PUBLICIDADE

Bendito é o fruto dá o troco, na linha 1788

Do posto de cobrador, Claudevan corre para as garotas de sua vida

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Os olhos azuis e os cabelos loiros são herança do bisavô. É resquício de colonização holandesa, e não tem nada a ver com o Sul. Natural de Batalha, na bacia leiteira de Alagoas, o cobrador Claudevan Silva dos Santos, de 47 anos, vive em São Paulo desde 1997. Hoje está feliz como nunca: a primeira de suas filhas acaba de entrar na universidade, o "futuro começa a se garantir". Era um sonho que nutria para si."Agora é ela quem leva adiante o sonho que tive", diz o cobrador de ônibus, responsável pelo controle da catraca da linha 1788, Jardim Fontalis, que deixa o Terminal Santana, zona norte, de hora em hora a partir das 6h30. "Tinha muita vontade de ver isso realizado." Vontade que vem do tempo em que trabalhava como motorista escolar em Batalha, nos anos 80. Transportava 15 crianças da roça para a cidade, numa caminhonete adaptada com bancos de madeira e capota de couro. "Estudei só até a 8ª série e pensava como seria ir além. Vou acompanhar de perto a trajetória da minha filha."Do trabalho na sacolejante cadeira do cobrador, ele só se queixa das reclamações dos usuários. "Dizem que ficou caro agora, mas isso é porque todo mundo tem necessidade". E o ônibus entra num trecho esburacado da estrada, chegando ao extremo norte da capital - a vegetação da Cantareira começa a aparecer, as casas em locais irregulares, nos morros, também. "Nessa linha, as pessoas são necessitadas, é normal reclamarem."Claudevan é homem entre dez mulheres - filho único no meio de quatro irmãs, pai de seis meninas. Diz viver "rodeado de suas garotas" e, ao fim do expediente, é a elas que se dedica. Numa terça-feira recente, já às 9h30, ansiava pela hora de voltar para casa, queria fazer um "jantar bem gostoso". "Fico olhando o pessoal descer já imaginando que são os últimos do dia." E, naquela primeira viagem, o último passageiro a desembarcar do 1788 foi um estudante, carregando algo que chamou a atenção do cobrador: o livro Eclipse, de Stephenie Meyer. "Bonito ver a juventude, não é?" O rapaz desceu quase correndo. Tropeçando no que parecia ser atraso.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.