Como investigação do acidente de avião da AirFrance pode ajudar no desastre em Vinhedo?

Queda de aeronave no Atlântico há 15 anos teve formação de gelo como uma das causas; apuração vai responder se condição meteorológica similar afetou voo da Voepass

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Foto do author Paula Ferreira
Atualização:

BRASÍLIA - Há quinze anos, um Airbus A330 da AirFrance, que partiu do Rio de Janeiro rumo a Paris, caiu no Oceano Atlântico com 228 pessoas a bordo. Um dos motivos apontados pela investigação oficial foi o contato da aeronave com fortes formações de gelo.

Condição semelhante é apontada por especialistas como uma das principais hipóteses do pode ter contribuído para a queda do avião da Voepass em Vinhedo, no interior de São Paulo, na sexta-feira, 9. Uma equipe do órgão francês que investigou o desastre de 2009 está no Brasil para ajudar na investigação do novo acidente, que teve 62 mortos.

Destroços do avião da Voepess (à esquerda) e a cauda do avião da AirFrance resgatada no oceano (à direita) Foto: Nelson Almeida/AFP e Reprodução/Marinha do Brasil

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O avião da AirFrance partiu com 216 passageiros e 12 tripulantes. A queda da aeronave ocorreu a 820 quilômetros do arquipélago de Fernando de Noronha. O Airbus já estava fora da área de cobertura dos controles aéreos brasileiro e senegalês, o mais próximo daquele ponto do oceano.

Em julho de 2012, o inquérito oficial da Bureau de Investigações e Análises (BEA), equivalente ao Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) no Brasil, divulgou o relatório oficial. O documento lista vários fatores que levaram ao acidente - o primeiro com vítimas em um A330.

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Os pilotos da AirFrance atravessaram a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), região que acumula alto nível de nuvens que podem causar formação de gelo na aeronave.

Na manhã dessa sexta-feira, o sistema oficial de meteorologia da Aeronáutica emitiu alerta de formação de gelo severo antes de o avião da Voepass decolar. Mas, da mesma forma, especialistas apontam que o clima sozinho não derrubou o ATR 72-500 da Voepass.

O gelo congelou os sensores de velocidade do avião da AirFrance, também conhecido como tubos de pitot. Com isso, a aeronave não recebeu mais as informações corretas na cabine, causando a desconexão do piloto automático.

A partir disso, houve uma série de decisões erradas e a falta de comunicação assertiva entre os tripulantes, conhecida no setor como Crew resource management (CRM). O Airbus caiu em “parafuso chato”, quando há um “estol” e se perde a sustentação da aeronave no ar. As imagens mostram que a aeronave da Voepass (antiga Passaredo) despencou de forma semelhante.

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Segundo Roberto Peterka, especialista de segurança em voo com mais de 40 anos de atuação, as condições meteorológicas podem ter causado os dois acidentes. Mas a diferença está na sequência dos voos após o enfrentamento das formações de gelo.

“No caso AirFrance, foi provocado pelo automatismo do avião e os pilotos que podem ter comandado a aceleração. No da Voepass, pode ser que não tenham percebido a formação de gelo, não estar o equipamento de degelo ligado. E pegou de surpresa os pilotos”, afirma o especialista.

A investigação do BEA - assim como as do Cenipa, órgão ligado à Força Aérea Brasileira (FAB) - visa a apresentar correções para impedir novos acidentes, e não apontar culpados. Entre as lições de 2009, estão a importância de se evitar as zonas de gelo severo e treinamento de CRM.

O BEA apresentou as seguintes mudanças de protocolo após o acidente de 2009:

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  • aprimoramento do conhecimento das tripulações sobre as suas características em situações degradas e incomuns
  • gerenciamento de recursos de tripulação e aprimorar a fidelidade dos simuladores de voo, para que pilotos saibam recuperar a aeronave em situações de gelo e desorientação espacial.

No caso do avião da Voepess, o Cenipa vai avaliar, a partir das caixas-pretas, se houve comunicação assertiva entre os tripulantes na cabine, o motivo pelo qual o ATR entrou na região de gelo severo e por que o sistema de degelo não funcionou. Também vão checar por que não houve comunicação de emergência aos órgãos de controle aéreo.

“Pelo que outros pilotos reportaram, não temos lembranças, a não ser de décadas atrás, de formação de gelo tão pesada assim. Você é levado a entrar (na zona de gelo), embora possa até o radar meteorológico ter indicado. Ele (o piloto) provavelmente enfrentou essa área de gelo como normal, como todas as outras vezes em que possivelmente entrou (numa área desse tipo)”, afirma o especialista.

Segundo Peterka, o avião da Voepess deveria ter solicitado à torre de controle permissão para baixar a altitude até uma altura onde não estaria mais em condições de gelo severo. Outras opções seriam pedir o retorno a Cascavel (PR), de onde a aeronave decolou, ou pouso em Campinas, Ribeirão Preto ou Santos.

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Diretor de operações da Voepass, Marcel Moura afirmou na sexta-feira que “o ATR (modelo do avião) tem sensibilidade um pouco maior à situação de gelo, (essa hipótese) não é descartada, assim como nenhuma hipótese é descartada nesse momento”, disse. Segundo a companhia, a aeronave estava em boas condições.

“Foi uma perda de sustentação em ‘parafuso chato’. O que a investigação vai definir é o que levou o avião a chegar nessa condição”, afirmou na sexta-feira ao Estadão o especialista em aviação Lito Sousa,

“Só pelas imagens não é possível identificar se houve falha mecânica ou humana. É preciso investigar cada evidência que a cena do acidente mostrar, bem como as caixas-pretas, a de voz e a de dados do voo. Se pegar como exemplo o acidente da AirFrance, durante dois anos tinham vários hipóteses. No entanto, só se soube a verdade com a leitura das caixas-pretas”, completou Sousa, que mantém o canal no YouTube Aviões e Músicas.

Dimensão das aeronaves e altitude de voo diferenciam os dois casos

Um dos principais fatores que diferenciam os dois casos está nas diferentes dimensões entre os aviões. O A330 tem envergadura de 60 metros e costuma voar acima de 30 mil pés, onde condições de gelo severo são raras.

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Airbus A330 da AirFrance similar ao acidente de 2009 Foto: Reprodução/AirFrance

O ATR 72-500, por sua vez, tem envergadura de 27 metros e faz os trajetos entre 17 mil e 18 mil pés, justamente onde essas as condições meteorológicas são mais frequentes. Por isso, o turboélice, como o da Voepass, é mais suscetível ao congelamento das asas, que congelam mais rápido por ter um menor tamanho comparado ao A330.

Acidentes com ATR e gelo mudaram protocolos

Os aviões da marca francesa ATR são seguros e bastante usados na aviação comercial. Os modelos 72 e 42, que operam no Brasil, foram os que menos se envolveram em ocorrências no Brasil na última década, com 456 incidentes e cinco acidentes, segundo dados do Cenipa. A lista é liderada por aviões da Airbus (1.102 ocorrências), seguidos dos da Boeing (946), Cessna (920), Embraer (880) e Neiva (551).

Porém, por ser considerado um avião suscetível a problemas causados pela formação de gelo, as condições meteorológicas motivaram os acidentes com maior número de vítimas envolvendo o ATR 72. Os dois mais letais mataram 68 ocupantes.

O primeiro ocorreu em 1994, quando um avião da American Eagle caiu no estado americano de Indiana. O National Transportation Safety Board (NTSB), que realiza o trabalho que o Cenipa faz no Brasil, apontou que o ATR sofreu deflexão do airelon (peça da asa que se move para cima ou para baixo) devido a uma severa condição de gelo.

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O BEA, por sua vez, contestou a investigação americana e apontou que, apesar de o gelo ter contribuído para o acidente, a queda ocorreu por uma falha de comunicação entre a tripulação diante da emergência.

Protocolos foram modificados após esse acidente. As empresas aéreas foram obrigadas a fazer revisões significativas dos procedimentos operacionais da tripulação em condições de gelo severas. Entre elas, estão:

  • o não uso do piloto automático,
  • velocidades mínimas mais altas,
  • diferentes procedimentos para reparar congelamentos
  • e, principalmente, atenção com a funcionalidade do sistema de degelo, mais conhecido como “anti-ice”.

Em 2010, um avião da Aero Caribbean caiu quando estava perto de pousar em Cuba. As investigações comprovaram que a aeronave sofreu com gelo na asa quando estava a 20 mil pés de altitude e entrou em “estol”. Erros da tripulação para reverter a situação contribuíram para o acidente.

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Outros dois acidentes aconteceram com o ATR 72 por acúmulo de gelo. Um deles foi com um avião da UTair, que caiu na Sibéria com 43 pessoas a bordo - dez sobreviveram. Em 2002, uma aeronave de carga da TransAsia enfrentou condição meteorológica parecida e caiu, matando os dois tripulantes.

Queda do avião da Voepess foi o pior da aviação brasileira em 17 anos

O ATR 72-500 da Voepess levava 58 passageiros e quatro tripulantes de Cascavel (PR) para o Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. O acidente aconteceu a 90 quilômetros do destino, em um condomínio residencial do bairro Capela, em Vinhedo.

O Cenipa já iniciou as investigações para tentar descobrir o que causou a queda do ATR. O órgão já está analisando as caixas-pretas da aeronave, peça necessária para desvendar os momentos finais do voo da AirFrance. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal (PF) apura possíveis crimes que causaram a morte dos 62 ocupantes em Vinhedo.

Esse foi o pior acidente da aviação comercial do País em 17 anos. Considerando o acidente da AirFrance, que tinha matrícula francesa, mas partiu do território brasileiro, o desastre em Vinhedo foi o sexto mais letal da história do Brasil.

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