‘Torres de fogo’, passado soviético e luxo: como petróleo moldou Baku, a sede da COP


Baku tem investido em grandes projetos arquitetônicos e eventos para se consolidar no cenário internacional; saiba mais sobre essa história

Por Priscila Mengue
Atualização:

“Uma cidade construída sobre e pelo petróleo”, descreveu Eve Blau, professora de Harvard e uma das maiores especialistas do mundo em Baku, em artigo na revista arquitetônica Domus. A capital do Azerbaijão tem uma história intrínseca à dos combustíveis fósseis, onde a fortuna advinda dessa indústria envolveu desde o pioneirismo da famosa família Nobel até a construção da “cidade petrolífera do homem socialista” pela União Soviética.

Hoje, a capital do Azerbaijão se prepara para receber o mais importante evento mundial sobre mudança climática, a COP-29. Isso ocorre em meio a críticas por ser sediada em um “petroestado”, no qual gás e petróleo representam cerca de um terço do PIB e se sofre, ainda, com a contaminação e poluição causadas pela exploração dessas matérias-primas. A Cúpula do Clima das Nações Unidas começa nesta segunda-feira, 11, com uma longa agenda de negociações até 22 de novembro.

À direita, as icônicas Flame Towers, símbolo de Baku Foto: Lukas - stock.adobe.com

O Ministério de Energia cclassifica o Azerbaijão como a “pátria histórica do petróleo no mundo”. Antes mesmo da indústria petroleira moderna, já havia exploração (e até exportação), com diversos registros datados da Idade Média.

Embora diretamente ligado ao petróleo, o desenvolvimento urbano de Baku não é como o de uma Dubai ou Abu Dhabi: trata-se de um cidade com uma trajetória bem menos recente, que remonta à antiga Rota da Seda, com um centro histórico medieval preservado por antigas muralhas.

Nela, esse passado mais longínquo convive com as transformações impulsionadas pelos booms do petróleo, tanto no século 19 e 20, quanto no mais recente, que culminou em uma série de grandes obras projetadas por alguns dos escritórios de arquiteturas mais famosas do mundo, como o da premiada iraquiana Zaha Hadid.

Dentre essas construções, estão as Flame Towers (”Torres de Fogo”), referência à memória de um país que cultuava o fogo (e, até hoje, mantém parte desses templos). Estão em um complexo de três arranha-céus de luxo, com escritórios, apartamentos e um dos mais caros hoteis do Cáucaso (o Fairmont Baku).

Baku é a sede da COP 29, de 11 a 22 de novembro Foto: Sergei Grits/AP

“O Azerbaijão alcançou uma autonomia política muito recentemente (1991) e, historicamente, não era um território independente, sendo parte de grandes impérios — árabe, mongol, turco, russo e, depois, a União Soviética. Com a autonomia política, o dinheiro proveniente do petróleo passa a ser, no século 21, gerido internamente e investido na modernização do próprio país, o que inclui as infraestruturas e as cidades”, avalia a arquiteta e urbanista Maria Isabel Imbronito, professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade São Judas Tadeu.

A pesquisadora destaca que as grandes transformações atuais ocorrem em duas localizações principais de Baku: a orla, “de maior visibilidade e impacto na paisagem”, e o eixo de ligação até o aeroporto. “Para dar visibilidade a Baku, a cidade sediou mega eventos mundiais e recebeu edifícios e infraestruturas correspondentes”, completa.

Dentre esses eventos, estão o circuito da Fórmula-1 e edições dos Jogos Europeus, do festival Eurovision e campeonatos internacionais de modalidades esportivas variadas, como judô e modalidades da ginástica. Além disso, a UEFA divulgou, neste mês, o interesse de Baku em receber a final da Liga dos Campeões em 2027. Também sediará o Fórum Urbano Mundial de 2026, o mais importante evento sobre cidades da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para a urbanista, a transformação da capital ocorre em um contexto de contradições. A mais importante seria a ambiental, porque investimentos em um urbanismo mais sustentável ou de menor impacto advêm justamente de recursos dos combustíveis fósseis. Outro aspecto é que, embora parte da memória medieval e soviética esteja em grande parte preservada, outros bairros inteiros foram “completamente arrasados”.

Equipamento petrolífero dentro da cidade de Baku Foto: Sergei Grits/AP

“Em alguns trechos da cidade, a transformação urbana não deixou nenhuma construção em pé. Os novos bairros de moradia, por sua vez, tem como referência a cidade de Paris ou a urbanização de subúrbio americana. Nota-se, então, um duplo processo, em que há episódios de fortalecimento da identidade do Azerbaijão ao mesmo tempo em que se busca alcançar uma aceitação externa e a assimilação de modos de vida globais”, analisa.

O maior exemplo dessa transformação é a White City, um grande empreendimento urbano que abrange 1.650 hectares do entorno de antigos bairros industriais, parte deles antes com sinais de degradação e contaminação pelos anos de exploração do petróleo. O projeto é realizado por um consórcio de empresas internacionais, o que inclui a participação do escritório do premiado arquiteto britânico sir Norman Foster — um dos maiores “star architects” atuais, conhecido pelo Estádio de Wembley e o 30 St Mary Axe (o mais famoso edifício espelhado de Londres, apelidado de Gherkin, o “Pepino”).

Passarela elevada sobre parque urbano em Baku Foto: Sergei Grits/AP

A obra ocorre de forma gradual, desde a década passada, com diversos trechos entregues ao longo dos últimos anos, o que inclui edifícios residenciais, prédios de escritórios, hotéis, espaços culturais e serviços essenciais do dia a dia. A previsão é de 280 mil moradores, 240 mil empregos e 200 mil vagas de estacionamento (nas edificações), embora também envolva a abertura de novas vias, o investimento em transporte coletivo, inclusive com estação de metrô adicional, e a extensão do boulevard do Cáspio.

No entorno, segue preservada a Villa Petrolea, mansão dos irmãos Nobel, dois dos maiores “barões de petróleo” do Azerbaijão, no século 19, responsáveis por criações inovadoras à época, como o primeiro oleoduto e o primeiro navio petroleiro. O local hoje funciona como um museu e clube de negócios. Originalmente, contudo, estava em meio a uma grande vizinhança arborizada onde residiam trabalhadores da companhia petroleira da família (a Branobel).

Essa memória da história da cidade com o petróleo também é celebrada no Navio Museu Surakhani. O antigo petroleiro foi transformado em atração educativa e turística, com acesso pelo boulevard de Baku, que é um dos locais mais visitados por turistas na cidade.

Centro Cultural Heydar Aliyev Center é um dos maiores exemplos de arquitetura contemporânea de Baku, projetado por Zaha Hadid Foto: Sergei Grits/AP

Arquitetura contemporânea substitui antigos símbolos; veja os mais importantes

De modo geral, costuma-se separar as grandes construções locais em três momentos principais: monumentos históricos, modernismo soviético e arquitetura contemporânea. Na prática, contudo, diferentes influências se misturam, explicitando referências de uma capital da “Eurásia”, com influências tanto da Europa quanto da Ásia.

Pesquisador do tema e professor da Universidade São Judas Tadeu, o arquiteto e urbanista Danilo Firbida de Paula percebe que as alterações em Baku em parte remetem a uma aproximação com o ocidente, com o “ar de Europa”. Como exemplo, cita como a medieval Torre da Donzela (considerada patrimônio cultural mundial pela Unesco) deixou de ser o maior símbolo da cidade depois da construção das Flame Towers.

Por um lado, o urbanista vê uma “dubailização”, pela transformação de diversas vizinhanças, porém com uma influência europeia e a preservação de parte do patrimônio arquitetônico de séculos anteriores. No empreendimento White City, por exemplo, há novos prédios até com mansarda (janelas do telhado, tipicamente europeias).

“Dubai foi construída no meio do deserto, não tinha ali uma cidade medieval, soviética”, compara. “Baku ainda é uma capital histórica, com um conjunto de difíceis históricos bem consideráveis, com uma cidade murada medieval.”

Museu do Carpete é outros dos símbolos da arquitetura contemporânea de Baku Foto: Azerbaijan Carpet Museum Baku

Ele explica que o investimento em obras arquitetônicas icônicas também é uma forma de se destacar e mudar a imagem na esfera mundial. “Esses projetos icônicos focam nisso: em transformar, trazer cultura, olhares de fora para dentro, a transformação do entorno, novas dinâmicas”, avalia. “É um processo que tem uma intenção: os projetos icônicos chegam para projetar Baku para o mundo”, completa.

Entre as construções contemporâneas mais importantes de Baku, assinadas por “star-architects”, algumas das mais emblemáticas são:

  • Centro Cultural Heydar Aliyev: uma das maiores obras-primas da premiadíssima iraniana Zaha Hadid, um dos maiores nomes da arquitetura mundial no século 21. O espaço é um dos símbolos do país, com curvas fluidas, cujas ondas geram diferentes formas a depender do ângulo do qual o prédio é visto. Inaugurado em 2012.
  • Museu do Tapete: remete à tradição azerbaijana na tecelagem (considerada como patrimônio imaterial mundial pela Unesco), em um contexto de séculos de história como parte da famosa “Rota da Seda”. Criado em 1967, teve diversos endereços até a construção da sede atual, em 2014, com projeto do arquiteto austríaco Franz Janz. Seu formato remete a um tapete enrolado.
  • Flame Towers: as “Torres de Fogo” abrangem um completo de três prédios de diferentes alturas (um deles é o terceiro maior do país, com 181,8 m), localizado próximo do centro histórico de Baku. Com projeto do escritório norte-americano HOK, tornou-se o maior símbolo da cidade e do país, remetendo à história do local intrinsecamente ligada com o fogo e os combustíveis fósseis (até mesmo, de forma religiosa).
  • Socar Tower: sede da Socar (estatal de petróleo e gás do país). Com projeto do escritório Heerim Architects & Planners, baseado na Coreia do Sul, já foi o maior arranha-céu do Azerbaijão (com 196 m, hoje é o segundo). De 2015, o prédio é caracterizado por ser uma torre de vidro espelhada em formato assimétrico.
  • Crescent Hotel: hotel cuja obra está em fase de finalização. Chama a atenção pelo formato de uma lua crescente (símbolo que está na bandeira do país) virada para baixo. O projeto é assinado pelo escritório DSA Architects International.

Professora de História e Teoria da Forma Urbana em Harvard e diretora do Centro Davis de Estudos sobre Rússia e Eurásia, Eve Blau chama Baku da “cidade petrolífera original”, em que a matéria-prima moldou seu desenvolvimento ao longo de séculos. Isso porque parte dos lucros da exploração era reinvestida no desenvolvimento da cidade desde o século 19.

Baku reúne arquitetura de diferentes períodos históricos Foto: Sergei Grits/AP

Co-autora do livro Baku: óleo e urbanismo, a pesquisadora conta que a cidade era a “Paris do Cáspio” no fim do século 19, quando concentrava a maior parte da produção petrolífera. “Uma cidade europeia cosmopolita, com uma elite empresarial, burguesa e educada, e um ambiente urbano de avenidas arborizadas, edifícios públicos monumentais e um rico conjunto de instituições culturais, de teatros e museus até academias, jornais e modernas redes de comunicação”, descreveu em artigo para a revista arquitetônica Domus, em 2019.

Em sua pesquisa, a professora identificou como os soviéticos exploravam o petróleo na região e desenvolveram a cidade baseada em seus preceitos, com prédios públicos e estações de metrô monumentais. No entorno de Baku, chegaram a projetar uma cidade flutuante sobre o Mar Cáspio, junto a uma grande reserva de petróleo até hoje explorada, chamada Neft Daşları (também conhecida como “Oil Rocks”).

Governo fala em crescimento ‘sustentável’ e admite impactos ambientais do petróleo e da mudança climática no país

Segundo o Comitê Estatal de Planejamento Urbano e Arquitetura da República do Azerbaijão, o Plano Diretor de Baku 2040 prevê uma capital mais “organizada” e “multicêntrica”, a fim de garantir um “crescimento forte e sustentável” para seus 2 milhões de habitantes. O território administrativo de Baku (2,1 mil km²) é maior do que a cidade de São Paulo (1,5 mil km²), em comparação. Ao todo, o Azerbaijão tem 86,6 mil km², pouco menos que Portugal (ou Santa Catarina).

Painéis solares instalados no entorno do Estádio Olímpico de Baku, onde serão realizados os eventos da COP 29 Foto: Sergei Grits/AP

O governo local reconhece que a cidade precisa mudar, com foco em uma realidade “pós-industrial”. “Como resultado do rápido crescimento urbano, a cidade sofre com inundações regulares, ilhas de calor urbanas, poluição do ar e falta de espaço público verde”, admite. “A necessidade de diversificação da economia urbana é um requisito inquestionável para reduzir a dependência do setor de petróleo e gás a longo prazo e posicionar Baku no mapa de concorrentes mundiais por investimentos e talentos internacionais”, completa.

Fala-se em investimentos em infraestrutura, transporte, serviços públicos e “embelezamento territorial”, com foco em uma descentralização e fortalecimento de “subcentros”, seguindo a tendência mundial de “cidade compacta”, forte especialmente na Europa, como em Paris e Barcelona.

Um relatório veiculado neste ano pelo Ministério da Ecologia e dos Recursos Naturais do Azerbaijão em conjunto com o Centro Regional de Meio Ambiente do Cáucaso aponta, por exemplo, a uma estimativa de 14 mil hectares de terras contaminadas com óleo e derivados no País. “Nos últimos 150 anos, o Azerbaijão foi um dos principais produtores e refinadores de petróleo no mundo sem adequadas práticas de gestão ambiental”, diz o documento.

Imagem mostra como era cidade de Baku em 1910 Foto: Nature and People Magazine

“Embora diversas medidas tenham sido tomadas recentemente para a despoluição, particularmente em Baku e na península Absheron, muita poluição é encontrada em várias áreas do país”, acrescenta.

O relatório indica que poluentes tóxicos têm impactado negativamente a saúde da população e, também, aumentado o custo de vida. Estudos têm confirmado, por exemplo, um alto nível de poluição de derivados de petróleo, metais pesados, benzeno e outros químicos nos lagos do País, em grande parte próximos de áreas de exploração petroleira.

“A poluição desses lagos tem muitos efeitos negativos no meio ambiente dessas áreas, como degradação do solo, salinização e emissões de substâncias nocivas na atmosfera (resultantes da evaporação desses poluentes)”, ressalta o relatório.

Além disso, o mesmo relatório também projeta uma série de impactos das mudanças climáticas já sentidos no país e que tendem a aumentar. Dentre eles, estão mais intensas e longas ondas de calor e secas, assim como a redução da média anual de chuvas.

Arranha-céu é sede da Socar, estatal ligada à exploração de combustíveis fósseis Foto: Socar Tower

“Isso significa que o país vai se tornar mais quente e árido, com grandes implicações para a disponibilidade de água e ao ecossistema”, explica o documento. “Florestas, alta montanha, água e ecossistemas marinhos podem ser particularmente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. As mudanças climáticas vão causar desmatamento, esgotamento de rios, erosão do solo e aquecimento do Mar Cáspio, o que terá vários efeitos negativos à biodiversidade”, acrescenta.

Também aponta ameaças diversas à biodiversidade local, indicando que “extensas áreas” estão sofrendo “severamente” com a erosão (que ameaça cerca de 42% do território) e com a salinização do solo (aproximadamente 7% da área em risco). “Desertificação ligada às mudanças climáticas e redução gradual do estoque de água são novos fenômenos negativos nas planícies”, completa.

Apontamentos semelhantes já haviam sido feitos nos últimos anos, como em relatório do Banco Mundial de 2022, que destaca um cenário de aumento na frequência e intensidade de desastres naturais, como enchentes, secas, deslizamentos e ondas de calor. Isso tudo em meio a uma economia e população crescentemente vulnerável, com impactos na agricultura e disponibilidade de água, por exemplo.

“Uma cidade construída sobre e pelo petróleo”, descreveu Eve Blau, professora de Harvard e uma das maiores especialistas do mundo em Baku, em artigo na revista arquitetônica Domus. A capital do Azerbaijão tem uma história intrínseca à dos combustíveis fósseis, onde a fortuna advinda dessa indústria envolveu desde o pioneirismo da famosa família Nobel até a construção da “cidade petrolífera do homem socialista” pela União Soviética.

Hoje, a capital do Azerbaijão se prepara para receber o mais importante evento mundial sobre mudança climática, a COP-29. Isso ocorre em meio a críticas por ser sediada em um “petroestado”, no qual gás e petróleo representam cerca de um terço do PIB e se sofre, ainda, com a contaminação e poluição causadas pela exploração dessas matérias-primas. A Cúpula do Clima das Nações Unidas começa nesta segunda-feira, 11, com uma longa agenda de negociações até 22 de novembro.

À direita, as icônicas Flame Towers, símbolo de Baku Foto: Lukas - stock.adobe.com

O Ministério de Energia cclassifica o Azerbaijão como a “pátria histórica do petróleo no mundo”. Antes mesmo da indústria petroleira moderna, já havia exploração (e até exportação), com diversos registros datados da Idade Média.

Embora diretamente ligado ao petróleo, o desenvolvimento urbano de Baku não é como o de uma Dubai ou Abu Dhabi: trata-se de um cidade com uma trajetória bem menos recente, que remonta à antiga Rota da Seda, com um centro histórico medieval preservado por antigas muralhas.

Nela, esse passado mais longínquo convive com as transformações impulsionadas pelos booms do petróleo, tanto no século 19 e 20, quanto no mais recente, que culminou em uma série de grandes obras projetadas por alguns dos escritórios de arquiteturas mais famosas do mundo, como o da premiada iraquiana Zaha Hadid.

Dentre essas construções, estão as Flame Towers (”Torres de Fogo”), referência à memória de um país que cultuava o fogo (e, até hoje, mantém parte desses templos). Estão em um complexo de três arranha-céus de luxo, com escritórios, apartamentos e um dos mais caros hoteis do Cáucaso (o Fairmont Baku).

Baku é a sede da COP 29, de 11 a 22 de novembro Foto: Sergei Grits/AP

“O Azerbaijão alcançou uma autonomia política muito recentemente (1991) e, historicamente, não era um território independente, sendo parte de grandes impérios — árabe, mongol, turco, russo e, depois, a União Soviética. Com a autonomia política, o dinheiro proveniente do petróleo passa a ser, no século 21, gerido internamente e investido na modernização do próprio país, o que inclui as infraestruturas e as cidades”, avalia a arquiteta e urbanista Maria Isabel Imbronito, professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade São Judas Tadeu.

A pesquisadora destaca que as grandes transformações atuais ocorrem em duas localizações principais de Baku: a orla, “de maior visibilidade e impacto na paisagem”, e o eixo de ligação até o aeroporto. “Para dar visibilidade a Baku, a cidade sediou mega eventos mundiais e recebeu edifícios e infraestruturas correspondentes”, completa.

Dentre esses eventos, estão o circuito da Fórmula-1 e edições dos Jogos Europeus, do festival Eurovision e campeonatos internacionais de modalidades esportivas variadas, como judô e modalidades da ginástica. Além disso, a UEFA divulgou, neste mês, o interesse de Baku em receber a final da Liga dos Campeões em 2027. Também sediará o Fórum Urbano Mundial de 2026, o mais importante evento sobre cidades da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para a urbanista, a transformação da capital ocorre em um contexto de contradições. A mais importante seria a ambiental, porque investimentos em um urbanismo mais sustentável ou de menor impacto advêm justamente de recursos dos combustíveis fósseis. Outro aspecto é que, embora parte da memória medieval e soviética esteja em grande parte preservada, outros bairros inteiros foram “completamente arrasados”.

Equipamento petrolífero dentro da cidade de Baku Foto: Sergei Grits/AP

“Em alguns trechos da cidade, a transformação urbana não deixou nenhuma construção em pé. Os novos bairros de moradia, por sua vez, tem como referência a cidade de Paris ou a urbanização de subúrbio americana. Nota-se, então, um duplo processo, em que há episódios de fortalecimento da identidade do Azerbaijão ao mesmo tempo em que se busca alcançar uma aceitação externa e a assimilação de modos de vida globais”, analisa.

O maior exemplo dessa transformação é a White City, um grande empreendimento urbano que abrange 1.650 hectares do entorno de antigos bairros industriais, parte deles antes com sinais de degradação e contaminação pelos anos de exploração do petróleo. O projeto é realizado por um consórcio de empresas internacionais, o que inclui a participação do escritório do premiado arquiteto britânico sir Norman Foster — um dos maiores “star architects” atuais, conhecido pelo Estádio de Wembley e o 30 St Mary Axe (o mais famoso edifício espelhado de Londres, apelidado de Gherkin, o “Pepino”).

Passarela elevada sobre parque urbano em Baku Foto: Sergei Grits/AP

A obra ocorre de forma gradual, desde a década passada, com diversos trechos entregues ao longo dos últimos anos, o que inclui edifícios residenciais, prédios de escritórios, hotéis, espaços culturais e serviços essenciais do dia a dia. A previsão é de 280 mil moradores, 240 mil empregos e 200 mil vagas de estacionamento (nas edificações), embora também envolva a abertura de novas vias, o investimento em transporte coletivo, inclusive com estação de metrô adicional, e a extensão do boulevard do Cáspio.

No entorno, segue preservada a Villa Petrolea, mansão dos irmãos Nobel, dois dos maiores “barões de petróleo” do Azerbaijão, no século 19, responsáveis por criações inovadoras à época, como o primeiro oleoduto e o primeiro navio petroleiro. O local hoje funciona como um museu e clube de negócios. Originalmente, contudo, estava em meio a uma grande vizinhança arborizada onde residiam trabalhadores da companhia petroleira da família (a Branobel).

Essa memória da história da cidade com o petróleo também é celebrada no Navio Museu Surakhani. O antigo petroleiro foi transformado em atração educativa e turística, com acesso pelo boulevard de Baku, que é um dos locais mais visitados por turistas na cidade.

Centro Cultural Heydar Aliyev Center é um dos maiores exemplos de arquitetura contemporânea de Baku, projetado por Zaha Hadid Foto: Sergei Grits/AP

Arquitetura contemporânea substitui antigos símbolos; veja os mais importantes

De modo geral, costuma-se separar as grandes construções locais em três momentos principais: monumentos históricos, modernismo soviético e arquitetura contemporânea. Na prática, contudo, diferentes influências se misturam, explicitando referências de uma capital da “Eurásia”, com influências tanto da Europa quanto da Ásia.

Pesquisador do tema e professor da Universidade São Judas Tadeu, o arquiteto e urbanista Danilo Firbida de Paula percebe que as alterações em Baku em parte remetem a uma aproximação com o ocidente, com o “ar de Europa”. Como exemplo, cita como a medieval Torre da Donzela (considerada patrimônio cultural mundial pela Unesco) deixou de ser o maior símbolo da cidade depois da construção das Flame Towers.

Por um lado, o urbanista vê uma “dubailização”, pela transformação de diversas vizinhanças, porém com uma influência europeia e a preservação de parte do patrimônio arquitetônico de séculos anteriores. No empreendimento White City, por exemplo, há novos prédios até com mansarda (janelas do telhado, tipicamente europeias).

“Dubai foi construída no meio do deserto, não tinha ali uma cidade medieval, soviética”, compara. “Baku ainda é uma capital histórica, com um conjunto de difíceis históricos bem consideráveis, com uma cidade murada medieval.”

Museu do Carpete é outros dos símbolos da arquitetura contemporânea de Baku Foto: Azerbaijan Carpet Museum Baku

Ele explica que o investimento em obras arquitetônicas icônicas também é uma forma de se destacar e mudar a imagem na esfera mundial. “Esses projetos icônicos focam nisso: em transformar, trazer cultura, olhares de fora para dentro, a transformação do entorno, novas dinâmicas”, avalia. “É um processo que tem uma intenção: os projetos icônicos chegam para projetar Baku para o mundo”, completa.

Entre as construções contemporâneas mais importantes de Baku, assinadas por “star-architects”, algumas das mais emblemáticas são:

  • Centro Cultural Heydar Aliyev: uma das maiores obras-primas da premiadíssima iraniana Zaha Hadid, um dos maiores nomes da arquitetura mundial no século 21. O espaço é um dos símbolos do país, com curvas fluidas, cujas ondas geram diferentes formas a depender do ângulo do qual o prédio é visto. Inaugurado em 2012.
  • Museu do Tapete: remete à tradição azerbaijana na tecelagem (considerada como patrimônio imaterial mundial pela Unesco), em um contexto de séculos de história como parte da famosa “Rota da Seda”. Criado em 1967, teve diversos endereços até a construção da sede atual, em 2014, com projeto do arquiteto austríaco Franz Janz. Seu formato remete a um tapete enrolado.
  • Flame Towers: as “Torres de Fogo” abrangem um completo de três prédios de diferentes alturas (um deles é o terceiro maior do país, com 181,8 m), localizado próximo do centro histórico de Baku. Com projeto do escritório norte-americano HOK, tornou-se o maior símbolo da cidade e do país, remetendo à história do local intrinsecamente ligada com o fogo e os combustíveis fósseis (até mesmo, de forma religiosa).
  • Socar Tower: sede da Socar (estatal de petróleo e gás do país). Com projeto do escritório Heerim Architects & Planners, baseado na Coreia do Sul, já foi o maior arranha-céu do Azerbaijão (com 196 m, hoje é o segundo). De 2015, o prédio é caracterizado por ser uma torre de vidro espelhada em formato assimétrico.
  • Crescent Hotel: hotel cuja obra está em fase de finalização. Chama a atenção pelo formato de uma lua crescente (símbolo que está na bandeira do país) virada para baixo. O projeto é assinado pelo escritório DSA Architects International.

Professora de História e Teoria da Forma Urbana em Harvard e diretora do Centro Davis de Estudos sobre Rússia e Eurásia, Eve Blau chama Baku da “cidade petrolífera original”, em que a matéria-prima moldou seu desenvolvimento ao longo de séculos. Isso porque parte dos lucros da exploração era reinvestida no desenvolvimento da cidade desde o século 19.

Baku reúne arquitetura de diferentes períodos históricos Foto: Sergei Grits/AP

Co-autora do livro Baku: óleo e urbanismo, a pesquisadora conta que a cidade era a “Paris do Cáspio” no fim do século 19, quando concentrava a maior parte da produção petrolífera. “Uma cidade europeia cosmopolita, com uma elite empresarial, burguesa e educada, e um ambiente urbano de avenidas arborizadas, edifícios públicos monumentais e um rico conjunto de instituições culturais, de teatros e museus até academias, jornais e modernas redes de comunicação”, descreveu em artigo para a revista arquitetônica Domus, em 2019.

Em sua pesquisa, a professora identificou como os soviéticos exploravam o petróleo na região e desenvolveram a cidade baseada em seus preceitos, com prédios públicos e estações de metrô monumentais. No entorno de Baku, chegaram a projetar uma cidade flutuante sobre o Mar Cáspio, junto a uma grande reserva de petróleo até hoje explorada, chamada Neft Daşları (também conhecida como “Oil Rocks”).

Governo fala em crescimento ‘sustentável’ e admite impactos ambientais do petróleo e da mudança climática no país

Segundo o Comitê Estatal de Planejamento Urbano e Arquitetura da República do Azerbaijão, o Plano Diretor de Baku 2040 prevê uma capital mais “organizada” e “multicêntrica”, a fim de garantir um “crescimento forte e sustentável” para seus 2 milhões de habitantes. O território administrativo de Baku (2,1 mil km²) é maior do que a cidade de São Paulo (1,5 mil km²), em comparação. Ao todo, o Azerbaijão tem 86,6 mil km², pouco menos que Portugal (ou Santa Catarina).

Painéis solares instalados no entorno do Estádio Olímpico de Baku, onde serão realizados os eventos da COP 29 Foto: Sergei Grits/AP

O governo local reconhece que a cidade precisa mudar, com foco em uma realidade “pós-industrial”. “Como resultado do rápido crescimento urbano, a cidade sofre com inundações regulares, ilhas de calor urbanas, poluição do ar e falta de espaço público verde”, admite. “A necessidade de diversificação da economia urbana é um requisito inquestionável para reduzir a dependência do setor de petróleo e gás a longo prazo e posicionar Baku no mapa de concorrentes mundiais por investimentos e talentos internacionais”, completa.

Fala-se em investimentos em infraestrutura, transporte, serviços públicos e “embelezamento territorial”, com foco em uma descentralização e fortalecimento de “subcentros”, seguindo a tendência mundial de “cidade compacta”, forte especialmente na Europa, como em Paris e Barcelona.

Um relatório veiculado neste ano pelo Ministério da Ecologia e dos Recursos Naturais do Azerbaijão em conjunto com o Centro Regional de Meio Ambiente do Cáucaso aponta, por exemplo, a uma estimativa de 14 mil hectares de terras contaminadas com óleo e derivados no País. “Nos últimos 150 anos, o Azerbaijão foi um dos principais produtores e refinadores de petróleo no mundo sem adequadas práticas de gestão ambiental”, diz o documento.

Imagem mostra como era cidade de Baku em 1910 Foto: Nature and People Magazine

“Embora diversas medidas tenham sido tomadas recentemente para a despoluição, particularmente em Baku e na península Absheron, muita poluição é encontrada em várias áreas do país”, acrescenta.

O relatório indica que poluentes tóxicos têm impactado negativamente a saúde da população e, também, aumentado o custo de vida. Estudos têm confirmado, por exemplo, um alto nível de poluição de derivados de petróleo, metais pesados, benzeno e outros químicos nos lagos do País, em grande parte próximos de áreas de exploração petroleira.

“A poluição desses lagos tem muitos efeitos negativos no meio ambiente dessas áreas, como degradação do solo, salinização e emissões de substâncias nocivas na atmosfera (resultantes da evaporação desses poluentes)”, ressalta o relatório.

Além disso, o mesmo relatório também projeta uma série de impactos das mudanças climáticas já sentidos no país e que tendem a aumentar. Dentre eles, estão mais intensas e longas ondas de calor e secas, assim como a redução da média anual de chuvas.

Arranha-céu é sede da Socar, estatal ligada à exploração de combustíveis fósseis Foto: Socar Tower

“Isso significa que o país vai se tornar mais quente e árido, com grandes implicações para a disponibilidade de água e ao ecossistema”, explica o documento. “Florestas, alta montanha, água e ecossistemas marinhos podem ser particularmente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. As mudanças climáticas vão causar desmatamento, esgotamento de rios, erosão do solo e aquecimento do Mar Cáspio, o que terá vários efeitos negativos à biodiversidade”, acrescenta.

Também aponta ameaças diversas à biodiversidade local, indicando que “extensas áreas” estão sofrendo “severamente” com a erosão (que ameaça cerca de 42% do território) e com a salinização do solo (aproximadamente 7% da área em risco). “Desertificação ligada às mudanças climáticas e redução gradual do estoque de água são novos fenômenos negativos nas planícies”, completa.

Apontamentos semelhantes já haviam sido feitos nos últimos anos, como em relatório do Banco Mundial de 2022, que destaca um cenário de aumento na frequência e intensidade de desastres naturais, como enchentes, secas, deslizamentos e ondas de calor. Isso tudo em meio a uma economia e população crescentemente vulnerável, com impactos na agricultura e disponibilidade de água, por exemplo.

“Uma cidade construída sobre e pelo petróleo”, descreveu Eve Blau, professora de Harvard e uma das maiores especialistas do mundo em Baku, em artigo na revista arquitetônica Domus. A capital do Azerbaijão tem uma história intrínseca à dos combustíveis fósseis, onde a fortuna advinda dessa indústria envolveu desde o pioneirismo da famosa família Nobel até a construção da “cidade petrolífera do homem socialista” pela União Soviética.

Hoje, a capital do Azerbaijão se prepara para receber o mais importante evento mundial sobre mudança climática, a COP-29. Isso ocorre em meio a críticas por ser sediada em um “petroestado”, no qual gás e petróleo representam cerca de um terço do PIB e se sofre, ainda, com a contaminação e poluição causadas pela exploração dessas matérias-primas. A Cúpula do Clima das Nações Unidas começa nesta segunda-feira, 11, com uma longa agenda de negociações até 22 de novembro.

À direita, as icônicas Flame Towers, símbolo de Baku Foto: Lukas - stock.adobe.com

O Ministério de Energia cclassifica o Azerbaijão como a “pátria histórica do petróleo no mundo”. Antes mesmo da indústria petroleira moderna, já havia exploração (e até exportação), com diversos registros datados da Idade Média.

Embora diretamente ligado ao petróleo, o desenvolvimento urbano de Baku não é como o de uma Dubai ou Abu Dhabi: trata-se de um cidade com uma trajetória bem menos recente, que remonta à antiga Rota da Seda, com um centro histórico medieval preservado por antigas muralhas.

Nela, esse passado mais longínquo convive com as transformações impulsionadas pelos booms do petróleo, tanto no século 19 e 20, quanto no mais recente, que culminou em uma série de grandes obras projetadas por alguns dos escritórios de arquiteturas mais famosas do mundo, como o da premiada iraquiana Zaha Hadid.

Dentre essas construções, estão as Flame Towers (”Torres de Fogo”), referência à memória de um país que cultuava o fogo (e, até hoje, mantém parte desses templos). Estão em um complexo de três arranha-céus de luxo, com escritórios, apartamentos e um dos mais caros hoteis do Cáucaso (o Fairmont Baku).

Baku é a sede da COP 29, de 11 a 22 de novembro Foto: Sergei Grits/AP

“O Azerbaijão alcançou uma autonomia política muito recentemente (1991) e, historicamente, não era um território independente, sendo parte de grandes impérios — árabe, mongol, turco, russo e, depois, a União Soviética. Com a autonomia política, o dinheiro proveniente do petróleo passa a ser, no século 21, gerido internamente e investido na modernização do próprio país, o que inclui as infraestruturas e as cidades”, avalia a arquiteta e urbanista Maria Isabel Imbronito, professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade São Judas Tadeu.

A pesquisadora destaca que as grandes transformações atuais ocorrem em duas localizações principais de Baku: a orla, “de maior visibilidade e impacto na paisagem”, e o eixo de ligação até o aeroporto. “Para dar visibilidade a Baku, a cidade sediou mega eventos mundiais e recebeu edifícios e infraestruturas correspondentes”, completa.

Dentre esses eventos, estão o circuito da Fórmula-1 e edições dos Jogos Europeus, do festival Eurovision e campeonatos internacionais de modalidades esportivas variadas, como judô e modalidades da ginástica. Além disso, a UEFA divulgou, neste mês, o interesse de Baku em receber a final da Liga dos Campeões em 2027. Também sediará o Fórum Urbano Mundial de 2026, o mais importante evento sobre cidades da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para a urbanista, a transformação da capital ocorre em um contexto de contradições. A mais importante seria a ambiental, porque investimentos em um urbanismo mais sustentável ou de menor impacto advêm justamente de recursos dos combustíveis fósseis. Outro aspecto é que, embora parte da memória medieval e soviética esteja em grande parte preservada, outros bairros inteiros foram “completamente arrasados”.

Equipamento petrolífero dentro da cidade de Baku Foto: Sergei Grits/AP

“Em alguns trechos da cidade, a transformação urbana não deixou nenhuma construção em pé. Os novos bairros de moradia, por sua vez, tem como referência a cidade de Paris ou a urbanização de subúrbio americana. Nota-se, então, um duplo processo, em que há episódios de fortalecimento da identidade do Azerbaijão ao mesmo tempo em que se busca alcançar uma aceitação externa e a assimilação de modos de vida globais”, analisa.

O maior exemplo dessa transformação é a White City, um grande empreendimento urbano que abrange 1.650 hectares do entorno de antigos bairros industriais, parte deles antes com sinais de degradação e contaminação pelos anos de exploração do petróleo. O projeto é realizado por um consórcio de empresas internacionais, o que inclui a participação do escritório do premiado arquiteto britânico sir Norman Foster — um dos maiores “star architects” atuais, conhecido pelo Estádio de Wembley e o 30 St Mary Axe (o mais famoso edifício espelhado de Londres, apelidado de Gherkin, o “Pepino”).

Passarela elevada sobre parque urbano em Baku Foto: Sergei Grits/AP

A obra ocorre de forma gradual, desde a década passada, com diversos trechos entregues ao longo dos últimos anos, o que inclui edifícios residenciais, prédios de escritórios, hotéis, espaços culturais e serviços essenciais do dia a dia. A previsão é de 280 mil moradores, 240 mil empregos e 200 mil vagas de estacionamento (nas edificações), embora também envolva a abertura de novas vias, o investimento em transporte coletivo, inclusive com estação de metrô adicional, e a extensão do boulevard do Cáspio.

No entorno, segue preservada a Villa Petrolea, mansão dos irmãos Nobel, dois dos maiores “barões de petróleo” do Azerbaijão, no século 19, responsáveis por criações inovadoras à época, como o primeiro oleoduto e o primeiro navio petroleiro. O local hoje funciona como um museu e clube de negócios. Originalmente, contudo, estava em meio a uma grande vizinhança arborizada onde residiam trabalhadores da companhia petroleira da família (a Branobel).

Essa memória da história da cidade com o petróleo também é celebrada no Navio Museu Surakhani. O antigo petroleiro foi transformado em atração educativa e turística, com acesso pelo boulevard de Baku, que é um dos locais mais visitados por turistas na cidade.

Centro Cultural Heydar Aliyev Center é um dos maiores exemplos de arquitetura contemporânea de Baku, projetado por Zaha Hadid Foto: Sergei Grits/AP

Arquitetura contemporânea substitui antigos símbolos; veja os mais importantes

De modo geral, costuma-se separar as grandes construções locais em três momentos principais: monumentos históricos, modernismo soviético e arquitetura contemporânea. Na prática, contudo, diferentes influências se misturam, explicitando referências de uma capital da “Eurásia”, com influências tanto da Europa quanto da Ásia.

Pesquisador do tema e professor da Universidade São Judas Tadeu, o arquiteto e urbanista Danilo Firbida de Paula percebe que as alterações em Baku em parte remetem a uma aproximação com o ocidente, com o “ar de Europa”. Como exemplo, cita como a medieval Torre da Donzela (considerada patrimônio cultural mundial pela Unesco) deixou de ser o maior símbolo da cidade depois da construção das Flame Towers.

Por um lado, o urbanista vê uma “dubailização”, pela transformação de diversas vizinhanças, porém com uma influência europeia e a preservação de parte do patrimônio arquitetônico de séculos anteriores. No empreendimento White City, por exemplo, há novos prédios até com mansarda (janelas do telhado, tipicamente europeias).

“Dubai foi construída no meio do deserto, não tinha ali uma cidade medieval, soviética”, compara. “Baku ainda é uma capital histórica, com um conjunto de difíceis históricos bem consideráveis, com uma cidade murada medieval.”

Museu do Carpete é outros dos símbolos da arquitetura contemporânea de Baku Foto: Azerbaijan Carpet Museum Baku

Ele explica que o investimento em obras arquitetônicas icônicas também é uma forma de se destacar e mudar a imagem na esfera mundial. “Esses projetos icônicos focam nisso: em transformar, trazer cultura, olhares de fora para dentro, a transformação do entorno, novas dinâmicas”, avalia. “É um processo que tem uma intenção: os projetos icônicos chegam para projetar Baku para o mundo”, completa.

Entre as construções contemporâneas mais importantes de Baku, assinadas por “star-architects”, algumas das mais emblemáticas são:

  • Centro Cultural Heydar Aliyev: uma das maiores obras-primas da premiadíssima iraniana Zaha Hadid, um dos maiores nomes da arquitetura mundial no século 21. O espaço é um dos símbolos do país, com curvas fluidas, cujas ondas geram diferentes formas a depender do ângulo do qual o prédio é visto. Inaugurado em 2012.
  • Museu do Tapete: remete à tradição azerbaijana na tecelagem (considerada como patrimônio imaterial mundial pela Unesco), em um contexto de séculos de história como parte da famosa “Rota da Seda”. Criado em 1967, teve diversos endereços até a construção da sede atual, em 2014, com projeto do arquiteto austríaco Franz Janz. Seu formato remete a um tapete enrolado.
  • Flame Towers: as “Torres de Fogo” abrangem um completo de três prédios de diferentes alturas (um deles é o terceiro maior do país, com 181,8 m), localizado próximo do centro histórico de Baku. Com projeto do escritório norte-americano HOK, tornou-se o maior símbolo da cidade e do país, remetendo à história do local intrinsecamente ligada com o fogo e os combustíveis fósseis (até mesmo, de forma religiosa).
  • Socar Tower: sede da Socar (estatal de petróleo e gás do país). Com projeto do escritório Heerim Architects & Planners, baseado na Coreia do Sul, já foi o maior arranha-céu do Azerbaijão (com 196 m, hoje é o segundo). De 2015, o prédio é caracterizado por ser uma torre de vidro espelhada em formato assimétrico.
  • Crescent Hotel: hotel cuja obra está em fase de finalização. Chama a atenção pelo formato de uma lua crescente (símbolo que está na bandeira do país) virada para baixo. O projeto é assinado pelo escritório DSA Architects International.

Professora de História e Teoria da Forma Urbana em Harvard e diretora do Centro Davis de Estudos sobre Rússia e Eurásia, Eve Blau chama Baku da “cidade petrolífera original”, em que a matéria-prima moldou seu desenvolvimento ao longo de séculos. Isso porque parte dos lucros da exploração era reinvestida no desenvolvimento da cidade desde o século 19.

Baku reúne arquitetura de diferentes períodos históricos Foto: Sergei Grits/AP

Co-autora do livro Baku: óleo e urbanismo, a pesquisadora conta que a cidade era a “Paris do Cáspio” no fim do século 19, quando concentrava a maior parte da produção petrolífera. “Uma cidade europeia cosmopolita, com uma elite empresarial, burguesa e educada, e um ambiente urbano de avenidas arborizadas, edifícios públicos monumentais e um rico conjunto de instituições culturais, de teatros e museus até academias, jornais e modernas redes de comunicação”, descreveu em artigo para a revista arquitetônica Domus, em 2019.

Em sua pesquisa, a professora identificou como os soviéticos exploravam o petróleo na região e desenvolveram a cidade baseada em seus preceitos, com prédios públicos e estações de metrô monumentais. No entorno de Baku, chegaram a projetar uma cidade flutuante sobre o Mar Cáspio, junto a uma grande reserva de petróleo até hoje explorada, chamada Neft Daşları (também conhecida como “Oil Rocks”).

Governo fala em crescimento ‘sustentável’ e admite impactos ambientais do petróleo e da mudança climática no país

Segundo o Comitê Estatal de Planejamento Urbano e Arquitetura da República do Azerbaijão, o Plano Diretor de Baku 2040 prevê uma capital mais “organizada” e “multicêntrica”, a fim de garantir um “crescimento forte e sustentável” para seus 2 milhões de habitantes. O território administrativo de Baku (2,1 mil km²) é maior do que a cidade de São Paulo (1,5 mil km²), em comparação. Ao todo, o Azerbaijão tem 86,6 mil km², pouco menos que Portugal (ou Santa Catarina).

Painéis solares instalados no entorno do Estádio Olímpico de Baku, onde serão realizados os eventos da COP 29 Foto: Sergei Grits/AP

O governo local reconhece que a cidade precisa mudar, com foco em uma realidade “pós-industrial”. “Como resultado do rápido crescimento urbano, a cidade sofre com inundações regulares, ilhas de calor urbanas, poluição do ar e falta de espaço público verde”, admite. “A necessidade de diversificação da economia urbana é um requisito inquestionável para reduzir a dependência do setor de petróleo e gás a longo prazo e posicionar Baku no mapa de concorrentes mundiais por investimentos e talentos internacionais”, completa.

Fala-se em investimentos em infraestrutura, transporte, serviços públicos e “embelezamento territorial”, com foco em uma descentralização e fortalecimento de “subcentros”, seguindo a tendência mundial de “cidade compacta”, forte especialmente na Europa, como em Paris e Barcelona.

Um relatório veiculado neste ano pelo Ministério da Ecologia e dos Recursos Naturais do Azerbaijão em conjunto com o Centro Regional de Meio Ambiente do Cáucaso aponta, por exemplo, a uma estimativa de 14 mil hectares de terras contaminadas com óleo e derivados no País. “Nos últimos 150 anos, o Azerbaijão foi um dos principais produtores e refinadores de petróleo no mundo sem adequadas práticas de gestão ambiental”, diz o documento.

Imagem mostra como era cidade de Baku em 1910 Foto: Nature and People Magazine

“Embora diversas medidas tenham sido tomadas recentemente para a despoluição, particularmente em Baku e na península Absheron, muita poluição é encontrada em várias áreas do país”, acrescenta.

O relatório indica que poluentes tóxicos têm impactado negativamente a saúde da população e, também, aumentado o custo de vida. Estudos têm confirmado, por exemplo, um alto nível de poluição de derivados de petróleo, metais pesados, benzeno e outros químicos nos lagos do País, em grande parte próximos de áreas de exploração petroleira.

“A poluição desses lagos tem muitos efeitos negativos no meio ambiente dessas áreas, como degradação do solo, salinização e emissões de substâncias nocivas na atmosfera (resultantes da evaporação desses poluentes)”, ressalta o relatório.

Além disso, o mesmo relatório também projeta uma série de impactos das mudanças climáticas já sentidos no país e que tendem a aumentar. Dentre eles, estão mais intensas e longas ondas de calor e secas, assim como a redução da média anual de chuvas.

Arranha-céu é sede da Socar, estatal ligada à exploração de combustíveis fósseis Foto: Socar Tower

“Isso significa que o país vai se tornar mais quente e árido, com grandes implicações para a disponibilidade de água e ao ecossistema”, explica o documento. “Florestas, alta montanha, água e ecossistemas marinhos podem ser particularmente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. As mudanças climáticas vão causar desmatamento, esgotamento de rios, erosão do solo e aquecimento do Mar Cáspio, o que terá vários efeitos negativos à biodiversidade”, acrescenta.

Também aponta ameaças diversas à biodiversidade local, indicando que “extensas áreas” estão sofrendo “severamente” com a erosão (que ameaça cerca de 42% do território) e com a salinização do solo (aproximadamente 7% da área em risco). “Desertificação ligada às mudanças climáticas e redução gradual do estoque de água são novos fenômenos negativos nas planícies”, completa.

Apontamentos semelhantes já haviam sido feitos nos últimos anos, como em relatório do Banco Mundial de 2022, que destaca um cenário de aumento na frequência e intensidade de desastres naturais, como enchentes, secas, deslizamentos e ondas de calor. Isso tudo em meio a uma economia e população crescentemente vulnerável, com impactos na agricultura e disponibilidade de água, por exemplo.

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