Doaa Gawish é uma empresária poderosa. Já apareceu na Forbes, Vogue, New York Times e por aí vai. Tudo porque ela confronta uma ideia incrustada na sociedade do Egito há muito tempo: a de que as mulheres ficam mais bonitas de cabelo liso invés do cabelo natural.
Anos atrás ela começou uma comunidade nas redes sociais para trocar ideia sobre o assunto - a The Hair Addict. Em suas conversas, Doaa sentiu uma mudança de mentalidade nas mulheres que começaram a demonstrar um desejo por deixar seus cabelos naturais, mas faltavam os produtos. A partir daí, ela decidiu criar uma linha de shampoos, condicionadores, cremes, acessórios que hoje faz o maior sucesso com as cacheadas. Um movimento pelo cabelo natural que vem se alastrando pelo país.
"Eu acho que sempre fomos fascinadas pela cultura ocidental. Isso vem de séculos atrás".
Quando vemos uma mulher que achamos bonita é porque ela tem características de uma mulher ocidental e não as nossas características. Nós nascemos e crescemos de acordo com esses padrões de beleza e nunca os questionamos. A maioria das pessoas não gostam de cabelo enrolado apesar de 99% das pessoas nascerem assim aqui no Egito. Elas acham que o cabelo tem que ser liso pra ser bonito".
A pressão pelo cabelo liso faz parte do dia a dia das mulheres do Egito. O preconceito acontece no mercado de trabalho, na família, entre as amigas. Fica difícil quebrar padrões quando você cresce vendo comerciais de TV cheios de produtos de alisamento, fotos de mulheres de cabelo liso espalhados pela cidade e até os filmes que sempre retrataram Cleópatra, a mais famosa das egípcias, quem diria, de cabelo liso.
"Na verdade, quando eles transferiram as múmias de lugar recentemente, nós descobrimos que o cabelo delas era principalmente enrolado. Ou seja, nós temos o cabelo enrolado como os antigos egípcios"
O movimento iniciado por Doaa não é algo isolado no país. Faz parte de uma mudança de pensamento que, apesar de ainda relativamente pequena, vem ganhando força e, como resultado, atraindo mais mulheres com poder de mudança, como é o caso da Sara Safwat.
Quando Sara decidiu parar de alisar o cabelo e deixar os belíssimos cachos naturais aflorarem, ela descobriu que não havia ninguém no Cairo especializado neste tipo de cabelo. Isso mesmo, em um país onde a maioria das mulheres naturalmente têm os cabelos cacheados, não havia ninguém que soubesse cuidar deles em todo o país. Isso dá um pouco da dimensão da força que esse padrão de beleza tem por lá. Para encontrar um cabeleireiro que deixasse o cabelo do jeito que ela queria, Sara teve que voar até a Itália e foi aí que ela teve a ideia de abrir o primeiro salão para cabelos cacheados do Egito, o The Curly Studio.
"Quando eu recuperei os meus cachos, comecei a chorar. Eu não conseguia acreditar. Eu conseguia ver meus cachos. Sou eu. Estou de volta", diz Sara.
E esse movimento pelo cabelo natural não é uma modinha da internet causada por jovens egípcias privilegiadas. Ela está em todo lugar.
"Hoje eu tenho clientes de todas as classes sociais e de todas as idades. Tenho inclusive clientes mais velhas de 60 anos que querem assumir o cabelo grisalho e enrolado"
Para quem achava que a história do Egito é antiga, é bom saber que aparentemente ela ainda está sendo escrita. E por mulheres.
Assista a entrevista com Doaa Gawish e Sara Safwat
Amanda Noventa viajou para o Egito com o apoio da Air France que possui voos diários para o Cairo.
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