Lake Mead é o maior do País. Atualmente opera abaixo de 27% de sua capacidade.
Segundo especialistas, não é apenas a variação de um ano para outro que afeta atualmente o sistema. O que se vê é resultado de ao menos duas décadas de estiagens. Os efeitos apareceram e se tornaram mais difíceis de reverter.
Também assolada por uma onda de calor, a Europa sofre durante o verão. Da Espanha à França, da Itália à Alemanha, quase metade do continente registra enormes secas em alguns de seus principais rios. A estação mais quente do ano e a falta de chuvas afetaram de tal forma o Rio Reno, principal corredor para escoar a produção germânica até o Mar do Norte, que seu baixo nível ameaça o transporte de cargas em seu leito.
No país, que já calcula os impactos durante o inverno do corte no fornecimento de gás vindo da Rússia (por causa da guerra na Ucrânia), economistas estimam que a estiagem pode afetar o crescimento econômico alemão. O rio também é vital para o escoamento das produções da Suíça e da Holanda e outro efeito colateral da seca são os cortes na produção de energia elétrica, que depende do diesel e do carvão embarcado no Reno. O resultado afeta uma série de cadeias econômicas, como a indústria automobilística.
Os efeitos das mudanças climáticas e a onda de calor que afetou a Europa também atingiram o Danúbio. Na Sérvia, a seca do rio revelou dezenas de cascos de navios de guerra alemães afundados durante a Segunda Guerra Mundial nas proximidades da portuária fluvial de Prahovo.
Na Itália, em meio à pior seca nos últimos 70 anos, o governo decretou estado de emergência. No Rio Pó, o maior do território italiano, a situação é similar à do Reno e do Danúbio. Ali também uma bomba da época da Segunda Guerra foi encontrada no leito seco do rio.
O nível das águas baixou até 7 metros em algumas regiões. O Vale do Pó é responsável pela produção de cerca de 40% dos alimentos do País. De acordo com declaração do Primeiro-Ministro Mario Draghi, “o aumento geral das temperaturas também está contribuindo; não há dúvida de que as mudanças climáticas estão surtindo efeito".
O que se vê hoje no hemisfério Norte é o que já se viu no hemisfério Sul e pode voltar a ocorrer, em uma alternância de efeitos climáticos extremos cada vez mais frequente. Em 2021, a pior crise hídrica em 91 anos atingiu a região Centro-Sul do Brasil. Rios como o Paraguai e o Paraná sofreram com a seca. Em meio ao Pantanal, na região de Corumbá, o transporte de grãos foi afetado. O impacto foi tão grande que se espalhou para a Argentina e chegou ao Rio da Prata.
Reforçando o que apontam os especialistas, um levantamento da plataforma MapBiomas deu números ao problema no Brasil. Em 30 anos, 15,7% da superfície de água do País desapareceu. Mato Grosso do Sul foi o Estado mais afetado, 57% de todo o recurso hídrico foi perdido desde 1990. Essa redução ocorreu basicamente no Pantanal. No período, 75% da água do bioma sumiu.