Eventos difíceis, como o ataque* que deixou quatro crianças mortas e outras cinco feridas em Blumenau, Santa Catarina, na manhã desta quarta-feira, 5, podem afetar, seja a curto ou a longo prazo, o psicológico dos pequenos e de adolescentes. Cerca de 40 crianças de 3 a 7 anos estavam na creche Cantinho Bom Pastor no momento do ataque.
De acordo com Leila Tardivo, psicóloga e professora do Instituto de Psicologia da USP, quando se trata de crianças, o processamento da tragédia pode ser mais complexo, até mesmo por uma questão de percepção de mundo. Entretanto, isso não evita o impacto: “Independente de eles terem ou não noção do tamanho da tragédia, a ocasião assusta porque se cria um ambiente com criança chorando, pais desesperados, correria.”
Para a especialista, o mais importante para superar uma situação traumática é tentar promover um ambiente de segurança e acolhimento, demonstrando presença e apoio.
Em um primeiro momento, o recomendado é realizar um atendimento de “psicologia de urgência”, também chamada de “psicologia de desastres”. O termo refere-se a atendimentos para acontecimentos que não fazem parte da rotina, provocando estresse e trauma.
O atendimento visa a reduzir o impacto dessa situação. “A psicologia de emergência tem que garantir à criança e ao ambiente dela o mais possível conforto”, destaca a psicóloga.
Para além do atendimento de urgência, a sensação de segurança e de acolhimento devem tentar ser promovidas de forma contínua pelos pais e pela escola, enquanto as crianças ainda demonstrarem medo ou tristeza. “As crianças não sabem se expressar e ficam muito assustadas. É por isso que é preciso que o adulto acolha. Acolher a dor é necessário. É preciso ouvir e explicar, dentro do que é possível, o que aconteceu”.
Fazer a criança falar, promover atividades lúdicas, criar espaços para a expressão e promover homenagens aos amigos que se foram são algumas das ações recomendadas como forma de enfrentamento pela especialista, que frisa que é importante não ignorar a tragédia.
“Não dá para não fazer de conta que não aconteceu. Voltar à rotina não significa negar. Faz mal fingir que está tudo bem”. Por outro lado, é preciso ter cuidado para não pesar a mão em relembrar e dificultar a superação, alerta.
A psicóloga diz ainda que o impacto pode acontecer não somente nas crianças presentes, mas também nas que acompanharam o evento, seja pela mídia, redes sociais ou histórias próximas. “Eles podem, por exemplo, ter medo de ir para a escola. Os pais não podem brigar com a criança. É preciso dar esse tempo a ela, aos poucos ir voltando.”
Embora a situação provoque um impacto na mente da criança, a especialista explica que nem todas desenvolvem um trauma. “O trauma é a marca. É o que vem depois, manifestando-se em sintomas como insônia, terror noturno, agitação, sentimentos de solidão e medo, irritação.” Nesses casos, a recomendação é que haja um acompanhamento psicoterápico a longo prazo, para tratar e amenizar possíveis efeitos disso na adolescência e até mesmo na vida adulta.
NOTA DA REDAÇÃO: O Estadão decidiu não publicar foto, vídeo, nome ou outras informações sobre o autor do ataque, embora ele seja maior de idade. Essa decisão segue recomendações de estudiosos em comunicação e violência. Pesquisas mostram que essa exposição pode levar a um efeito de contágio, de valorização e de estímulo do ato de violência em indivíduos e comunidades de ódio, o que resulta em novos casos. A visibilidade dos agressores é considerada como um “troféu” dentro dessas redes. Pelo mesmo motivo, também não foram divulgados vídeos do ataque em uma escola estadual na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, no último dia 27 de março.
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