O mais perto que cheguei de ser patinadora no gelo foi com uma fantasia de Carnaval no Rio, que minha mãe fez para mim inspirada na vitrine da Casa Turuna; todo ano íamos ao Saara para ver as novidades e pensar no tema para a próxima folia. Com esse trio escaldante na introdução do texto – Carnaval, Rio e Saara –, fica claro que não sou uma praticante de esportes de neve desde criancinha. Uma ida a Bariloche, como lembrei outro dia na minha participação na Rádio Eldorado falando sobre Argentina, foi o máximo de contato com a neve, aos 5 anos de idade.
Depois disso, só tive uns anos morando em Nova York e várias competições vistas pela televisão. A parte dos patins até hoje continua sendo a minha favorita na Olimpíada de Inverno, como a que está sendo realizada em Pequim até 20 de fevereiro.
Não entendo nada de esportes de neve, mas sempre que posso me arrisco a praticar algum deles, e no Canadá as oportunidades são muitas para isso. Nem todos são modalidades olímpicas. Já fiz, por exemplo, aula de esqui em Whistler (British Columbia), patinação no gelo em Toronto e snowshoeing nas Montanhas Rochosas (Alberta). Para se planejar, leia sobre viagem ao Canadá e covid: vacinas, PCR e regras de entrada.
De fato, não sou nenhuma atleta, o que não impede ninguém de reconhecer que sou esforçada. Dois dias depois de uma nevasca que cobriu Montréal de branco e levou a uma corrida de tratores nas ruas, cheguei à cidade da província francesa de Québec com a missão de entender o que fazer no inverno do Canadá. Para aumentar o grau de dificuldade da maratona, a província estava sob regras mais rígidas do que o restante do país, por causa da ômicron.
Não se podia sentar nos cafés e nos restaurantes, e as atrações fechadas tiveram seu funcionamento suspenso. As temperaturas negativas no leste do Canadá costumam assustar muita gente. No entanto, tudo fica mais aceitável se você tiver feito uma boa mala de viagem de inverno, com peças apropriadas ao nível de frio enfrentado (lá casacos e botas são comprados para suportar até tantos graus negativos), e se você fizer pausas em ambientes com calefação, por exemplo, para tomar um chocolate quente ou aproveitar um gostoso almoço.
Sem essa possibilidade, o jeito foi partir para o sacrifício e enfrentar a neve até o suportável, diante de 25 graus negativos. Minha bota pediu arrego. Pouquíssimo usada, provavelmente ressecou guardada em São Paulo. Assim, não deve ter aguentado o poder do sal jogado aos montes na neve do Canadá, para ajudar a derreter o gelo mais rapidamente.
Enquanto eu não encontrava minha irmã que mora no Canadá para pegar uma emprestada com ela, Carla me indicou passar numa farmácia atrás de crampons, para pôr embaixo da outra bota que eu tinha levado. As molinhas presas sob ela impediram que escorregasse com facilidade na neve (cuidado em ambientes internos com piso sem carpete, porque aí desliza mais ainda). É uma ótima dica, especialmente se seu calçado for impermeável, o que, acabei descobrindo na prática, o meu não era.
Ou seja, eu era a própria atleta amadora ao estilo brasileiro, com verba limitada e carente de treinos e equipamentos. Uma ida ao Dollarama – loja popular, de preços muito baixos, que faz muito sucesso com brasileiros atrás de lembrancinhas e de utensílios domésticos – garantiu aquecimento correto para minha cabeça, meu pescoço e minhas mãos.
Para mim, o maior segredo para enfrentar o inverno do Canadá está aí: agasalhar as extremidades. Comprei tudo forrado com uma camada peludinha. Para as mãos, fui de mittens, que parecem aquelas luvas de bebê, nas quais os dedinhos ficam juntos no mesmo buraco. Nos mittens, só os polegares têm direto a um compartimento próprio.
Com o uniforme correto garantido, você já pode experimentar em Montréal algumas das modalidades da Olimpíada de Inverno. Outras não estão nas competições olímpicas, mas, sim, no dia a dia de quem vive num lugar de muita neve a cada início de ano. Para se aventurar em qualquer uma delas, não é necessário buscar um centro de esportes de neve perto da maior cidade do Canadá francês. Dentro de Montréal, dá para tentar:
Patinação no gelo (patinage)
Ninguém precisa se preocupar com outfit – fantasias de patinadoras, aliás, são mais úteis no Carnaval brasileiro. Tampouco, com os equipamentos. Empresas como a Patin Patin alugam patins em três pontos da cidade até o início de março: Vieux-Port, Parc Jean-Drapeau e Parc La Fontaine. O site já anuncia em breve novo ponto, no Quartier des Spectacles, a partir de 21 de fevereiro. Os preços por hora começam em CAD$ 10,87 para os patins.
De todos os lugares, a pista no velho porto é a mais instramável. Fica embaixo da roda-gigante, à noite iluminada com cores vibrantes. Assim como ocorreu com restaurantes e bares, La Grande Roue de Montréal reabriu e pode render um passeio com voltinha pelos ares e deslize no gelo (com ou sem tombo).
Esqui cross-country (ski de fond)
O esqui cross-country ou de fundo já estava na moda no Canadá nos anos anteriores à pandemia. Com o avanço da vacinação no país e a chegada do inverno novamente, a tendência voltou com tudo. Há trilhas e aluguel de equipamento em parques como o Mont-Royal, aos pés do monte que deu origem ao nome da cidade, e o Jean-Drapeau, onde fica o Circuito Gilles-Villeneuve da Fórmula 1. Nos dois, aliás, é possível praticar diversas modalidades de neve.
Pensando no espaço plano que se tem no Parc Jean-Drapeau, faz todo sentido percorrer as trilhas praticando esqui cross-country; o aluguel do set completo para esquiar sai por CAD$ 22.
Esqui (ski alpin) e snowboard
Mais recentemente, me interessei também em ver as competições da Olimpíada de Inverno de esqui alpino e de saltos com snowboard. Acho lindo demais, e deve ser uma sensação maravilhosa a de praticamente voar sobre a neve. Durante este inverno, uma rampa para esqui e snowboard foi montada no Parque Olímpico de Montréal. Essa, porém, é para quem sabe de fato descer. Não há aluguel de equipamentos no Parc de Rails Dillon Ojo, patrocinado pela Vans.
Snowshoeing (raquette)
Não está na Olimpíada, mas é o que eu mais curto fazer na neve. Andar no gelo com aquele acessório grandão sob os pés é algo bem esquisito a princípio, mas que você se acostuma depois. Queima energia, com certeza. Porém não é preciso ter conhecimento prévio ou grande equilíbrio, como a patinação e o esqui exigem. Subir montanha é mais puxado, mas o snowshoe tem umas garras para ajudar na aderência à neve.
No Parc Mont-Royal, a associação Les Amis de La Montagne gerencia uma série de atividades no parque e aluga equipamentos para a prática de esportes de inverno. Duas horas de um par para snowshoeing custam CAD$ 14 para adultos e CAD$ 12 para crianças não residentes de Montréal.
Bike para neve (vélo d'hiver)
No Parc Jean-Drapeau, também há aluguel de bicicletas com pneus de neve, aqueles mais gordinhos; uma hora por CAD$ 25. Está dado o recado caso alguém se habilite a tentar, mas não consigo nem imaginar a força exigida da panturrilha para conseguir pedalar no gelo.
Trenó (glissade)
Escorregar na neve é uma brincadeira de criança bem comum no inverno do Canadá. Meus sobrinhos Julia (11 anos) e Rafael (8 anos) gostam dessa atividade e têm um trenó próprio. Podem ir ao Jean-Drapeau para usá-lo. Quem precisa alugar um pode ir ao Parc Mont-Royal. Lá, a associação amiga da montanha oferece trenós, com preço por dia: crianças de 4 a 11 anos pagam CAD$ 6; acima de 12 anos até adultos, CAD$ 10.
Curling
Esse esporte é mais complicado de se aprender numa viagem, de se experimentar como um momento de diversão, como quem joga bocha ou boliche. Você até pode juntar seu grupo de viagem para alugar uma pista, mas a brincadeira pode sair cara demais. No Montreal West Curling Club, por exemplo, duas horas de pista saem por CAD$ 200.
Em Montréal o curling é praticado em clubes, que incentivam iniciantes que possam se tornar associados a aprender o esporte da vassourinha no gelo. Um deles é o tradicional Royal Montreal Curling Club, que se intitula o mais antigo club de esportes da América do Norte. Mas, no dia a dia do inverno, a vassourinha mais usada pelos moradores de Montréal é mesmo a de limpar a neve dos vidros do carro.
Hóquei (hockey)
Ver hóquei no Canadá também é fácil, seja nos parques ou nos estádios. Eu já vi dos dois jeitos. No Parc La Fontaine, a meninada ocupa as quadras para bater suas peladas geladas. Já vi também o Canadiens de Montréal, time da cidade e um dos mais antigos do país, jogar no Centre-Bell. Se você quiser fazer o mesmo, fique de olho nos ingressos para comprar com antecedência.
Antes da pandemia, esgotavam facilmente para a temporada inteira. Mas agora eu vi ingressos à venda na página do Canadiens de Montréal na National Hockey League (NHL). O preço muda de acordo com a partida. Para o clássico do Canadiens contra o Toronto Maple Leafs, em 26 de março, sai a partir de CAD$ 117, incluindo taxas.
Ver um jogo do Canadiens, aliás, foi uma das experiências locais que a minha irmã quis me mostrar do seu universo canadense, numa viagem minha há cinco anos. Outra foi pescar no gelo. Sim, nessa recente ida a Québec, até isso eu fiz. O cara abre os buracos no chão com uma britadeira. A parte de esperar o peixe aparecer não é muito comigo não. Prefiro o mundo zen da massagem.
Fazer guerra de bolinhas de neve com meu sobrinho Rafael foi mais divertido. Também curti subir e descer, numa das gangorras sobre o gelo do Quartier des Spectables. Estive nessa região, em Downtown, com meu outro sobrinho, o Caio, já com 26 anos. Fomos conferir a 12ª edição do Luminothéraphie, festival de luzes ao ar livre no inverno.
dorei as experiências, por conhecer mais um pouco do Canadá e o mundo da minha família que mora lá. Entretanto, meus esportes preferidos estão mesmo ligados a bem-estar e gastronomia – veja minhas dicas de onde comer em Montréal as delícias de comida de rua da cidade. Já que dessa vez os restaurantes estavam trabalhando apenas com entrega e retirada, eu tive de focar apenas no setor corpo-mente.
Em matéria de relaxamento, algo bem útil aos atletas de temporada também, a massagem com pedras quentes do Moment Spa, do hotel de luxo Fairmont Le Reine Elizabeth, supera as expectativas. O óleo morninho sobre a pele com a fricção das pedras alongando os músculos me deixou tão relaxada que eu repetiria toda a maratona na neve só de pretexto.
Aproveitei para descansar mais na volta ao Brasil. Diferentemente das outras vezes em que estive no Canadá, não precisei fazer conexão em Toronto para pegar o avião para casa. Desde dezembro, a Air Canada retomou regularmente seu voo direto entre São Paulo e Montréal.
Sites para informações
Parc Mont-Royal (Les Amis de La Montagne)