Há muitos anos a pecuarista Carmen Luz Inácio França, 59 anos, tem sentido no dia a dia da fazenda os impactos do aquecimento global. Calor fora do comum, diminuição da quantidade de água, perda de vegetação. Desafio grande para a produção de leite.
Carmen e o marido, Luciano Assis, 43 anos, não sabiam bem os motivos de a natureza estar mudando tanto até que, há dois anos, conheceram o técnico de campo Tarcísio Tomás Cabral. Para alguns produtores de Comendador Gomes, no Triângulo Mineiro, ele foi a ponte de um projeto que tem viabilizado nova relação entre pecuária e preservação ambiental, o FIP Paisagens Rurais.
Ela conta que, graças à assistência que recebeu, a produção de leite da fazenda cresceu de 200 litros para 900 litros por dia. Eles recuperaram 46 hectares de pastagens degradadas e estão investindo em matrizes de alta produção genética. Carmen e o marido recebem a ajuda do filho João Luiz, de 14 anos - incluindo orientações de sucessão familiar fazem parte do projeto.
Eles fizeram vários investimentos, com recursos próprios, como ordenha canalizada, silo para armazenamento da alimentação dos animais, esterqueira para o tratamento dos dejetos da ordenha e chorumeira para adubação das pastagens. Ela e o marido precisaram contratar um casal para ajudar a cuidar do rebanho e da ordenha.
“Hoje é tudo piquetado, conseguimos aproveitar muito mais o espaço. A gente tinha uma área maior e não tinha pasto. Com os piquetes, você vai controlando o gado, que fica no máximo cinco dias em cada piquete, enquanto o outro vai recuperando. E o adubo do curral a gente joga na terra”, explica a pecuarista, que hoje tem 64 vacas em fase de ordenha.
Os resíduos do gado foram transformados em adubo orgânico usado na produção de capim. O técnico de campo Tarcísio Cabral explica que esse material tem alto teor de nitrogênio, o que ajuda no crescimento da planta e reduz o custo dos produtores com fertilizante químico. “Trabalhamos desde a parte ambiental, que é garantir a preservação da reserva legal, a técnicas de manejo que ajudam o produtor a aumentar a produtividade.”
O projeto de investimentos florestais, coordenado pelo Banco Mundial e adotado em países em desenvolvimento, tem sido desenvolvido em sete Estados e voltado para regiões de Cerrado. Os recursos, que somam US$ 21 milhões (cerca de R$ 104 milhões), são do Banco Mundial e do Fundo de Investimento Climático (CIF).
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Durante dois anos, os produtores recebem assistência técnica e gerencial e orientações para a recuperação de pastagens degradadas, Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, por meio da visita mensal de um técnico de campo.
Eles aprendem a adotar práticas sustentáveis de agricultura, incluindo a integração Lavoura-Pecuária-Floresta, promovendo o planejamento do uso da terra e conciliando produção agrícola com conservação da biodiversidade.
Apenas em Minas Gerais, que concentra 43% da área atendida pelo projeto, são 30 mil hectares de pastagens degradadas recuperados e 7.000 hectares de áreas de conservação e restauração - em todos os sete Estados, são 22.187 hectares de Cerrado recuperados e 96,8 mil ha de pastagens recuperadas.
A Fazenda Ponte Nova, de Carmen, é uma das 2.722 propriedades da Bacia do Rio Tijuco beneficiadas pelo projeto. “A região foi escolhida porque estava em maior nível de degradação. Temos propriedades que encerraram os dois anos de assistência, com impactos significativos na redução de custos e aumento da produtividade, além da recuperação ambiental”, afirma o coordenador do FIP Paisagens Rurais em Minas Gerais, Giovanne Oliveira Costa Sousa.
No Estado, a assistência é executada pelo Sistema Faemg Senar (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), com apoio de entidades parceiras.
Segundo ele, o projeto tem ajudado a despertar no produtor o seu papel de liderar a conservação ambiental na propriedade. “Os pecuaristas são os principais interessados na sustentabilidade de sua produção, mas o que faltam, muitas vezes, são técnicas para potencializar ainda mais esse papel. Eles estão percebendo, cada vez mais, que são os mais afetados pelas mudanças climáticas, com a diminuição da oferta de água, calor estressante e estações chuvosas cada vez mais irregulares.”
A produtora Carmen reforça. “Antes eu não me preocupava com esse negócio de pastagem e desmatamento. Hoje entendi que temos de cuidar do que a natureza deu pra nós, buscando equilíbrio melhor para o nosso planeta.”
A especialista sênior em Meio Ambiente e uma das coordenadoras do FIP Paisagens Rurais pelo Banco Mundial, Bernadete Lange, avalia que, de forma geral, ainda é um grande desafio mostrar aos produtores rurais que é possível aliar produtividade com responsabilidade ambiental.
“A assistência técnica oferecida pelo projeto tem esse papel importante, mostrando para o produtor que é possível produzir mais e, também, conservar. É possível garantir água potável, proteger as nascentes, as florestas e estar em conformidade com a lei.”
Produção de baixo carbono
A adoção de práticas agrícolas de baixa emissão de carbono é um dos pilares do projeto. Além da transformação de resíduos do gado em adubo rico em nitrogênio, também é incentivado o plantio direto, sem revolver o solo. “O solo retém um grande estoque de carbono, quando você gradeia, libera esse gás para o ambiente”, ensina Sousa.
Outra técnica utilizada é o consórcio de leguminosas, que são plantadas em meio ao capim destinado à bovinocultura de leite e de corte. Espécies como soja, feijão, amendoim forrageiro e o feijão guandu captam nitrogênio da atmosfera para o solo. “Isso faz o capim crescer mais e em maior velocidade, naturalmente, eliminando a necessidade de usar adubo químico”, explica o coordenador.
Giovanne conta que, em novembro, 483 produtores do Triângulo Mineiro concluíram a participação no FIP Paisagens Rurais. “Esses 483 participantes foram visitados por 24 meses pelos técnicos de campo.”
Um deles foi Lucas Calçado Assunção, do município de Comendador Gomes. Seguindo as orientações do técnico de campo, ele conseguiu aumentar a produção leiteira de 200 para 350 litros por dia. “Foi muito bom, fiquei satisfeito com tudo. Recuperamos pastagem, melhorou a produção e a renda. Valeu muito a pena participar do projeto”, afirmou.
Do total de 16 hectares da propriedade, 5,32 foram recuperados e foi implantado o pastejo rotacionado para os animais. “Neste tempo conseguimos trabalhar com a recuperação de pastagens degradadas. Finalizamos o projeto com 18 piquetes em 0,8 hectare. E, por meio da correção e adubação com nitrogênio, conseguimos recuperar o capim para que as vacas em lactação pudessem entrar nesse piquete”, explicou o técnico de campo Wesly Fhayr Santos Cavalcanti.