Artigo publicado originalmente no Estadão Noite O Brasil é um país acostumado a conviver com crises políticas agudas, visto que elas vêm ocorrendo, com uma razoável frequência, desde a proclamação da independência em 1822. Os seus resultados, em geral, foram pouco benéficos para a população. Ao longo do século passado, por exemplo, o País assistiu às rupturas de 1930, 1945, 1954, 1964 e 1992, que culminaram com a queda dos detentores do poder. As rupturas de 1937 e 1968, por sua vez, tiveram como objetivo a consolidação daqueles que tomaram o poder, eliminando as resistências políticas para permitir a implantação de seus modelos de Estado. Algumas dessas crises políticas, notadamente as mais agudizadas, levaram ao suicídio o presidente Getúlio Vargas, em 1954, à renúncia de Jânio Quadros, em 1961, à deposição de João Goulart pelos militares em 1964, e ao impeachment de Fernando Collor, em 1992. Assim, decorridos 23 anos da última ruptura institucional, observa-se que o Brasil está novamente diante de uma aguda crise política, econômica, social e ética produzida pelos governos petistas, em especial, pelo governo Dilma, no seu primeiro mandato. A história e a literatura mostram que nos países com larga tradição democrática as crises políticas mais agudas levam à queda dos gabinetes (no sistema parlamentarista), e a renúncia ou impeachment dos mandatários no sistema presidencialista. Nos países com menor tradição democrática, notadamente nos que adotam o modelo presidencialista, como é caso do Brasil, as crises políticas agudas tendem a se prolongar além do tolerável. Com isso, boa parcela das instituições começa a funcionar mal ou simplesmente deixa de funcionar, elevando-se os riscos de crises de governança e de governabilidade, que costumam desaguar em rupturas institucionais. Ressalte-se que as instituições são os pilares que sustentam o Estado democrático de direito e da democracia. Quando elas deixam a desejar, abrem-se janelas para a introdução de regimes autoritários tanto de direita como de esquerda. Diante disso, pode-se formular a seguinte pergunta: o Brasil, considerando o cenário atual, caminha para uma ruptura institucional? Para responder essa indagação, faz-se necessário destacar dois fatos recentes, objetos de manchetes na mídia e de debates na sociedade, reveladores da extensão da crise instalada no País, que demonstra que o seu prolongamento, seguramente, implicará em enormes prejuízos políticos, econômicos e sociais. - O primeiro refere-se às recentes críticas feitas pelo ex-presidente Lula, sobre o desempenho do governo Dilma e do Partido dos Trabalhadores, a diversos membros da Igreja Católica. Afirmou naquela ocasião que “Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume morto, e eu estou no volume morto. Todos estão numa situação muito ruim”. - O segundo diz respeito ao índice de reprovação ao governo Dilma Rousseff, que chegou a 65%, enquanto apenas 10% o avaliam o seu desempenho como bom ou ótimo (Datafolha). Para o Instituto, os índices de Dilma refletem as dificuldades do governo em apresentar uma “agenda positiva” e reverter o desgaste da presidente, atingida tanto pela crise econômica e fiscal como pelas investigações da Operação Lava Jato, que apura um esquema de corrupção na Petrobrás. As avaliações do desempenho da presidente Dilma, feitas pelo ex-presidente Lula e pelo DataFolha, retratam o perfil de um governo incompetente, desacreditado e sem rumo. Ambas as avaliações sinalizam que o governo está sucumbindo de forma acelerada, e arrastando o Brasil junto com ele. Em que pesem as diferenças conjunturais e as diversas mudanças institucionais, a crise atual tem inúmeros componentes semelhantes à crise política de 1963/1964, que desaguaram na ruptura institucional de 1964. Pode-se afirmar, por fim, que é diante de um cenário político, econômico e social grave, como o atual, que se mede o desprendimento, a dimensão política e o caráter de um estadista. Desprovidos desses valores, os atuais detentores do poder, mesmo conscientes de que o Brasil caminha para uma grave ruptura institucional, sinalizam que pretendem continuar agarrados ao poder, a qualquer custo. Existem fortes indícios, conforme demonstram as ações temerárias adotadas na condução da economia, na má gestão pública, no aparelhamento político do Estado, na falta de combate efetivo à corrupção, nas falsas promessas e nos argumentos eleitoreiros populistas utilizados na campanha eleitoral de 2014, que o País é apenas como um meio para a construção de um projeto de poder político. Triste Brasil. * José Matias-Pereira, economista e advogado, é doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado pela Atlas
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.