BRASÍLIA - A Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica emitiu um alerta com previsão de formação de gelo severo na região em que o avião da Voepass caiu, na sexta-feira, 9, matando 62 pessoas, antes de a aeronave decolar. O registro do órgão, que divulga as informações publicamente, mostra que a formação de gelo estava prevista entre 8h30 e 12h30 daquele dia.
A formação de gelo nas asas da aeronave é uma das hipóteses levantadas por especialistas como causa da queda. O gelo pode ter resultado em uma perda de sustentação da aeronave, o chamado “estol”, levando o avião a cair em Vinhedo (SP) no início da tarde. A conclusão, porém, não é oficial. As causas são investigadas pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão da Força Aérea Brasileira (FAB), e ainda não é possível afirmar o que aconteceu.
O sistema oficial da Rede de Meteorologia da Aeronáutica (Redemet) mostra que foi emitido um alerta com previsão de formação de gelo severo para a Região de Informação de Voo (FIR) de Curitiba, que abrange parte do Sul e do Sudeste do Brasil, entre 8h30 e 12h30, período do voo que saiu de Cascavel (PR) e tinha como destino Guarulhos (SP). Além disso, a mensagem indicava que a formação de gelo estava prevista para uma altura de 4 mil metros até 7 mil metros. O avião da Voepass voou a 5.190 metros de altitude antes de cair, conforme registros da plataforma FlightAware.
A formação de gelo não impede o avião de decolar, mas a previsão serve de alerta para o piloto e pode fazer parte do planejamento de voo, de acordo com o meteorologista e instrutor de meteorologia aeronáutica Hiremar Soares. Considerando o histórico de mensagens da rede da Aeronáutica, o alerta com a previsão deve ter sido emitido por volta das 7 horas da manhã de sexta-feira, diz o especialista.
“O nível padrão de voo do ATR (modelo da aeronave) era onde estava a previsão de formação de gelo severo e a frente fria”, afirma Soares. “Uma situação de gelo severo pode ocorrer se a nuvem estiver muito densa, por exemplo. Também poderia ter uma maior concentração de água super resfriada que, tocando na aeronave, a água congelaria muito rápido.”
De acordo com o especialista, a previsão meteorológica e a mensagem da rede da Aeronáutica são informações normalmente acessadas pelo despachante operacional que faz o planejamento de voo e pelo próprio piloto antes de decolar.
As aeronaves possuem um sistema que impede a formação de gelo severo. Além disso, o piloto pode pedir autorização para voar mais baixo ou mais alto, em altitudes mais favoráveis para minimizar essa condição. “Se o piloto desce, ele pode escapar da nuvem e ir para uma área com umidade relativa do ar menor, o que facilita evitar a formação ou o aumento de gelo”, observa o meteorologista.
Uma hora e sete minutos depois de o avião decolar, o histórico do voo mostra que a aeronave perdeu velocidade, mas continuou na mesma altura por cerca de 15 minutos, antes de perder altitude e cair. “Considerando apenas a hipótese de formação do gelo, o que não é possível afirmar agora, pode ter começado uma formação de gelo mais severa e em 15 minutos a aeronave não aguentou mais.”
Propensão à formação de gelo
Todas as aeronaves da Voepass são do modelo ATR-72, que voa em um nível atmosférico intermediário, de 4 mil a 7 mil metros de altitude. Nessa faixa, há maior propensão à formação de gelo devido a dois fatores: massas de ar frio (fazendo o ar alcançar temperaturas negativas) e a espessura das nuvens (quanto mais densa a nuvem, maior o tempo em que o voo fica dentro dela).
Quanto maior a altitude, menor é a temperatura. Porém a partir de 10ºC (na atmosfera), o sistema do avião, que é mais frio, já pode chegar a 0ºC, ocasionando a formação de gelo.
Em níveis atmosféricos mais baixos do que 4 mil metros, a temperatura é maior; enquanto que em níveis atmosféricos mais altos que 7 mil metros, apesar da temperatura mais baixa, há menos nuvens. Por isso, a faixa intermediária é a de maior risco para formação de gelo.
A formação de gelo no avião afeta a aerodinâmica do voo por diversos motivos: aumentando o peso da aeronave ou então diminuindo a potência do motor, o que pode ocasionar o estol (quando a aeronave cai para uma velocidade menor do que o mínimo seguro), por exemplo.
Especialistas dizem que o modelo ATR-72 não é mais perigoso que o normal. “Geralmente há um tráfego aéreo normal com essas condições de tempo, o problema pode ter sido de equipamento daquele avião”, supõe a meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), Andrea Ramos.
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