Desde as primeiras tentativas de Alberto Santos Dumont de se alçar de balão aos céus de Paris, no final do século 19, o Estadão acompanhou com interesse a trajetória do aviador brasileiro, levando aos leitores com muitos detalhes os avanços de seus inventos. Como mostra pesquisa no acervo digitalizado do Estadão, as notícias sobre o brasileiro estão em destaque nas edições do jornal.
A mais remota, na edição de 21 de outubro de 1898, informava que Dumont tentou uma ascensão em aeróstato em Paris e, por causa do mau tempo, o balão foi lançado contra as árvores. Em agosto de 1901, o Estadão reproduziu notícias dos jornais franceses sobre os voos do dirigível de Santos Dumont “muito elegante, com sua forma de charuto alongado” quando disputava o prêmio Henry Deutsch, contornando a Torre Eiffel. “O resultado é extraordinário. O balão parecia manobrar segundo a vontade do aeronauta, ao qual docemente obedecia”, dizia o texto.
O jornal também contava em detalhes as festas e banquetes oferecidos ao aeronauta brasileiro pelos aeroclubes de Paris e de Londres. Em Paris, Santos Dumont foi recepcionado por personalidades como Lady Gray e Alfred de Rothschild. Naquele ano, o Estadão noticiou ainda o acidente do brasileiro quando tentava contornar a Torre Eiffel com seu balão. “Pode-se dizer que o velho castanheiro sobre o qual o Santos Dumont tropeçou, sabbado, o acolheu de braços abertos”, noticiou, sobre o fato de o piloto não ter sofrido nenhum arranhão.
Por várias vezes, repórteres e correspondentes do jornal reclamaram da dificuldade para obter informações do inventor. “Durante o tempo em que trabalha é inútil provocar uma conversação. Elle é monosyllabico e a gente se consola porque é interessante vel-o trabalhar simplesmente”, registrou um deles.
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Já em março de 1902, o Estadão relatou as primeiras evoluções marítimas de Dumont em seu balão nº 6. “Elevou-se no mar até certa altura e respeitável distância e, voltando, fez um percurso ao redor da cidade de Mônaco, com a maior facilidade, navegando ora com ora contra o vento. Público já numeroso assistiu a essa primeira experiência.
Em 1906, o jornal noticiava que Santos Dumont ganhou o prêmio Archdeacon conferido ao primeiro aeroplano que se levantasse a 20 metros acima do solo. Dumont conseguiu elevar-se a mais de 50 metros e foi aclamado pela multidão, segundo a notícia. “Santos Dumont foi abraçado com effusão por todos os presentes e conduzido em triumpho.” O feito histórico foi registrado em ata pelo Aero Club Paris.
Em novembro do mesmo ano, o jornal destacou a publicação da gravura do aeroplano 14 Bis pelo parisiense Les Sports, reproduzindo o texto em que o matutino francês reconhece o feito do brasileiro. “Pode-se dizer que, pela primeira vez, um homem voou mercê dos próprios recursos; e é ainda a Santos Dumont que se deve este novo passo e, desta vez, decisivo”, diz.
Como mostram as notícias do período, Santos Dumont tornou-se celebridade nacional. Ao visitar São Paulo, vindo do Rio em um trem da Central do Brasil, foi recebido com festas em todas as estações do percurso, sendo recebido na capital por 5 mil pessoas. O repórter equiparou a festa na chegada de Dumont à de Prudente de Moraes, quando deixou a Presidência da República.
O aviador desfilou em “um bello landau puxado por duas parelhas de cavalos brancos”. No dia seguinte, Dumont foi recebido pelo presidente do Estado, Bernardino de Campos, e retornou ao Rio no trem noturno. Dias depois, os cariocas saíram às ruas para ovacionar o herói brasileiro.
O texto relata que, na Rua do Ouvidor, a massa popular tentou desatrelar as parelhas que puxavam a carruagem com o aviador “pretendendo leval-a em triumpho, numa apotheose”.
As notícias do jornal mostram que Santos Dumont ficou decepcionado com o uso de sua invenção para a guerra. Em 1914, quando a Europa estreava os aviões na Primeira Guerra Mundial, ele discursou no Congresso Pan-Aeronáutica, em Santiago, defendendo o uso pacífico da sua invenção, para encurtar as barreiras “resultando como consequencia para o futuro que as nações do novo mundo se entendam e cooperem no ideal da concordia”.
A morte de Santos Dumont por suicídio no Grande Hotel La Plage, em Guarujá, aconteceu em uma data em que “São Paulo se achava preoccupado com os acontecimentos de Nove de Julho” e, por isso, “o Pae da Aviação não teve de parte da população da capital as homenagens que por certo lhe seriam prestadas em outras circunstâncias”, noticiou o Estadão.
São Paulo estava em armas contra as tropas do governo federal na Revolução de 32. “O corpo do grande inventor, que se encontra na crypta da Cathedral de São Paulo, será exposto à visitação pública de amanhan ás 12 horas em diante”, noticiou, lembrando que o primeiro dia seria reservado para as crianças das escolas. “No dia 16 e parte de 17, até a hora do embarque para o Rio, o público em geral poderá desfilar diante do ataúde de Santos Dumont.”
No dia 20, o jornal trouxe notícias transmitidas por telefone e telégrafo sobre as homenagens a Santos Dumont no Rio de Janeiro. “À medida que se aproxima o momento do acolhimento fúnebre, cresce a romaria à cathedral”, dizia o texto, informando que um avião feito de flores acompanharia o cortejo e Santos Dumont teria honras de ministro do Estado.
No dia seguinte, o Estadão noticiava que sob forte temporal, o corpo de Santos Dumont foi sepultado no Cemitério São João Batista, com honras de ministro de Estado. O governo provisório decretou feriado nacional. Getúlio Vargas participou da cerimônia na companhia da mulher e do ajudante de ordens.
No dia 22, o Estadão publicou um suplemento de 16 páginas com rotogravuras em homenagem a Santos Dumont.
Recentemente, após seis meses de pesquisa em acervos de São Paulo, Rio e Minas, o Estadão produziu o Especial Santos-Dumont, revelando histórias desconhecidas de boa parte da população sobre o herói dos brasileiros, revelando que a “história do aviador é muito mais interessante do que se aprende na escola”.
Poucos conhecem, por exemplo, a veia poética do escritor, que assim escreveu sobre sua própria vocação:
”No Brasil, onde nasci em 20 de julho de 1873, o céu é tão belo, os pássaros voam tão alto e planam tão à vontade sobre as grandes asas estendidas, as nuvens sobem tão alegremente na pura luz do dia, onde se deitam tão languidamente, na atmosfera embalsamada das noites, que basta levantar os olhos para ficar amante do espaço e da liberdade. (...). Quando se pensa que basta elevar-se algumas jardas sobre o solo para estar acima de todos os obstáculos, ao abrigo de todos os perigos que ameaçam embaixo os pedestres, para visitar, sem fadiga, embalado em uma cesta, os panoramas infinitamente variados deste rico país, parece-me que se torna necessariamente um aeronauta. Esse foi ao menos meu caso.”
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