Análise: Lugo enfrenta desafio de reformas no Paraguai

Novo presidente tem como prioridade diminuir a corrupção no país.

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Por James Painter

O novo presidente esquerdista do Paraguai, Fernando Lugo, de 57 anos, é original em vários aspectos: é o primeiro ex-bispo a se tornar presidente na América Latina - no mês passado o papa Bento 16 concordou pessoalmente com sua renúncia ao bispado. Além disso, para a posse nesta sexta-feira ele disse que usará um novo par de sandálias - um símbolo de seu estilo descontraído e seu compromisso com os pobres. Mas o calçado simplório é um grande contraste com a tarefa complexa e monumental de realizar mudanças em um país assolado por décadas de corrupção, pobreza e desigualdades. Acima de tudo, Lugo é um novato na política - arena em que entrou em 2006. Mas alguns dizem que seus 30 anos de experiência trabalhando dentro da Igreja Católica, primeiro como padre e depois, bispo, foi um bom lugar para que ele desenvolvesse suas habilidades políticas para manter unida uma coalizão frouxa. Ele venceu as eleições de abril à frente da Aliança Patriótica para Mudança (APC), pondo fim a 61 anos de domínio do Partido Colorado, de direita. Mas a APC é formada por um amplo espectro de forças que vão desde o Partido Liberal Radical Auténtico (PLRA), de centro-esquerda, a vários partidos de esquerda mais próximos às posições de Lugo. O APC não tem uma maioria em nenhuma das casas do novo Congresso, e terá que formar alianças com dissidentes de facções do Colorado para aprovar nova legislação. Além disso, o Partido Colorado ainda tem uma enorme presença no país, particularmente no meio do Judiciário, e pode trazer um grande entrave para mudanças. Lugo já denunciou, em uma entrevista à BBC, que forças de oposição estão fazendo um complô para desestabilizar seu novo governo através da criação de uma falsa escassez de combustíveis e suprimentos hospitalares. Corrupção O presidente eleito também disse à BBC que sua primeira prioridade será combater a corrupção, que é um dos muitos legados do general Alfredo Stroessner. O militar governou o Paraguai como seu feudo entre 1954 e 1989. Stroessner fez vista grossa para o controle de seus amigos sobre uma vasta economia de contrabando, que incluía drogas, uísque e aparelhos eletrônicos que, provavelmente, valia tanto quanto a economia formal. Lugo vai apresentar sua honestidade como um antídoto para a corrupção generalizada. Mas a tarefa tomará tempo. A organização Transparência Internacional colocou o Paraguai no 138º lugar (de um total de 180) em sua lista de 2007 dos países mais corruptos do mundo. O novo presidente se tornou conhecido por apoiar camponeses pobres que invadiam terras no Estado de San Pedro, onde era bispo. Mas todos os sinais são de que ele vai lidar cuidadosamente com o tema, no que tange a mudanças na desigual divisão de terras no país, uma das piores da América Latina. Acesso à terra é crucial em um país onde há tão poucos empregos na indústria. A soja é o principal produto de exportação do país e o Paraguai é o quarto maior exportador mundial do grão. Lugo não vai querer fazer nada que ameace os grandes produtores de soja, muitos deles brasileiros, que são o maior motor da economia. Mas ele deve enfrentar grande pressão de um movimento de cooperativa camponesa cada vez mais forte que tem aumentado as invasões de terra nos últimos meses. Alguns líderes camponeses afirmam que vão iniciar mais invasões no dia seguinte à posse do presidente. Censo Lugo afirma que seus primeiros passos no governo serão iniciar o diálogo nacional e implementar um censo agrário nacional para tentar trazer ordem ao estado caótico da propriedade de terra, em que poucos paraguaios tem os títulos de suas próprias terras. Ele já descartou desapropriações e pediu paciência, mas seu maior desafio vai ser trazer melhorias para os camponeses pobres rápido o suficiente. Outra de suas principais tarefas vai ser tentar persuadir o Brasil a pagar mais pela eletricidade de Itaipu. O Paraguai é co-proprietário da represa, mas usa apenas uma fração de sua produção hidrelétrica. A usina, no entanto, responde por 20% de toda a eletricidade consumida no Brasil. O presidente Luis Inácio Lula da Silva vem sendo cauteloso sobre a possibilidade de um novo acordo com o Paraguai. O país tem muito pouco poder de negociação, já que não pode exportar sua eletricidade para nenhum outro país, mas Lula pode querer fazer um favor a seu aliado ideológico. As indicações são de que, em outras áreas, as mudanças também deverão ser graduais. A equipe econômica de Lugo fala em reforma fiscal, investimento privado em estatais e controle da inflação. O discurso passa longe do radicalismo socialista do presidente Evo Morales, na Bolívia, ou de Hugo Chávez, na Venezuela. O Paraguai, com freqüência, seguiu um caminho histórico distinto dos outros países latino-americanos. Lugo pode estar se unindo à recente "onda rosa" de presidentes esquerdistas sendo eleitos na região, mas como ele mesmo diz, quer "soluções paraguaias para problemas paraguaios". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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