A extrema seca no Rio Negro fez Manaus decretar estado de emergência nessa quinta-feira, 28. Além da estiagem recorde que atinge a região, a cidade está coberta por fumaça de queimadas há mais de um mês. Ao todo, 18 municípios do Amazonas já estão em situação de emergência. Outros 37 estão em ‘alerta’ e mais cinco declararam situação de atenção, conforme a Defesa Civil do Estado.
O cenário já estava sendo sentido por municípios do interior do Amazonas desde agosto. Em cidades como Benjamin Constant, Careiro da Várzea, Novo Aripuanã, Tefé e Tonantins as aulas foram suspensas porque os alunos que utilizam o transporte hidroviário não tinham mais condição de chegar às escolas.
Agora as consequências da estiagem atingem mais diretamente a capital do Estado, habitada por dois milhões de pessoas. Presidente da Associação dos Moradores e Agricultores da Comunidade Acurau, Joana Freire diz que já falta água potável na área rural de Manaus.
“A maioria das famílias usa água de poço, mas o rio secou tanto que a água agora sai com barro. Lá em casa mesmo, a gente está tendo de beber essa água, porque não tem outra opção. Coloca cloro e bebe, mas é uma água turva, com barro”, relata.
O percurso que ela fazia para ir da comunidade até a Marina do Davi, um porto de Manaus, durava 15 minutos. Com a seca do Rio Negro, o mesmo trajeto agora leva três horas. “A situação está muito complicada. Até os médicos que vinham aqui na comunidade não conseguem mais vir. Estamos, hoje, ilhados, em busca de ajuda. O que mais precisamos no momento é água.”
O governo estima que a estiagem deve afetar a distribuição de alimentos e água para até 500 mil pessoas. E mais de mais de 100 mil já são afetadas diretamente pelas consequências da seca.
Nessa quinta, o Rio Negro chegou a medir 16,11 metros de profundidade. O afluente está a só 3,5 metros de atingir a maior seca da história do Amazonas, quando o mesmo rio atingiu a cota de 13,63 metros, em 2010. Segundo o Porto de Manaus, que mede o rio há décadas, a descida das águas está em uma média de 30 centímetros por dia.
Na terça-feira, 26, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), anunciou parceria com o governo federal para atuar diretamente contra a crise. “Tem três aspectos importantes para se levar em consideração na estiagem: o primeiro é a ajuda humanitária, o segundo são as questões de desmatamento e queimadas. O terceiro é a atividade econômica por conta da dificuldade de passagem de balsa e grandes embarcações pelo Rio Madeira”, disse.
Viralizaram nas redes sociais vídeos de milhares de peixes mortos no Rio Solimões, outro grande corredor aquático do bioma. Até mesmo um boto-cor-de-rosa e peixes-boi foram registrados sem vida. Isso ocorreu em Tefé, a 523 quilômetros de Manaus, mas também se repetiu em Manacapuru, região metropolitana da capital.
Não há medição oficial do Rio Solimões em Tefé, mas a régua em Coari (a 363 quilômetros de Manaus) aponta que o afluente chegou a medir 4,17 metros nesta quinta-feira (28). A medida também é considerada histórica.
El Niño causa seca na região Norte
Neste ano, o Brasil e o mundo sofrem os efeitos do El Niño, um fenômeno climático natural que ocorre com intervalos de dois a sete anos, e que se caracteriza pelo aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico na região do Equador. Isso causa a interrupção dos padrões de circulação das correntes marítimas e massas de ar, o que leva a consequências distintas ao redor do mundo.
Na região Norte do Brasil, o fenômeno se reflete em menos chuvas e seca mais intensa. O El Niño é conhecido por elevar as temperaturas planetárias em 0,1ºC a 0,2ºC. O último fenômeno forte do tipo levou 2016 ao recorde atual de calor global médio, e também desencadeou aumento de calor extremo e tempestades.
“O El Niño é causado pelo aquecimento anômalo das águas do Pacífico equatorial, as águas já estão ficando cerca de um grau mais quente em relação as décadas passadas. Neste ano em particular o aquecimento global amplificou de uma maneira extraordinária o aumento da temperatura dos oceanos, por isso temos um El Niño muito mais forte do que teríamos sem o aquecimento global “, diz Paulo Artaxo, Integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e professor da USP. “O aquecimento global é a peça-chave no aumento dos eventos extremos, sem dúvida alguma, como essas ondas de calor e inundações no Rio Grande do Sul.”
Estiagem afeta até exportação de produtos da Zona Franca
Até mesmo a base da economia do Estado sofre ameaças: a Zona Franca de Manaus. Segundo ofício enviado pela Federação das Indústrias do Amazonas (Fieam) ao Comando do 9º Distrito Naval, a seca dos rios, especialmente do Madeira, tem afetado a exportação de produtos.
A entidade critica a chamada “taxa de seca”, que vem sendo cobrada por cabotadores (que guiam as embarcações no rio) além do custo usual para o serviço. No Amazonas, o trecho mais afetado é a ‘Enseada do Madeira’, por onde são transportados não só produtos da Zona Franca, mas também combustíveis e alimentos.
De acordo com a entidade, são vistas “cobranças abusivas para oferecer a passagem segura dos navios, tornando os custos finais logísticos economicamente inviáveis”.
Floresta sob neblina
Agravando a crise climática no Amazonas, Manaus e outros municípios do Amazonas estão envoltos há semanas em uma nuvem de fumaça de queimadas. Em alguns dias, a capital amazonense ficou coberta de uma ‘neblina’, visível mesmo durante a noite.
Até 29 de setembro, foram 6.782 focos de queimadas no Amazonas. No mesmo período de agosto, foram 5,1 mil, uma alta de 33%. Mas o cenário na mesma época do ano passado foi pior: em 29 dias de setembro de 2022 foram 8.103 focos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
“Mais um dia Manaus grita por socorro no coração da maior floresta tropical do mundo. A floresta pede socorro. Queimadas, desmatamentos, leitos de rios sendo aterrados no centro da cidade e NINGUÉM FAZ NADA! Onde estão nossos representantes?”, escreveu uma usuária.
‘Brasil é definitivamente um país vulnerável nesse momento’, diz ministra
Nessa quinta-feira, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que o governo vai enviar ajuda humanitária aos municípios do Norte atingidos pela seca. “A previsão é que talvez sejam necessárias em torno de 300 mil cestas básicas. O governo do Estado já adquiriu cerca de 70 mil cestas básicas e o governo federal, além de prover esses recursos para ajuda emergencial, também já está trabalhando.”
Segundo ela, os ministérios da Integração e do Desenvolvimento regional, das Cidades e da Casa Civil estão articulando para que a Defesa dê suporte logístico para a entrega dos itens de extrema necessidade.
“Temos uma situação de vários eventos extremos. O Brasil é definitivamente um país vulnerável nesse momento em que convivemos com o que acontece no Rio Grande do Sul, que já havia passado um período de estiagem e agora vive chuvas torrenciais”, afirmou. “Temos o Estado do Amazonas, que no início do ano passou por cheia extrema e agora vive estiagem extrema. Os prejuízos são enormes”, acrescentou.
A ministra defendeu ainda que são necessárias medidas de médio e longo prazo para lidar com esses eventos. Marina afirmou que a meta de redução do desmatamento assumida pelo governo é um dos pontos que contribuem para mitigar as mudanças climáticas. Segundo ela, é importante também que 1038 municípios vulneráveis a eventos climáticos extremos tenham decreto de situação de emergência climática para agilizar a resposta às tragédias.
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