Zerar desmatamento ilegal só em 2030 é inaceitável, diz ex-presidente da Sociedade Rural


Pedro de Camargo Neto vê falta de um plano claro do governo federal para conter a derrubada ilegal da floresta e cobra que a meta seja adiantada para 2025

Por Emilio Sant'Anna
Atualização:
Foto: Arquivo pessoal
Entrevista comPedro de Camargo Netoex-presidente da Sociedade Rural Brasileira

Pedro de Camargo Neto se distanciou da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais tradicionais entidades do agronegócio no Brasil, da qual ele foi presidente (1990 a 1993) vice (2017-2020). Isso ocorreu quando a SRB manifestou apoio a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente da gestão Jair Bolsonaro (PL). Após quatro anos em que a política ambiental do País perdeu espaço, ele foi um dos poucos representantes do agro a assinarem o manifesto pela democracia - e se queixou disso.

No primeiro ano de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na presidência da República e de Marina Silva à frente da pasta de Meio Ambiente, ele vê avanços no controle do desmatamento, mas vê também ações ainda aquém da necessidade. “Não é trivial, não é fácil. Mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém (na Cúpula do Clima das Nações Unidas de 2025) e estar com liderança”, diz Camargo Neto.

Na avaliação do pecuarista, o governo federal tem a obrigação de fazer mais. O desmatamento associado a fronteiras agrícolas, afirma, é problema de polícia e não resultado de uma ação do agro. Ele também classifica como inaceitável a ambição do governo de acabar com a derrubada da floresta - majoritariamente ilegal - apenas em 2030.

Árvores cortadas são queimadas na Amazônia no interior do Pará Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Leia a seguir sua entrevista:

O senhor tem defendido que o Brasil deve ser mais ambicioso nas suas metas climáticas. De que forma?

O Brasil vai para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) de 2025, em Belém. Ele se propôs a receber o mundo e quer chegar em Belém com liderança. Vai estar na Amazônia e se a Amazônia não estiver em ordem, não terá essa liderança. Neste ano, (o governo federal) fez muita coisa, houve um descontrole no governo Bolsonaro, mas tem muito a ser feito. Não é trivial, não é fácil, mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém e estar com liderança. E a liderança se constrói.

O Brasil não tem problema de matriz energética, muito pouco problema de combustível fóssil. Nosso problema se chama desmatamento. Temos de estar com nossa casa em ordem e a casa em ordem na Amazônia é (a questão do) desmatamento, que é basicamente ilegal. Tem dois ilegais aí: o ilegal do crime, que é grilagem, invasão de terra, reservas, extração de madeira irregular; e tem também o ilegal porque tem milhões de brasileiros vivendo lá que acabam fazendo o desmatamento por sobrevivência. E que também tinham de ser apoiados (para terem alternativas à ilegalidade). Acho que eles não estão com essa estratégia.

Por quê?

Eles apresentaram a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês, que é a meta que as nações apresentam para as Nações Unidas para reduzir emissões de gases de efeito estufa), que cada país apresenta a sua. E colocam que vão resolver o desmatamento em 2030 (isso consta nos anexos da NDC brasileira de 2015, retomada neste ano após retrocesso na meta na gestão passada). Isso é inaceitável a meu ver. Não pode chegar em 2025 e estar com a questão do desmatamento ilegal atrapalhando.

Mas para 2025 são pouco mais de dois anos. Ficamos, agora, pela 1ª vez em quatro anos, abaixo dos 10 mil km² de desmatamento na Amazônia. Que tipo de ação será necessária?

Neste ano, o governo (Lula) pegou um descontrole. O desmatamento cresceu na gestão Bolsonaro. O governo entrou e realmente fez cair no primeiro ano. A parte grossa é sempre mais fácil. Realmente fez, mas o que vejo é que se ele sentisse que está mais preparado, estaria informando isso e não está. O que está informando é sobre 2030. Dá para fazer mais. Tem a obrigação.

Cerca de 90% do desmate na Amazônia é ilegal e a floresta sente pressão das fronteiras agrícolas, como da pecuária e da soja. Como as atividades econômicas podem ser dissuadidas da ilegalidade?

Não é o setor produtivo que está desmatando. É o criminoso. É um argumento falho o que diz é o pecuarista, é a soja’. Não. É o criminoso. É a lei, é (com) a Polícia Federal. Crime é dissuadido com polícia. E você vê o posicionamento da CNA (Confederação Nacional da Agricultura): o que é ilegal é ilegal. Não tem mais essa permissividade, tem de enfrentar. Se alguém comete crime lá é problema da polícia, não do setor.

Falta um plano nacional de combate ao desmatamento mais abrangente?

A meu ver, falta. Depois de um ano, o governo fez muita coisa, mas não vejo um plano de aparelhamento para enfrentar os próximos passos. Tanto é que se compromete com 2030. Se tivesse um plano formal ou informal, estaria se comprometendo com uma data melhor. Vamos ficar ainda mais sete anos na ilegalidade? Se o governo Lula tem um plano secreto, se no ano que vem vai começar a acontecer um monte de coisa, não sei. Não posso saber o que é segredo. O que sei é o que está escrito. E o que está escrito é 2030.

O governo relançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (que já havia sido adotado por Marina a partir de 2004, na 1ª gestão Lula).

Que já funcionou no passado. Agora tem que funcionar melhor.

Mas agora há um outro componente: o crime organizado está muito mais forte e mais presente na Amazônia.

Resultado do garimpo. O crime organizado na Amazônia começa com o garimpo. O montante de dinheiro do garimpo é muito grande e ele corrompe a instituição local, se organiza. E daí rouba terra, rouba madeira, rouba o que for. E emite carbono.

Eu já escutei: ‘mas é o crime organizado, não tem o que fazer’. Não. Tem de tentar, tem de fazer. Tem desmatamento, mas hoje há mais satélites. Tem informação diária exata do que está acontecendo ali naquele momento. Tem de enfrentar, porque esse desmatamento não é em gramas, é em toneladas. São áreas em hectares, medidos em campos de futebol. O garimpo pode ser que seja mais difícil, mas tem de enfrentar também. O desmatamento é mais grosseiro, maior.

É possível zerar o desmate em dois anos mesmo com a presença do crime organizado?

Temos de enfrentar isso ou nos desmoralizamos. Tem de ser colocado como uma prioridade do País, até porque um setor pujante da economia (agropecuário) está sendo prejudicado. Basta ver a relação com a União Europeia.

Há espaço e tecnologia para o setor agrícola avançar na redução de emissões?

O Brasil já tem uma agricultura que é menos emissora. A soja e o plantio direto. É uma técnica conservacionista que emite menos e hoje os países estão copiando. O Brasil começou há 30 anos e hoje praticamente toda a soja é plantio direto. Temos uma agricultura que já vinha na rota do baixo carbono. Agora tem de acelerar, fazer mais. O próprio governo já lançou neste ano o Plano Safra com incentivos para baixo carbono e acho que vai continuar nessa rota que o setor caminha naturalmente. Por que fez plantio direto? Porque ganhou dinheiro com isso, não foi porque foi subsidiado, porque emitia menos carbono. Foi porque é eficiência produtiva.

Como avalia a exclusão do setor do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil?

Em nenhum país, tirando a Nova Zelândia, o mercado de carbono engloba a agricultura. Por que? O mercado foi idealizado pelos países desenvolvidos que tinham que reduzir as emissões de combustíveis fósseis. Caso não reduza, compensa do outro lado (comprando créditos de carbono de atividades que sequestram o gás). Ou reduz a produção, ou reduz o uso do combustível fóssil, ou compensa. Para a produção de alimentos, (essa lógica) não é válida, é de outra natureza. Não é assim. Ou produz menos carbono ou produz menos (alimento). Não queremos acabar com a produção de alimentos. No fundo, o produtor de alimentos tem de receber um crédito para emitir menos produzindo mais.

O acordo União Europeia-Mercosul emperrou na aprovação pelo Parlamento da UE de regras para vetar a importação de commodities ligadas ao desmate. Há descompasso entre as práticas do setor e a imagem que ele tem dentro e fora do Brasil?

Qual a imagem do Brasil lá fora? Tem desmatamento, não dá pra negar. Se estou falando que acho que o que foi feito este ano não é suficiente, imagina o europeu que não se sente responsável? Ele entra para bater mesmo. É uma questão comercial. E nisso tem protecionismo, sempre tem. O Brasil também é protecionista. Não é para agricultura, mas é para indústria. Mas demos moleza. Como? Permitindo o descontrole na Amazônia, algo que está no imaginário do mundo.

O que ocorreu na Amazônia nos últimos anos foi o que deu ambiente para conseguirem aprovar essa lei no Parlamento Europeu, com pouquíssima ação nossa. A legislação tramitou sem pressão do Brasil, dos exportadores brasileiros. E cá entre nós, o europeu aprovou o Green Deal - um pacto para a transição ecológica que visa a neutralidade climática até 2050 - e está reduzindo a agricultura deles. Você vê passeata de agricultores na Holanda, na Alemanha… O agricultor europeu está sendo pressionado e o Brasil está desmatando a Amazônia? Deixa correndo solto? A reação vem.

O senhor se refere especificamente aos quatro anos da gestão Bolsonaro?

É. Se não tivesse acontecido o que aconteceu nos últimos quatro anos, talvez não tivesse essa lei. Queimamos o filme. Minha preocupação e o meu posicionamento é mudar esse disco. Não dá para chegar em Belém (na COP) e ainda ter desmatamento ilegal.

Vendo as consequências dessa política ambiental para a economia, como explica por que parte substancial do setor agropecuário apoia Bolsonaro?

Todas as entidades estão condenando o desmatamento ilegal. Por que continuam gostando do Bolsonaro, eu não sei.

Incêndio em área da Floresta Amazônica em Rondônia. Foto: Bruno Kelly/REUTERS - 10/09/2019

Houve afastamento seu em relação ao pensamento da maior parte do setor.

O Brasil se polarizou. Eu, no 1º turno, declarei voto na Simone Tebet. Eu entendia que era uma terceira via, saía da polarização, das duas opções que não me atendiam. O mundo está polarizado. Não é só o Brasil. Na maior democracia do mundo, o (ex-presidente) Donald Trump esta aí. É emblemático. A polarização atrapalha muito. Tem de ter diálogo, cada um compreender o lado do outro e caminhar. Não é o que ocorre.

Infelizmente sai da SRB após falar em retrocesso ambiental. Declarei voto em Simone e me mandei. Não quero ficar, mas não mexe muito comigo. Quando houve o voto para apoiar o Salles, eu saí.

Qual o senhor acha que deve ser a solução para o Marco Temporal?

A questão indígena no Amazonas e em Santa Catarina (o caso em questão discutido pelo STF) não tem nada a ver uma com a outra. No Amazonas, a questão não é o marco. Na data da Constituição, não tinha ocupação (de não indígenas). Se perguntar ao indígena na Reserva Yanomami qual é problema dele, não é ampliar a reserva, é manter a que tem.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, que tem muitos casos. Um brasileiro que está lá, o governo incentivou o bisavô dele a ir para lá e há uma pendência de ampliação de reserva em cima da propriedade. O que faz? Tem uma linha que falava: não estava em 1988, paciência, perdeu.

E tem outra linha: lá tem, por exemplo, um cemitério indígena. Tem laudo da Funai, que nunca ninguém viu, que diz que tem cemitério indígena. Há uma centena de casos parecidos como esse em Mato Grosso do Sul.

Por quem?

Acho o seguinte: a sociedade quer construir uma estrada, ela indeniza. Ela tem direito de pegar a terra, se quer construir barragem, ela indeniza. Se quer oferecer à população indígena originária, indeniza - desde que o brasileiro que está lá, estiver de boa fé há muitos anos. Não é aquele proprietário que está lá há cem anos que deve pagar por isso, é a sociedade que deve indenizar.

Esses processos de aumento de reserva ficaram na mão de um laudo de um antropólogo da Funai. Na hora que o governo federal tiver de pagar, vão olhar com mais cuidado esses laudos.

Pedro de Camargo Neto se distanciou da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais tradicionais entidades do agronegócio no Brasil, da qual ele foi presidente (1990 a 1993) vice (2017-2020). Isso ocorreu quando a SRB manifestou apoio a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente da gestão Jair Bolsonaro (PL). Após quatro anos em que a política ambiental do País perdeu espaço, ele foi um dos poucos representantes do agro a assinarem o manifesto pela democracia - e se queixou disso.

No primeiro ano de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na presidência da República e de Marina Silva à frente da pasta de Meio Ambiente, ele vê avanços no controle do desmatamento, mas vê também ações ainda aquém da necessidade. “Não é trivial, não é fácil. Mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém (na Cúpula do Clima das Nações Unidas de 2025) e estar com liderança”, diz Camargo Neto.

Na avaliação do pecuarista, o governo federal tem a obrigação de fazer mais. O desmatamento associado a fronteiras agrícolas, afirma, é problema de polícia e não resultado de uma ação do agro. Ele também classifica como inaceitável a ambição do governo de acabar com a derrubada da floresta - majoritariamente ilegal - apenas em 2030.

Árvores cortadas são queimadas na Amazônia no interior do Pará Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Leia a seguir sua entrevista:

O senhor tem defendido que o Brasil deve ser mais ambicioso nas suas metas climáticas. De que forma?

O Brasil vai para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) de 2025, em Belém. Ele se propôs a receber o mundo e quer chegar em Belém com liderança. Vai estar na Amazônia e se a Amazônia não estiver em ordem, não terá essa liderança. Neste ano, (o governo federal) fez muita coisa, houve um descontrole no governo Bolsonaro, mas tem muito a ser feito. Não é trivial, não é fácil, mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém e estar com liderança. E a liderança se constrói.

O Brasil não tem problema de matriz energética, muito pouco problema de combustível fóssil. Nosso problema se chama desmatamento. Temos de estar com nossa casa em ordem e a casa em ordem na Amazônia é (a questão do) desmatamento, que é basicamente ilegal. Tem dois ilegais aí: o ilegal do crime, que é grilagem, invasão de terra, reservas, extração de madeira irregular; e tem também o ilegal porque tem milhões de brasileiros vivendo lá que acabam fazendo o desmatamento por sobrevivência. E que também tinham de ser apoiados (para terem alternativas à ilegalidade). Acho que eles não estão com essa estratégia.

Por quê?

Eles apresentaram a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês, que é a meta que as nações apresentam para as Nações Unidas para reduzir emissões de gases de efeito estufa), que cada país apresenta a sua. E colocam que vão resolver o desmatamento em 2030 (isso consta nos anexos da NDC brasileira de 2015, retomada neste ano após retrocesso na meta na gestão passada). Isso é inaceitável a meu ver. Não pode chegar em 2025 e estar com a questão do desmatamento ilegal atrapalhando.

Mas para 2025 são pouco mais de dois anos. Ficamos, agora, pela 1ª vez em quatro anos, abaixo dos 10 mil km² de desmatamento na Amazônia. Que tipo de ação será necessária?

Neste ano, o governo (Lula) pegou um descontrole. O desmatamento cresceu na gestão Bolsonaro. O governo entrou e realmente fez cair no primeiro ano. A parte grossa é sempre mais fácil. Realmente fez, mas o que vejo é que se ele sentisse que está mais preparado, estaria informando isso e não está. O que está informando é sobre 2030. Dá para fazer mais. Tem a obrigação.

Cerca de 90% do desmate na Amazônia é ilegal e a floresta sente pressão das fronteiras agrícolas, como da pecuária e da soja. Como as atividades econômicas podem ser dissuadidas da ilegalidade?

Não é o setor produtivo que está desmatando. É o criminoso. É um argumento falho o que diz é o pecuarista, é a soja’. Não. É o criminoso. É a lei, é (com) a Polícia Federal. Crime é dissuadido com polícia. E você vê o posicionamento da CNA (Confederação Nacional da Agricultura): o que é ilegal é ilegal. Não tem mais essa permissividade, tem de enfrentar. Se alguém comete crime lá é problema da polícia, não do setor.

Falta um plano nacional de combate ao desmatamento mais abrangente?

A meu ver, falta. Depois de um ano, o governo fez muita coisa, mas não vejo um plano de aparelhamento para enfrentar os próximos passos. Tanto é que se compromete com 2030. Se tivesse um plano formal ou informal, estaria se comprometendo com uma data melhor. Vamos ficar ainda mais sete anos na ilegalidade? Se o governo Lula tem um plano secreto, se no ano que vem vai começar a acontecer um monte de coisa, não sei. Não posso saber o que é segredo. O que sei é o que está escrito. E o que está escrito é 2030.

O governo relançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (que já havia sido adotado por Marina a partir de 2004, na 1ª gestão Lula).

Que já funcionou no passado. Agora tem que funcionar melhor.

Mas agora há um outro componente: o crime organizado está muito mais forte e mais presente na Amazônia.

Resultado do garimpo. O crime organizado na Amazônia começa com o garimpo. O montante de dinheiro do garimpo é muito grande e ele corrompe a instituição local, se organiza. E daí rouba terra, rouba madeira, rouba o que for. E emite carbono.

Eu já escutei: ‘mas é o crime organizado, não tem o que fazer’. Não. Tem de tentar, tem de fazer. Tem desmatamento, mas hoje há mais satélites. Tem informação diária exata do que está acontecendo ali naquele momento. Tem de enfrentar, porque esse desmatamento não é em gramas, é em toneladas. São áreas em hectares, medidos em campos de futebol. O garimpo pode ser que seja mais difícil, mas tem de enfrentar também. O desmatamento é mais grosseiro, maior.

É possível zerar o desmate em dois anos mesmo com a presença do crime organizado?

Temos de enfrentar isso ou nos desmoralizamos. Tem de ser colocado como uma prioridade do País, até porque um setor pujante da economia (agropecuário) está sendo prejudicado. Basta ver a relação com a União Europeia.

Há espaço e tecnologia para o setor agrícola avançar na redução de emissões?

O Brasil já tem uma agricultura que é menos emissora. A soja e o plantio direto. É uma técnica conservacionista que emite menos e hoje os países estão copiando. O Brasil começou há 30 anos e hoje praticamente toda a soja é plantio direto. Temos uma agricultura que já vinha na rota do baixo carbono. Agora tem de acelerar, fazer mais. O próprio governo já lançou neste ano o Plano Safra com incentivos para baixo carbono e acho que vai continuar nessa rota que o setor caminha naturalmente. Por que fez plantio direto? Porque ganhou dinheiro com isso, não foi porque foi subsidiado, porque emitia menos carbono. Foi porque é eficiência produtiva.

Como avalia a exclusão do setor do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil?

Em nenhum país, tirando a Nova Zelândia, o mercado de carbono engloba a agricultura. Por que? O mercado foi idealizado pelos países desenvolvidos que tinham que reduzir as emissões de combustíveis fósseis. Caso não reduza, compensa do outro lado (comprando créditos de carbono de atividades que sequestram o gás). Ou reduz a produção, ou reduz o uso do combustível fóssil, ou compensa. Para a produção de alimentos, (essa lógica) não é válida, é de outra natureza. Não é assim. Ou produz menos carbono ou produz menos (alimento). Não queremos acabar com a produção de alimentos. No fundo, o produtor de alimentos tem de receber um crédito para emitir menos produzindo mais.

O acordo União Europeia-Mercosul emperrou na aprovação pelo Parlamento da UE de regras para vetar a importação de commodities ligadas ao desmate. Há descompasso entre as práticas do setor e a imagem que ele tem dentro e fora do Brasil?

Qual a imagem do Brasil lá fora? Tem desmatamento, não dá pra negar. Se estou falando que acho que o que foi feito este ano não é suficiente, imagina o europeu que não se sente responsável? Ele entra para bater mesmo. É uma questão comercial. E nisso tem protecionismo, sempre tem. O Brasil também é protecionista. Não é para agricultura, mas é para indústria. Mas demos moleza. Como? Permitindo o descontrole na Amazônia, algo que está no imaginário do mundo.

O que ocorreu na Amazônia nos últimos anos foi o que deu ambiente para conseguirem aprovar essa lei no Parlamento Europeu, com pouquíssima ação nossa. A legislação tramitou sem pressão do Brasil, dos exportadores brasileiros. E cá entre nós, o europeu aprovou o Green Deal - um pacto para a transição ecológica que visa a neutralidade climática até 2050 - e está reduzindo a agricultura deles. Você vê passeata de agricultores na Holanda, na Alemanha… O agricultor europeu está sendo pressionado e o Brasil está desmatando a Amazônia? Deixa correndo solto? A reação vem.

O senhor se refere especificamente aos quatro anos da gestão Bolsonaro?

É. Se não tivesse acontecido o que aconteceu nos últimos quatro anos, talvez não tivesse essa lei. Queimamos o filme. Minha preocupação e o meu posicionamento é mudar esse disco. Não dá para chegar em Belém (na COP) e ainda ter desmatamento ilegal.

Vendo as consequências dessa política ambiental para a economia, como explica por que parte substancial do setor agropecuário apoia Bolsonaro?

Todas as entidades estão condenando o desmatamento ilegal. Por que continuam gostando do Bolsonaro, eu não sei.

Incêndio em área da Floresta Amazônica em Rondônia. Foto: Bruno Kelly/REUTERS - 10/09/2019

Houve afastamento seu em relação ao pensamento da maior parte do setor.

O Brasil se polarizou. Eu, no 1º turno, declarei voto na Simone Tebet. Eu entendia que era uma terceira via, saía da polarização, das duas opções que não me atendiam. O mundo está polarizado. Não é só o Brasil. Na maior democracia do mundo, o (ex-presidente) Donald Trump esta aí. É emblemático. A polarização atrapalha muito. Tem de ter diálogo, cada um compreender o lado do outro e caminhar. Não é o que ocorre.

Infelizmente sai da SRB após falar em retrocesso ambiental. Declarei voto em Simone e me mandei. Não quero ficar, mas não mexe muito comigo. Quando houve o voto para apoiar o Salles, eu saí.

Qual o senhor acha que deve ser a solução para o Marco Temporal?

A questão indígena no Amazonas e em Santa Catarina (o caso em questão discutido pelo STF) não tem nada a ver uma com a outra. No Amazonas, a questão não é o marco. Na data da Constituição, não tinha ocupação (de não indígenas). Se perguntar ao indígena na Reserva Yanomami qual é problema dele, não é ampliar a reserva, é manter a que tem.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, que tem muitos casos. Um brasileiro que está lá, o governo incentivou o bisavô dele a ir para lá e há uma pendência de ampliação de reserva em cima da propriedade. O que faz? Tem uma linha que falava: não estava em 1988, paciência, perdeu.

E tem outra linha: lá tem, por exemplo, um cemitério indígena. Tem laudo da Funai, que nunca ninguém viu, que diz que tem cemitério indígena. Há uma centena de casos parecidos como esse em Mato Grosso do Sul.

Por quem?

Acho o seguinte: a sociedade quer construir uma estrada, ela indeniza. Ela tem direito de pegar a terra, se quer construir barragem, ela indeniza. Se quer oferecer à população indígena originária, indeniza - desde que o brasileiro que está lá, estiver de boa fé há muitos anos. Não é aquele proprietário que está lá há cem anos que deve pagar por isso, é a sociedade que deve indenizar.

Esses processos de aumento de reserva ficaram na mão de um laudo de um antropólogo da Funai. Na hora que o governo federal tiver de pagar, vão olhar com mais cuidado esses laudos.

Pedro de Camargo Neto se distanciou da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais tradicionais entidades do agronegócio no Brasil, da qual ele foi presidente (1990 a 1993) vice (2017-2020). Isso ocorreu quando a SRB manifestou apoio a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente da gestão Jair Bolsonaro (PL). Após quatro anos em que a política ambiental do País perdeu espaço, ele foi um dos poucos representantes do agro a assinarem o manifesto pela democracia - e se queixou disso.

No primeiro ano de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na presidência da República e de Marina Silva à frente da pasta de Meio Ambiente, ele vê avanços no controle do desmatamento, mas vê também ações ainda aquém da necessidade. “Não é trivial, não é fácil. Mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém (na Cúpula do Clima das Nações Unidas de 2025) e estar com liderança”, diz Camargo Neto.

Na avaliação do pecuarista, o governo federal tem a obrigação de fazer mais. O desmatamento associado a fronteiras agrícolas, afirma, é problema de polícia e não resultado de uma ação do agro. Ele também classifica como inaceitável a ambição do governo de acabar com a derrubada da floresta - majoritariamente ilegal - apenas em 2030.

Árvores cortadas são queimadas na Amazônia no interior do Pará Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Leia a seguir sua entrevista:

O senhor tem defendido que o Brasil deve ser mais ambicioso nas suas metas climáticas. De que forma?

O Brasil vai para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) de 2025, em Belém. Ele se propôs a receber o mundo e quer chegar em Belém com liderança. Vai estar na Amazônia e se a Amazônia não estiver em ordem, não terá essa liderança. Neste ano, (o governo federal) fez muita coisa, houve um descontrole no governo Bolsonaro, mas tem muito a ser feito. Não é trivial, não é fácil, mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém e estar com liderança. E a liderança se constrói.

O Brasil não tem problema de matriz energética, muito pouco problema de combustível fóssil. Nosso problema se chama desmatamento. Temos de estar com nossa casa em ordem e a casa em ordem na Amazônia é (a questão do) desmatamento, que é basicamente ilegal. Tem dois ilegais aí: o ilegal do crime, que é grilagem, invasão de terra, reservas, extração de madeira irregular; e tem também o ilegal porque tem milhões de brasileiros vivendo lá que acabam fazendo o desmatamento por sobrevivência. E que também tinham de ser apoiados (para terem alternativas à ilegalidade). Acho que eles não estão com essa estratégia.

Por quê?

Eles apresentaram a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês, que é a meta que as nações apresentam para as Nações Unidas para reduzir emissões de gases de efeito estufa), que cada país apresenta a sua. E colocam que vão resolver o desmatamento em 2030 (isso consta nos anexos da NDC brasileira de 2015, retomada neste ano após retrocesso na meta na gestão passada). Isso é inaceitável a meu ver. Não pode chegar em 2025 e estar com a questão do desmatamento ilegal atrapalhando.

Mas para 2025 são pouco mais de dois anos. Ficamos, agora, pela 1ª vez em quatro anos, abaixo dos 10 mil km² de desmatamento na Amazônia. Que tipo de ação será necessária?

Neste ano, o governo (Lula) pegou um descontrole. O desmatamento cresceu na gestão Bolsonaro. O governo entrou e realmente fez cair no primeiro ano. A parte grossa é sempre mais fácil. Realmente fez, mas o que vejo é que se ele sentisse que está mais preparado, estaria informando isso e não está. O que está informando é sobre 2030. Dá para fazer mais. Tem a obrigação.

Cerca de 90% do desmate na Amazônia é ilegal e a floresta sente pressão das fronteiras agrícolas, como da pecuária e da soja. Como as atividades econômicas podem ser dissuadidas da ilegalidade?

Não é o setor produtivo que está desmatando. É o criminoso. É um argumento falho o que diz é o pecuarista, é a soja’. Não. É o criminoso. É a lei, é (com) a Polícia Federal. Crime é dissuadido com polícia. E você vê o posicionamento da CNA (Confederação Nacional da Agricultura): o que é ilegal é ilegal. Não tem mais essa permissividade, tem de enfrentar. Se alguém comete crime lá é problema da polícia, não do setor.

Falta um plano nacional de combate ao desmatamento mais abrangente?

A meu ver, falta. Depois de um ano, o governo fez muita coisa, mas não vejo um plano de aparelhamento para enfrentar os próximos passos. Tanto é que se compromete com 2030. Se tivesse um plano formal ou informal, estaria se comprometendo com uma data melhor. Vamos ficar ainda mais sete anos na ilegalidade? Se o governo Lula tem um plano secreto, se no ano que vem vai começar a acontecer um monte de coisa, não sei. Não posso saber o que é segredo. O que sei é o que está escrito. E o que está escrito é 2030.

O governo relançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (que já havia sido adotado por Marina a partir de 2004, na 1ª gestão Lula).

Que já funcionou no passado. Agora tem que funcionar melhor.

Mas agora há um outro componente: o crime organizado está muito mais forte e mais presente na Amazônia.

Resultado do garimpo. O crime organizado na Amazônia começa com o garimpo. O montante de dinheiro do garimpo é muito grande e ele corrompe a instituição local, se organiza. E daí rouba terra, rouba madeira, rouba o que for. E emite carbono.

Eu já escutei: ‘mas é o crime organizado, não tem o que fazer’. Não. Tem de tentar, tem de fazer. Tem desmatamento, mas hoje há mais satélites. Tem informação diária exata do que está acontecendo ali naquele momento. Tem de enfrentar, porque esse desmatamento não é em gramas, é em toneladas. São áreas em hectares, medidos em campos de futebol. O garimpo pode ser que seja mais difícil, mas tem de enfrentar também. O desmatamento é mais grosseiro, maior.

É possível zerar o desmate em dois anos mesmo com a presença do crime organizado?

Temos de enfrentar isso ou nos desmoralizamos. Tem de ser colocado como uma prioridade do País, até porque um setor pujante da economia (agropecuário) está sendo prejudicado. Basta ver a relação com a União Europeia.

Há espaço e tecnologia para o setor agrícola avançar na redução de emissões?

O Brasil já tem uma agricultura que é menos emissora. A soja e o plantio direto. É uma técnica conservacionista que emite menos e hoje os países estão copiando. O Brasil começou há 30 anos e hoje praticamente toda a soja é plantio direto. Temos uma agricultura que já vinha na rota do baixo carbono. Agora tem de acelerar, fazer mais. O próprio governo já lançou neste ano o Plano Safra com incentivos para baixo carbono e acho que vai continuar nessa rota que o setor caminha naturalmente. Por que fez plantio direto? Porque ganhou dinheiro com isso, não foi porque foi subsidiado, porque emitia menos carbono. Foi porque é eficiência produtiva.

Como avalia a exclusão do setor do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil?

Em nenhum país, tirando a Nova Zelândia, o mercado de carbono engloba a agricultura. Por que? O mercado foi idealizado pelos países desenvolvidos que tinham que reduzir as emissões de combustíveis fósseis. Caso não reduza, compensa do outro lado (comprando créditos de carbono de atividades que sequestram o gás). Ou reduz a produção, ou reduz o uso do combustível fóssil, ou compensa. Para a produção de alimentos, (essa lógica) não é válida, é de outra natureza. Não é assim. Ou produz menos carbono ou produz menos (alimento). Não queremos acabar com a produção de alimentos. No fundo, o produtor de alimentos tem de receber um crédito para emitir menos produzindo mais.

O acordo União Europeia-Mercosul emperrou na aprovação pelo Parlamento da UE de regras para vetar a importação de commodities ligadas ao desmate. Há descompasso entre as práticas do setor e a imagem que ele tem dentro e fora do Brasil?

Qual a imagem do Brasil lá fora? Tem desmatamento, não dá pra negar. Se estou falando que acho que o que foi feito este ano não é suficiente, imagina o europeu que não se sente responsável? Ele entra para bater mesmo. É uma questão comercial. E nisso tem protecionismo, sempre tem. O Brasil também é protecionista. Não é para agricultura, mas é para indústria. Mas demos moleza. Como? Permitindo o descontrole na Amazônia, algo que está no imaginário do mundo.

O que ocorreu na Amazônia nos últimos anos foi o que deu ambiente para conseguirem aprovar essa lei no Parlamento Europeu, com pouquíssima ação nossa. A legislação tramitou sem pressão do Brasil, dos exportadores brasileiros. E cá entre nós, o europeu aprovou o Green Deal - um pacto para a transição ecológica que visa a neutralidade climática até 2050 - e está reduzindo a agricultura deles. Você vê passeata de agricultores na Holanda, na Alemanha… O agricultor europeu está sendo pressionado e o Brasil está desmatando a Amazônia? Deixa correndo solto? A reação vem.

O senhor se refere especificamente aos quatro anos da gestão Bolsonaro?

É. Se não tivesse acontecido o que aconteceu nos últimos quatro anos, talvez não tivesse essa lei. Queimamos o filme. Minha preocupação e o meu posicionamento é mudar esse disco. Não dá para chegar em Belém (na COP) e ainda ter desmatamento ilegal.

Vendo as consequências dessa política ambiental para a economia, como explica por que parte substancial do setor agropecuário apoia Bolsonaro?

Todas as entidades estão condenando o desmatamento ilegal. Por que continuam gostando do Bolsonaro, eu não sei.

Incêndio em área da Floresta Amazônica em Rondônia. Foto: Bruno Kelly/REUTERS - 10/09/2019

Houve afastamento seu em relação ao pensamento da maior parte do setor.

O Brasil se polarizou. Eu, no 1º turno, declarei voto na Simone Tebet. Eu entendia que era uma terceira via, saía da polarização, das duas opções que não me atendiam. O mundo está polarizado. Não é só o Brasil. Na maior democracia do mundo, o (ex-presidente) Donald Trump esta aí. É emblemático. A polarização atrapalha muito. Tem de ter diálogo, cada um compreender o lado do outro e caminhar. Não é o que ocorre.

Infelizmente sai da SRB após falar em retrocesso ambiental. Declarei voto em Simone e me mandei. Não quero ficar, mas não mexe muito comigo. Quando houve o voto para apoiar o Salles, eu saí.

Qual o senhor acha que deve ser a solução para o Marco Temporal?

A questão indígena no Amazonas e em Santa Catarina (o caso em questão discutido pelo STF) não tem nada a ver uma com a outra. No Amazonas, a questão não é o marco. Na data da Constituição, não tinha ocupação (de não indígenas). Se perguntar ao indígena na Reserva Yanomami qual é problema dele, não é ampliar a reserva, é manter a que tem.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, que tem muitos casos. Um brasileiro que está lá, o governo incentivou o bisavô dele a ir para lá e há uma pendência de ampliação de reserva em cima da propriedade. O que faz? Tem uma linha que falava: não estava em 1988, paciência, perdeu.

E tem outra linha: lá tem, por exemplo, um cemitério indígena. Tem laudo da Funai, que nunca ninguém viu, que diz que tem cemitério indígena. Há uma centena de casos parecidos como esse em Mato Grosso do Sul.

Por quem?

Acho o seguinte: a sociedade quer construir uma estrada, ela indeniza. Ela tem direito de pegar a terra, se quer construir barragem, ela indeniza. Se quer oferecer à população indígena originária, indeniza - desde que o brasileiro que está lá, estiver de boa fé há muitos anos. Não é aquele proprietário que está lá há cem anos que deve pagar por isso, é a sociedade que deve indenizar.

Esses processos de aumento de reserva ficaram na mão de um laudo de um antropólogo da Funai. Na hora que o governo federal tiver de pagar, vão olhar com mais cuidado esses laudos.

Pedro de Camargo Neto se distanciou da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais tradicionais entidades do agronegócio no Brasil, da qual ele foi presidente (1990 a 1993) vice (2017-2020). Isso ocorreu quando a SRB manifestou apoio a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente da gestão Jair Bolsonaro (PL). Após quatro anos em que a política ambiental do País perdeu espaço, ele foi um dos poucos representantes do agro a assinarem o manifesto pela democracia - e se queixou disso.

No primeiro ano de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na presidência da República e de Marina Silva à frente da pasta de Meio Ambiente, ele vê avanços no controle do desmatamento, mas vê também ações ainda aquém da necessidade. “Não é trivial, não é fácil. Mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém (na Cúpula do Clima das Nações Unidas de 2025) e estar com liderança”, diz Camargo Neto.

Na avaliação do pecuarista, o governo federal tem a obrigação de fazer mais. O desmatamento associado a fronteiras agrícolas, afirma, é problema de polícia e não resultado de uma ação do agro. Ele também classifica como inaceitável a ambição do governo de acabar com a derrubada da floresta - majoritariamente ilegal - apenas em 2030.

Árvores cortadas são queimadas na Amazônia no interior do Pará Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Leia a seguir sua entrevista:

O senhor tem defendido que o Brasil deve ser mais ambicioso nas suas metas climáticas. De que forma?

O Brasil vai para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) de 2025, em Belém. Ele se propôs a receber o mundo e quer chegar em Belém com liderança. Vai estar na Amazônia e se a Amazônia não estiver em ordem, não terá essa liderança. Neste ano, (o governo federal) fez muita coisa, houve um descontrole no governo Bolsonaro, mas tem muito a ser feito. Não é trivial, não é fácil, mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém e estar com liderança. E a liderança se constrói.

O Brasil não tem problema de matriz energética, muito pouco problema de combustível fóssil. Nosso problema se chama desmatamento. Temos de estar com nossa casa em ordem e a casa em ordem na Amazônia é (a questão do) desmatamento, que é basicamente ilegal. Tem dois ilegais aí: o ilegal do crime, que é grilagem, invasão de terra, reservas, extração de madeira irregular; e tem também o ilegal porque tem milhões de brasileiros vivendo lá que acabam fazendo o desmatamento por sobrevivência. E que também tinham de ser apoiados (para terem alternativas à ilegalidade). Acho que eles não estão com essa estratégia.

Por quê?

Eles apresentaram a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês, que é a meta que as nações apresentam para as Nações Unidas para reduzir emissões de gases de efeito estufa), que cada país apresenta a sua. E colocam que vão resolver o desmatamento em 2030 (isso consta nos anexos da NDC brasileira de 2015, retomada neste ano após retrocesso na meta na gestão passada). Isso é inaceitável a meu ver. Não pode chegar em 2025 e estar com a questão do desmatamento ilegal atrapalhando.

Mas para 2025 são pouco mais de dois anos. Ficamos, agora, pela 1ª vez em quatro anos, abaixo dos 10 mil km² de desmatamento na Amazônia. Que tipo de ação será necessária?

Neste ano, o governo (Lula) pegou um descontrole. O desmatamento cresceu na gestão Bolsonaro. O governo entrou e realmente fez cair no primeiro ano. A parte grossa é sempre mais fácil. Realmente fez, mas o que vejo é que se ele sentisse que está mais preparado, estaria informando isso e não está. O que está informando é sobre 2030. Dá para fazer mais. Tem a obrigação.

Cerca de 90% do desmate na Amazônia é ilegal e a floresta sente pressão das fronteiras agrícolas, como da pecuária e da soja. Como as atividades econômicas podem ser dissuadidas da ilegalidade?

Não é o setor produtivo que está desmatando. É o criminoso. É um argumento falho o que diz é o pecuarista, é a soja’. Não. É o criminoso. É a lei, é (com) a Polícia Federal. Crime é dissuadido com polícia. E você vê o posicionamento da CNA (Confederação Nacional da Agricultura): o que é ilegal é ilegal. Não tem mais essa permissividade, tem de enfrentar. Se alguém comete crime lá é problema da polícia, não do setor.

Falta um plano nacional de combate ao desmatamento mais abrangente?

A meu ver, falta. Depois de um ano, o governo fez muita coisa, mas não vejo um plano de aparelhamento para enfrentar os próximos passos. Tanto é que se compromete com 2030. Se tivesse um plano formal ou informal, estaria se comprometendo com uma data melhor. Vamos ficar ainda mais sete anos na ilegalidade? Se o governo Lula tem um plano secreto, se no ano que vem vai começar a acontecer um monte de coisa, não sei. Não posso saber o que é segredo. O que sei é o que está escrito. E o que está escrito é 2030.

O governo relançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (que já havia sido adotado por Marina a partir de 2004, na 1ª gestão Lula).

Que já funcionou no passado. Agora tem que funcionar melhor.

Mas agora há um outro componente: o crime organizado está muito mais forte e mais presente na Amazônia.

Resultado do garimpo. O crime organizado na Amazônia começa com o garimpo. O montante de dinheiro do garimpo é muito grande e ele corrompe a instituição local, se organiza. E daí rouba terra, rouba madeira, rouba o que for. E emite carbono.

Eu já escutei: ‘mas é o crime organizado, não tem o que fazer’. Não. Tem de tentar, tem de fazer. Tem desmatamento, mas hoje há mais satélites. Tem informação diária exata do que está acontecendo ali naquele momento. Tem de enfrentar, porque esse desmatamento não é em gramas, é em toneladas. São áreas em hectares, medidos em campos de futebol. O garimpo pode ser que seja mais difícil, mas tem de enfrentar também. O desmatamento é mais grosseiro, maior.

É possível zerar o desmate em dois anos mesmo com a presença do crime organizado?

Temos de enfrentar isso ou nos desmoralizamos. Tem de ser colocado como uma prioridade do País, até porque um setor pujante da economia (agropecuário) está sendo prejudicado. Basta ver a relação com a União Europeia.

Há espaço e tecnologia para o setor agrícola avançar na redução de emissões?

O Brasil já tem uma agricultura que é menos emissora. A soja e o plantio direto. É uma técnica conservacionista que emite menos e hoje os países estão copiando. O Brasil começou há 30 anos e hoje praticamente toda a soja é plantio direto. Temos uma agricultura que já vinha na rota do baixo carbono. Agora tem de acelerar, fazer mais. O próprio governo já lançou neste ano o Plano Safra com incentivos para baixo carbono e acho que vai continuar nessa rota que o setor caminha naturalmente. Por que fez plantio direto? Porque ganhou dinheiro com isso, não foi porque foi subsidiado, porque emitia menos carbono. Foi porque é eficiência produtiva.

Como avalia a exclusão do setor do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil?

Em nenhum país, tirando a Nova Zelândia, o mercado de carbono engloba a agricultura. Por que? O mercado foi idealizado pelos países desenvolvidos que tinham que reduzir as emissões de combustíveis fósseis. Caso não reduza, compensa do outro lado (comprando créditos de carbono de atividades que sequestram o gás). Ou reduz a produção, ou reduz o uso do combustível fóssil, ou compensa. Para a produção de alimentos, (essa lógica) não é válida, é de outra natureza. Não é assim. Ou produz menos carbono ou produz menos (alimento). Não queremos acabar com a produção de alimentos. No fundo, o produtor de alimentos tem de receber um crédito para emitir menos produzindo mais.

O acordo União Europeia-Mercosul emperrou na aprovação pelo Parlamento da UE de regras para vetar a importação de commodities ligadas ao desmate. Há descompasso entre as práticas do setor e a imagem que ele tem dentro e fora do Brasil?

Qual a imagem do Brasil lá fora? Tem desmatamento, não dá pra negar. Se estou falando que acho que o que foi feito este ano não é suficiente, imagina o europeu que não se sente responsável? Ele entra para bater mesmo. É uma questão comercial. E nisso tem protecionismo, sempre tem. O Brasil também é protecionista. Não é para agricultura, mas é para indústria. Mas demos moleza. Como? Permitindo o descontrole na Amazônia, algo que está no imaginário do mundo.

O que ocorreu na Amazônia nos últimos anos foi o que deu ambiente para conseguirem aprovar essa lei no Parlamento Europeu, com pouquíssima ação nossa. A legislação tramitou sem pressão do Brasil, dos exportadores brasileiros. E cá entre nós, o europeu aprovou o Green Deal - um pacto para a transição ecológica que visa a neutralidade climática até 2050 - e está reduzindo a agricultura deles. Você vê passeata de agricultores na Holanda, na Alemanha… O agricultor europeu está sendo pressionado e o Brasil está desmatando a Amazônia? Deixa correndo solto? A reação vem.

O senhor se refere especificamente aos quatro anos da gestão Bolsonaro?

É. Se não tivesse acontecido o que aconteceu nos últimos quatro anos, talvez não tivesse essa lei. Queimamos o filme. Minha preocupação e o meu posicionamento é mudar esse disco. Não dá para chegar em Belém (na COP) e ainda ter desmatamento ilegal.

Vendo as consequências dessa política ambiental para a economia, como explica por que parte substancial do setor agropecuário apoia Bolsonaro?

Todas as entidades estão condenando o desmatamento ilegal. Por que continuam gostando do Bolsonaro, eu não sei.

Incêndio em área da Floresta Amazônica em Rondônia. Foto: Bruno Kelly/REUTERS - 10/09/2019

Houve afastamento seu em relação ao pensamento da maior parte do setor.

O Brasil se polarizou. Eu, no 1º turno, declarei voto na Simone Tebet. Eu entendia que era uma terceira via, saía da polarização, das duas opções que não me atendiam. O mundo está polarizado. Não é só o Brasil. Na maior democracia do mundo, o (ex-presidente) Donald Trump esta aí. É emblemático. A polarização atrapalha muito. Tem de ter diálogo, cada um compreender o lado do outro e caminhar. Não é o que ocorre.

Infelizmente sai da SRB após falar em retrocesso ambiental. Declarei voto em Simone e me mandei. Não quero ficar, mas não mexe muito comigo. Quando houve o voto para apoiar o Salles, eu saí.

Qual o senhor acha que deve ser a solução para o Marco Temporal?

A questão indígena no Amazonas e em Santa Catarina (o caso em questão discutido pelo STF) não tem nada a ver uma com a outra. No Amazonas, a questão não é o marco. Na data da Constituição, não tinha ocupação (de não indígenas). Se perguntar ao indígena na Reserva Yanomami qual é problema dele, não é ampliar a reserva, é manter a que tem.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, que tem muitos casos. Um brasileiro que está lá, o governo incentivou o bisavô dele a ir para lá e há uma pendência de ampliação de reserva em cima da propriedade. O que faz? Tem uma linha que falava: não estava em 1988, paciência, perdeu.

E tem outra linha: lá tem, por exemplo, um cemitério indígena. Tem laudo da Funai, que nunca ninguém viu, que diz que tem cemitério indígena. Há uma centena de casos parecidos como esse em Mato Grosso do Sul.

Por quem?

Acho o seguinte: a sociedade quer construir uma estrada, ela indeniza. Ela tem direito de pegar a terra, se quer construir barragem, ela indeniza. Se quer oferecer à população indígena originária, indeniza - desde que o brasileiro que está lá, estiver de boa fé há muitos anos. Não é aquele proprietário que está lá há cem anos que deve pagar por isso, é a sociedade que deve indenizar.

Esses processos de aumento de reserva ficaram na mão de um laudo de um antropólogo da Funai. Na hora que o governo federal tiver de pagar, vão olhar com mais cuidado esses laudos.

Pedro de Camargo Neto se distanciou da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais tradicionais entidades do agronegócio no Brasil, da qual ele foi presidente (1990 a 1993) vice (2017-2020). Isso ocorreu quando a SRB manifestou apoio a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente da gestão Jair Bolsonaro (PL). Após quatro anos em que a política ambiental do País perdeu espaço, ele foi um dos poucos representantes do agro a assinarem o manifesto pela democracia - e se queixou disso.

No primeiro ano de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na presidência da República e de Marina Silva à frente da pasta de Meio Ambiente, ele vê avanços no controle do desmatamento, mas vê também ações ainda aquém da necessidade. “Não é trivial, não é fácil. Mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém (na Cúpula do Clima das Nações Unidas de 2025) e estar com liderança”, diz Camargo Neto.

Na avaliação do pecuarista, o governo federal tem a obrigação de fazer mais. O desmatamento associado a fronteiras agrícolas, afirma, é problema de polícia e não resultado de uma ação do agro. Ele também classifica como inaceitável a ambição do governo de acabar com a derrubada da floresta - majoritariamente ilegal - apenas em 2030.

Árvores cortadas são queimadas na Amazônia no interior do Pará Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Leia a seguir sua entrevista:

O senhor tem defendido que o Brasil deve ser mais ambicioso nas suas metas climáticas. De que forma?

O Brasil vai para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) de 2025, em Belém. Ele se propôs a receber o mundo e quer chegar em Belém com liderança. Vai estar na Amazônia e se a Amazônia não estiver em ordem, não terá essa liderança. Neste ano, (o governo federal) fez muita coisa, houve um descontrole no governo Bolsonaro, mas tem muito a ser feito. Não é trivial, não é fácil, mas acho que eles não estão fazendo o necessário para chegar em Belém e estar com liderança. E a liderança se constrói.

O Brasil não tem problema de matriz energética, muito pouco problema de combustível fóssil. Nosso problema se chama desmatamento. Temos de estar com nossa casa em ordem e a casa em ordem na Amazônia é (a questão do) desmatamento, que é basicamente ilegal. Tem dois ilegais aí: o ilegal do crime, que é grilagem, invasão de terra, reservas, extração de madeira irregular; e tem também o ilegal porque tem milhões de brasileiros vivendo lá que acabam fazendo o desmatamento por sobrevivência. E que também tinham de ser apoiados (para terem alternativas à ilegalidade). Acho que eles não estão com essa estratégia.

Por quê?

Eles apresentaram a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês, que é a meta que as nações apresentam para as Nações Unidas para reduzir emissões de gases de efeito estufa), que cada país apresenta a sua. E colocam que vão resolver o desmatamento em 2030 (isso consta nos anexos da NDC brasileira de 2015, retomada neste ano após retrocesso na meta na gestão passada). Isso é inaceitável a meu ver. Não pode chegar em 2025 e estar com a questão do desmatamento ilegal atrapalhando.

Mas para 2025 são pouco mais de dois anos. Ficamos, agora, pela 1ª vez em quatro anos, abaixo dos 10 mil km² de desmatamento na Amazônia. Que tipo de ação será necessária?

Neste ano, o governo (Lula) pegou um descontrole. O desmatamento cresceu na gestão Bolsonaro. O governo entrou e realmente fez cair no primeiro ano. A parte grossa é sempre mais fácil. Realmente fez, mas o que vejo é que se ele sentisse que está mais preparado, estaria informando isso e não está. O que está informando é sobre 2030. Dá para fazer mais. Tem a obrigação.

Cerca de 90% do desmate na Amazônia é ilegal e a floresta sente pressão das fronteiras agrícolas, como da pecuária e da soja. Como as atividades econômicas podem ser dissuadidas da ilegalidade?

Não é o setor produtivo que está desmatando. É o criminoso. É um argumento falho o que diz é o pecuarista, é a soja’. Não. É o criminoso. É a lei, é (com) a Polícia Federal. Crime é dissuadido com polícia. E você vê o posicionamento da CNA (Confederação Nacional da Agricultura): o que é ilegal é ilegal. Não tem mais essa permissividade, tem de enfrentar. Se alguém comete crime lá é problema da polícia, não do setor.

Falta um plano nacional de combate ao desmatamento mais abrangente?

A meu ver, falta. Depois de um ano, o governo fez muita coisa, mas não vejo um plano de aparelhamento para enfrentar os próximos passos. Tanto é que se compromete com 2030. Se tivesse um plano formal ou informal, estaria se comprometendo com uma data melhor. Vamos ficar ainda mais sete anos na ilegalidade? Se o governo Lula tem um plano secreto, se no ano que vem vai começar a acontecer um monte de coisa, não sei. Não posso saber o que é segredo. O que sei é o que está escrito. E o que está escrito é 2030.

O governo relançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (que já havia sido adotado por Marina a partir de 2004, na 1ª gestão Lula).

Que já funcionou no passado. Agora tem que funcionar melhor.

Mas agora há um outro componente: o crime organizado está muito mais forte e mais presente na Amazônia.

Resultado do garimpo. O crime organizado na Amazônia começa com o garimpo. O montante de dinheiro do garimpo é muito grande e ele corrompe a instituição local, se organiza. E daí rouba terra, rouba madeira, rouba o que for. E emite carbono.

Eu já escutei: ‘mas é o crime organizado, não tem o que fazer’. Não. Tem de tentar, tem de fazer. Tem desmatamento, mas hoje há mais satélites. Tem informação diária exata do que está acontecendo ali naquele momento. Tem de enfrentar, porque esse desmatamento não é em gramas, é em toneladas. São áreas em hectares, medidos em campos de futebol. O garimpo pode ser que seja mais difícil, mas tem de enfrentar também. O desmatamento é mais grosseiro, maior.

É possível zerar o desmate em dois anos mesmo com a presença do crime organizado?

Temos de enfrentar isso ou nos desmoralizamos. Tem de ser colocado como uma prioridade do País, até porque um setor pujante da economia (agropecuário) está sendo prejudicado. Basta ver a relação com a União Europeia.

Há espaço e tecnologia para o setor agrícola avançar na redução de emissões?

O Brasil já tem uma agricultura que é menos emissora. A soja e o plantio direto. É uma técnica conservacionista que emite menos e hoje os países estão copiando. O Brasil começou há 30 anos e hoje praticamente toda a soja é plantio direto. Temos uma agricultura que já vinha na rota do baixo carbono. Agora tem de acelerar, fazer mais. O próprio governo já lançou neste ano o Plano Safra com incentivos para baixo carbono e acho que vai continuar nessa rota que o setor caminha naturalmente. Por que fez plantio direto? Porque ganhou dinheiro com isso, não foi porque foi subsidiado, porque emitia menos carbono. Foi porque é eficiência produtiva.

Como avalia a exclusão do setor do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil?

Em nenhum país, tirando a Nova Zelândia, o mercado de carbono engloba a agricultura. Por que? O mercado foi idealizado pelos países desenvolvidos que tinham que reduzir as emissões de combustíveis fósseis. Caso não reduza, compensa do outro lado (comprando créditos de carbono de atividades que sequestram o gás). Ou reduz a produção, ou reduz o uso do combustível fóssil, ou compensa. Para a produção de alimentos, (essa lógica) não é válida, é de outra natureza. Não é assim. Ou produz menos carbono ou produz menos (alimento). Não queremos acabar com a produção de alimentos. No fundo, o produtor de alimentos tem de receber um crédito para emitir menos produzindo mais.

O acordo União Europeia-Mercosul emperrou na aprovação pelo Parlamento da UE de regras para vetar a importação de commodities ligadas ao desmate. Há descompasso entre as práticas do setor e a imagem que ele tem dentro e fora do Brasil?

Qual a imagem do Brasil lá fora? Tem desmatamento, não dá pra negar. Se estou falando que acho que o que foi feito este ano não é suficiente, imagina o europeu que não se sente responsável? Ele entra para bater mesmo. É uma questão comercial. E nisso tem protecionismo, sempre tem. O Brasil também é protecionista. Não é para agricultura, mas é para indústria. Mas demos moleza. Como? Permitindo o descontrole na Amazônia, algo que está no imaginário do mundo.

O que ocorreu na Amazônia nos últimos anos foi o que deu ambiente para conseguirem aprovar essa lei no Parlamento Europeu, com pouquíssima ação nossa. A legislação tramitou sem pressão do Brasil, dos exportadores brasileiros. E cá entre nós, o europeu aprovou o Green Deal - um pacto para a transição ecológica que visa a neutralidade climática até 2050 - e está reduzindo a agricultura deles. Você vê passeata de agricultores na Holanda, na Alemanha… O agricultor europeu está sendo pressionado e o Brasil está desmatando a Amazônia? Deixa correndo solto? A reação vem.

O senhor se refere especificamente aos quatro anos da gestão Bolsonaro?

É. Se não tivesse acontecido o que aconteceu nos últimos quatro anos, talvez não tivesse essa lei. Queimamos o filme. Minha preocupação e o meu posicionamento é mudar esse disco. Não dá para chegar em Belém (na COP) e ainda ter desmatamento ilegal.

Vendo as consequências dessa política ambiental para a economia, como explica por que parte substancial do setor agropecuário apoia Bolsonaro?

Todas as entidades estão condenando o desmatamento ilegal. Por que continuam gostando do Bolsonaro, eu não sei.

Incêndio em área da Floresta Amazônica em Rondônia. Foto: Bruno Kelly/REUTERS - 10/09/2019

Houve afastamento seu em relação ao pensamento da maior parte do setor.

O Brasil se polarizou. Eu, no 1º turno, declarei voto na Simone Tebet. Eu entendia que era uma terceira via, saía da polarização, das duas opções que não me atendiam. O mundo está polarizado. Não é só o Brasil. Na maior democracia do mundo, o (ex-presidente) Donald Trump esta aí. É emblemático. A polarização atrapalha muito. Tem de ter diálogo, cada um compreender o lado do outro e caminhar. Não é o que ocorre.

Infelizmente sai da SRB após falar em retrocesso ambiental. Declarei voto em Simone e me mandei. Não quero ficar, mas não mexe muito comigo. Quando houve o voto para apoiar o Salles, eu saí.

Qual o senhor acha que deve ser a solução para o Marco Temporal?

A questão indígena no Amazonas e em Santa Catarina (o caso em questão discutido pelo STF) não tem nada a ver uma com a outra. No Amazonas, a questão não é o marco. Na data da Constituição, não tinha ocupação (de não indígenas). Se perguntar ao indígena na Reserva Yanomami qual é problema dele, não é ampliar a reserva, é manter a que tem.

Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, que tem muitos casos. Um brasileiro que está lá, o governo incentivou o bisavô dele a ir para lá e há uma pendência de ampliação de reserva em cima da propriedade. O que faz? Tem uma linha que falava: não estava em 1988, paciência, perdeu.

E tem outra linha: lá tem, por exemplo, um cemitério indígena. Tem laudo da Funai, que nunca ninguém viu, que diz que tem cemitério indígena. Há uma centena de casos parecidos como esse em Mato Grosso do Sul.

Por quem?

Acho o seguinte: a sociedade quer construir uma estrada, ela indeniza. Ela tem direito de pegar a terra, se quer construir barragem, ela indeniza. Se quer oferecer à população indígena originária, indeniza - desde que o brasileiro que está lá, estiver de boa fé há muitos anos. Não é aquele proprietário que está lá há cem anos que deve pagar por isso, é a sociedade que deve indenizar.

Esses processos de aumento de reserva ficaram na mão de um laudo de um antropólogo da Funai. Na hora que o governo federal tiver de pagar, vão olhar com mais cuidado esses laudos.

Entrevista por Emilio Sant'Anna

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