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Opinião | A necessidade de regras claras para o ITCMD

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Por Gabriela Gomes de Andrade, Rogério Fedele e Henrique Paslar
Atualização:

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD ou ITCD) é um tributo brasileiro que incide sobre a transferência de bens por herança (transmissão “causa mortis”) e doações. A base legal de referido imposto está prevista no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal de 1988, que atribui aos estados e ao Distrito Federal a competência à respectiva instituição.

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Essa competência constitucional permite aos estados e ao Distrito Federal legislar sobre a matéria, estabelecendo suas alíquotas e as regras para a cobrança do ITCMD. Dessa forma, como cada unidade federativa possui certa autonomia sobre o imposto, é possível verificar variações significativas nas alíquotas e nas isenções concedidas.

O ITCMD desempenha um papel importante na arrecadação de recursos pelos estados e pelo DF, contribuindo para o financiamento de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, segurança e outras áreas de interesse. Além disso, o objetivo desse imposto é promover a justiça fiscal, ao tributar a transferência de patrimônio de forma progressiva, de acordo com o valor dos bens transmitidos.

No entanto, quando se trata da tributação de bens localizados fora do território nacional, surgem questões de competência tributária que requerem uma legislação específica e uniforme em todo o País, uma vez que existindo o fato gerador para tal cobrança, se deve regular qual será o Estado competente para tanto.

A Constituição Federal, no artigo 155, § 1º, inciso III, prevê que cabe à lei complementar regular as limitações do poder de tributar, inclusive no que diz respeito à definição de competência tributária em relação aos impostos estaduais. Portanto, para tratar da tributação de bens localizados no exterior pelo ITCMD, se faz necessária uma lei complementar para estabelecer os critérios, procedimentos e alíquotas aplicáveis a essa situação específica.

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Além disso, tal lei complementar poderia prever mecanismos de cooperação internacional para a troca de informações fiscais e o combate à evasão fiscal em transmissões de bens no exterior.

Assim, sem a existência de uma lei complementar que discipline a tributação dos bens localizados no exterior pelo ITCMD, as leis estaduais que versam sobre o imposto se encontram limitadas em sua aplicação. Isso porque, as leis estaduais, por si só, não possuem respaldo constitucional para instituir normas que extrapolam os limites territoriais do Estado.

Dessa forma, as legislações estaduais ficam restritas à tributação apenas dos bens situados dentro de seus respectivos territórios, gerando uma lacuna legislativa.

Essa lacuna pode trazer incertezas jurídicas e dificuldades práticas para a cobrança do imposto sobre transmissões de bens localizados no exterior, além de gerar interpretações diversas por parte dos estados, resultando em tratamentos tributários discrepantes e, eventualmente, desproporcionais aos contribuintes.

Na prática, frequentemente, os contribuintes se veem obrigados a buscar um provimento judicial para resguardar o seu direto da não incidência do ITCMD sobre transmissões de bens localizados no exterior pois, embora inexista a lei complementar, muitos estados editaram leis estaduais para prever a incidência do referido imposto.

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O assunto ganhou tamanha proporção ao longo dos últimos anos que chegou ao Supremo Tributal Federal, onde foi firmado o entendimento no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 851108, Tema 825 da Repercussão Geral, fixando a tese “da impossibilidade de os estados e o Distrito Federal instituírem o ITCMD nas doações e heranças no exterior sem a edição de lei complementar nacional sobre a matéria, conforme estabelece o artigo 155 da Constituição Federal.

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Apesar da referida lei complementar nunca ter sido editada, em 20/12/2023 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 132/23 (EC nº132) introduzindo mudanças significativas no sistema tributário brasileiro, especialmente no tocante à tributação sobre o consumo, mas, também, referente à cobrança de ITCMD em doações e heranças de bens no exterior.

Segundo o Art. 16, da Emenda Constitucional nº 132, até que a Lei Complementar prevista no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal seja editada pelo Congresso Nacional, os estados e o Distrito Federal estão autorizados a cobrar o ITCMD sobre doações de bens e direito cujo doador resida ou tenha domicílio no exterior e transmissões causa mortis de bens lá situados.

Na mesma linha, doações e sucessões de bens imóveis, têm como competência de cobrança o estado onde está situado o bem. Já nas doações realizadas por doador residente no exterior, terá competência para cobrar o ITCMD o estado onde resida o donatário ou, caso o donatário possua residência ou domicílio no exterior, aquele estado onde se situar o bem.

Em relação aos bens transmitidos por sucessão, ainda que localizados no exterior, competirá ao estado onde o de cujus era domiciliado ou, quando residente ou domiciliado no exterior, ao domicílio do sucessor ou legatário.

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Outra novidade trazida pela EC nº 132, é a inclusão do inciso VI no § 1º do artigo 155 da Constituição, prevendo a possibilidade de que o ITCMD seja progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação.

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Apesar da emenda prever que tais modificações passem a vigorar no momento da sua publicação, não se pode esquecer do princípio da anterioridade, isto é, tanto na instituição quanto na majoração da alíquota do ITCMD, apenas produzirão efeitos quando dois requisitos forem cumpridos: o prazo de 90 dias da publicação e exercício financeiro seguinte àquele em que tenha sido publicada a norma.

Com a virada do ano de 2023 para 2024, uma parte do requisito da anterioridade já está superada, contudo, existe ainda a necessidade de observância do art. 150, III, “c”, da Constituição, conhecido como “noventena”, que prevê o prazo de 90 dias da publicação da lei, para exigência do tributo.

Para acalorar um pouco mais o tema, surge a discussão sobre a questão de se as atuais previsões consideradas, até o presente momento, inconstitucionais pelo STF, seriam aplicariam com a EC 132/23 ou, então, se cada estado deverá promulgar nova legislação para tratar sobre o assunto.

Diante de todo o contexto, é prudente afirmar que os contribuintes devem se atentar às possíveis novas leis estaduais que venham a ser promulgadas e avaliar a necessidade da realização de doações durante o período da noventena, quando ocorre o vacatio legis (vacância da lei), para fins de planejamento patrimonial.

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Gabriela Gomes de Andrade
Advogada do escritório Abe Advogados, head da área de planejamento patrimonial e sucessório
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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