Acidente, 14 anos atrás, ainda deixa marcas

Moradores contam como era São Sebastião das Águas Claras antes de rompimento de barragem

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Por Leonardo Augusto
Atualização:
Ribeirão Taquaras virou curso de barro espesso Foto: MAURICIO DE SOUZA | PAGOS

“Pai, o mundo tá acabando!” “Não, filho. É a barragem que estourou.” O diálogo tem mais de 14 anos, mas é bem vivo na família do comerciante João Gabriel Rodrigues, de 74 anos, dos quais 60 como morador de São Sebastião das Águas Claras, distrito de Nova Lima, a 20 km de Belo Horizonte. Em 22 de junho de 2001, uma barragem de rejeitos de minério de ferro da empresa Rio Verde ruiu. A lama desceu por uma encosta matando cinco empregados da companhia. Uma área de 80 hectares de Mata Atlântica foi devastada. O Ribeirão Taquaras, que corta a região, também conhecida como Macacos, se transformou em um curso de barro espesso.

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Duas semanas depois do estouro da barragem da Samarco em Bento Rodrigues, Mariana, os relatos de moradores de São Sebastião das Águas Claras sobre o que aconteceu, como era a região e como é hoje são prova que, mesmo com possíveis investimentos, a recuperação ambiental é lenta e muita coisa pode não voltar ao normal.

Ao contrário do que aconteceu em Mariana, a lama em São Sebastião das Águas Claras não encontrou um vilarejo pela frente. Do alto de um morro é possível ver até hoje um descampado na encosta, que parece uma língua cor de caramelo, destoando da mata logo abaixo que, pelo verde exuberante, dá a impressão de que está tudo de volta ao normal. A prova do contrário corre no meio dessa mata, o Ribeirão Taquaras.

Ele passa perto do bar que João Gabriel mantém com a família na região há 28 anos. “Você acha que era assim? Isso aí é um filete de água. Antes, era quase um rio, tinha bagre e lambari. Hoje, não há mais peixe nele”, afirma o comerciante.

A região é muito frequentada por motoqueiros e ciclistas de trilhas. O empresário Carlos Eduardo Faria, de 50 anos, há 20 anda de bicicleta em São Sebastião. Relata que hoje, diferentemente de 15 anos atrás, o terreno da região é mole. “É fácil perceber isso. É entrar e atolar”, afirma.

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O secretário de Meio Ambiente de Nova Lima, Roberto Messias, diz que a Rio Verde, empresa que hoje pertence à Vale, cumpriu as determinações pós-tragédia de recuperar a estrada que liga a BR-040 a São Sebastião das Águas Claras, que à época ficou sem condições de tráfego, e que construiu outra barragem dentro dos padrões. Afirmou ainda que, ao menos visualmente, a flora vai se recuperando. “Não dá para dizer que está completamente recuperado. O que sabemos é que a vegetação vem aumentando e pequenos mamíferos estão voltando”, afirma Messias. Quanto ao Ribeirão Taquaras, o secretário diz que houve necessidade de desassoreamento do curso d’água em alguns pontos.

O acompanhamento das ações de recuperação é da Secretaria de Estado de Meio Ambiente. Segundo a pasta, depois do acidente foi determinado que a empresa rebaixasse a superfície interna da barragem, como medida temporária, até a implementação de projeto de estabilização, além de medidas para recuperação do Taquaras. Ainda conforme a secretaria, foi feito reflorestamento das áreas afetadas com espécies nativas.

Punições. João Gabriel afirma que recebeu R$ 12 mil da empresa. O bar da família ficou 15 dias parado. Já a família de Wellington Augusto Santos, de 42 anos, que hoje trabalha como vigia de motos na região, não recebeu nada. “Tínhamos um bar. Com a tragédia, ficamos muito tempo parados e, depois, não conseguimos retomar a atividade. Não estávamos com a documentação do terreno em dia e, por isso, não fomos indenizados.”

Os responsáveis pelo projeto da barragem foram condenados a oito anos e oito meses de prisão, em regime fechado, e obrigados a pagar multa de R$ 7 mil. A decisão, em primeira instância, foi por crimes contra flora e fauna terrestre e aquática e contra unidade de preservação. A empresa foi obrigada a prestar serviços à comunidade e pagar multa no mesmo valor da aplicada aos engenheiros. A reportagem não conseguiu contato com a Rio Verde. A Vale afirma que, apesar de ter comprado a empresa, todas os desdobramentos da tragédia em São Sebastião das Águas Claras ficaram sob a responsabilidade da administração anterior.