Diante da crise humanitária que se instaurou no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo, um abrigo em Morungaba, no interior paulista, ofertou 56 vagas para acolher refugiados afegãos que, sem ter para onde ir, dormiam no chão do terminal. A ponte foi feita pelo governo do Estado e a transferência, pela prefeitura de Guarulhos. Foram priorizadas famílias com grávidas, idosos ou crianças, além de pessoas com deficiência. Nem todas as vagas foram preenchidas até o momento.
Como mostrou o Estadão nesta semana, mesmo com visto regularizado, cerca de 150 afegãos estavam acampados no aeroporto na expectativa de receber apoio do poder público. O número aumentava a cada dia. Alguns dos refugiados foram acolhidos recentemente e, nesta quinta-feira, 13, foi feito um encaminhamento para as novas vagas. “Permaneceriam no aeroporto apenas 81 pessoas, mas chegou mais um voo com algumas famílias. No momento, estamos contabilizando”, informou a gestão municipal.
O Afeganistão vive em crise desde o fim do ano passado, quando o grupo armado Taleban retomou o controle do país. O Brasil, então, passou a oferecer um visto humanitário para receber refugiados, encaminhando aqueles que não tinham recursos para centros de acolhimento. Com o tempo, porém, as vagas nesses espaços tornaram-se insuficientes.
Órgãos públicos e representantes da sociedade civil agora buscam alternativas para encaminhar refugiados. Enquanto isso, os afegãos que permanecem no aeroporto se organizam para dividir roupa, comida, colchões e cobertores, boa parte deles obtidos por doações. Tentam ainda se manter positivos quanto à possibilidade de uma nova vida.
Para a ativista Swany Zenobini, de 29 anos, a iniciativa de acolhimento é bem-vinda, mas não resolve o problema. “É um eterno apagar incêndio”, diz. Diariamente, o aeroporto de Guarulhos recebe quatro voos vindos do Oriente Médio, muitos deles com famílias afegãs. O grupo que dorme no chão do aeroporto, em meio a isso, aumenta a cada dia. “Não tem fluxo (para acolher essas pessoas) e a lógica de deixá-las semanas esperando é cruel.”
Conforme o secretário de Desenvolvimento e Assistência Social de Guarulhos, Fábio Cavalcante, só até a última terça-feira, 11, ao menos 250 afegãos se cadastraram no posto de atendimento a migrantes do aeroporto para receber assistência. É o maior patamar desde o início do ano. “A gente garante a segurança alimentar através de café da manhã, almoço e jantar, cobertor a gente distribui, e kit higiene”, disse ele na ocasião. A prefeitura informou que os refugiados também estão tendo a situação vacinal atualizada.
A GRU Airport, concessionária que administra o aeroporto, informou que tem contribuído no suporte à realização de procedimentos de higiene pessoal e manutenção de limpeza do espaço, além de reportar os fatos constantemente ao Ministério Público Federal (MPF).
Na última terça, o MPF cobrou explicações do governo federal, mais especificamente da Casa Civil e do Ministério da Cidadania, sobre eventuais ações tomadas para solucionar a situação precária de alojamento dos afegãos no aeroporto. Ofícios também foram dirigidos à Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social do município paulista, à Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo e à GRU Airport.
O procurador da República Guilherme Rocha Göpfert, que vem coordenando os trabalhos no MPF para contornar a situação dos refugiados no terminal, convocou ainda uma reunião interinstitucional para esta sexta-feira, 14, com o objetivo de debater soluções emergenciais.
‘É uma situação muito ruim aqui, mas o que posso fazer?’, indaga refugiado
O Estadão esteve no aeroporto na terça e conversou com o afegão NoorRahman Naeimi, de 35 anos. Ele trabalhou no Exército do Afeganistão por cerca de 20 anos e veio ao Brasil após o Taleban ir até a casa dele para procurá-lo. A sensação ao estar acampado no aeroporto de Guarulhos, explicou, era um mistura de apreensão e alívio.
“Nós não temos muitos cobertores, colchões... Minha camisa está muito suja, não tem lavanderia, chuveiro. É uma situação muito ruim aqui, mas o que posso fazer?”, indagou. “Mesmo com essa situação, depois disso eu vou agradecer ao governo brasileiro por nos dar uma chance de vir para cá e salvar nossas vidas.”
Naeimi veio ao Brasil com o pai, de 61 anos, e com o irmão, de 23. Se conseguir emprego, a ideia é trazer mais pessoas. “Não tínhamos dinheiro para trazer o resto da família, mas vamos tentar encontrar um bom emprego aqui para trazê-los”, disse ele, que é pai de seis filhos, três meninos e três meninas.
Em nota enviada à reportagem nesta semana, o Ministério das Relações Exteriores disse que o assunto é acompanhado de perto desde a adoção, em setembro do ano passado, da portaria que permite a concessão de visto temporário e autorização de residência para nacionais afegãos. Desde então até o último dia 7, foram autorizados 6.299 vistos. Na maior parte dos casos, a vinda ao Brasil foi intermediada por organizações da sociedade civil, que os recebem e promovem a integração local.
Procurados na terça, a Prefeitura da capital paulista e o governo do Estado também se manifestaram. De acordo com informações da Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São Paulo (SEDS), 116 afegãos foram acolhidos na Casa de Passagem Terra Nova em 2022, sendo sete na terça. O local faz parte dos chamados “equipamentos sociais”, rede de integração da pasta que atende refugiados junto às repúblicas.
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) de São Paulo informou, por suas vez, que 93 afegãos que estavam no aeroporto foram encaminhados ao Centro de Acolhida Especial (CAE) da Penha, zona leste de São Paulo, aberto exclusivamente para abrigar o grupo. /COLABOROU FABIO TARNAPOLSKY
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