Casal homoafetivo viver junto pode, casar não, diz líder da ‘igreja dos jovens’

Em entrevista durante encontro em São Paulo, bispo Robson Rodovalho, da Igreja Sara Nossa Terra, defende o estado laico

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"Deus te trouxe aqui para te dar uma vitória completa", entoa o bispo Robson Rodovalho, fundador da Sara Nossa Terra, acompanhado por uma salva de palmas do ginásio lotado. Autor de mais de 70 livros e cantor, Rodovalho é formado em Física e diz que ciência e religião são vertentes que se completam. "Enquanto a ciência explica como o universo funciona, a fé e a religiosidade apontam o propósito e a razão pela qual vivemos no universo", diz. Com um sorriso conquistador, defende o estado laico, é a favor da redução da maioridade penal e contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Físico, o bispo Robson Rodovalho fundou a Sara Nossa Terra em 1992 Foto: Ramon Olsen/Divulgação

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Rodovalho foi deputado federal de 2007 a 2010 e diz não pretender tentar um novo cargo no Congresso, ao menos por enquanto. Como deputado, foi autor da lei que reconhece eventos gospel como apresentações culturais e, assim, ter direito a benefícios fiscais. No caso da Celebração de Inverno, este ano, o governo do Estado de São Paulo alugou o ginásio com descontos nas diárias e colaborou com o suporte para palco e som. “Política tem muita gente cuidando, mas de igreja, são poucas pessoas, ainda mais de uma igreja bonita como a Sara”, justifica. Além disso, diz acreditar que a figura do político anda desgastada. "(A saída do Congresso) Coincidiu com um momento de desgaste político muito grande, da imagem do político, e não quis pagar esse preço", afirma. Confira trechos da entrevista que ele concedeu nesta quinta-feira, 16:

Estado: O senhor acredita que na Câmara dos Deputados há uma tendência mais conservadora, com bandeiras mais associadas à direita?

Robson Rodovalho: Eu acho que a Câmara atual - e em outras legislaturas - é um retrato da sociedade. A realidade da sociedade atual é uma sociedade de valores espiritualizados. A gente começou o início do século passado com um grande apogeu do materialismo, da visão evolucionista da vida, as teorias de Darwin, as teorias de Marx, e, aparentemente, uma decadência da religiosidade e da fé.

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O que aconteceu com o passar do século XX foi que todas essas teorias foram provadas, vivenciadas e o século passado terminou com a bíblia sendo o livro mais lido do mundo, com uma verdadeira onda de espiritualização e as pessoas buscando respostas no mundo espiritual.

A Câmara reflete esse retrato social. A sociedade brasileira é pró-família, pró-valores. E lembre-se que passamos, na década de 1970, por uma época muito liberal, de liberação das drogas, costumes, nudismo. Nossa juventude de alguma maneira voltou as costas para esse tipo de proposta e hoje volta-se para Deus, para Jesus, quer uma energia, uma vibração mais espiritualizada, com mais sentido de existência. 

Estado: O senhor concorda com a definição de família proposta pelo Estatuto da Família, que define a entidade familiar como o núcleo formado a partir da união entre homem e mulher?

R. R.: Concordo. O conceito de família é religioso e o Estado não tem que botar o bedelho na religião, como nós não podemos colocar o bedelho no que é prerrogativa do Estado. Quem legisla sobre união civil é o Estado. Casamento é um sacramento, provém das religiões cristãs. Assim como a igreja não pode tentar legislar dentro da união civil, o Estado tem que entender que casamento é um conceito eclesiástico, é um dos sacramentos da igreja.

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Duas pessoas (do mesmo sexo) casarem é um passo na direção do anti-natural. O universo tem leis. Como vamos pegar o anti-natural e fazê-lo natural? Agora, duas pessoas escolheram viver juntas, está bom, é escolha delas, são livres em seus arbítrios. Mas tentar forçar para que esse emparelhamento torne-se o mesmo perfil do natural, de um homem e de uma mulher que têm contribuições genéticas privilegiadas para formar um outro ser, não faz sentido. Não podemos quebrar as leis da natureza, do universo, por mais vantajosas ou desvantajosas que elas sejam.

Estado: Então duas pessoas do mesmo sexo podem viver juntas sem casar?

R. R.: A questão da união civil, do relacionamento, dos bens, do direito de herança, da propriedade, pode; é uma escolha. Agora, querer fazer disso uma família?! Não combina, são conceitos que não se ajustam, não combinam, é a quebra de uma lei natural. E quanto à adoção de uma criança?

É benéfico duas pessoas adotarem uma criança. Mas duas pessoas em uma relação homoafetiva, em que há dois pais e duas mães fere o mesmo conceito de família. Se dois amigos adotam uma criança, não tem problema, são dois tios ou duas tias. Agora dois pais e duas mães, como fica a cabeça desse conceito para essa criança? Isso é forçar a barra. Como a criança vai explicar na escola? E o futuro dela?

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Estado: O que o senhor acha da redução da maioridade penal?

R. R.: Sou a favor da redução da maioridade penal como um elemento a mais de proteção da sociedade. Não acho que resolva, mas se nós tivermos elementos de proteção, nós devemos usar. Por que temos prisões, a lei, o código que penaliza? Porque são elementos de proteção e cerceamento. Ninguém questiona que a faixa de 16 a 18 anos é o agente criminal prioritário de todas as quadrilhas, do crime organizado, exatamente pela impunidade. 

Mas também não sou a favor de pegar essas crianças e jogar na cela comum para serem treinados pelo crime. Eles entram pequenos delinquentes e vão sair grandes criminosos. O Estado teria que ter um viés com casas de internação diferenciadas, com programa diferenciado, o que é fácil, não precisa construir nada não. O Estado tem muito aparelho obsoleto. Tem que ter vontade política, um bom plano de ação e um trabalho de recuperação. 

Eu trabalho com jovens e, se você fizer uma pesquisa com a maioria desses jovens, muitos deles são ex-delinquentes, e vão dizer para você 'tem sim que penalizar'. Eles são os primeiros a dizer 'se não tiver a lei, o cerceamento, facilita o acesso'. Sou, sim, favorável, não acho que vai resolver, mas eu acho que essa porta tem que ser fechada. O crime organizado está usando isso de mais 'ah, vai cair para 14 anos'. Bom, vamos ver. 

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Não acho que resolva. O que resolve para mim é um trabalho de educação, com as famílias, de ajuste familiar, pelos centros sociais. Estamos vivendo em um momento em que a família falhou, faliu, os centros sociais faliram, a educação faliu. Os meninos hoje vão armados para as salas de aula, os professores têm medo. Vai lá para as comunidades mais carentes onde tem áreas de risco. Ali você vai perceber que houve uma falência em todas essas instituições. A igreja entra exatamente nessa falência múltipla institucional, trazendo esperança, trazendo reorientação, um novo projeto de vida. Me sinto pai de muitos desses meninos. A gente faz o que os pais não fazem, damos amor, limites, orientação.

Estado: O senhor foi deputado federal de 2007 a 2010. Por que não tentou uma reeleição?

R. R.: Achei que a minha missão estava dada. Fiz algumas contribuições, fiz seis projetos de lei que se tornaram lei. Eu entendi que aqui fora eu poderia contribuir mais do que lá dentro. Lá, eu era apenas um dos 513 deputados. Aqui eu sou um líder e consigo falar uma linguagem muito mais adequada para a sociedade. Acho também que coincidiu com um momento de desgaste político muito grande, da imagem do político, e eu não quis pagar esse preço. Não acho que o homem público hoje possa fazer uma representação política com grandeza, com dignidade. O modelo está muito falido. E dentro de um modelo falido, por mais que você seja de boa vontade, você pode fazer muito pouco. Se algum dia eu achar que a gente pode fazer uma reforma política profunda, com uma representação real, pode ser que eu volte, mas não para a realidade atual.

Estado: O Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, já esteve ligado à Sara Nossa Terra. Ele ainda é fiel? Como é a relação da igreja com o Eduardo Cunha?

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R. R.: O Eduardo é fiel. Pode ter certeza de que ele é fiel (risos). O problema é que hoje a vida do Eduardo exige uma multiplicidade de ações que praticamente o impedem de estar na igreja. Eduardo é nosso amigo, continua ligado conosco, mas ele hoje é de várias igrejas porque a realidade dele exige isso. Cada domingo ele está no lugar, falando ou frequentando ou participando de algum culto, de alguma representação. Ele caiu em uma circunstância que é maior do que a boa vontade e nós somos maduros para entender isso. Nós somos os primeiros a dizer 'vai mesmo, ocupa esse espaço, desempenha sua função bem feita'. Nós temos que liberá-lo para fazer o que tem que ser feito.

Estado: O Cunha está engajado em fazer uma reforma política. O que você tem achado desse desempenho dele?

R. R.: Ele está mesmo, mas ao mesmo tempo em que há uma boa vontade, tem um limite. Qual é o limite? A circunscrição dos deputados. Passa pelos partidos, pelos votos, pelo crivo da visão dos próprios deputados e senadores. É uma reforma que, de alguma maneira, ao mesmo tempo em que tenta agradar ou satisfazer as demandas da sociedade, também passa pelo interesse dos deputados. Quando você coloca demandas da sociedade e interesses do deputado na mesma balança, aí a sobrevivência do deputado fala mais alto, infelizmente, e acaba fazendo remendos e não reformas. Não sai o que os líderes gostariam, sai o que é possível, pelo consenso. Parlamento é assim. Não encontramos uma maneira melhor de fazer política.

Estado: O senhor disse que a imagem do político anda desgastada. Mudar o financiamento de campanha não poderia contribuir para melhorar isso? Qual é sua posição em relação ao financiamento de campanha?

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R. R.: Sou contra financiamento de campanha. Minha proposta passaria por coisas profundas. Acho que não deveria ter financiamento nem público nem nada. Acho que o horário (de TV) deveria ser democraticamente dividido e mais nada. Acho que o deputado não deveria ter salário. Acho que temos que fazer outro sistema político, com participação da sociedade em leis. Gosto do que a Suíça faz. Lá, cada lei antes de ser aprovada passa por plebiscito popular. Temos modelos no mundo muito bons. O que não temos no Brasil ainda é um caminho para uma reformulação sistêmica, parece que está longe isso.

Estado: O que você acha desse movimento que vem pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff?

R. R.: Acho que o Brasil hoje é um país institucionalmente firme, é uma democracia estabelecida. Isso é prerrogativa dos órgãos de controle. Se encontrarem fatos que realmente justifiquem, que mostrem um comprometimento político, acho que já tivemos um impeachment no Brasil e podemos trabalhar com um segundo. Até agora, aparentemente não existe algo que possa justificar a abertura de um pedido de impeachment. O pessoal do PT diz que não existe e não vai existir, a oposição parece que torce para existir. É do jogo isso.

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