O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou nesta quinta-feira, 11, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu vetar um trecho do projeto de lei que restringiu as “saidinhas” de presos: aquele que revogava o inciso I do artigo 122 da Lei de Execuções Penais. Esse é exatamente o ponto mais conhecido da iniciativa: a nova norma pretendia acabar com a permissão para que presos em regime semiaberto pudessem sair da cadeia, em cinco oportunidades por ano, com duração de até sete dias cada uma, para visitar a família.
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Em janeiro, o sargento da Polícia Militar mineira Roger Cunha, de 29 anos, morreu baleado em Belo Horizonte durante confronto com dois criminosos, e um deles cumpria saída temporária para visitar a família.
Movidos pelo clamor popular, Câmara, Senado e governadores se mobilizaram para dar andamento a um projeto de lei que tramitava desde 2011 e, em sua versão mais atualizada após sofrer várias mudanças, proíbe a saidinha.
Uma versão do projeto de lei proibia a saidinha em qualquer hipótese. O senador Sérgio Moro (Podemos-PR), ex-ministro da Justiça, propôs permitir a saidinha em uma hipótese, e assim foi feito.
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Na versão aprovada por ampla maioria no Senado e na Câmara, a saidinha era permitida apenas em caso de” frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução”. Com o veto de Lula, a saidinha continua valendo também para “visitas familiares”.
O veto deve ser publicado nesta sexta-feira no Diário Oficial da União, e a Presidência da República vai enviar mensagem ao Congresso comunicando o veto. A partir daí, senadores e deputados terão 30 dias corridos para avaliar se mantêm ou retomam a versão anterior do texto. Parlamentares da oposição prometem se mobilizar para derrubar o veto.
Para derrubá-lo, são necessários os votos da maioria absoluta (ao menos 257 deputados e 41 senadores), em sessão conjunta. A parte do projeto de lei que não foi vetada por Lula entra em vigor imediatamente após a publicação.
Para o promotor de Justiça Alexandre Daruge, do Departamento Estadual de Execução Criminal da 4ª Região Administrativa Judiciária de São Paulo, que defende o fim das saidinhas, o veto “atacou o coração do projeto de lei”.
“Ele esvaziou completamente o alcance pretendido pelo projeto de lei. O interesse maior do Parlamento, e acredito que também da sociedade, era justamente o fim dessas saídas, que foram preservadas pelo veto. Com esse veto, ao menos até que seja derrubado, mantém-se o sistema”, critica.
“Por conta do mau funcionamento das saídas, por falta de fiscalização, foi se criando um desejo social pelo fim desse benefício, que ficou frustrado pelo veto”, acrescenta o promotor.
Para o advogado criminalista e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa Alexandre Noal, o veto pontual de Lula não muda a situação da maioria da população carcerária, formada por presos condenados por crimes hediondos ou praticados com violência ou grave ameaça, como o roubo, por exemplo.
Nesses casos, a saidinha está proibida - antes a proibição atingia apenas condenados por crimes hediondos, e agora ela foi estendida para autores de crimes praticados com violência ou grave ameaça.
“As restrições aprovadas para a progressão de regime semiaberto e, em larga escala, para a saída temporária, só vão provocar ainda mais superlotação carcerária e diminuição nos índices de ressocialização dos presos. Muito provavelmente o tempo irá demonstrar que foi um verdadeiro ‘tiro no pé’, a exemplo de outras medidas punitivistas”, avalia Noal.
‘Retrocesso de pelo menos 50 anos’
Professor de Criminologia da USP, Maurício Stegemann Dieter considera que o veto às saidinhas é secundário. Para ele, o grande problema desse projeto de lei é voltar a exigir exame criminológico para autorizar a progressão de regime.
“É um retrocesso de pelo menos 50 anos. O exame criminológico é a ‘cloroquina da execução penal’. Não só dificulta muito a progressão, pois impõe critérios anticientíficos, antiéticos e antijurídicos como condição para o que antes só pressupunha tempo e ausência de falta grave, mas atrasa imensamente a progressão e vai piorar, e muito, a situação já horrível de encarceramento no País”, avalia.
“E ainda vai agravar a enorme quantidade de trabalho das Varas de Execução Penal, porque agora terão de marcar, realizar e analisar esses exames absurdos”, prossegue Dieter.
Principais mudanças:
- Uso de tornozeleira eletrônica
A partir de agora, o preso autorizado a sair da prisão será obrigado a usar tornozeleira eletrônica enquanto não voltar à prisão. Há outras exigências que se mantêm, como permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; não se sair da cidade onde reside sem autorização judicial e comparecer ao Juízo para informar e justificar suas atividades, quando for determinado.
- Exame criminológico
Para a progressão de pena, passa a ser necessário exame criminológico. Ele é previsto desde a criação da Lei de Execuções Penais, em 1984, mas estava restrito a casos especiais. Agora volta a ser exigido para todos os presos.
- Proibição para condenados por crimes hediondos ou praticados com violência ou grave ameaça
Condenados por crimes hediondos ou praticados com violência ou grave ameaça a pessoa não terão direito à saída temporária nem ao trabalho externo sem vigilância direta. Até então, a proibição atingia apenas condenados por crime hediondo com resultado morte.
- Saída temporária extinta
Até então, era possível a saída temporária para participar de “atividades que concorram para o retorno ao convívio social”. Essa hipótese foi extinta.
- O que foi vetado
O projeto de lei aprovado pelos parlamentares proibia a saída temporária para visita familiar, mas essa restrição foi vetada por Lula. Essa hipótese permanece, mas pode ser derrubada pelo Congresso.