O arrocha pode ter despontado como queridinho dos carnavalescos nos últimos anos, mas a história deste movimento romântico começou na Bahia vinte anos atrás. Foi Candeias, cidade da região metropolitana de Salvador, quem primeiro escutou os gingados do que viria a ser o novo ritmo baiano. De lá para cá são 23 anos de trajetória, uma pluralidade de ‘realezas arrochadas’ e a marca de uma identidade local que ganhou o país.
Em artigo para revista Bahia com História, Nadja Vladi, especialista em música popular explica a origem sonora: o arrocha é um herdeiro musical do bolero cubano e das serestas, com base rítmica baseada em um teclado-arranjador e uma guitarra. “As letras têm como assunto principal o sofrimento, sempre pautado por um amor não correspondido”, escreve Nadja.
Apesar de hoje estar entre os protagonistas do mercado musical, no começo, o arrocha se solidificou fora da cena tradicional. Foi preciso criar novas alternativas de distribuição. O novo caminho alavancou o gênero e, em 2001, o arrocha dominou o mercado informal de vendas. O que aconteceu em seguida, diz Vladi, foram shows em praças públicas lotadas.
A realeza convoca o público a dançar agarradinho
Na dianteira do movimento, a primeira Rainha do Arrocha, Nara Costa. A cantora, hoje com 47 anos, passou 16 colocando o público “para dançar agarradinho”, no jeitinho da Nara, a sensualidade romântica do gênero.
Foi uma das primeiras mulheres no ramo, após embarcar por acaso na novidade ainda sem nome definido. “Naquela época, chamavam de seresta. Relutei porque fazia barzinho e meu repertório era só MPB”, relembra.
Para Nara, o arrocha é um casamento perfeito entre a música e a dança – a genuinidade da música baiana. Ao longo dos anos, o gênero pode ter se atualizado. É um processo natural, acredita, consequência da entrada de novas tecnologias. Distante dos palcos há quase uma década, percebe na pegada natural alguns distanciamentos do movimento original.
“Muitas coisas têm se perdido, já mudaram até de arrocha pra ‘sofrência’. Uma coisa é muito certa e é válido dizer: sendo arrocha ou a atual ‘sofrência’, é um movimento musical genuinamente baiano, ali do Recôncavo”, conta.
Nara Costa, Rainha do Arrocha
Dia de arrocha
À frente da novidade, Jailton Barbosa, o Jai. Foi movido pela necessidade de se diferenciar de outros grupos dos anos 2000 que ele começou a rascunhar a nova pegada musical. “Queria uma música mais romântica e trouxe uma batida mais sensual. Quando tocamos a primeira vez, o povo foi olhando um para o outro, pegando jeito... e acabaram dançando”, relembra Jailton, que dividia, na época, a banda Asas Livres com Pablo – agora, a realeza do gênero.
É o Rei do Arrocha quem resgata a origem do nome. “O arrocha surgiu de uma expressão que eu falava nas serestas: ‘Arrocha para os casais dançarem agarradinhos’. De lá pra cá o pessoal começou a falar: ‘hoje tem arrocha’”, conta Pablo.
Hoje, apesar de os dois terem seguido caminhos diferentes, ambos compartilham o amor pelo arrocha e concordam sobre qual é a marca principal da música: não pode faltar romance. A reportagem conversou com a dupla para saber mais sobre as referências do gênero e como eles percebem a prevalência da melodia no Carnaval.
O que diferencia o arrocha de outros gêneros, como forró e sertanejo?
Pablo: A batida do arrocha é diferente do forró e do sertanejo. O arrocha é mais sensual, os outros já são mais ‘suingados’, o arrocha tem aquele molejo mais sensual.
O arrocha é mais sensual, os outros já são mais ‘suingados’,
Pablo, Rei do Arrocha
Jai: O jeito é diferente do nosso. O sertanejo é diferente do arrocha, o arrocha tem uma mesclagem voltada para a galera popular.
Como era tocar arrocha no começo dos anos 2000 e como é agora? O que mudou?
Pablo: Antigamente fazíamos shows pequenos, nas serestas, com voz e teclado. Hoje, o arrocha ganhou o Brasil. Conseguimos alcançar outras vertentes, classes sociais e novos públicos. E outros gêneros, porque o Brasil é isso: é forró com arrocha, é sertanejo com arrocha, axé com arrocha. Uma grande mistura musical.
Jai: No ano 2000 era uma coisa nova que tinha que apresentar ao mercado. Tocava um pouco apreensivo, não sabia qual era a aceitação do público. Agora é totalmente diferente, o público já conhece o estilo e já sabe das músicas de cada banda, é só chegar e fazer o show.
O arrocha é um ritmo baiano, nordestino. O que significa em termos de mercado musical ver uma música nordestina entre as mais ouvidas no carnaval?
Pablo: É muito gratificante. Nunca me esqueço de 2013 quando colocamos pela primeira vez um trio na avenida. Foi uma verdadeira loucura ver aquele mar de gente cantando. Depois, voltamos muitas outras vezes, com convidados, com trio sem corda para que o povo pudesse curtir do início ao fim.
Jai: Maravilhoso. Quando lancei esse ritmo no mercado, não tinha noção do que iria acontecer. Um ritmo regional chegar lá em cima, é um orgulho muito grande ouvir grandes artistas tocando um ritmo baiano.
O arrocha tende a ter uma melodia mais romântica, mais sensual. O carnaval é um período mais agitado, mais à flor da pele. O que está por trás da preferência do brasileiro pelo arrocha durante a folia?
Pablo: A gente faz no carnaval essa mistura e coloca músicas que não são do arrocha, no repertório. Vi esses dias, por exemplo, Silvano Salles cantando em versão de arrocha a música “Zona de Perigo” de Léo Santana e é isso. Mas a galera também gosta de dançar agarradinho subindo a Barra até ondina e falando de amor.
Jai: Carnaval é festa popular, uma festa para todos. Se é para todos, todos estão na rua. Quando o carnaval se abriu para outros ritmos, como forró e sertanejo, o carnaval abriu um leque grande. Antes, era restrito só para o axé e o pagode. Como o arrocha tem uma pegada popular, ele foi entrando. Juntou o útil ao agradável.
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