O início de uma separação ou o resgate da individualidade e da qualidade do sono? Quando a atriz Sheron Menezzes disse em entrevista neste mês que dorme em quarto separado do marido, muitos casais se sentiram representados. Hábitos cotidianos, como hora de dormir e acordar, ronco e outros barulhos sempre aparecem nos divãs como motivos de discórdia nos relacionamentos.
“Ele acorda 5 horas da manhã. Sou obrigada a acordar junto? Gosto de dormir cedo e ele, tarde, eu sou obrigada a ficar acordada? A gente faz isso há dois anos, a dinâmica fluiu, a gente lida bem com isso”, afirmou a atriz sobre o marido, o lutador Saulo Bernard, ao podcast Quem Pod Pod.
Sheron contou que a “separação de quartos” veio após o nascimento do filho do casal. Para deixar a mulher descansar, Bernard ia com o bebe para o outro quarto. A ideia deu tão certo que decidiram continuar assim, cada um no seu quarto, e está tudo ótimo, afirma Sheron.
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Situações que impactam a qualidade do sono de ambos são uma das principais razões que levam casais a optarem por quartos separados, pois assim reduzem atritos e dormem melhor, diz a psicóloga especializada em relacionamentos Silvia Regina Dias. “A decisão depende das necessidades e preferências de cada casal”. O problema, afirma, é que em relacionamentos já desgastados essa escolha costuma vir sem diálogo, o que aumenta o distanciamento.
A secretária Sueli (nome fictício) de 35 anos, é casada com o comerciante Joaquim, de 40, e os dois estão juntos há dez anos. Há quatro, dormem separados porque as brigas já haviam se tornado rotina. O fato de ele fumar e gostar de beber tornava tenso o convívio à noite.
“Fica com cheiro muito forte, além de roncar muito. Eu já havia falado nesta possibilidade de dormirmos separados há muito tempo. Mas ele é um pouco machista e resistiu à ideia. Cheguei em falar em separação”, conta ela.
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A secretária diz que a terapia a ajudou muito e foram feitos acordos. “Tenho liberdade de fazer o que gosto antes de dormir: rezar, meditar, ouvir musica calma. Meu lençol e fronha ficam cheirosos, não fico mais enjoada e espirrando, nem acordando com os roncos dele”, relata.
“Quando estou triste, ele me escuta. E sempre vai me dar boa noite e ver se preciso de algo quando vou dormir.” Para o marido, ficar no quarto sozinho à noite, também foi bom.
Quem tem mais recursos cria até três ambientes. O rei da Inglaterra, Charles III, por exemplo, tem seu quarta, Camilla tem o dela, e o casal de monarcas tem outro cômodo para gastarem tempo juntos.
Pesquisa conduzida pela Sleep Foundation neste ano om 1.250 adultos americanos apontou que só 1,4% dos respondentes adotavam esse “divórcio do sono”, mas entre os adeptos, metade relata que isso aumentou a qualidade da noite dormida.
A psicóloga Silvia Regina Dias afirma que, embora dormir em quartos separados possa ter benefícios para algumas pessoas, é importante considerar o impacto desta decisão na saúde mental de cada um.
Ela aponta algumas situações e benefícios de dormir em quartos separados:
- Privacidade e espaço pessoal. Às vezes, ter um quarto separado pode ajudar cada um a ter espaço e tempo pessoal, trazendo benefício para o bem-estar emocional.
- Necessidades de sono diferentes. Algumas pessoas têm necessidades de sono diferentes em termos de horários, temperatura ambiente, luz etc. Dormir separado pode permitir que cada pessoa atenda as suas necessidades individuais.
- Períodos de tratamento de saúde. Há situações em que um dos cônjuges necessita de maior espaço na cama, assim como ter horários específicos para medicações e higiene íntima; o ronco de um ou ambos parceiros, insônia ou outras condições específicas para dormir bem, a escolha de dormir separado pode ajudar a melhorar a qualidade do sono de ambos os parceiros, uma vez que a interrupção do sono de um e outro é bem menor.
A psicóloga ressalta, porém, que tão importante quanto dialogar sobre as vantagens é ter conhecimento das possíveis desvantagens.
Veja algumas dos possíveis pontos negativos, segundo Silvia Regina Dias
- Menos conexão emocional. Dormir junto pode ser uma oportunidade para compartilhar momentos íntimos, como conversas antes de dormir e abraços. “Se o casal não gerar estes hábitos em outros momentos, essa conexão emocional pode ser enfraquecida quando o casal dorme em quartos separados”, afirma.
- Intimidade física espontânea pode diminuir. É importante estar ciente que a falta de contato físico espontâneo pode gerar impactos na saúde mental e emocional de ambos. Encontrar maneiras de manter a conexão física, como abraços, carícias e outras formas de demonstração de afeto físico, mesmo que não seja na cama antes de dormir.
- Sentimentos de solidão, distanciamento. Pode acontecer com ambos ou com um dos cônjuges. É fundamental que ambos os parceiros se sintam nutridos emocionalmente, apoiando-se como casal e individualmente. Ter esta consciência e se esforçarem mutuamente combatendo desta forma sentimentos negativos.
Diretora de Ensino e Pesquisa do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Monica Andersen afirma que não há estudos conclusivos que atestam se é melhor para o sono dormir junto ou separado, mas é preciso levar em conta o cenário.
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“Para se ter ideia, há homens que roncam a 75 decibéis, que é como o barulho de um caminhão, mas a mulher dorme muito bem. E há casos em que o ronco é de apenas 10 decibéis, mas o outro tem sono leve e acorda facilmente. Nesses casos, recomendo que durmam separados para que tenham melhor vida conjugal”, afirma.
É importante é ter em mente que o sono representa um terço das nossas vidas, e “esse terço governa os outros dois terços”, alerta a especialista.
“Se você dormiu mal, todo o seu dia ficará comprometido. Ficamos com irritabilidade, mais impulsividade, temos maior chance de cometer erros no trabalho, na direção de veículos. E se a pessoa dorme mal com frequência perde, inclusive, suas barreiras imunológicas, sente mais dor”, ressalta Monica. “São várias as consequências negativas.”
Casal voltou a dormir junto
Carmem Lúcia Silva de 59 anos, cabeleireira, e Fernando Carlos Freitas, de 60, representante comercial, têm 29 anos de relacionamento. O representante comercial conta que, na pandemia, precisou mudar de quarto porque pegou covid-19 e teve de se isolar. E afirma que achou ruim o afastamento físico.
O tempo de convivência mais íntima e de diálogo diminuíram. Por outro lado, houve ganho de privacidade e ele ficou feliz de dormir em outro colchão, pois tinha problemas com o de casal. “Meu incômodo pelo fato de minha esposa acordar muito cedo passou. Isso fez diminuir nossas discussões”.
O tempo de separação de quartos foi muito além do necessário para se proteger do vírus: quase um ano. “Minha esposa começou a reclamar. Conversamos sobre esta demora de voltarmos a dormir juntos. Trocamos o colchão e respeitei o horário que ela tem para dormir e acordar”, conta ele.
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