ENVIADOS ESPECIAIS A SHARM EL-SHEIK (EGITO) - A proposta da União Europeia de criação de um fundo com recursos para os países vulneráveis dividiu e paralisou as negociações nesta sexta-feira, 18, durante a Conferência do Clima da ONU, COP-27, em Sharm El-Sheik, no Egito. Oficialmente o encontro continua neste sábado e pode invadir a madrugada de domingo se os negociadores não chegarem a um consenso sobre quem é “vulnerável” e sobre quem financiará esse fundo.
O grande tema da COP neste ano é a definir cifras e um modelo de fundo climático para que países cubram os custos com os efeitos do aquecimento global, como desastres naturais e aumento do nível do mar. Em 2009, as nações ricas prometeram que, a partir de 2020, dariam US$ 100 bilhões anuais – o que não foi integralmente cumprido. A ideia é que esses países, que enriqueceram às custas de muita emissão de gás carbônico, oferecessem verba a regiões mais pobres a título de compensação.
A proposta da UE prevê que não apenas os países desenvolvidos sejam a fonte de financiamento, em um chamado à participação da China. Nesse processo, ao que tudo indica, o Brasil ficaria fora do escopo de nações a receber esse fundo, voltado prioritariamente, por exemplo, aos países insulares que têm suas existências ameaçadas pelo aumento da temperatura em 1,5 º C – poderíamos estar até entre os financiadores.
A proposta da União Europeia é o mais próximo que já se chegou da criação de uma reserva financeira de perdas e danos. Vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans afirmou na sexta que esta é uma proposta final. Ao mesmo tempo, ela divide o chamado G-77, grupo dos países em desenvolvimento e China.
Enquanto atrai as nações claramente mais vulneráveis e mais pobres, a proposta obrigaria o gigante asiático a pagar as consequências de um processo histórico do qual não participou da mesma forma que os países europeus ou os Estados Unidos.
Timmermans também deixou claro que será necessário considerar a situação econômica em 2022, e não em 1992, em clara alusão à China, que passou por significativo crescimento econômico.
Ao comentar o possível fundo durante as negociações, o enviado especial do clima do governo chinês, Zhao Yingmin, se limitou a pedir que o Acordo de Paris - pacto climático assinado por 195 países em 2015 – não seja reescrito.
Também na sexta, o chanceler egípcio e presidente da COP-27, Sameh Choukri, afirmou que está preocupado com o número de assuntos que continuam pendentes no acordo, incluindo financiamento, adaptação, perdas e danos e mitigação. O chanceler enfatizou que os cerca de 200 países que fazem parte da cúpula precisam trabalhar para colocar fim ao encontro neste sábado.
Divisão
Para Bruno Toledo, observador do Clima Info nesta COP, a situação em que as negociações chegaram é preocupante para um último dia de evento. “Normalmente há textos circulando e esboços e hoje (sexta-feira) tivemos o texto de última hora, sem avanço substancial. Isso nos coloca muita pressão no sábado”, avalia.
Segundo ele, a proposta dividiu os países. “A proposta (de criar o fundo) não é exatamente nova, mas vindo da UE, que era contrária, é novidade. Houve algumas reações do G-77 contrárias, mas alguns países, especialmente os insulares, sinalizaram positivamente.”
A possibilidade de invadir o domingo não é pequena, diz Toledo. “Estamos correndo contra o tempo. A COP oficialmente já acabou e, se não tivermos um avanço no texto até sábado na hora do almoço, a possibilidade de ir pra o domingo aumenta significativamente.”
Um novo rascunho do acordo é esperado para a manhã do sábado e poucos apostam no que ele trará. O que não deve mudar é a posição dos Estados Unidos, contrários ao fundo e que acabaram isolados com a proposta da UE.
Para complicar ainda mais as negociações, John Kerry, o enviado para o clima do governo americano, testou positivo para covid-19 no fim da sexta-feira, de acordo com fontes de seu país.
O cenário global conturbado – diante das dificuldades econômicas impulsionadas pela pandemia do coronavírus e pela Guerra da Ucrânia, com a consequente crise de energia na Europa – também tem emperrado as negociações.
Sob críticas
Observadores internacionais apontam falta de liderança da presidência da cúpula, exercida pelo ministro Sameh Choukri. Segundo fonte ouvida pela reportagem, a organização deixa os debates muito “soltos”, o que atrasa as negociações. / COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS
*O REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DO INSTITUTO CLIMA E SOCIEDADE