Um dia após o atentado contra duas escolas no município de Aracruz, litoral norte do Espírito Santo, familiares e amigos das vítimas vêm se reunindo em velórios e homenagens pela cidade. Desde a noite desta sexta-feira, 25, dia do atentado, flores e velas são deixadas à porta da Escola Primo Bitti, primeiro local invadido pelo atirador, no pacato bairro de Coqueiral de Aracruz.
Diante do crime que tirou a vida de três pessoas e feriu outras 13, os sentimentos de tristeza e indignação eram um lugar comum entre os presentes e a comunidade.
Logo na chegada à cidade, era possível ver a fila de carros que se forma em frente à capela que abriga o velório da estudante Selena Sagrillo, de 12 anos. Entre os muitos presentes, chamou a atenção a quantidade de adolescentes vestindo roupas pretas e acompanhados de seus pais.
Uma delas, Maria Eduarda Oliveira Vervloet, de 11, era amiga e colega de classe e contou como tudo aconteceu.
“Eu estava em uma sala embaixo de onde o assassino estava. Ouvi o barulho dos tiros, olhei e vi o assassino. Uma das coordenadoras que estava comigo também foi ver o que era e voltou correndo, com cara de assustada, e levou a gente com pressa para um clube vizinho da escola. Fiquei com muito medo e não quero mais voltar”, comentou ao lado da mãe, Renata Curto, de 47, que correu para o local quando soube do atentado por meio de um aplicativo de mensagens e reitera a vontade da filha: “Muito difícil voltar. Foi um trauma muito grande e os pais não se sentem seguros”.
Assim como ela, outros pais também se disseram surpresos com a violência incomum vivida por eles. De acordo com Simoni Bianchini, mãe de um dos sobreviventes e ex-professora da escola, faltam palavras para descrever o que aconteceu. “A gente está sem palavras para explicar o que aconteceu em um bairro tão tranquilo. A gente sempre teve alguns problemas na escola, coisas comuns de estudantes, mas nada nem perto disso. O que a gente viu ontem não. Entrei em pânico”, disse.
A cena de desolação também foi vista no velório de Maria da Penha Pereira de Melo Banhos, de 48, uma das professoras mortas durante o ataque. À imprensa, o agora viúvo Wellington Banhos contou que soube do ataque por meio da filha de sete anos. “Minha filha mandou mensagem para mim, fui ao hospital para verificar e fui para a escola. Porém lá, eu queria ver ela, abraçar ela. Mas não consegui”, disse Wellington, que acompanhou o velório da esposa até seu enterro às 14h deste sábado.
O enterro de Selena acontecerá também no sábado, mas em Ibiraçu, um município vizinho de Aracruz. Ainda não há informações sobre o velório e sepultamento da terceira vítima, a professora Cybelle Passos Bezerra Lara, de 45 anos.
Governador esteve presente em velórios
O governador do Estado, Renato Casagrande, esteve presente nos dois velórios durante a manhã deste sábado, 26. Acompanhado da primeira-dama, Maria Virgínia Casagrande, e do secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo, Casagrande prestou sentimentos às famílias e teceu críticas ao que ele chamou de “cultura da violência”.
“A tragédia que se abateu sobre essas duas escolas é algo que jamais achamos que fosse ser vivido por aqui. É um momento de luto, de ter uma postura solidária a essas famílias. Ver que um adolescente de 16 anos planejou, por dois anos, esse ataque e aprendeu a manusear armas, faz a gente refletir sobre a cultura da violência que temos crescendo hoje, no armamento, nessa polarização. O incentivo à violência no dia a dia e, ao mesmo tempo, a facilidade de acesso às armas por qualquer pessoa, abre um alerta sobre a necessidade que temos de controlar o acesso a isso. Mesmo quem é policial, que tem acesso, deve ter cuidado no armazenamento, na educação dada aos nossos filhos”, comentou.
Governo apoiará famílias
De acordo com Renato Casagrande, o governo do Estado irá oferecer acompanhamento psicológico para as vítimas do atentado. Ainda segundo o governador, todos os alunos e professores terão apoio de profissionais durante o retorno às atividades escolares, que deve acontecer na semana que se inicia no próximo dia 5 de dezembro.
Sobre a implantação de medidas de segurança, Casagrande afirmou que as escolas são acompanhadas pela Secretaria de Estado da Segurança Pública. Sobre a presença de seguranças armados, tema que vem sendo levantado por alguns dos pais, o governador disse não ser a melhor medida a se tomar.
“A escola não é um presídio. Se a gente for transformar a escola em um grande forte perde o sentido da educação. Não vamos transformar a escola em uma unidade prisional. Precisamos que família e professores comecem a identificar cada vez mais cedo distúrbios de nossos jovens. Escola não é lugar de ostentar armas”, concluiu.
Entenda o caso de Aracruz
Um adolescente de 16 anos abriu fogo contra professores e estudantes de duas escolas no município de Aracruz, localizado no litoral Norte do Espírito Santo. O caso aconteceu na manhã desta sexta-feira, 25, e resultou na morte de duas professoras e uma aluna, além de 13 feridos, cinco em estado grave.
Flagrado por câmeras de segurança instaladas na Escola da Rede Estadual e primeira a ser atacada, a Primo Bitti, o atirador chegou ao local dirigindo um veículo dourado que tinha as placas cobertas.
Ostentando uma suástica – símbolo nazista – em um dos braços, além de roupa tática e duas armas (uma pistola .40 e um revólver 38 pertencentes ao pai policial), o atirador entrou sem dificuldades pelo portão e, em seguida, se dirigiu à sala dos professores, onde fez as suas duas primeiras vítimas fatais e feriu outras nove pessoas. As docentes Cybelle Passos Bezerra Lara, de 45 anos, e Maria da Penha Pereira de Melo Banhos, de 48, morreram no local. Em seguida, o adolescente se dirigiu à segunda escola, onde assassinou a estudante Selena Sagrillo, de 12 anos.
Apreendido em casa, o menor de idade foi encaminhado para uma unidade prisional na Grande Vitória, onde passou a noite. Em boletim divulgado no início da tarde deste sábado, a Polícia Civil informa que o adolescente deve responder por “ato infracional análogo a 10 tentativas de homicídio”, além dos três homicídios. O crime ainda deve ser enquadrado como sendo realizado por motivo fútil e impossibilidade de defesa das vítimas.
Não é a primeira vez que o Espírito Santo vive um caso como este: em agosto deste ano, o ex-aluno de uma escola de Jardim da Penha, bairro nobre da capital capixaba, Henrique Lira Trad, de 18 anos, foi autuado em flagrante por tentativa de homicídio ao invadir sua antiga escola.
Munido de facas ninjas, flechas e coquetéis molotov, Henrique foi interceptado pela polícia e não chegou a concluir o crime que ameaçou realizar contra funcionários e estudantes da instituição. O processo segue em segredo de Justiça.
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