O presidente venezuelano, Hugo Chávez, confirmou a chegada de dois bombardeiros russos de longo alcance no país para fazer "vôos de treinamento" no Caribe. A chegada dos aviões Tu-160 ocorre dias depois do anúncio feito pelos governos venezuelano e russo, de que os dois países realizarão exercícios militares conjuntos nas águas do Caribe no mês de novembro. O anúncio da manobra militar colocou o governo dos Estados Unidos em "observação" e trouxe à tona a discussão sobre o relançamento da disputa geopolítica entre Estados Unidos e Rússia na América Latina. "São bombardeiros Tu-160 supersônicos que estavam há um certo tempo sem voar por esses lados, e a Rússia, há uns dois anos, decidiu relançar seu programa de aviação estratégica", afirmou Chávez durante a inauguração de um centro médico. Guerra Fria É a primeira vez, desde o final da Guerra Fria, que a Rússia realiza operações deste tipo na região, considerada como a área de influência dos Estados Unidos. "Yes, yes (sim, sim) para que lhes doa, 'pitiyanquis' ('pequenos-ianques')", acrescentou Chávez em referência à oposição venezuelana, a quem acusa de atuar a favor dos interesses dos Estados Unidos. Para o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, com a chegada dos bombardeiros ao Caribe, o governo russo pretende dar uma resposta à presença militar dos Estados Unidos e de seus aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança de defesa ocidental) no mar Negro, na fronteira sul da Rússia, como conseqüência do conflito que envolveu a Ossétia do Sul. "Depois do que ocorreu na Geórgia, houve um sinal de afirmação de que a Rússia é um fator que há que se tomar em conta na política internacional", disse Lander à BBC Brasil. "Nesse sentido, dar um passo ao Caribe significa ir mais além de sua região de influência. Se trata de um anúncio simbólico aos Estados Unidos de que o mundo tem outros atores", acrescentou. Oposição A aliança com a Rússia tem provocado críticas por parte da oposição venezuelana que afirma que Chávez, ao aproximar-se dos russos está colocando a Venezuela em uma "reedição" da Guerra Fria. A informação sobre a chegada dos bombardeiros havia sido anunciada mais cedo, em Moscou, pelo porta-voz da Força Aérea russa Alexander Drobyshevsky. O funcionário russo disse que durante o vôo os dois aviões Tu-160 foram acompanhados por aeronaves da Otan. "Enquanto os Tu-160 voavam, eles eram acompanhados por jatos de combate da Otan", disse Drobyshevsky. As aeronaves foram desenvolvidas ainda no período da extinta União Soviética e têm capacidade para portar 12 foguetes e 40 toneladas de bombas. Os dois bombardeiros permanecerão na Venezuela durante vários dias, realizando vôos de treinamento, de acordo com informações da agência de notícias RIA. Chávez, que é ex-pára-quedista, brincou e disse que iria pilotar um dos aviões e sobrevoaria a ilha de Cuba. "Eu vou pilotar um desses bichos (...) Fidel, vou (passar) por aí voando baixinho", disse. Crise no Cáucaso Neste fim-de-semana, pouco antes de o governo da Venezuela confirmar sua "aliança estratégica" com o governo russo no Caribe, o presidente russo Dmitry Medvedev havia questionado a decisão dos EUA de enviar parte de sua frota naval à Geórgia sob o argumento de enviar ajuda humanitária ao país. "Como se sentiria (Washington) se nós enviássemos ajuda humanitária ao Caribe utilizando nossa própria Força Naval?", questionou Medvedev. Edgardo Lander, ressaltou, porém, que "a Rússia não tem capacidade, do ponto de vista logístico e militar, de competir" com os Estados Unidos na região. Diante deste cenário, Lander afirma que na hipótese de um conflito armado entre EUA e Venezuela, o governo russo apenas "assistiria" a crise. "Sem bases militares e sem nenhuma capacidade logística, assim como os Estados Unidos observaram, impotentes, a ação militar russa na Geórgia, é difícil pensar que a Rússia atuaria no caso de um conflito armado contra a Venezuela. Essa ajuda está absolutamente descartada", afirmou. Desde o fracassado golpe de Estado de 2002, Chávez vem afirmando que o governo dos Estados Unidos pretende "derrubá-lo" e afirma que há uma "ameaça" iminente de uma invasão militar americana para controlar o Estado petroleiro, quinto maior exportador mundial. "Manobra arriscada" O comandante Héctor Herrera, da Reserva das Forças Armadas da Venezuela e presidente do Frente Cívico Militar, apóia a realização do exercício militar que a seu ver "é uma demonstração de soberania da Venezuela" e também um recado para Washington. "Obviamente há uma mensagem política nesta decisão que é a que os Estados Unidos não são os donos do Caribe e da América do Sul", afirmou Herrera à BBC Brasil. De acordo com o comandante da Reserva, a reativação da 4ª Frota americana no Caribe representa "uma clara ameaça aos governos progressistas" da região. "Temos todo o direito de realizar esses exercícios para fortalecer a defesa do nosso território e porque não fazê-lo com os russos?", questionou. Na opinião do sociólogo Edgardo Lander, a decisão do governo venezuelano em participar da disputa russo-americana é uma manobra arriscada. "Venezuela jogará um papel na geopolítica internacional com manobras militares que estão além da sua capacidade de decisão. É uma decisão arriscada", avaliou. O governo russo enviará à missão naval cerca de mil militares e quatro barcos, entre os quais estará o cruzeiro de batalha nuclear "Pedro, o Grande", considerado como um dos maiores navios de combate do mundo, com capacidade para lançar 500 mísseis. A Venezuela, por sua vez, aportará com uma pequena esquadrilha aérea e com efetivos da Marinha. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. 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