Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano
Impermeabilização, tempestades recorrentes e ondas de calor até no inverno expõem o desafio de São Paulo na crise climática. Inundações como a que devastaram o Rio Grande do Sul são exemplos da ameaça dos eventos cada vez mais extremos e frequentes. Como a maior cidade do País deve se adaptar para evitar novas tragédias e prejuízos?
Proteção contra temporais
O Plano de Redução de Riscos da cidade está previsto por lei desde 2014 como prioritário, mas até agora não foi efetivado. Após decisão judicial, o documento entrou em julho em consulta pública pela gestão Ricardo Nunes (MDB), que diz ter aplicado R$ 3,2 bilhões desde 2021 para mitigar e eliminar riscos.
Para especialistas, moradias populares em locais seguros e regularização fundiária são fundamentais, aliadas a medidas de curto prazo, como abrigos emergenciais e rotas de fuga. Há 206 mil habitações em áreas de risco na capital, entre as sujeitas a deslizamentos e fundos de vale.
A Prefeitura prevê iniciar, ainda em 2024, um projeto-piloto para alerta de risco hidrológico em comunidades vulneráveis. Salvador é uma das cidades que avançaram na mobilização da sociedade civil: as simulações nas comunidades incluem acionamento de sirenes, treinamento e deslocamento para abrigos.
O desafio é manter os moradores continuamente engajados na prevenção e ter um fluxo de informação efetivo entre a Defesa Civil e esses núcleos comunitários.
Ondas de calor
Dados coletados pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP desde os anos 1930 mostram que ondas de calor ficaram mais frequentes em São Paulo. Para lidar com os efeitos disso, sobretudo para a saúde humana, serão necessárias novas medidas.
“Precisava ter fontes de água potável da mesma forma que há postes na rua”, afirma a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Denise Duarte.
Ela defende aumentar o número de árvores e coberturas com isolamento térmico para criar sombras e os pisos absorverem menos calor. Também é preciso preparar a rede de saúde para esses fenômenos, principalmente para proteger e atender grupos mais vulneráveis, como idosos e crianças.
Mais verde
O aumento de áreas verdes é crucial para melhorar a qualidade do ar e a permeabilidade do solo, além de baixar a temperatura. Elas são 54% do território da capital, mas estão mal distribuídas. Preocupa também a degradação causada por loteamentos clandestinos nos arredores de mananciais, como Guarapiranga e Billings, na zona sul.
Já na adaptação do sistema de drenagem, “há uma tendência em partir para obras de construção civil”, como piscinões, segundo Pedro Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
Essas estruturas costumam ser úteis para lidar com temporais em intervalos curtos, mas sua eficácia para conter alagamentos depende da articulação com outras soluções.
Combinar soluções cinzas (obras) com verdes (jardins de chuva e parques lineares) amplia “não só a capacidade, mas a flexibilidade para lidar com extremos de chuva”, diz Mariana Nicoletti, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV).
São Paulo tem 24 parques lineares, 337 jardins de chuva e nove bosques de conservação. Côrtes sugere ainda estratégias de incentivo para a iniciativa privada e cidadãos comuns, como desconto no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para quem adotar soluções ambientais, como telhados verdes.
Dá para enterrar os fios?
Extremos climáticos trazem mais problemas do que chuvas e calor, como ventos acima da média. No fim de 2023 e nos primeiros meses deste ano, apagões causados pela queda de árvores na fiação elétrica incomodaram centenas de milhares de paulistanos.
Pedro Côrtes diz que as árvores, muitas vezes vistas como culpadas, são vítimas de um “problema sério de manutenção”. Além das podas, ele chama a atenção para falhas em calçamentos: “a raiz não tem espaço, compromete a saúde das árvores, e elas caem”.
Além de planos de poda, colocar os fios sob o solo é uma saída. O obstáculo é o custo: enterrar sai oito vezes mais caro do que a rede convencional.
Para José Aquiles Grimoni, professor de Engenharia Elétrica da USP, o enterramento deve priorizar áreas com serviços essenciais, como hospitais e escolas, além de seguir um mapeamento de regiões mais afetadas por blecautes.
Entre as medidas menos custosas, a alternativa é reforçar o acabamento dos fios, com espaçadores que evitam o contato entre cabos. Há outras soluções intermediárias, como a calha técnica, bandeja enterrada onde correm fios de todas as redes, o que poderia levar companhias a partilhar custos de instalação, e a do transformador tipo pedestal, que fica no chão e é mais barato do que enterrar.
Uma lei municipal de 2005 prevê a obrigatoriedade de enterrar o cabeamento, mas esbarra na dificuldade de dividir os custos dessa intervenção entre poder público, concessionárias, como as de energia elétrica, e empresas de telecomunicações. Segundo a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado (Arsesp), só 7% da fiação elétrica da capital é subterrânea.
Quais são os bons exemplos no exterior?
Amsterdã e Roterdã, na Holanda, se destacam na adaptação para lidar com chuvas, transbordo e aumento do nível do mar, prevenindo inundações. Elas adotam estratégias para dar mais espaço para a água se espalhar na cidade, como escavar canais de inundação e criar áreas de captação de água, além de parques e soluções baseadas na natureza. As medidas foram implementadas após a ameaça de enchentes nos anos 1990 levar à evacuação de mais de 200 mil moradores.
Nas estratégias para mitigar ondas de calor, um dos destaques é Barcelona, que tem cerca de 1,7 mil fontes gratuitas de água potável geolocalizadas por aplicativo. Paris, sede das Olimpíadas este ano, tem 1,2 mil estruturas do tipo. Já Mumbai, na Índia, está reativando fontes do século 19 para ampliar o acesso à água potável, um dos objetivos de seu plano climático.
Já entre as iniciativas de distribuição da cobertura vegetal no meio urbano, uma das principais referências são os corredores verdes de Medellín, na Colômbia. Desde 2016, a cidade implementou mais de 30 dessas infraestruturas no entorno de eixos viários e corpos hídricos. Segundo o governo local, a medida tem potencial de reduzir a temperatura em 2ºC.
O que os candidatos propõem na área de transporte e mobilidade (em ordem alfabética)
Guilherme Boulos
Candidato do PSOL, Boulos planeja ampliar áreas permeáveis, criar ações de prevenção em áreas de risco, universalizar a coleta seletiva de resíduos e preparar a transição energética para reduzir emissões de carbono, além da criar mais corredores verdes, arborizar vias e mapear ilhas de calor. Sobre a despoluição de rios e córregos, pretende “cobrar que a Sabesp cumpra seu contrato e colete e trate todo o esgoto da cidade de São Paulo”. Também aposta em incrementar a ação da Guarda Civil Municipal Ambiental e a fiscalização das Subprefeituras em áreas de mananciais para reduzir descarte irregular de resíduos.
Para Boulos, o estímulo à reciclagem e fechamento de aterros deve estar associado a programas de educação e mobilização da sociedade, com incentivos a cooperativas de catadores e implantação de unidades de triagem em todos os 96 distritos urbanos. “Hoje São Paulo paga para se livrar de resíduos verdes, de podas e feiras, que poderiam gerar recursos por meio da compostagem. A São Paulo do futuro não enterra, não queima seus resíduos, mas recicla, promove integração socioprodutiva de catadoras e catadores; destina adubo para agricultura urbana e aposta na educação ambiental.”
Sobre os apagões e quedas de energia que afetam a cidade principalmente após fortes chuvas, o psolista afirma que é necessário unir esforços: “O grande desafio é que a regulamentação disso é da União. Para resolver é preciso retomar o diálogo com o governo federal para encontrar alternativas e cobrar, junto aos órgãos competentes, o cumprimento das regras desses contratos”.
José Luiz Datena
Candidato do PSDB, José Luiza Datena afirma que pretende usar ferramentas de georreferenciamento para prevenir acidentes e deslizamentos, e promete agilidade na construção de moradias para reduzir o déficit habitacional. “Famílias em áreas de risco terão prioridade na política de incentivo, inclusive nos ‘Territórios do Emprego’, que promoverão a troca de imposto por empregos, sobretudo em regiões da periferia.”
O apresentador afirma que “caberá à Sabesp a conservação da qualidade das águas e dos mananciais, conforme o contrato de concessão em vigor”. Na questão da reciclagem, “a política de resíduos sólidos buscará ampliar o volume reciclado por meio de maior atuação das concessionárias responsáveis pela coleta, por maior apoio a associações e cooperativas de catadores e por meio de campanhas de conscientização para ampliar a adesão da população à reciclagem”.
O tucano afirma que, caso eleito, adotará uma postura fiscalizatória em relação à cobrança na qualidade e prestação de serviços das empresas. “Vamos atuar fortemente junto aos órgãos reguladores para que a concessionária responsável atenda padrões adequados de qualidade e confiabilidade. A manutenção e a pronta recuperação das redes elétricas, em casos de interrupções, são obrigação indissociável dessas empresas.”
Marina Helena
De acordo com levantamento recente da própria Prefeitura, São Paulo tem 206 mil moradias em áreas de risco de deslizamento e enchentes. Candidata do Novo, Marina Helena afirma que é essencial garantir habitações com acesso a serviços e infraestrutura nas áreas periféricas do município. Para ela, “São Paulo está despreparada para lidar com enchentes e deslizamentos de terra e a qualidade de vida dos cidadãos se prejudica, em especial os usuários de transporte público”.
Para mitigar as chamas ilhas de calor, lugares com alta densidade populacional e carente de áreas verdes, a candidata promete trabalhar para “proporcionar ao cidadão uma rotina mais segura e saudável, com ambiente de negócios “verdes” e investimentos para a criação, recuperação e preservação de áreas e desenvolvimento da agricultura urbana”.
A economista se inspira em modelos internacionais, como a revitalização do rio Cheonggyecheon, em Seul, para recuperar córregos enterrados e rios poluídos. E, para inibir o descarte irregular de lixo, aponta caminhos como ampliar a reciclagem. “Hoje, mais de 70% das casas separam o lixo, mas apenas de 1% a 3% de fato reciclam. O número mostra que a estrutura de reciclagem falha”, diz. “Vamos incentivar o setor por meio do IPTU Verde, oferecer descontos no IPTU por prestação de serviços ambientais como a reciclagem, retenção de água da chuva, a criação de praças verdes e a promoção do solo permeável. Como no mercado de carbono, poderá haver um mercado de créditos de IPTU Verde.”
Já para o aterramento de fios, promete “facilitar a vida dos proprietários que querem, com próprios recursos, enterrar os fios de sua rua” e sugere um marco legal sobre o tema, com a municipalidade subsidiando parte do custo com o Fundurb, fundo específico para questões urbanística com recursos vindos de arrecadação de outorga onerosa de novas construções.
Pablo Marçal
No PRTB, Pablo Marçal promete um plano de reassentamento para as famílias que vivem em locais vulneráveis e serão realocadas para diminuir riscos. E aposta em infraestrutura de drenagem, construção de galerias pluviais e revitalização de áreas verdes para absorver a água das chuvas e minimizar alagamentos. “Vamos atuar de maneira consistente e com um olhar atento sobre a necessidade de um planejamento urbano que priorize a segurança e o bem-estar dos cidadãos paulistanos”, afirma.
Ele avalia realizar o “desenterramento de corpos d’água onde for viável, promovendo a reurbanização das margens e a criação de áreas de lazer”. E aposta em tecnologias avançadas para tratar esgoto proveniente de comunidades.
Na questão da sustentabilidade e reciclagem, Marçal afirma que, caso vença, a cidade pode chegar a reciclar 30% de seus descartes. “Isso equivaleria a aumentar a reciclagem de aproximadamente 90 mil toneladas para mais de 1 milhão de toneladas anuais.” Para atingir a meta, propõe incentivos fiscais para empresas que adotam práticas sustentáveis e utilizam materiais reciclados em processos produtivos.
A promessa de enterrar a fiação, segundo o candidato, envolve um plano de colaboração entre Prefeitura, concessionárias de energia e sociedade civil. “A criação de um fundo municipal dedicado à modernização da infraestrutura elétrica também é uma solução viável”, aponta. Marçal estima que a transformação total da fiação em subterrânea tenha custo de R$ 64 bilhões. “O essencial é iniciar o processo, estabelecendo metas anuais claras e priorizando áreas críticas com alta densidade populacional e histórico de apagões. A modernização da infraestrutura urbana é um passo fundamental para garantir uma cidade mais resiliente”, diz ele.
Ricardo Nunes
Candidato que busca a reeleição pelo MDB, Ricardo Nunes pontua que a gestão publicou no último mês o novo Plano Municipal de Redução de Riscos da cidade (PMRR) que contempla 19 ações com investimento estimado entre R$ 16 bilhões e R$ 28 bilhões para serem realizados até 2040. Aproximadamente metade do investimento se refere às obras de mitigação de risco e atendimento habitacional. E pontua investimentos realizados pela administração com R$ 3,2 bilhões aplicados em ações para mitigação de áreas de risco.
Em resposta à questão sobre como recuperar rios e córregos enterrados - e poluídos -, Nunes afirma que o processo de melhora no saneamento básico é essencial. “O novo contrato de prestação dos serviços de água e esgoto da cidade com a Sabesp prevê um aumento de R$ 21,7 bilhões em saneamento até 2040, em comparação com o contrato anterior, e um volume total de investimentos de R$ 84,1 bilhões até 2060″, afirma. “Esses investimentos incluem a universalização do acesso aos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento esgoto em São Paulo até 2029.″
O administrador aposta em novos contratos para melhorar a taxa de reciclabilidade da capital. Segundo ele, a meta é afastar mais de 70% dos resíduos que hoje são destinados para os dois aterros que a cidade utiliza. E cria três ecoparques.
O enterramento de fios segue em briga judicial. Segundo o prefeito, as concessionárias conseguiram na Justiça derrubar a obrigatoriedade de enterrar a fiação. “Se não houvesse essa decisão judicial, já estaríamos fazendo esse trabalho de aterramento”, afirma. “O recurso para aterrar a fiação não pode sair do bolso do paulistano, que já paga pela conta de luz. É um processo que deve ser constituído com amparo legal e financeiro de todas as partes.”
Tabata Amaral
Deputada Federal e candidata pelo PSD, Tabata cita experiências pessoais para pontuar o cotidiano dos paulistanos da periferia que convivem com rios e córregos poluídos: “São Paulo foi construída sobre córregos e rios e os problemas disso são bem conhecidos por quem vive na periferia – eu vivi isso”, diz ela, que morou na Vila Missionária, zona sul. “Vamos criar uma Secretaria Municipal dos Recursos Hídricos para pensar soluções e tratar de temas que vão de despoluição dos córregos e drenagem até enchentes”.
Ela aposta em ações preventivas e zeladoria para mitigar efeitos de inundações. “Teremos ações para identificar entupimentos de galerias e bocas de lobo, otimizando o escoamento e retomar o Programa Córrego Limpo, em parceria com a Sabesp, para recuperar os “corpos d’água”, pontua.
Como inovação para a área de reciclagem, Tabata promete a criação do Passaporte da Cidadania: programa em que cidadãos que participam de atividades de reciclagem poderão acumular pontos e trocar por ingressos para shows, teatros, compra de livros. Também promete incentivar ações de economia circular, logística reversa e compostagem.
Sobre apagões, diz que é preciso um estudo que identifique áreas prioritárias para instalação da fiação subterrânea. “Bairros prioritários devem combinar ao menos três fatores: grande incidência de apagões, alta densidade populacional e pouca infraestrutura. Uma de nossas principais propostas é levar internet de alta velocidade à periferia.” Tabata aponta que é preciso estabelecer parcerias com a concessionária de energia e empresas de telecomunicações para dividir responsabilidades e custos. “O investimento público deve vir de diferentes fontes, como operações de crédito, recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano, e modelagens específicas de Parcerias Público Privadas.”
Veja quais são as outras reportagens da série:
- Educação - 07/8
- Mobilidade - 08/08
- Desafios econômicos - 09/8
- Urbanismo - 11/8
- Centro de SP - 12/8
- Segurança - 13/8