‘Há seca de neve nos Andes’: entenda o que isso tem a ver com a falta de chuva na Amazônia


Cientista americano Baker Perry e o inglês Tom Matthews estão preocupados com a menor precipitação nas montanhas devido às mudanças climáticas

Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:
Foto: Justen Bruns/National Geographic
Entrevista comBaker Perry e Tom MatthewsPesquisadores do clima

LIMA - O céu é o limite no trabalho dos cientistas Baker Perry e Tom Matthews, que vêm coletando dados climáticos em algumas das montanhas mais altas do mundo.

Em 2019, a dupla co-liderou uma expedição para instalar cinco estações meteorológicas no Monte Everest - incluindo uma das mais altas do mundo, a mais de oito mil metros de altitude.

Alguns anos depois, em 2022, também esteve à frente da implantação da estação meteorológica mais elevada nos Andes tropicais (a 6.349 metros), próximo ao pico nevado Ausangate, montanha mais alta de Cusco, no Peru.

Os pesquisadores Baker Perry e Cecilia Llusco em caminhada de cinco dias em direção ao cume do Nevado Ausangate. Eles acampam na neve e no gelo até chegar ao topo Foto: Justen Bruns/National Geographic

O ar rarefeito e as temperaturas congelantes tornam a subida árdua, quase impossível quanto mais se aproxima da “zona da morte”, a oito mil metros, onde o corpo humano “desliga”.

Mas Perry e Matthews não chegaram lá sozinhos: tiveram o apoio de pesquisadores e alpinistas locais, mais habituados às condições extremas das montanhas, nas expedições realizadas pela National Geographic Society, com apoio da Rolex.

Exploradores da National Geographic, Baker Perry, Tom Matthews e Ruthmery Pillco Huarcaya, cientistas locais, guias e as Cholitas Escaladoras, alpinistas bolivianas de elite, comemoram instalação da estação meteorológica logo abaixo do pico nevado Ausangate, no Peru Foto: Justen Bruns/National Geographic

Nesses locais remotos, os cientistas foram guiados pelos sherpas - povo guardião do Himalaia, de exímios alpinistas - e pelas Cholitas Escaladoras, grupo de mulheres aimarás - etnia indígena da Bolívia - que já escalou as montanhas mais altas da América do Sul, sempre vestindo “polleras”, saias coloridas tradicionais. Em Cusco, também contaram com uma equipe peruana do povo Quechua.

Senobia Llusco faz parte das Cholitas Escaladoras, grupo de alpinistas de elite que participou da subida ao Ausangate Foto: Justen Bruns/National Geographic

O ambiente nos cumes de montanha foi até hoje pouco estudado e tem papel importante na compreensão do clima e de suas mudanças em escala global. As montanhas também desempenham papel fundamental como reservatórios de água doce, que fica armazenada em geleiras, camadas de neve e lagos alpinos que abastecem até 2 bilhões de pessoas.

No caso dos Andes, o professor da Universidade Estadual Appalachian Baker Perry explica que esse reservatório tem “conexão de mão-dupla”, com o ciclo hidrológico da Amazônia, em que o desmatamento e a diminuição das precipitações e das geleiras nas montanhas se retroalimentam.

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Equipamentos ajudam a aprimorar projeções sobre a extensão das geleiras e disponibilidade de água a jusante

Perry e Matthews falaram ao Estadão durante o National Geographic Explorers Festival realizado em setembro em Lima, no Peru, sobre os impactos das mudanças climáticas a milhares de metros de altitude e seus reflexos nos eventos extremos que atingem a Bacia Amazônica e se estendem além dela, por todo o Brasil e a América do Sul.

Leia principais trechos da entrevista:

Vocês realizaram uma expedição no Everest e mais recentemente estiveram nos Andes, instalando estações climatológicas em alguns dos picos mais altos do planeta. Quais as alterações climáticas perceptíveis?

Baker Perry - Especialmente nos últimos cinco anos, houve grande seca de neve no Himalaia, com pouca ou nenhuma queda de neve nos meses de inverno. É um tipo diferente de seca – significa que as geleiras não estão mais sendo cobertas pela neve no inverno, o que as tornou mais suscetíveis ao derretimento, mesmo na estação mais fria.

Publicamos artigos sobre ondas de calor no inverno e sobre as linhas de neve, a área onde a neve na geleira é evidente, abaixo da qual há apenas gelo, que derrete mais facilmente. Essa linha subiu para elevações extremas, de até seis mil metros, no meio do inverno.

Há semelhanças do que vimos no Everest com os Andes em relação a mudanças na precipitação, temperaturas mais altas e (menos) queda de neve em altitudes elevadas.

Equipe descansa abaixo do cume da montanha, contemplando o vale de Ausangate Foto: Justin Bruns/National Geographic

O que nosso trabalho nos Andes mostrou é que há conexões importantes (das montanhas) com a Amazônia, porque a maior parte da umidade que é a fonte para a neve e a chuva nos Andes vem da Bacia Amazônica. E, claro, a água nas montanhas mais altas da cordilheira flui rio abaixo e sustenta comunidades nos Andes e no Alto Amazonas. Há uma conexão de mão dupla: o que acontece na Amazônia tem um impacto direto nos Andes e vice-versa.

O que vemos no Everest e nos Andes em termos da diminuição dos glaciares, as secas e inundações na Bacia Amazônica, mais abaixo na floresta tropical: é tudo impulsionado pelo mesmo mecanismo último, que é o aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Isso modifica o movimento da água ao derreter o gelo e sugar a umidade do solo, perturbando o ciclo da água.

Como o desmate e os incêndios florestais agravam o problema?

Baker Perry - As florestas na Amazônia e em grande parte do Sul da Ásia e Nepal estão muito mais vulneráveis à atividade de incêndio porque o tempo está mais quente e seco, condições favoráveis para que elas queimem. Claro, há elementos humanos importantes nisso, especialmente na Amazônia.

A razão disso ser tão significativo para as geleiras e a neve é que elas são cobertas pelas partículas dos incêndios, que escurecem sua superfície. Isso permite que mais luz solar seja absorvida e acelera o derretimento. É uma ligação importante que, infelizmente, está contribuindo para os impactos contínuos das mudanças climáticas nessas regiões.

Os incêndios na Amazônia podem ter impacto direto na rapidez com que as geleiras em que trabalhamos irão encolher. É visível a conexão entre as atividades nas partes mais baixas dos rios que escoam dessas montanhas, seja incêndios florestais naturais ou atividades industriais, as geleiras e a água que está fluindo por esses vales.

Outra parte disso é que, quanto mais Floresta Amazônica é queimada e desmatada, menor é a capacidade que o ecossistema tem de bombear água do solo para a atmosfera. Esse é um processo importante que já alteramos consideravelmente.

Tom Matthews - Um estudo que estava lendo mais cedo diz que se desmatar intensamente a Bacia Amazônica, diminui a quantidade de precipitação, de neve e chuva nos Andes, em cerca de 30%. As geleiras provavelmente nunca teriam estado lá em primeiro lugar se não fosse por isso - a água cai como chuva no leste da bacia, evapora e os ventos a carregam.

É como uma corrida de revezamento: as árvores mais a oeste estão recebendo a chuva que foi evaporada das folhas das árvores mais a leste, próximas ao Atlântico. Se derrubar árvores suficientes, toda a região seca.

Significa que os pontos de não retorno das geleiras nos Andes e da Amazônia estão conectados?

Tom Matthews - Para uma geleira nos Andes, provavelmente poderíamos identificar um ponto de inflexão em que, se há desmate suficiente e um nível específico de aquecimento, impactando a neve que cai lá em cima, a geleira deixa de existir. Portanto, há dependência direta da área desmatada lá embaixo.

Baker Perry - O que estamos tentando comunicar no nosso trabalho é que precisamos pensar além da floresta tropical. O ponto de não retorno é tipicamente aplicado à Floresta Amazônica, mas também se aplica à precipitação nos Andes e provavelmente a seções maiores da América do Sul. E há implicações globais, porque a circulação (de água) de todo o hemisfério (Sul) é parcialmente impulsionada pelas tremendas tempestade, as nuvens e o transporte de umidade verticalmente para fora da Amazônia pela convecção.

Neste ano, temos enfrentado uma sequência de ondas de calor no Brasil e os piores incêndios florestais em mais de uma década na Amazônia e em outros biomas, como o Pantanal. O que esses eventos extremos nos dizem sobre as mudanças climáticas?

Tom Matthews - Não é uma surpresa pra nós, mas é muito diferente quando vemos acontecer. Sempre tivemos clima extremo, mas as mudanças climáticas intensificam os extremos que você acabou de mencionar, realmente os torna piores. Tornam eventos de calor extremo e secas piores porque o ar está mais quente e literalmente suga mais umidade das árvores, do solo. E quando chove é como uma esponja sendo espremida, há mais água na atmosfera e por isso as chuvas são mais intensas.

Aí há uma mensagem forte para limitar o aquecimento o máximo possível. E precisamos lidar melhor com o clima extremo quando ele chegar. Essa é outra verdade inconveniente: ele veio para ficar. Podemos decidir o quão ruim vai ser, mas o que estamos vendo não vai desaparecer mesmo se pararmos as emissões. E podemos fazer isso. Nós reduzimos as mortes por clima extremo em todo o mundo desde o começo do século passado, poderia ser muito pior. Temos que enfrentar o desafio com todas as ferramentas.

Ainda temos tempo para reverter essas mudanças e frear a ocorrência dos eventos extremos?

Tom Matthews - Não vamos reverter a situação tão cedo, a questão é quão ruim vamos permitir que ela fique. Se zerássemos nossas emissões imediatamente, a Terra não esfriaria da noite para o dia. Não restauraríamos as temperaturas de volta ao que era um século e meio atrás, antes de começarmos a colocar dióxido de carbono na atmosfera. A temperatura cairia muito lentamente.

As secas e o calor extremo estão majoritariamente ligados à temperatura global, mas o que acontece na floresta, o quanto a floresta tropical é desmatada, também é crítico para determinar quão seco e quente o tempo vai ficar. Então, existe potencial para intervir localmente no clima extremo, porque quanto mais você desmata, mais quente e seco fica.

Até alcançarmos o zero líquido (de emissões), o planeta vai continuar aquecendo. E as consequências disso, em termos de secas, retração glacial e assim por diante, vão continuar. Estamos desesperadamente tentando limitar os impactos das temperaturas mais altas.

Floresta Amazônica nas proximidades de Iquitos, no Peru Foto: Sofía López Mañán/Rolex

Baker Perry - Acho que sou mais otimista quanto às oportunidades e à capacidade de limitar o desmatamento. Isso tem um impacto direto na quantidade de vapor d’água que está sendo bombeado para a atmosfera e pode amenizar alguns dos impactos da seca impulsionada pelos gases de efeito estufa, além de desempenhar um papel muito importante no ciclo da água para a precipitação que cai nas partes altas dos Andes.

Ainda há tempo para fazer algumas mudanças positivas em toda a bacia (amazônica), mas existe um ponto de não retorno em algum lugar, e uma vez ultrapassado, o clima será completamente diferente. Pode ser muito difícil recuperar-se disso, se não impossível, o que me preocupa muito. Ainda assim, pessoalmente, tenho muito otimismo de que a maior parte da floresta pode ser preservada e isso pode proporcionar uma estabilização importante, um efeito de amortecimento sobre o clima, especialmente para a precipitação nos Andes e em toda a região.

Países como Peru e Bolívia não fizeram quase nada para contribuir com as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, então há pouco que podem fazer para limitar o aquecimento global futuro. Mas o combate ao desmatamento é algo local que eles podem fazer, é a tarefa deles. Todos nós temos que fazer a nossa parte, EUA e Europa têm que fazer mais para limitar suas emissões. Mas, em vez de instilar um sentimento de impotência nas comunidades da Amazônia, é preciso dizer que restaurar e proteger a floresta é algo enorme.

Na expedição Perpetual Planet na Amazônia, vocês ficaram carinhosamente conhecidos como os “caras da montanha”. O que o contato com pesquisadores que estudam o ecossistema amazônico e com a própria floresta acrescentou ao trabalho de vocês como climatologistas?

Baker Perry - Um grande destaque para mim em fazer parte desta série de expedições na Amazônia foi ampliar minha base de colaboração para além dos Andes e incluir mais cientistas da Amazônia. Me deu uma percepção maior do que está acontecendo e de como a água é importante - o ciclo da água, a seca e seus impactos.

Uma das coisas empolgantes sobre as expedições da iniciativa Perpetual Planet é que conseguimos fazer essas ligações de forma muito mais orgânica, porque estamos trabalhando juntos, conversando uns com os outros e contando histórias sobre essas ligações. E é aí que a National Geographic e a Rolex agregam um valor tremendo à ciência.

Tom Matthews - A discussão com cientistas locais tem sido uma importante porta de acesso para a Amazônia. Provavelmente ainda temos uma visão bastante restrita dos riscos no contexto da ameaça geral à floresta e mais amplamente, das ameaças a toda vida no planeta sob as mudanças climáticas. Estudamos os riscos que conhecemos, mas ainda existem aqueles que não conhecemos plenamente e aqueles que sequer estão em nosso radar. É por isso que quanto mais pudermos trazer à luz, mais preparados vamos estar. E a colaboração é a chave aqui - quando reunimos pessoas de diferentes disciplinas, começamos a ficar mais confiantes de que encontraremos grandes ameaças antes que elas cheguem.

Muitas das minhas pesquisas além dos glaciares focam no clima extremo, mais especificamente no impacto do calor extremo nas pessoas. Em uma reunião de projeto em Manaus, pude passar algum tempo na floresta tropical e fiquei impressionado com o quão notável esse ecossistema é.

Tudo é altamente especializado. Há vida em todo lugar e a velocidade com que uma formiga anda, seu metabolismo, é determinado por quão quente está a temperatura do ar. O canto dos insetos por minuto, por segundo, pode te dizer quão quente está. Tudo é tão intimamente ligado a isso que o impacto mais amplo do calor extremo ficou incrivelmente claro para mim, só de passar um tempo no baixo Amazonas com cientistas locais. Foi um divisor de águas pra mim.

*A repórter viajou a convite da Rolex, pela Iniciativa Perpetual Planet

LIMA - O céu é o limite no trabalho dos cientistas Baker Perry e Tom Matthews, que vêm coletando dados climáticos em algumas das montanhas mais altas do mundo.

Em 2019, a dupla co-liderou uma expedição para instalar cinco estações meteorológicas no Monte Everest - incluindo uma das mais altas do mundo, a mais de oito mil metros de altitude.

Alguns anos depois, em 2022, também esteve à frente da implantação da estação meteorológica mais elevada nos Andes tropicais (a 6.349 metros), próximo ao pico nevado Ausangate, montanha mais alta de Cusco, no Peru.

Os pesquisadores Baker Perry e Cecilia Llusco em caminhada de cinco dias em direção ao cume do Nevado Ausangate. Eles acampam na neve e no gelo até chegar ao topo Foto: Justen Bruns/National Geographic

O ar rarefeito e as temperaturas congelantes tornam a subida árdua, quase impossível quanto mais se aproxima da “zona da morte”, a oito mil metros, onde o corpo humano “desliga”.

Mas Perry e Matthews não chegaram lá sozinhos: tiveram o apoio de pesquisadores e alpinistas locais, mais habituados às condições extremas das montanhas, nas expedições realizadas pela National Geographic Society, com apoio da Rolex.

Exploradores da National Geographic, Baker Perry, Tom Matthews e Ruthmery Pillco Huarcaya, cientistas locais, guias e as Cholitas Escaladoras, alpinistas bolivianas de elite, comemoram instalação da estação meteorológica logo abaixo do pico nevado Ausangate, no Peru Foto: Justen Bruns/National Geographic

Nesses locais remotos, os cientistas foram guiados pelos sherpas - povo guardião do Himalaia, de exímios alpinistas - e pelas Cholitas Escaladoras, grupo de mulheres aimarás - etnia indígena da Bolívia - que já escalou as montanhas mais altas da América do Sul, sempre vestindo “polleras”, saias coloridas tradicionais. Em Cusco, também contaram com uma equipe peruana do povo Quechua.

Senobia Llusco faz parte das Cholitas Escaladoras, grupo de alpinistas de elite que participou da subida ao Ausangate Foto: Justen Bruns/National Geographic

O ambiente nos cumes de montanha foi até hoje pouco estudado e tem papel importante na compreensão do clima e de suas mudanças em escala global. As montanhas também desempenham papel fundamental como reservatórios de água doce, que fica armazenada em geleiras, camadas de neve e lagos alpinos que abastecem até 2 bilhões de pessoas.

No caso dos Andes, o professor da Universidade Estadual Appalachian Baker Perry explica que esse reservatório tem “conexão de mão-dupla”, com o ciclo hidrológico da Amazônia, em que o desmatamento e a diminuição das precipitações e das geleiras nas montanhas se retroalimentam.

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Equipamentos ajudam a aprimorar projeções sobre a extensão das geleiras e disponibilidade de água a jusante

Perry e Matthews falaram ao Estadão durante o National Geographic Explorers Festival realizado em setembro em Lima, no Peru, sobre os impactos das mudanças climáticas a milhares de metros de altitude e seus reflexos nos eventos extremos que atingem a Bacia Amazônica e se estendem além dela, por todo o Brasil e a América do Sul.

Leia principais trechos da entrevista:

Vocês realizaram uma expedição no Everest e mais recentemente estiveram nos Andes, instalando estações climatológicas em alguns dos picos mais altos do planeta. Quais as alterações climáticas perceptíveis?

Baker Perry - Especialmente nos últimos cinco anos, houve grande seca de neve no Himalaia, com pouca ou nenhuma queda de neve nos meses de inverno. É um tipo diferente de seca – significa que as geleiras não estão mais sendo cobertas pela neve no inverno, o que as tornou mais suscetíveis ao derretimento, mesmo na estação mais fria.

Publicamos artigos sobre ondas de calor no inverno e sobre as linhas de neve, a área onde a neve na geleira é evidente, abaixo da qual há apenas gelo, que derrete mais facilmente. Essa linha subiu para elevações extremas, de até seis mil metros, no meio do inverno.

Há semelhanças do que vimos no Everest com os Andes em relação a mudanças na precipitação, temperaturas mais altas e (menos) queda de neve em altitudes elevadas.

Equipe descansa abaixo do cume da montanha, contemplando o vale de Ausangate Foto: Justin Bruns/National Geographic

O que nosso trabalho nos Andes mostrou é que há conexões importantes (das montanhas) com a Amazônia, porque a maior parte da umidade que é a fonte para a neve e a chuva nos Andes vem da Bacia Amazônica. E, claro, a água nas montanhas mais altas da cordilheira flui rio abaixo e sustenta comunidades nos Andes e no Alto Amazonas. Há uma conexão de mão dupla: o que acontece na Amazônia tem um impacto direto nos Andes e vice-versa.

O que vemos no Everest e nos Andes em termos da diminuição dos glaciares, as secas e inundações na Bacia Amazônica, mais abaixo na floresta tropical: é tudo impulsionado pelo mesmo mecanismo último, que é o aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Isso modifica o movimento da água ao derreter o gelo e sugar a umidade do solo, perturbando o ciclo da água.

Como o desmate e os incêndios florestais agravam o problema?

Baker Perry - As florestas na Amazônia e em grande parte do Sul da Ásia e Nepal estão muito mais vulneráveis à atividade de incêndio porque o tempo está mais quente e seco, condições favoráveis para que elas queimem. Claro, há elementos humanos importantes nisso, especialmente na Amazônia.

A razão disso ser tão significativo para as geleiras e a neve é que elas são cobertas pelas partículas dos incêndios, que escurecem sua superfície. Isso permite que mais luz solar seja absorvida e acelera o derretimento. É uma ligação importante que, infelizmente, está contribuindo para os impactos contínuos das mudanças climáticas nessas regiões.

Os incêndios na Amazônia podem ter impacto direto na rapidez com que as geleiras em que trabalhamos irão encolher. É visível a conexão entre as atividades nas partes mais baixas dos rios que escoam dessas montanhas, seja incêndios florestais naturais ou atividades industriais, as geleiras e a água que está fluindo por esses vales.

Outra parte disso é que, quanto mais Floresta Amazônica é queimada e desmatada, menor é a capacidade que o ecossistema tem de bombear água do solo para a atmosfera. Esse é um processo importante que já alteramos consideravelmente.

Tom Matthews - Um estudo que estava lendo mais cedo diz que se desmatar intensamente a Bacia Amazônica, diminui a quantidade de precipitação, de neve e chuva nos Andes, em cerca de 30%. As geleiras provavelmente nunca teriam estado lá em primeiro lugar se não fosse por isso - a água cai como chuva no leste da bacia, evapora e os ventos a carregam.

É como uma corrida de revezamento: as árvores mais a oeste estão recebendo a chuva que foi evaporada das folhas das árvores mais a leste, próximas ao Atlântico. Se derrubar árvores suficientes, toda a região seca.

Significa que os pontos de não retorno das geleiras nos Andes e da Amazônia estão conectados?

Tom Matthews - Para uma geleira nos Andes, provavelmente poderíamos identificar um ponto de inflexão em que, se há desmate suficiente e um nível específico de aquecimento, impactando a neve que cai lá em cima, a geleira deixa de existir. Portanto, há dependência direta da área desmatada lá embaixo.

Baker Perry - O que estamos tentando comunicar no nosso trabalho é que precisamos pensar além da floresta tropical. O ponto de não retorno é tipicamente aplicado à Floresta Amazônica, mas também se aplica à precipitação nos Andes e provavelmente a seções maiores da América do Sul. E há implicações globais, porque a circulação (de água) de todo o hemisfério (Sul) é parcialmente impulsionada pelas tremendas tempestade, as nuvens e o transporte de umidade verticalmente para fora da Amazônia pela convecção.

Neste ano, temos enfrentado uma sequência de ondas de calor no Brasil e os piores incêndios florestais em mais de uma década na Amazônia e em outros biomas, como o Pantanal. O que esses eventos extremos nos dizem sobre as mudanças climáticas?

Tom Matthews - Não é uma surpresa pra nós, mas é muito diferente quando vemos acontecer. Sempre tivemos clima extremo, mas as mudanças climáticas intensificam os extremos que você acabou de mencionar, realmente os torna piores. Tornam eventos de calor extremo e secas piores porque o ar está mais quente e literalmente suga mais umidade das árvores, do solo. E quando chove é como uma esponja sendo espremida, há mais água na atmosfera e por isso as chuvas são mais intensas.

Aí há uma mensagem forte para limitar o aquecimento o máximo possível. E precisamos lidar melhor com o clima extremo quando ele chegar. Essa é outra verdade inconveniente: ele veio para ficar. Podemos decidir o quão ruim vai ser, mas o que estamos vendo não vai desaparecer mesmo se pararmos as emissões. E podemos fazer isso. Nós reduzimos as mortes por clima extremo em todo o mundo desde o começo do século passado, poderia ser muito pior. Temos que enfrentar o desafio com todas as ferramentas.

Ainda temos tempo para reverter essas mudanças e frear a ocorrência dos eventos extremos?

Tom Matthews - Não vamos reverter a situação tão cedo, a questão é quão ruim vamos permitir que ela fique. Se zerássemos nossas emissões imediatamente, a Terra não esfriaria da noite para o dia. Não restauraríamos as temperaturas de volta ao que era um século e meio atrás, antes de começarmos a colocar dióxido de carbono na atmosfera. A temperatura cairia muito lentamente.

As secas e o calor extremo estão majoritariamente ligados à temperatura global, mas o que acontece na floresta, o quanto a floresta tropical é desmatada, também é crítico para determinar quão seco e quente o tempo vai ficar. Então, existe potencial para intervir localmente no clima extremo, porque quanto mais você desmata, mais quente e seco fica.

Até alcançarmos o zero líquido (de emissões), o planeta vai continuar aquecendo. E as consequências disso, em termos de secas, retração glacial e assim por diante, vão continuar. Estamos desesperadamente tentando limitar os impactos das temperaturas mais altas.

Floresta Amazônica nas proximidades de Iquitos, no Peru Foto: Sofía López Mañán/Rolex

Baker Perry - Acho que sou mais otimista quanto às oportunidades e à capacidade de limitar o desmatamento. Isso tem um impacto direto na quantidade de vapor d’água que está sendo bombeado para a atmosfera e pode amenizar alguns dos impactos da seca impulsionada pelos gases de efeito estufa, além de desempenhar um papel muito importante no ciclo da água para a precipitação que cai nas partes altas dos Andes.

Ainda há tempo para fazer algumas mudanças positivas em toda a bacia (amazônica), mas existe um ponto de não retorno em algum lugar, e uma vez ultrapassado, o clima será completamente diferente. Pode ser muito difícil recuperar-se disso, se não impossível, o que me preocupa muito. Ainda assim, pessoalmente, tenho muito otimismo de que a maior parte da floresta pode ser preservada e isso pode proporcionar uma estabilização importante, um efeito de amortecimento sobre o clima, especialmente para a precipitação nos Andes e em toda a região.

Países como Peru e Bolívia não fizeram quase nada para contribuir com as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, então há pouco que podem fazer para limitar o aquecimento global futuro. Mas o combate ao desmatamento é algo local que eles podem fazer, é a tarefa deles. Todos nós temos que fazer a nossa parte, EUA e Europa têm que fazer mais para limitar suas emissões. Mas, em vez de instilar um sentimento de impotência nas comunidades da Amazônia, é preciso dizer que restaurar e proteger a floresta é algo enorme.

Na expedição Perpetual Planet na Amazônia, vocês ficaram carinhosamente conhecidos como os “caras da montanha”. O que o contato com pesquisadores que estudam o ecossistema amazônico e com a própria floresta acrescentou ao trabalho de vocês como climatologistas?

Baker Perry - Um grande destaque para mim em fazer parte desta série de expedições na Amazônia foi ampliar minha base de colaboração para além dos Andes e incluir mais cientistas da Amazônia. Me deu uma percepção maior do que está acontecendo e de como a água é importante - o ciclo da água, a seca e seus impactos.

Uma das coisas empolgantes sobre as expedições da iniciativa Perpetual Planet é que conseguimos fazer essas ligações de forma muito mais orgânica, porque estamos trabalhando juntos, conversando uns com os outros e contando histórias sobre essas ligações. E é aí que a National Geographic e a Rolex agregam um valor tremendo à ciência.

Tom Matthews - A discussão com cientistas locais tem sido uma importante porta de acesso para a Amazônia. Provavelmente ainda temos uma visão bastante restrita dos riscos no contexto da ameaça geral à floresta e mais amplamente, das ameaças a toda vida no planeta sob as mudanças climáticas. Estudamos os riscos que conhecemos, mas ainda existem aqueles que não conhecemos plenamente e aqueles que sequer estão em nosso radar. É por isso que quanto mais pudermos trazer à luz, mais preparados vamos estar. E a colaboração é a chave aqui - quando reunimos pessoas de diferentes disciplinas, começamos a ficar mais confiantes de que encontraremos grandes ameaças antes que elas cheguem.

Muitas das minhas pesquisas além dos glaciares focam no clima extremo, mais especificamente no impacto do calor extremo nas pessoas. Em uma reunião de projeto em Manaus, pude passar algum tempo na floresta tropical e fiquei impressionado com o quão notável esse ecossistema é.

Tudo é altamente especializado. Há vida em todo lugar e a velocidade com que uma formiga anda, seu metabolismo, é determinado por quão quente está a temperatura do ar. O canto dos insetos por minuto, por segundo, pode te dizer quão quente está. Tudo é tão intimamente ligado a isso que o impacto mais amplo do calor extremo ficou incrivelmente claro para mim, só de passar um tempo no baixo Amazonas com cientistas locais. Foi um divisor de águas pra mim.

*A repórter viajou a convite da Rolex, pela Iniciativa Perpetual Planet

LIMA - O céu é o limite no trabalho dos cientistas Baker Perry e Tom Matthews, que vêm coletando dados climáticos em algumas das montanhas mais altas do mundo.

Em 2019, a dupla co-liderou uma expedição para instalar cinco estações meteorológicas no Monte Everest - incluindo uma das mais altas do mundo, a mais de oito mil metros de altitude.

Alguns anos depois, em 2022, também esteve à frente da implantação da estação meteorológica mais elevada nos Andes tropicais (a 6.349 metros), próximo ao pico nevado Ausangate, montanha mais alta de Cusco, no Peru.

Os pesquisadores Baker Perry e Cecilia Llusco em caminhada de cinco dias em direção ao cume do Nevado Ausangate. Eles acampam na neve e no gelo até chegar ao topo Foto: Justen Bruns/National Geographic

O ar rarefeito e as temperaturas congelantes tornam a subida árdua, quase impossível quanto mais se aproxima da “zona da morte”, a oito mil metros, onde o corpo humano “desliga”.

Mas Perry e Matthews não chegaram lá sozinhos: tiveram o apoio de pesquisadores e alpinistas locais, mais habituados às condições extremas das montanhas, nas expedições realizadas pela National Geographic Society, com apoio da Rolex.

Exploradores da National Geographic, Baker Perry, Tom Matthews e Ruthmery Pillco Huarcaya, cientistas locais, guias e as Cholitas Escaladoras, alpinistas bolivianas de elite, comemoram instalação da estação meteorológica logo abaixo do pico nevado Ausangate, no Peru Foto: Justen Bruns/National Geographic

Nesses locais remotos, os cientistas foram guiados pelos sherpas - povo guardião do Himalaia, de exímios alpinistas - e pelas Cholitas Escaladoras, grupo de mulheres aimarás - etnia indígena da Bolívia - que já escalou as montanhas mais altas da América do Sul, sempre vestindo “polleras”, saias coloridas tradicionais. Em Cusco, também contaram com uma equipe peruana do povo Quechua.

Senobia Llusco faz parte das Cholitas Escaladoras, grupo de alpinistas de elite que participou da subida ao Ausangate Foto: Justen Bruns/National Geographic

O ambiente nos cumes de montanha foi até hoje pouco estudado e tem papel importante na compreensão do clima e de suas mudanças em escala global. As montanhas também desempenham papel fundamental como reservatórios de água doce, que fica armazenada em geleiras, camadas de neve e lagos alpinos que abastecem até 2 bilhões de pessoas.

No caso dos Andes, o professor da Universidade Estadual Appalachian Baker Perry explica que esse reservatório tem “conexão de mão-dupla”, com o ciclo hidrológico da Amazônia, em que o desmatamento e a diminuição das precipitações e das geleiras nas montanhas se retroalimentam.

Seu navegador não suporta esse video.

Equipamentos ajudam a aprimorar projeções sobre a extensão das geleiras e disponibilidade de água a jusante

Perry e Matthews falaram ao Estadão durante o National Geographic Explorers Festival realizado em setembro em Lima, no Peru, sobre os impactos das mudanças climáticas a milhares de metros de altitude e seus reflexos nos eventos extremos que atingem a Bacia Amazônica e se estendem além dela, por todo o Brasil e a América do Sul.

Leia principais trechos da entrevista:

Vocês realizaram uma expedição no Everest e mais recentemente estiveram nos Andes, instalando estações climatológicas em alguns dos picos mais altos do planeta. Quais as alterações climáticas perceptíveis?

Baker Perry - Especialmente nos últimos cinco anos, houve grande seca de neve no Himalaia, com pouca ou nenhuma queda de neve nos meses de inverno. É um tipo diferente de seca – significa que as geleiras não estão mais sendo cobertas pela neve no inverno, o que as tornou mais suscetíveis ao derretimento, mesmo na estação mais fria.

Publicamos artigos sobre ondas de calor no inverno e sobre as linhas de neve, a área onde a neve na geleira é evidente, abaixo da qual há apenas gelo, que derrete mais facilmente. Essa linha subiu para elevações extremas, de até seis mil metros, no meio do inverno.

Há semelhanças do que vimos no Everest com os Andes em relação a mudanças na precipitação, temperaturas mais altas e (menos) queda de neve em altitudes elevadas.

Equipe descansa abaixo do cume da montanha, contemplando o vale de Ausangate Foto: Justin Bruns/National Geographic

O que nosso trabalho nos Andes mostrou é que há conexões importantes (das montanhas) com a Amazônia, porque a maior parte da umidade que é a fonte para a neve e a chuva nos Andes vem da Bacia Amazônica. E, claro, a água nas montanhas mais altas da cordilheira flui rio abaixo e sustenta comunidades nos Andes e no Alto Amazonas. Há uma conexão de mão dupla: o que acontece na Amazônia tem um impacto direto nos Andes e vice-versa.

O que vemos no Everest e nos Andes em termos da diminuição dos glaciares, as secas e inundações na Bacia Amazônica, mais abaixo na floresta tropical: é tudo impulsionado pelo mesmo mecanismo último, que é o aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Isso modifica o movimento da água ao derreter o gelo e sugar a umidade do solo, perturbando o ciclo da água.

Como o desmate e os incêndios florestais agravam o problema?

Baker Perry - As florestas na Amazônia e em grande parte do Sul da Ásia e Nepal estão muito mais vulneráveis à atividade de incêndio porque o tempo está mais quente e seco, condições favoráveis para que elas queimem. Claro, há elementos humanos importantes nisso, especialmente na Amazônia.

A razão disso ser tão significativo para as geleiras e a neve é que elas são cobertas pelas partículas dos incêndios, que escurecem sua superfície. Isso permite que mais luz solar seja absorvida e acelera o derretimento. É uma ligação importante que, infelizmente, está contribuindo para os impactos contínuos das mudanças climáticas nessas regiões.

Os incêndios na Amazônia podem ter impacto direto na rapidez com que as geleiras em que trabalhamos irão encolher. É visível a conexão entre as atividades nas partes mais baixas dos rios que escoam dessas montanhas, seja incêndios florestais naturais ou atividades industriais, as geleiras e a água que está fluindo por esses vales.

Outra parte disso é que, quanto mais Floresta Amazônica é queimada e desmatada, menor é a capacidade que o ecossistema tem de bombear água do solo para a atmosfera. Esse é um processo importante que já alteramos consideravelmente.

Tom Matthews - Um estudo que estava lendo mais cedo diz que se desmatar intensamente a Bacia Amazônica, diminui a quantidade de precipitação, de neve e chuva nos Andes, em cerca de 30%. As geleiras provavelmente nunca teriam estado lá em primeiro lugar se não fosse por isso - a água cai como chuva no leste da bacia, evapora e os ventos a carregam.

É como uma corrida de revezamento: as árvores mais a oeste estão recebendo a chuva que foi evaporada das folhas das árvores mais a leste, próximas ao Atlântico. Se derrubar árvores suficientes, toda a região seca.

Significa que os pontos de não retorno das geleiras nos Andes e da Amazônia estão conectados?

Tom Matthews - Para uma geleira nos Andes, provavelmente poderíamos identificar um ponto de inflexão em que, se há desmate suficiente e um nível específico de aquecimento, impactando a neve que cai lá em cima, a geleira deixa de existir. Portanto, há dependência direta da área desmatada lá embaixo.

Baker Perry - O que estamos tentando comunicar no nosso trabalho é que precisamos pensar além da floresta tropical. O ponto de não retorno é tipicamente aplicado à Floresta Amazônica, mas também se aplica à precipitação nos Andes e provavelmente a seções maiores da América do Sul. E há implicações globais, porque a circulação (de água) de todo o hemisfério (Sul) é parcialmente impulsionada pelas tremendas tempestade, as nuvens e o transporte de umidade verticalmente para fora da Amazônia pela convecção.

Neste ano, temos enfrentado uma sequência de ondas de calor no Brasil e os piores incêndios florestais em mais de uma década na Amazônia e em outros biomas, como o Pantanal. O que esses eventos extremos nos dizem sobre as mudanças climáticas?

Tom Matthews - Não é uma surpresa pra nós, mas é muito diferente quando vemos acontecer. Sempre tivemos clima extremo, mas as mudanças climáticas intensificam os extremos que você acabou de mencionar, realmente os torna piores. Tornam eventos de calor extremo e secas piores porque o ar está mais quente e literalmente suga mais umidade das árvores, do solo. E quando chove é como uma esponja sendo espremida, há mais água na atmosfera e por isso as chuvas são mais intensas.

Aí há uma mensagem forte para limitar o aquecimento o máximo possível. E precisamos lidar melhor com o clima extremo quando ele chegar. Essa é outra verdade inconveniente: ele veio para ficar. Podemos decidir o quão ruim vai ser, mas o que estamos vendo não vai desaparecer mesmo se pararmos as emissões. E podemos fazer isso. Nós reduzimos as mortes por clima extremo em todo o mundo desde o começo do século passado, poderia ser muito pior. Temos que enfrentar o desafio com todas as ferramentas.

Ainda temos tempo para reverter essas mudanças e frear a ocorrência dos eventos extremos?

Tom Matthews - Não vamos reverter a situação tão cedo, a questão é quão ruim vamos permitir que ela fique. Se zerássemos nossas emissões imediatamente, a Terra não esfriaria da noite para o dia. Não restauraríamos as temperaturas de volta ao que era um século e meio atrás, antes de começarmos a colocar dióxido de carbono na atmosfera. A temperatura cairia muito lentamente.

As secas e o calor extremo estão majoritariamente ligados à temperatura global, mas o que acontece na floresta, o quanto a floresta tropical é desmatada, também é crítico para determinar quão seco e quente o tempo vai ficar. Então, existe potencial para intervir localmente no clima extremo, porque quanto mais você desmata, mais quente e seco fica.

Até alcançarmos o zero líquido (de emissões), o planeta vai continuar aquecendo. E as consequências disso, em termos de secas, retração glacial e assim por diante, vão continuar. Estamos desesperadamente tentando limitar os impactos das temperaturas mais altas.

Floresta Amazônica nas proximidades de Iquitos, no Peru Foto: Sofía López Mañán/Rolex

Baker Perry - Acho que sou mais otimista quanto às oportunidades e à capacidade de limitar o desmatamento. Isso tem um impacto direto na quantidade de vapor d’água que está sendo bombeado para a atmosfera e pode amenizar alguns dos impactos da seca impulsionada pelos gases de efeito estufa, além de desempenhar um papel muito importante no ciclo da água para a precipitação que cai nas partes altas dos Andes.

Ainda há tempo para fazer algumas mudanças positivas em toda a bacia (amazônica), mas existe um ponto de não retorno em algum lugar, e uma vez ultrapassado, o clima será completamente diferente. Pode ser muito difícil recuperar-se disso, se não impossível, o que me preocupa muito. Ainda assim, pessoalmente, tenho muito otimismo de que a maior parte da floresta pode ser preservada e isso pode proporcionar uma estabilização importante, um efeito de amortecimento sobre o clima, especialmente para a precipitação nos Andes e em toda a região.

Países como Peru e Bolívia não fizeram quase nada para contribuir com as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, então há pouco que podem fazer para limitar o aquecimento global futuro. Mas o combate ao desmatamento é algo local que eles podem fazer, é a tarefa deles. Todos nós temos que fazer a nossa parte, EUA e Europa têm que fazer mais para limitar suas emissões. Mas, em vez de instilar um sentimento de impotência nas comunidades da Amazônia, é preciso dizer que restaurar e proteger a floresta é algo enorme.

Na expedição Perpetual Planet na Amazônia, vocês ficaram carinhosamente conhecidos como os “caras da montanha”. O que o contato com pesquisadores que estudam o ecossistema amazônico e com a própria floresta acrescentou ao trabalho de vocês como climatologistas?

Baker Perry - Um grande destaque para mim em fazer parte desta série de expedições na Amazônia foi ampliar minha base de colaboração para além dos Andes e incluir mais cientistas da Amazônia. Me deu uma percepção maior do que está acontecendo e de como a água é importante - o ciclo da água, a seca e seus impactos.

Uma das coisas empolgantes sobre as expedições da iniciativa Perpetual Planet é que conseguimos fazer essas ligações de forma muito mais orgânica, porque estamos trabalhando juntos, conversando uns com os outros e contando histórias sobre essas ligações. E é aí que a National Geographic e a Rolex agregam um valor tremendo à ciência.

Tom Matthews - A discussão com cientistas locais tem sido uma importante porta de acesso para a Amazônia. Provavelmente ainda temos uma visão bastante restrita dos riscos no contexto da ameaça geral à floresta e mais amplamente, das ameaças a toda vida no planeta sob as mudanças climáticas. Estudamos os riscos que conhecemos, mas ainda existem aqueles que não conhecemos plenamente e aqueles que sequer estão em nosso radar. É por isso que quanto mais pudermos trazer à luz, mais preparados vamos estar. E a colaboração é a chave aqui - quando reunimos pessoas de diferentes disciplinas, começamos a ficar mais confiantes de que encontraremos grandes ameaças antes que elas cheguem.

Muitas das minhas pesquisas além dos glaciares focam no clima extremo, mais especificamente no impacto do calor extremo nas pessoas. Em uma reunião de projeto em Manaus, pude passar algum tempo na floresta tropical e fiquei impressionado com o quão notável esse ecossistema é.

Tudo é altamente especializado. Há vida em todo lugar e a velocidade com que uma formiga anda, seu metabolismo, é determinado por quão quente está a temperatura do ar. O canto dos insetos por minuto, por segundo, pode te dizer quão quente está. Tudo é tão intimamente ligado a isso que o impacto mais amplo do calor extremo ficou incrivelmente claro para mim, só de passar um tempo no baixo Amazonas com cientistas locais. Foi um divisor de águas pra mim.

*A repórter viajou a convite da Rolex, pela Iniciativa Perpetual Planet

LIMA - O céu é o limite no trabalho dos cientistas Baker Perry e Tom Matthews, que vêm coletando dados climáticos em algumas das montanhas mais altas do mundo.

Em 2019, a dupla co-liderou uma expedição para instalar cinco estações meteorológicas no Monte Everest - incluindo uma das mais altas do mundo, a mais de oito mil metros de altitude.

Alguns anos depois, em 2022, também esteve à frente da implantação da estação meteorológica mais elevada nos Andes tropicais (a 6.349 metros), próximo ao pico nevado Ausangate, montanha mais alta de Cusco, no Peru.

Os pesquisadores Baker Perry e Cecilia Llusco em caminhada de cinco dias em direção ao cume do Nevado Ausangate. Eles acampam na neve e no gelo até chegar ao topo Foto: Justen Bruns/National Geographic

O ar rarefeito e as temperaturas congelantes tornam a subida árdua, quase impossível quanto mais se aproxima da “zona da morte”, a oito mil metros, onde o corpo humano “desliga”.

Mas Perry e Matthews não chegaram lá sozinhos: tiveram o apoio de pesquisadores e alpinistas locais, mais habituados às condições extremas das montanhas, nas expedições realizadas pela National Geographic Society, com apoio da Rolex.

Exploradores da National Geographic, Baker Perry, Tom Matthews e Ruthmery Pillco Huarcaya, cientistas locais, guias e as Cholitas Escaladoras, alpinistas bolivianas de elite, comemoram instalação da estação meteorológica logo abaixo do pico nevado Ausangate, no Peru Foto: Justen Bruns/National Geographic

Nesses locais remotos, os cientistas foram guiados pelos sherpas - povo guardião do Himalaia, de exímios alpinistas - e pelas Cholitas Escaladoras, grupo de mulheres aimarás - etnia indígena da Bolívia - que já escalou as montanhas mais altas da América do Sul, sempre vestindo “polleras”, saias coloridas tradicionais. Em Cusco, também contaram com uma equipe peruana do povo Quechua.

Senobia Llusco faz parte das Cholitas Escaladoras, grupo de alpinistas de elite que participou da subida ao Ausangate Foto: Justen Bruns/National Geographic

O ambiente nos cumes de montanha foi até hoje pouco estudado e tem papel importante na compreensão do clima e de suas mudanças em escala global. As montanhas também desempenham papel fundamental como reservatórios de água doce, que fica armazenada em geleiras, camadas de neve e lagos alpinos que abastecem até 2 bilhões de pessoas.

No caso dos Andes, o professor da Universidade Estadual Appalachian Baker Perry explica que esse reservatório tem “conexão de mão-dupla”, com o ciclo hidrológico da Amazônia, em que o desmatamento e a diminuição das precipitações e das geleiras nas montanhas se retroalimentam.

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Equipamentos ajudam a aprimorar projeções sobre a extensão das geleiras e disponibilidade de água a jusante

Perry e Matthews falaram ao Estadão durante o National Geographic Explorers Festival realizado em setembro em Lima, no Peru, sobre os impactos das mudanças climáticas a milhares de metros de altitude e seus reflexos nos eventos extremos que atingem a Bacia Amazônica e se estendem além dela, por todo o Brasil e a América do Sul.

Leia principais trechos da entrevista:

Vocês realizaram uma expedição no Everest e mais recentemente estiveram nos Andes, instalando estações climatológicas em alguns dos picos mais altos do planeta. Quais as alterações climáticas perceptíveis?

Baker Perry - Especialmente nos últimos cinco anos, houve grande seca de neve no Himalaia, com pouca ou nenhuma queda de neve nos meses de inverno. É um tipo diferente de seca – significa que as geleiras não estão mais sendo cobertas pela neve no inverno, o que as tornou mais suscetíveis ao derretimento, mesmo na estação mais fria.

Publicamos artigos sobre ondas de calor no inverno e sobre as linhas de neve, a área onde a neve na geleira é evidente, abaixo da qual há apenas gelo, que derrete mais facilmente. Essa linha subiu para elevações extremas, de até seis mil metros, no meio do inverno.

Há semelhanças do que vimos no Everest com os Andes em relação a mudanças na precipitação, temperaturas mais altas e (menos) queda de neve em altitudes elevadas.

Equipe descansa abaixo do cume da montanha, contemplando o vale de Ausangate Foto: Justin Bruns/National Geographic

O que nosso trabalho nos Andes mostrou é que há conexões importantes (das montanhas) com a Amazônia, porque a maior parte da umidade que é a fonte para a neve e a chuva nos Andes vem da Bacia Amazônica. E, claro, a água nas montanhas mais altas da cordilheira flui rio abaixo e sustenta comunidades nos Andes e no Alto Amazonas. Há uma conexão de mão dupla: o que acontece na Amazônia tem um impacto direto nos Andes e vice-versa.

O que vemos no Everest e nos Andes em termos da diminuição dos glaciares, as secas e inundações na Bacia Amazônica, mais abaixo na floresta tropical: é tudo impulsionado pelo mesmo mecanismo último, que é o aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Isso modifica o movimento da água ao derreter o gelo e sugar a umidade do solo, perturbando o ciclo da água.

Como o desmate e os incêndios florestais agravam o problema?

Baker Perry - As florestas na Amazônia e em grande parte do Sul da Ásia e Nepal estão muito mais vulneráveis à atividade de incêndio porque o tempo está mais quente e seco, condições favoráveis para que elas queimem. Claro, há elementos humanos importantes nisso, especialmente na Amazônia.

A razão disso ser tão significativo para as geleiras e a neve é que elas são cobertas pelas partículas dos incêndios, que escurecem sua superfície. Isso permite que mais luz solar seja absorvida e acelera o derretimento. É uma ligação importante que, infelizmente, está contribuindo para os impactos contínuos das mudanças climáticas nessas regiões.

Os incêndios na Amazônia podem ter impacto direto na rapidez com que as geleiras em que trabalhamos irão encolher. É visível a conexão entre as atividades nas partes mais baixas dos rios que escoam dessas montanhas, seja incêndios florestais naturais ou atividades industriais, as geleiras e a água que está fluindo por esses vales.

Outra parte disso é que, quanto mais Floresta Amazônica é queimada e desmatada, menor é a capacidade que o ecossistema tem de bombear água do solo para a atmosfera. Esse é um processo importante que já alteramos consideravelmente.

Tom Matthews - Um estudo que estava lendo mais cedo diz que se desmatar intensamente a Bacia Amazônica, diminui a quantidade de precipitação, de neve e chuva nos Andes, em cerca de 30%. As geleiras provavelmente nunca teriam estado lá em primeiro lugar se não fosse por isso - a água cai como chuva no leste da bacia, evapora e os ventos a carregam.

É como uma corrida de revezamento: as árvores mais a oeste estão recebendo a chuva que foi evaporada das folhas das árvores mais a leste, próximas ao Atlântico. Se derrubar árvores suficientes, toda a região seca.

Significa que os pontos de não retorno das geleiras nos Andes e da Amazônia estão conectados?

Tom Matthews - Para uma geleira nos Andes, provavelmente poderíamos identificar um ponto de inflexão em que, se há desmate suficiente e um nível específico de aquecimento, impactando a neve que cai lá em cima, a geleira deixa de existir. Portanto, há dependência direta da área desmatada lá embaixo.

Baker Perry - O que estamos tentando comunicar no nosso trabalho é que precisamos pensar além da floresta tropical. O ponto de não retorno é tipicamente aplicado à Floresta Amazônica, mas também se aplica à precipitação nos Andes e provavelmente a seções maiores da América do Sul. E há implicações globais, porque a circulação (de água) de todo o hemisfério (Sul) é parcialmente impulsionada pelas tremendas tempestade, as nuvens e o transporte de umidade verticalmente para fora da Amazônia pela convecção.

Neste ano, temos enfrentado uma sequência de ondas de calor no Brasil e os piores incêndios florestais em mais de uma década na Amazônia e em outros biomas, como o Pantanal. O que esses eventos extremos nos dizem sobre as mudanças climáticas?

Tom Matthews - Não é uma surpresa pra nós, mas é muito diferente quando vemos acontecer. Sempre tivemos clima extremo, mas as mudanças climáticas intensificam os extremos que você acabou de mencionar, realmente os torna piores. Tornam eventos de calor extremo e secas piores porque o ar está mais quente e literalmente suga mais umidade das árvores, do solo. E quando chove é como uma esponja sendo espremida, há mais água na atmosfera e por isso as chuvas são mais intensas.

Aí há uma mensagem forte para limitar o aquecimento o máximo possível. E precisamos lidar melhor com o clima extremo quando ele chegar. Essa é outra verdade inconveniente: ele veio para ficar. Podemos decidir o quão ruim vai ser, mas o que estamos vendo não vai desaparecer mesmo se pararmos as emissões. E podemos fazer isso. Nós reduzimos as mortes por clima extremo em todo o mundo desde o começo do século passado, poderia ser muito pior. Temos que enfrentar o desafio com todas as ferramentas.

Ainda temos tempo para reverter essas mudanças e frear a ocorrência dos eventos extremos?

Tom Matthews - Não vamos reverter a situação tão cedo, a questão é quão ruim vamos permitir que ela fique. Se zerássemos nossas emissões imediatamente, a Terra não esfriaria da noite para o dia. Não restauraríamos as temperaturas de volta ao que era um século e meio atrás, antes de começarmos a colocar dióxido de carbono na atmosfera. A temperatura cairia muito lentamente.

As secas e o calor extremo estão majoritariamente ligados à temperatura global, mas o que acontece na floresta, o quanto a floresta tropical é desmatada, também é crítico para determinar quão seco e quente o tempo vai ficar. Então, existe potencial para intervir localmente no clima extremo, porque quanto mais você desmata, mais quente e seco fica.

Até alcançarmos o zero líquido (de emissões), o planeta vai continuar aquecendo. E as consequências disso, em termos de secas, retração glacial e assim por diante, vão continuar. Estamos desesperadamente tentando limitar os impactos das temperaturas mais altas.

Floresta Amazônica nas proximidades de Iquitos, no Peru Foto: Sofía López Mañán/Rolex

Baker Perry - Acho que sou mais otimista quanto às oportunidades e à capacidade de limitar o desmatamento. Isso tem um impacto direto na quantidade de vapor d’água que está sendo bombeado para a atmosfera e pode amenizar alguns dos impactos da seca impulsionada pelos gases de efeito estufa, além de desempenhar um papel muito importante no ciclo da água para a precipitação que cai nas partes altas dos Andes.

Ainda há tempo para fazer algumas mudanças positivas em toda a bacia (amazônica), mas existe um ponto de não retorno em algum lugar, e uma vez ultrapassado, o clima será completamente diferente. Pode ser muito difícil recuperar-se disso, se não impossível, o que me preocupa muito. Ainda assim, pessoalmente, tenho muito otimismo de que a maior parte da floresta pode ser preservada e isso pode proporcionar uma estabilização importante, um efeito de amortecimento sobre o clima, especialmente para a precipitação nos Andes e em toda a região.

Países como Peru e Bolívia não fizeram quase nada para contribuir com as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, então há pouco que podem fazer para limitar o aquecimento global futuro. Mas o combate ao desmatamento é algo local que eles podem fazer, é a tarefa deles. Todos nós temos que fazer a nossa parte, EUA e Europa têm que fazer mais para limitar suas emissões. Mas, em vez de instilar um sentimento de impotência nas comunidades da Amazônia, é preciso dizer que restaurar e proteger a floresta é algo enorme.

Na expedição Perpetual Planet na Amazônia, vocês ficaram carinhosamente conhecidos como os “caras da montanha”. O que o contato com pesquisadores que estudam o ecossistema amazônico e com a própria floresta acrescentou ao trabalho de vocês como climatologistas?

Baker Perry - Um grande destaque para mim em fazer parte desta série de expedições na Amazônia foi ampliar minha base de colaboração para além dos Andes e incluir mais cientistas da Amazônia. Me deu uma percepção maior do que está acontecendo e de como a água é importante - o ciclo da água, a seca e seus impactos.

Uma das coisas empolgantes sobre as expedições da iniciativa Perpetual Planet é que conseguimos fazer essas ligações de forma muito mais orgânica, porque estamos trabalhando juntos, conversando uns com os outros e contando histórias sobre essas ligações. E é aí que a National Geographic e a Rolex agregam um valor tremendo à ciência.

Tom Matthews - A discussão com cientistas locais tem sido uma importante porta de acesso para a Amazônia. Provavelmente ainda temos uma visão bastante restrita dos riscos no contexto da ameaça geral à floresta e mais amplamente, das ameaças a toda vida no planeta sob as mudanças climáticas. Estudamos os riscos que conhecemos, mas ainda existem aqueles que não conhecemos plenamente e aqueles que sequer estão em nosso radar. É por isso que quanto mais pudermos trazer à luz, mais preparados vamos estar. E a colaboração é a chave aqui - quando reunimos pessoas de diferentes disciplinas, começamos a ficar mais confiantes de que encontraremos grandes ameaças antes que elas cheguem.

Muitas das minhas pesquisas além dos glaciares focam no clima extremo, mais especificamente no impacto do calor extremo nas pessoas. Em uma reunião de projeto em Manaus, pude passar algum tempo na floresta tropical e fiquei impressionado com o quão notável esse ecossistema é.

Tudo é altamente especializado. Há vida em todo lugar e a velocidade com que uma formiga anda, seu metabolismo, é determinado por quão quente está a temperatura do ar. O canto dos insetos por minuto, por segundo, pode te dizer quão quente está. Tudo é tão intimamente ligado a isso que o impacto mais amplo do calor extremo ficou incrivelmente claro para mim, só de passar um tempo no baixo Amazonas com cientistas locais. Foi um divisor de águas pra mim.

*A repórter viajou a convite da Rolex, pela Iniciativa Perpetual Planet

Entrevista por Juliana Domingos de Lima

Repórter de Cidades no Estadão, cobre sustentabilidade, meio ambiente e clima. É formada em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP).

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