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Opinião|Afroconsumo brasileiro: por que as marcas negligenciam um potencial superior a R$ 1 trilhão por ano?

De acordo com o IBGE, população negra movimenta mais dinheiro do que os dados de consumo de toda a classe A brasileira

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Por Adriana Barbosa

Dados sobre o racional que sustenta a forma que a população negra consome, investe e gasta seu dinheirão - não, não é dinheirinho - são algumas das informações que apresento na pesquisa intitulada “O que falta para reinar? Um olhar para consumidores negros”, encomendada pela Globo e que tive o prazer de desenvolver junto aos especialistas Marcos Agostinho Silva (Instituto MAS Pesquisa), Raoni Cusma (Orolab), Jefferson Mariano (IBGE), Jess Castro (Queen) e Estela Castro (EKO Design).

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Aprofundamos e levantamos, através dela, questões provocativas que nos permitiram uma compreensão inédita do consumo da população negra em suas dimensões simbólicas, subjetivas e identitárias. Fomos impulsionados a explorar as intrincadas relações entre indivíduos e produtos, revelando as camadas mais profundas das motivações e significados que permeiam as escolhas de consumo.

De acordo com o IBGE, a população negra é responsável por fazer girar cerca de R$ 1,46 trilhão na economia, número maior que os dados de consumo de toda a classe “A” brasileira. Apesar disso, as marcas negligenciam o afroconsumo com a sub-representação em marketing, entretenimento, produtos e serviços dedicados a essa população, o que revela falta de foco e estratégia comprometidas, orientadas e alinhadas com o poder de compra da comunidade negra.

As pessoas negras têm ampliado sua capacidade de consumo e sua influência no âmbito social, o que representa um poderoso gesto político na sociedade. Na pesquisa que realizamos, organizamos as dimensões do consumo afro-brasileiro em uma linha temporal que abrange passado, presente e futuro, mapeando assim todo o impacto econômico e estrutural deste comportamento de consumo.

Adriana Barbosa fundou o Festival Feira Preta, maior evento de empreendedorismo afro da América Latina Foto: TABA BENEDICTO/ESTADÃO

Há uma lógica econômica discriminatória que a sociedade elabora enquanto o mercado solidifica os estigmas que invisibilizam a singularidade de cada cidadão negro - preto e pardo - , reduzindo sua dignidade e pluralidade a um bloco singular. Essa atitude perpetua a prática cotidiana do preconceito, criando desafios aparentemente intransponíveis no olhar do mercado para este grupo.

A população negra exibe uma grande diversidade econômica e está presente em todas as classes sociais e há uma crescente classe média negra aqui e em muitos outros países, contribuindo para o crescimento do poder de compra. Isso influencia diretamente o mercado consumidor em setores significativos como moda, beleza, entretenimento e tecnologia.

Além disso, esse grupo social possui uma influência cultural em diversos setores, moldando tendências de consumo e impulsionando a popularidade de produtos que refletem a diversidade e a inclusão.

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Consumo e afroempreendedorismo

Ao longo da história, o empreendedorismo negro foi a tática inicial para conquistar autonomia e independência financeira. Quando comecei, lá em 2002, vi a oportunidade de empreender em algo que fosse voltado à nossa identidade e à nossa história, ligado ao aspecto artístico e cultural. Aí, decidimos criar a Feira Preta, na Praça Benedito Calixto.

Ela tinha como propósito atuar em dois segmentos distintos. Por um lado, buscava engajar-se em todas as formas de expressão artística, promovendo a produção, valorização e difusão da cultura. Por outro lado, também se dedicava ao empreendedorismo, oferecendo um espaço único para empreendedores focados em uma estética negra, abrangendo produtos como roupas, acessórios, maquiagens, objetos de decoração, livros e obras de arte.

Quando penso em consumo, posso afirmar que transcende a perspectiva pragmática de simplesmente pagar e adquirir bens; possui um caráter simbólico e social moldado pela cultura. Pode representar não apenas acesso, mas também funcionar como uma barreira nas interações sociais.

Então, o que falta para o consumidor negro reinar?

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Penso que podemos começar a protagonizar quem construiu o Brasil e ainda movimenta as estruturas de diversos setores. Alcançar uma igualdade no poder de compra, na influência e tomada de decisão no mercado é um processo complexo que envolve vários fatores sociais, econômicos e culturais.

Existem pontos a considerar sobre o que pode ser necessário para promover uma maior equidade para os consumidores negros que podem garantir que as necessidades e preferências da população negra sejam reconhecidas e atendidas de maneira mais eficaz. Reconhecer a riqueza que movimentamos - novamente, R$ 1,46 trilhão - e, a partir deste reconhecimento, desenvolver estratégias diversas de negócio que nos atendam especificamente, é um destes pontos.

Além disso, é importante a promoção do acesso a oportunidades econômicas, que podem reduzir as disparidades sociais, proporcionando maior acesso a oportunidades educacionais, profissionais e fortalecimento da base econômica da comunidade negra.

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Não menos importante, ações de combate ao racismo estrutural, que têm o poder de abordar questões sistêmicas, sendo fundamental para criar um ambiente mais equitativo, onde todos os consumidores tenham oportunidades justas. E, dentre essas ações, exemplifico as parcerias significativas entre empresas em prol de resultados estratégicos para negócios mais alinhadas com as necessidades reais, promovendo uma relação de consumo mais justa, além da promoção de diversidade nas estruturas internas de empresas e onde as lideranças têm mais probabilidade de criar produtos e estratégias de marketing inclusivos.

É necessário, ao discutirmos esses temas, garantir a participação competitiva das pessoas negras na economia, em distintos mercados e nas dinâmicas comunicacionais. O que eu quero é que esse grupo, ainda tão minorizado, assuma papéis como tomadores de decisões, estrategistas e criadores de experiências, produtos e serviços mais sólidos. Só assim poderemos coexistir e prosperar.

Opinião por Adriana Barbosa

Diretora executiva da PretaHub e fundadora do Festival Feira Preta, maior evento de empreendedorismo afro da América Latina

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